Decisão Arbitral [1]
Requerente – Sociedade Imobiliária A…
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira
O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 27 de Abril de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A Sociedade Imobiliária A… (doravante designada por “Requerente”), com sede na Av. .., …, lº A, …-… Lisboa, Pessoa Colectiva nº ..., apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular no dia 12 de Fevereiro de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral:
1.2.1. Declare “(…) a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de imposto de selo (nº 2014 …, nº 2014 …, nº 2014 …, nº 2014 …, nº 2014 …, nº 2014 … e nº 2014 …) sobre os andares que constituem prédio urbano sito na Avenida …, número …, em Lisboa (…)”,
1.2.2. “(…) ordenando a anulação dos actos tributários (...) com as legais consequências (…)”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida, em 16 de Fevereiro de 2015.
1.4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Em 2 de Abril de 2015, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27 de Abril de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral, em 28 de Abril de 2015, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Em 3 de Junho de 2015 a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e impugnação e concluindo que “(…) deve ser julgada procedente a excepção de incompetência do Tribunal arbitral, ou caso assim não se entenda deve ser considerada procedente a impugnabilidade dos actos em causa no pedido de pronúncia arbitral, ou ainda, caso assim não se decidir, deve a presente acção arbitral ser julgada improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido com as demais consequências legais”.
1.8. Adicionalmente, foi apresentado pela Requerida, na mesma peça processual da Resposta, um pedido de dispensa “da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como, a dispensa da realização de alegações”.
1.9. No entanto, tendo em consideração a excepção deduzida pela Requerida, foram ambas as Partes notificadas do despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 9 de Junho de 2015 (notificado a ambas as Partes em 11 de Junho de 2015), no sentido de agendar a primeira reunião do processo, nos termos do disposto no artigo 18º do RJAT, para o dia 30 de Junho de 2015, pelas 14:30, nas instalações do CAAD, para dar cumprimentos aos fins previsto naquele artigo.
1.10. Contudo, a Requerente apresentou, em 15 de Junho de 2015, Requerimento dando resposta à matéria de excepção deduzida pela Requerida na sua Resposta, no sentido de que “contrariamente ao que a AT pretende fazer crer, a Requerente impugna um ato tributário de liquidação de imposto”, referindo ainda que “(…) impugnou a liquidação da primeira e segunda prestação do imposto de selo de 2013, o que fez de forma autónoma, na medida em que as datas e os prazos de impugnação, são autónomos” [2].
1.11. Também a Requerida, através de Requerimento, datado de 15 de Junho de 2015, veio solicitar “a notificação para a Requerente (…) responder por escrito à exceção invocada na Resposta (…) [3] no prazo a determinar pelo tribunal” e que a realização de alegações escritas fosse efectuada de modo sucessivo, “(…) no prazo de 15 dias, iniciando-se a contagem do prazo das Alegações da Requerida a partir da notificação das alegações da Requerente”.
1.12. Por despacho arbitral, datado de 15 de Junho de 2015, foi admitida a junção das peças processuais acima referidas nos pontos 1.10. e 1.11., tendo as Partes sido convidadas a pronunciarem-se, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa da reunião, previamente agendada para o dia 30 de Junho de 2015 (vide ponto 1.9., supra), sendo advertidas que, caso tal não viesse a acontecer, a referida reunião seria dada sem efeito e seriam ambas as Partes notificadas para “por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente”.
1.13. A Requerente respondeu, em 22 de Junho de 2015, ao despacho arbitral de 9 de Junho de 2015, referindo que nada tinha a opor à dispensa de realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT.
1.14. A Requerida nada veio dizer, em tempo útil, relativamente ao teor dos despachos arbitrais acima identificados.
1.15. Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 25 de Junho de 2015 (notificado a ambas a Partes a 29 de Junho de 2015), ficou decidido:
1.15.1. Desmarcar a reunião previamente agendada para 30 de Junho de 2015 prescindir da realização da mesma[4] (com a consequentemente dispensa da audição da prova testemunhal apresentada pela Requerente, porquanto foi considerado que a posição das Partes estava plenamente definida nos autos e suportada pela prova documental já anexada);
1.15.2. Não prescindir da apresentação de alegações, pelo que ambas as Partes foram notificadas para “por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente”;
1.15.3. Designar o dia 25 de Setembro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.16. Por último, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a fazer com data de 4 de Agosto de 2015).
