DECISÃO ARBITRAL
Autores/Requerentes:
- A…;
- B…;
- C…;
- D…;
- E…; e
- Cabeça de Casal da Herança de F….
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I – RELATÓRIO
1. Em 19 de Fevereiro de 2015 os contribuintes A…, B…, C…, D…, E… e Cabeça de Casal da Herança de F…, titulares dos números de identificação fiscal …, …, …, ..., … e …, respectivamente, (doravante designados por os “Requerentes”), submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), na sequência dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2013 e com data de 18 de Março de 2014, de cada um dos andares com utilização independente que integram o prédio urbano inscrito sob o artigo …, na matriz predial urbana da União de Freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho do Porto, no valor global de € 8.674,08 (oito mil, seiscentos e setenta e quatro euros e oito cêntimos).
2. No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes optaram por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro único o signatário Jorge Carita, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 30 de Abril de 2015.
5. Em 3 de Junho de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta.
6. A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, assim como as alegações foram dispensadas pelas partes.
7. A posição dos Requerentes, expressa no pedido de pronúncia arbitral, é, em resumo, a seguinte:
7.1. Os actos de liquidação objecto da presente pronúncia arbitral estão feridos de vício de erro sobre os pressupostos de direito, erro sobre os pressupostos de facto e vício de violação da lei.
7.2. Os Requerentes entendem que a ficção da existência de um valor patrimonial tributário correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários das diversas partes susceptíveis de utilização independente não encontra suporte, quer na letra, quer no espírito da Lei.
7.3. Tratando-se de imposto devido pela situação prevista na Verba 28 da Tabela do Imposto do Selo, assim como a sua respectiva liquidação, aplicam-se as regras contidas no Código do IMI, de acordo com o artigo 23.º, n.º 7 e alínea u) do n.º 1 do artigo 5.º, ambos do Código do IS.
7.4. Ora, sendo o IMI liquidado em relação a cada parte susceptível de utilização independente considerado separadamente na inscrição matricial que discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário (cfr. artigo 113.º, n.º 1 e 12.º, n.º 3, ambos do Código de IMI), não pode a Requerida fazer corresponder o valor patrimonial tributário de um prédio composto por vários andares ou divisões com utilização independente à soma dos valores patrimoniais tributários dos vários andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, fazendo com que, desta forma, a Verba 28.1 do Código do Imposto do Selo incida sobre o prédio dos Requerentes.
7.5. Aliás, os Requerentes sublinham que a factualidade e enquadramento jurídico subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral já foram objecto de sindicância por parte deste Tribunal, no processo n.º 204/2014-T, relativamente às liquidações de IS ao abrigo da Verba 28.1, para o ano de 2012, referente ao prédio em questão. Assim sendo, o Tribunal Arbitral anulou as liquidações em causa por entender “(…) que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na Verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, por não poder a mencionada Verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independentemente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.”.
7.6. Tal decisão está em consonância com a jurisprudência uniforme e abundante do Centro de Arbitragem Administrativa quanto a esta questão jurídica.
7.7. Acresce que, os Requerentes entendem ainda que o artigo 1.º, n.º 1 do Código do IS, em conjugação com a Verba 28.1, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, na redacção em vigor à data dos factos, é inconstitucional por violação do princípio constitucionalmente tutelado da igualdade, uma vez que a AT faz uma distinção entre os prédios que hajam sido constituídos em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, representando uma distinção totalmente arbitrária. Fazendo com que os actos que aplicam normas inconstitucionais estejam feridos de invalidades, padecendo aqueles inequivocamente de nulidade, não podendo, assim, manterem-se na ordem jurídica dos Requerentes.
7.8. Acresce ainda que, as liquidações de IS referentes ao primeiro, segundo e quarto andar com utilização independente encontram-se inquinadas por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que apenas ficam abrangidos pela norma de incidência de IS os prédios com afectação habitacional. Neste sentido, entendem os Requerentes que a Lei visa apenas abranger aqueles prédios que, numa perspectiva funcional se encontram afectos à habitação, o que não é o caso dos primeiro, segundo e quarto andar susceptíveis de utilização independente e que não se encontram funcionalmente afectos a habitação.
7.9. Não obstante, os Requerentes foram notificados de vários documentos para pagamento, mas naqueles não consta o número da liquidação que se lhes encontra subjacente. Pelo que, a ausência do elemento essencial que é a identificação do acto de liquidação que subjaz ao documento para pagamento, inquina o acto de ilegalidade por ausência de fundamentação legal exigida.
7.10. Por todo o exposto, as liquidações de IS, referentes ao ano de 2013, ao abrigo da Verba 28.1 da respectiva TGIS, datadas de 18.03.2014, correspondentes ao prédio em referência, devem ser anuladas, com todas as consequências legais.
8. A posição da Requerida expressa na resposta, é, em síntese abreviada, a seguinte:
8.1. O facto tributário do IS da Verba 28.1, consiste na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00. Assim, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é o valor patrimonial global do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes independentes que o componham.