1.17. Em 14 de Julho de 2015, a Requerente apresentou alegações escritas, concluindo que “deverá a presente impugnação ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser decretada a anulação dos actos de liquidação impugnados e, em consequência, serem devolvidas à Requerente as quantias indevidamente pagas, correspondente ao valor dos actos impugnados, incluindo juros de mora”.
1.18. Na mesma data, foi proferido despacho arbitral (notificado a ambas as partes a 15 de Julho de 2015), no sentido de notificar a Requerida da apresentação de alegações pela Requerente, de modo a que aquela pudesse dar cumprimento do teor do despacho arbitral de 25 de Junho de 2015 (vide ponto 1.15.2, supra).
1.19. Em 9 de Setembro de 2015, a Requerida apresentou alegações escritas defendendo que “os actos tributários impugnados, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica”, concluindo, como na Resposta apresentada, que “deve ser julgada procedente a excepção de incompetência do Tribunal arbitral, ou caso assim não se entenda deve ser considerada procedente a inimpugnabilidade dos actos em causa no pedido de pronúncia arbitral, ou ainda, caso assim não se decidir, deve a presente acção arbitral ser julgada improcedente, absolvendo-se a (…) Requerida do pedido, com as demais consequências legais”.
2. CAUSA DE PEDIR
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
2.1. “A ora Requerente é proprietária do prédio urbano situado na Avenida …, nº .., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha nº …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (…) (…)”.
2.2. O referido prédio urbano “compreende 7 (sete) andares e divisões com utilizações independentes, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi determinado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7°, nº 2, alínea b) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, ascendendo a um total “de € 1.558.250,00”.
2.3. Este prédio urbano “apesar de ser constituído por diversos andares com utilização totalmente independente, nunca foi constituído no regime da propriedade horizontal”, sendo que cada uma dos “andares independentes tem um valor patrimonial tributário atribuído (…) compreendido entre os €37.010,00 e os €257.670,00”.
2.4. Segundo a Requerente, “em causa (…) estão as (…) liquidações do imposto do selo de € 825,86 referente ao primeiro andar (nº 2014 …), € 825,86 referente ao segundo andar (nº 2014 …), € 850,63 referente ao terceiro andar (nº 2014 …), € 850,63 referente ao quarto andar (nº 2014 …), € 858,90 referente ao quinto andar (nº 2014 …), € 858,90 referente ao sexto andar (nº 2014 …) e € 185,05 referente ao sétimo andar (nº 2014 …)”. [5]
2.5. Prossegue a Requerente referindo que “a AT liquidou o imposto de selo de cada um daqueles andares, com referência ao ano 2013 (…) à taxa de 0,5%” pois “a AT entende que há lugar a incidência do imposto do selo, pelo facto do somatório dos VPT dos diversos andares (…) perfazer o valor de € 1.558.250,00”, não obstante individualmente considerado ascender a valores entre os EUR 37.010,00 (relativo ao sétimo andar) e os EUR 257.670,00 (relativo ao quinto e sexto andares).
2.6. Para a Requerente, “no entendimento da AT, para um prédio em propriedade vertical, o critério para determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação”, posição que a Requerente entende ser “manifestamente ilegal e mesmo inconstitucional” pois “a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1. da TGIS é determinada pela conjugação de dois critérios - a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00” pelo que “no caso de um prédio urbano com características idênticas ás descritas nos presentes autos, a sujeição a imposto do selo é determinada não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões”.
2.7. Assim, conclui a Requerente que não fazendo o legislador “nenhuma distinção entre os prédios em propriedade vertical e prédios sujeitos ao regime da propriedade horizontal”, “é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos a cada um dos andares, na medida em que se traduz numa nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade fiscal”.
2.8. Nestes termos, conclui a Requerente que “os atos de liquidação da autoridade tributária são manifestamente ilegais” e, em consequência, devem ser anulados.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por excepção e por impugnação nos termos a seguir descritos:
POR EXCEPÇÃO
Da incompetência do tribunal arbitral
3.2. Neste âmbito, alega a Requerida que “a Requerente não impugna um acto tributário, mas impugna (…) o pagamento de uma prestação (3ª) de um acto tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança” pelo que “o objecto do processo é a anulação não de um acto tributário (…), mas sim de notas de cobrança para o pagamento da 3ª prestação de um imposto”.
3.3. Assim, para a Requerida, esta matéria “(…) não consta (…) do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários (…)” pelo que “o acto objecto de pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal Arbitral”, sendo por isso “(…) incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança”.
Da inimpugnabilidade dos actos
3.4. Prossegue a Requerida, referindo que “a Recorrente identifica os actos impugnados” os quais são documentos de cobrança nos quais se refere que “a liquidação que esteve na sua origem foi datada de 17 de Março de 2014” verificando-se, segundo a Requerida que “aquilo que a Requerente impugna não são os actos de liquidação mas as 3ªs prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto”.
3.5. De acordo com a interpretação efectuada pela Requerida, “o Imposto de Selo a que se refere a verba 28 da TGIS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial”, “razão pela qual, o pagamento de uma das prestações da liquidação efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança do imposto liquidado”.
3.6. Nestes termos, conclui a Requerida que verificando-se que “existe uma única liquidação”, sendo o seu “pagamento (…) concretizado em prestações, o que não permite a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar”[6], “(…) razão pela qual deve a excepção invocada ser procedente e a AT ser absolvida do pedido”.
POR IMPUGNAÇÃO
3.7. Em matéria de defesa por impugnação, invoca a Requerida que “não se pode aderir a qualquer dos argumentos da Requerente pelas razões que se seguem”:
3.7.1. “A Requerente é (…) proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, pelo que não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio” (“decorre da noção de prédio do artigo 2º do CIMI” que “só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios”).
3.7.2. Segundo a Requerida, “pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal será, no mínimo, abusivo e ilegal”.
3.7.3. Por outro lado, segundo defende a Requerida, “(…) conforme dispõe o artigo 11º, nº 1 da LGT que remete para o Código Civil que, no artigo 10º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei”, não comportando a lei fiscal, segundo a Requerida, “qualquer lacuna”.
3.8. Assim, segundo a Requerida, “não se poderá aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal, sob pena de violação aberta do princípio da legalidade”.
3.9. De facto, prossegue a Requerida, “a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é (…) afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente” pois “tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo (…) as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”, “sem prejuízo do regime de compropriedade, quando for o caso (…)”.
3.10. Para a Requerida, “o facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral” pois “é o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas”.
3.11. E, concluiu a Requerida que “outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)”, pelo que “os actos tributários impugnados (…) não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica”.
3.12. Por último, a Requerida solicitou que fosse “dispensada a produção de prova testemunhal”.
3.13. Nestes termos, terminou a Requerida a sua Resposta requerendo que “(…) deve ser julgada procedente a excepção de incompetência do Tribunal arbitral, ou caso assim não se entenda deve ser considerada procedente a inimpugnabilidade dos actos em causa no pedido de pronúncia arbitral, ou ainda, caso assim não se decidir, deve a presente acção arbitral ser julgada improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido com as demais consequências legais”.
4. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS – MATÉRIA DE EXCEPÇÃO
4.1. De acordo com o disposto no artigo 608º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 22º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).
4.2. Tendo a Requerida invocado as excepções a seguir identificadas:
4.2.1. Da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente;
4.2.2. Da inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral.
Impõe-se que este Tribunal Arbitral se pronuncie, previamente, sobre as mesmas.
4.3. Desde logo, refira-se que a análise das duas questões acima referidas andará muito interligada, porquanto condicionam-se reciprocamente, ou seja:
4.3.1. Caso se venha a entender que o Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar o pedido é porque se considera ininpugnáveis de forma autónoma os actos (notas de cobrança) objecto do pedido de pronúncia arbitral;
4.3.2. Caso se considerem impugnáveis de forma autónoma os referidos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral (acima identificados no ponto 2.4.) então o Tribunal também será competente para conhecer do referido pedido.
4.4. Neste âmbito, sendo a determinação da competência dos tribunais uma matéria de ordem pública e o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria, [conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do 13º do CPTA e do 96º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão do nº 1 do artigo 29º do RJAT], deverá esta excepção ser analisada desde logo pois, caso seja julgada procedente, ficará prejudicado o conhecimento do mérito da causa, justificado com uma decisão de absolvição da instância [artigo 89º, nº 2 do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT].
Da incompetência do Tribunal Arbitral
4.5. Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. [7]
4.6. Por outro lado, determina o artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT) que “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”, podendo ser lesivos, nomeadamente, “a liquidação de tributos (…)”.