8.2. O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente, entende a Requerida que não afecta a aplicação da Verba 28.1 da TGIS, esta que se destina ao valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.
8.3. Aliás, outra interpretação violaria o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado.
8.4. Ainda assim, a propriedade horizontal e propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados, e por isso, não existe nenhuma discriminação arbitrária quando o legislador opta por conceder um tratamento tributário diferenciado a duas realidades também diversas.
8.5. Nesta cadência, a Requerida conclui pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral formulado, sendo evidente a conformidade legal do acto objecto dos presentes autos.
II – QUESTÕES DECIDENDAS
9. Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:
a) Os actos tributários das liquidações de Imposto do Selo da Verba 28.1 da Tabela Geral, Anexa ao Código de IS, referentes ao ano de 2013 e com data de 18 de Março de 2014, sobre cada um dos andares com utilização independente que integram o prédio urbano inscrito sob o artigo …, na matriz predial urbana da União de Freguesias de …, …, …, …, … e …, concelho do Porto, no valor global de € 8.674,08 (oito mil, seiscentos e setenta e quatro euros e oito cêntimos), da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira, padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e ainda, de vício de violação da lei.
III – SANEAMENTO
10. O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Tudo visto, cumpre proferir.
IV – FUNDAMENTOS DE FACTO
11. Tendo em conta o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
-
Os Requerentes são legítimos proprietários do prédio urbano inscrito sob o artigo …, na matriz predial urbana da União de Freguesias de …, …, …, …, … e …, no concelho do Porto, constituído em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, apesar de não serem os únicos (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 2 anexo à Petição Arbitral).
-
O prédio identificado no alínea anterior, face à licença de obras n.º …/…, tem uma cave destinada a estabelecimento e habitação do porteiro, primeiro, segundo e quarto andares destinados a escritórios, e por último, um terceiro andar destinado a habitação (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 4 anexo à Petição Arbitral).
-
A AT atribuiu ao prédio em referência, para efeitos de aplicação da Verba 28.1 da TGIS, o “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” de € 1.115.229,52 (um milhão cento e quinze mil duzentos e vinte e nove euros e cinquenta e dois cêntimos) – (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 1 anexo à Petição Arbitral).
-
Em conformidade com o valor patrimonial tributável atribuído ao prédio em causa, a AT procedeu às respectivas liquidações de IS com base na Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo, datadas de 18 de Março de 2014, notificadas aos Requerentes, no valor global de € 8.674,08 (oito mil, seiscentos e setenta e quatro euros e oito cêntimos) – (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 1 anexo à Petição Arbitral).
-
As liquidações referenciadas na alínea anterior não foram objecto de reclamação ou de impugnação e os Requerentes, nos meses de pagamento de Abril e Novembro de 2014, procederam aos seus pagamentos integrais (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 3 anexo à Petição Arbitral).
12. Os factos enunciados no n.º anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
13. Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
14. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 10).
15. Assim, a questão que se suscita consiste em saber da legalidade do entendimento segundo o qual a Verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada como prevendo, no seu âmbito que, os prédios em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, que se caracterizem pelo facto de, a nenhuma dessas partes ou divisões, ter sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, embora a soma dos VPT relativos a cada parte ou divisão individualmente considerada se já igual ou superior ao mesmo valor de € 1.000.000,00, devem ser objecto de tributação.
16. A sujeição a Imposto do Selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da Verba 28 da TGIS, efectuada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”.
Esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012.
17. Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido, de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina, de acordo com o artigo 9.º, do Código Civil e artigo 11.º da Lei Geral Tributária.
18. Ora, a Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.”, constante na Verba 28.1.
19. A este respeito, deverá atender-se ao conceito de prédio que resulta do disposto no artigo 2.º do Código do IMI – “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” –, por remissão do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, aditado pela referida Lei, que dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à Verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”, obedecendo, desta forma, a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do mesmo código.
20. No Código de IMI, ainda temos que fazer referência ao artigo 6.º, que indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais na alínea a) do seu n.º 1, esclarecendo no seu n.º 2 que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”.
21. Podemos já concluir que o legislador se preocupou com a utilização normal do prédio, o fim a que se destina, e não com o rigor do conceito propriamente dito. O que, tendo em conta com a factualidade objecto dos presentes autos arbitrais (vd., ponto B do n.º 12), importa constatar que o prédio em referência, face à licença de obras n.º 199/63, tem uma cave destinada a estabelecimento e habitação do porteiro, primeiro, segundo e quarto andares destinados a escritórios, e por último, um terceiro andar destinado a habitação.
22. Neste sentido, podemos ainda acrescentar que aderimos ao entendimento expresso na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T, quando aí se refere que “Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.”.
23. Assim sendo, o legislador, na regra da incidência da Verba 28.1 da TGIS, não entendeu relevante distinguir entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade vertical. Pelo que, adiantamos já que não colhe o argumento expendido pela Requerida relatado no artigo 15º da sua Resposta, quando afirma que “O prédio urbano em causa nos presentes autos não está em regime de propriedade horizontal, caso em que cada uma das fracções autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao imposto de selo da Verba 28.1. da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical.”.