4.7. Neste âmbito, veio a Requerida defender que “o acto objecto de pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal Arbitral” ou seja, que este “é incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança”.
4.8. A este respeito, a Requerente veio dizer que “(…) impugna um ato tributário de liquidação de imposto”, pois “em Setembro de 2014 (…) foi notificada para proceder ao pagamento de 3ª prestação do imposto de selo o que não deixa de consubstanciar um ato tributário” isolado “e com prazos de impugnação autónomos”.
Da inimpugnabilidade dos actos
4.9. Nestes termos, se por um lado, resulta do quadro normativo acima transcrito que, em termos gerais, a pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação poderá ser objeto, quer de impugnação judicial, quer de pedido de pronúncia arbitral, a questão que importa aqui apreciar será a de saber se poderão ser objecto de pronúncia arbitral a impugnação “de cada prestação de forma autónoma, na medida em que as datas e os prazos de impugnação são autónomos”, conforme é sustentado pela Requerente ou se, pelo contrário, conforme defende a Requerida, verificando-se que “existe uma única liquidação”, sendo o seu “pagamento (…) concretizado em prestações”, não se permite “a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar” (sublinhado nosso).
4.10. Com efeito, sustenta a Requerente que, no caso de tributos pagos em mais do que uma prestação (como é o caso em análise), cada uma destas pode ser objecto de impugnação autónoma, cujo prazo começa a correr após o pagamento de cada uma delas.
4.11. Para efeitos de dar uma resposta à questão acima enunciada, entendemos ser pertinente ter presente o conceito de liquidação subjacente, quer no artigo 97º, nº 1, alínea a) do CPPT (“liquidação de tributos”), quer no artigo 2º, nº 1, alínea a) do RJAT (“actos de liquidação de tributos”).
4.12. Neste âmbito, conforme defende José Casalta Nabais, “a liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto (e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas)” enquanto “a liquidação stricto sensu” se traduz “na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável e as (eventuais) deduções à colecta” (sublinhado nosso). [8]
4.13. Assim, conforme decorre da noção de liquidação acima transcrita, para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação pela qual se determinará a coleta a pagar, entendimento este que decorre do disposto no artigo 23º, nº 7, do Código do Imposto de Selo, nos termos do qual se refere que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI”.
4.14. Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 113º, nº 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), a liquidação é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte àquele a que respeito e ainda que possa ser paga em várias prestações, não decorre deste facto que tenham ocorrido várias liquidações. [9]
4.15. Na verdade, a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação [10], pelo que quando a lei prevê o seu pagamento em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros compensatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.
4.16. O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de imposto isoladas uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do acto tributário de liquidação que, como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único acto tributário.
4.17. Assim, do acima exposto resulta que as notas de cobrança de Imposto do Selo, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, não são impugnáveis de per si, porquanto não constituem actos de liquidação de tributos (e, por isso, serem consideradas ininpugnáveis à luz da legislação aplicável), mas apenas uma das prestações em que o pagamento desses tributos pode ser realizado. [11] [12]
4.18. Nestes termos, face ao acima exposto, verifica-se que os actos objecto do presente pedido de pronúncia arbitral não estão incluídos no âmbito do disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a) do RJAT, por não serem “actos de liquidação de tributos” (nem com eles se confundindo, pois na realidade correspondem a 1/3 do valor liquidado [13]), pelo que é julgada procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, nos termos do disposto no artigo 16º, nº 1 do CPPT (aplicável por força do artigo 29º do RJAT), associada à inimpugnabilidade autónoma dos actos objecto do pedido, com a consequente a absolvição da Requerida da instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 99º, nº 1 e artigo 576º, nº 2, do CPC (aplicável ex vi daquela disposição do RJAT), ficando em consequência prejudicado o conhecimento do mérito da causa. [14] [15]
DECISÃO
5.1. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
5.2. Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC).
5.3. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerente.
5.4. Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:
5.4.1. Julgar procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral (tendo em consideração a inimpugnabilidade autónoma dos actos de cobrança objecto do pedido) e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
5.4.2. Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 5.255,83 (resulta do somatório das notas de cobrança identificadas no artigo 6 º do pedido).
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 25 de Setembro de 2015
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] Neste âmbito, refere ainda a Requerente que os respectivos processos de impugnação, relativos à primeira e à segunda prestação do Imposto do Selo de 2013, já correram termos no CAAD, tendo os mesmos sido julgados procedentes (vide Processo nº 422/2014, de 9 de Dezembro de 2014 e Processo nº 682/2014, de 30 de Janeiro de 2015, cujas cópias da respectivas decisões foram anexadas ao presente processo).