24. Importa atender ainda ao artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, que dispõe que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”.
25. E também o disposto no artigo 119.º n.º 1 do Código do IMI, que determina que “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”.
26. Ora, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do Código do IMI, utilizando o critério já referido no artigo 67.º, nº 2 do Código do Imposto do Selo – “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à Verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.” – obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o IS da Verba 28.1, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, resulta claro que se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, o mesmo terá que ser observado para a definição da regra de incidência do Imposto do Selo da Verba 28.1.
27. Considerando o exposto nos pontos anteriores, só tem lugar a incidência do imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente, apresentar um VPT superior a € 1.000.000,00, o que no caso concreto não acontece, conforme consta da caderneta predial urbana do prédio em referência (vd. ponto A do n.º 12).
28. Pelo que, a AT nunca pode considerar como valor de referência para a incidência do imposto do selo o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de Código de IMI. Como referido, nos termos daquele código, não existe qualquer diferença entre um edifício em propriedade horizontal e um edifício em propriedade vertical ou total constituído por partes ou divisões susceptíveis de utilização independente – sendo este o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba 28 da TGIS (cfr. artigo 67.º, n.º 2 da Lei 55-A/2012, de 29/10).
29. Este tratamento igualitário que o legislador não entendeu incluir na regra de incidência constante da Verba 28.1 da TGIS, também o fez no artigo 119.º do Código do IMI, quando estabelece que o imposto deverá ser liquidado individualmente sobre cada parte ou divisão susceptível de utilização independente, tendo em consideração o VPT de cada uma dessas partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, individualmente consideradas. De onde resulta que o VPT que deve ser considerado na aplicação da Verba 28.1 da TGIS, é o que decorre da letra e ratio dos artigos 2.º, 6.º n.º 1 alínea a), 12.º e 119.º, todos do Código do IMI.
30. Sobre o que acabamos de expor, e nos exactos termos em que aqui se coloca, se pronunciou a decisão proferida no processo n.º 204/2014-T, que tem a mesma factualidade e enquadramento jurídico subjacentes ao presente pedido de pronúncia arbitral, mas com referência às liquidações de IS ao abrigo da Verba 28.1 para o ano de 2012. Por não vermos razão para nos afastarmos da solução aí adoptada, que anulou as referidas liquidações do ano de 2012, transcrevemos o que aí ficou exarado quanto ao tratamento igualitário dado pelo legislador.
31. Ora, “resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.
Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.”.
32. Sobre esta questão, quanto ao dever de aplicar indiferentemente – a uns e outros tipos de prédios urbanos habitacionais, os constituídos em propriedade horizontal e os que se encontram em propriedade total ou vertical – a norma de incidência constante da Verba 28.1 da TGIS, aderimos ao entendimento expresso na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 35/2014-T quando aí se refere que “devendo, assim, esta incidir sobre o VPT atribuído pela Requerida, através de avaliação geral, a cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente.”.
33. Atento ao que acabamos de expor, não podemos acompanhar, salvo o devido respeito, a posição da Requerida, porquanto não é aceitável que o critério pretendido, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de Código de IMI e, por remissão, em sede de IS.
34. No caso em apreço, o prédio em causa encontra-se em propriedade total e contém 6 andares e/ou divisões com utilização independente dos quais, somente o rés-do-chão e terceiro andar se destinam a habitação, como ficou provado pelo documento n.º 4 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral e, nenhum desses andares tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, pelo que conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28.1 da TGIS.
35. Uma vez que o Tribunal Arbitral não acolheu o entendimento da Requerida, atenta a ilegalidade dos actos de liquidação objecto da presente decisão, escusa-se o tribunal a analisar as questões relativas à eventual inconstitucionalidade da aplicação da norma em causa e, bem assim, o pedido subsidiário apresentado pelas Requerentes, por manifesta inutilidade.
VI – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Pela procedência do pedido dos Requerentes, considerando-se ilegais os actos de liquidação de IS em referência, por erro sobre os pressupostos de facto e direito e violação do artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da Verba 28.1 da TGIS, devendo os referidos actos ser anulados, atento o facto de que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, objecto dos actos de liquidação alvos de pronúncia arbitral, têm um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, como ficou demonstrado nos presentes autos.
b) Condenar a Requerida a restituir a quantia indevidamente liquidada e paga no montante de € 8.674,08 (oito mil, seiscentos e setenta e quatro euros e oito cêntimos).
c) Condenar ainda a Requerida, uma vez que estamos perante um vício respeitante à relação jurídica tributária, pois a existência desse vício implicou a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição aos Requerentes da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei (cfr. artigos 43.º e 100.º da LGT e artigo 61.º do CPPT).
Fixa-se o valor do processo em € 8.674,08, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Agosto de 2015.
O Árbitro
(Jorge Carita)