[3] Pedido prejudicado pelo Requerimento apresentado pela Requerente, em 15 de Junho de 2015 (vide ponto 1.10., supra), dando resposta à matéria de excepção invocada pela Requerida.
[4] Esta decisão do Tribunal Arbitral justificou-se em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do CPC [aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT].
[5] A identificação a negrito dos actos acima referidos é nossa.
[6] Neste sentido, a Requerida refere decisões emitidas pelo CAAD, no âmbito do Processo nº 120/2012-T, de 12 de Junho de 2013, Processo nº 408/2014-T de 17 de Dezembro de 2014 e Processo nº 138/2015-T (apenas foi obtida evidência da Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo nº 137/2015, de 30 de Junho de 2015 relativo a “IS – Competência do Tribunal Arbitral”).
[7] O disposto no referido preceito deverá ser entendido em conjugação com o disposto no artigo 97º do CPPT, no qual estão indicadas as pretensões objeto do processo judicial tributário, prevendo-se na alínea a) do seu nº 1 que o processo judicial tributário compreenda “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais (…)”.
[8] In DIREITO FISCAL, 3ª Edição, Almedina, 2005, página 318.
[9] Neste sentido, vide Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo nº 205/2013, de 7 de Março de 2014, nos termos da qual se escreve que “da circunstância do valor da liquidação [de Imposto de Selo] poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações (…) tratando-se, diferentemente, de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações”.
[10] Neste âmbito, embora a proferido sob a égide de análise de outro tributo (e quanto a actos interlocutórios do procedimento tributário), deverá atentar-se no vertido no AC TCAN nº 00264/10.1BEBRG, de 16 de Outubro de 2014, nos termos do qual se refere que “por força do princípio da impugnação unitária, plasmado no artigo 54º do CPPT, só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento tributário” (liquidação) “dado que só esse acto atinge ou lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do contribuinte” [ou seja, qualquer outro tipo de acto que não seja o da liquidação “(…) é efectivamente impugnável (…) através do acto de liquidação (…) praticado, pelo que fica, desta forma, assegurada a possibilidade de controlo judicial da sua legalidade”.
[11] Nesta matéria, vide Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo nº 726/2014, de 10 de Março de 2014, no sentido de que “uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto, porquanto, nos termos do nº 7, do artigo 23º, do Código do Imposto do Selo (…), tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI. Ora, a expressão o imposto é liquidado anualmente indicia que é efetuada uma única liquidação anual e (…) a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas. As prestações de pagamento de uma liquidação de (…) Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual” (sublinhado nosso)
[12] Neste sentido, vide também Decisão Arbitral relativa ao Processo nº 137/2015, de 30 de Junho de 2015.
[13] Excepto no que diz respeito ao sétimo andar relativamente ao qual corresponde a ½ do valor da liquidação (duas prestações e não três).
[14] Neste sentido, vide Decisão Arbitral relativa ao Processo nº 736/2014, 13 de Abril de 2015.
[15] Note-se que, com procedência desta excepção dilatória, ficou também prejudicada a análise da excepção dilatória da litispendência ou da excepção dilatória de caso julgado (ambas de conhecimento oficioso, de acordo com o disposto nos artigos 577º, alínea i), 578º e 580º do CPC), tendo em consideração a existência das Decisões Arbitrais proferidas no âmbito do Processo nº 422/2014-T, de 9 de Dezembro de 2014 e do Processo nº 682/2014-T, de 30 de Janeiro de 2015, que analisaram a legalidade das duas outras prestações de imposto, porque tal se revelaria inútil tendo em consideração as consequências da procedência da excepção em análise.
Na verdade, caso esta excepção dilatória não tivesse sido julgada procedente, teriam sido analisadas, oficiosamente e em detalhe, aquelas duas outras excepções [tendo em conta a fase em que os respectivos processos se encontram (ou em fase de recurso ou já transitados em julgado), tendo em conta a eventual repetição da causa de pedir no presente processo face aos anteriormente decididos (e acima identificados) uma vez que os actos de liquidação subjacentes aos três processos são os mesmos (mesmos andares do mesmo prédio urbano, mesmo ano, mesma taxa e mesmo VPT).