Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 439/2014-T
Data da decisão: 2015-03-02  IMT  
Valor do pedido: € 595,74
Tema: IMT – Prédios integrados em empreendimentos com utilidade turística reconhecida; isenção de IMT; aplicação do artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83
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Proc. 439/2014-T

Decisão arbitral

 

 

Requerente: A…

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I – RELATÓRIO

 

1.      PEDIDO

A…, com o nº de identificação fiscal …, com domicílio da Rua … Lisboa, apresentou, em 23-06-2014, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação de ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis identificada pelo número …, sobre a compra do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o n.º ....

O Requerente alega, no essencial, o seguinte:

 

a.      SOBRE O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 20º, N.º 1 DO DECRETO-LEI N.º 423/83

-          A liquidação em crise incide sobre a aquisição efectuada pela Requerente, em 28/12/2015, à sociedade B... – …, S.A. de ½ da fracção BK do prédio urbano inscrito na matriz predial urbano da freguesia de ... sob o n.º ..., destinado a serviços, integrado no empreendimento turístico “C...”, sito na Av. ..., em ..., freguesia de ... do concelho de Loulé;

-          A liquidação em crise resultou da aplicação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) à taxa de 6,5% sobre ½ do valor patrimonial tributário do prédio (1/2 * 510 638,00 euros = 255 319,00 euros);

-          O Requerente efectuou a referida aquisição no pressuposto de que a mesma estava abrangida pela isenção de IMT prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, tendo ficado mencionado na escritura de compra e venda que a aquisição beneficiava de isenção do imposto;

-          Ao adquirir o prédio, o Requerente actuou como promotor do empreendimento em que se integra a fracção, contribuindo activamente para o financiamento das obras em curso;

-          O Requerente efectuou a aquisição a título de investimento, animado pelo intuito de retirar rendimento do prédio, tendo para esse fim realizado com a sociedade D... – …, SA., entidade exploradora do conjunto turístico designado “C...”, um contrato de exploração turística, nos termos da qual cedia a esta entidade o direito exclusivo de exploração da fracção;

-          No âmbito desse contrato, o Requerente comprometeu-se a entregar à D..., no início da vigência do sobredito mesmo, o imóvel livre, em funcionamento e com todas as condições para uma utilização turística, assumindo ainda a obrigação de garantir que o imóvel teria um recheio, mobiliário e equipamento de alto nível, compatíveis com necessidades de exploração turística, inerentes à qualificação e classificação turística do imóvel; obrigou-se ainda a constituir e a manter em vigor, durante a vigência do contrato, um seguro sobre a fracção, cobrindo os riscos de derrocada, incêndio, danos causados por terramoto, trovoadas ou outras forças da natureza, explosões e responsabilidade civil;

-          Autorizou ainda à D... a realização de necessárias substituições e/ou reparações de mobiliário, bem como a manutenção em geral e a eliminação de defeitos;

-          Pelo mesmo contrato, o Requerente assumiu ainda perante a D... a obrigação de pagar todas as contribuições, taxas, impostos ou quaisquer encargos, resultantes do contrato ou da propriedade do imóvel, de, no caso de venda do imóvel, comunicar o facto previamente à D... e de assegurar que o adquirente assumiria as obrigações previstas no contrato;

-          No mesmo contrato as partes acordaram ainda que do rendimento total da exploração turística do imóvel a D... receberia 25%, sendo os restantes 75% pagos trimestralmente ao Requerente, depois de deduzidos os custos relativos a arrumação, limpeza e manutenção;

-          Através deste contrato, o Requerente abdicou da livre fruição do seu imóvel em benefício da exploração turística e comercial do mesmo;

-          O artigo 20º do Decreto-Lei 423/83 inclui no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, pois se o objectivo da lei é o de fomentar a actividade turística, o benefício deve abranger não apenas o promotor mas os adquirentes das fracções, que são quem financia o investimento;

-          O benefício fiscal em causa visa favorecer aqueles que promovem o processo de instalação de empreendimentos de utilidade turística face à importância vital desta actividade na economia portuguesa;

-          A disposição legal referida concede isenção de IMT a quem adquira um prédio para o destinar “à instalação de empreendimento turístico”. Ora, a instalação de um empreendimento imobiliário turístico só cessa quando, depois de construído e licenciado o conjunto imobiliário, o mesmo se mostra apto a ser afectado à actividade de exploração turística com a qualidade exigida pelo despacho ministerial que lhe conferiu o estatuto de utilidade turística, o que requere que os imóveis tenham sido dotados das condições para tal, o que por sua vez requer a sua comercialização. O promotor do investimento, com efeito, não leva a cabo a completa instalação dos imóveis, ficando esta a cargo dos adquirentes dos mesmos.

-          Deste modo, visto que quem adquire uma unidade de alojamento num empreendimento turístico constituído ao abrigo do regime de propriedade plural previsto no RJIEFET[1] não lhe pode dar outro destino senão a exploração turística, sendo obrigado a mantê-lo equipado e pronto para ser locado para essa única finalidade, tal aquisição não representa um negócio imobiliário ou um investimento num produto residencial, mas um investimento na criação/instalação de oferta turística portuguesa;

-          Em suma, quem adquire um imóvel nas referidas condições, comparticipa na sua instalação, na medida em que este não pode considerar-se completamente instalado enquanto as respectivas unidades de alojamento não se encontram aptas a funcionar e a ser exploradas por falta de prévia aquisição nesse regime de propriedade;

-          Não é assim aceitável a tese de que só o promotor que adquire o imóvel para construir um empreendimento realiza um investimento turístico;

-          Na realidade, quem normalmente realiza o investimento, logo na fase de licenciamento e construção, são os adquirentes das fracções, através do pagamento do sinal e dos reforços de sinal por força dos contratos de promessa de compra e venda realizados com o promotor;

-          Por todo o exposto, a primeira aquisição de cada fracção autónoma, enquanto unidade de alojamento do empreendimento turístico “C...”, integra o processo de instalação deste empreendimento, reunindo as condições legais para beneficiar da redução de Imposto do Selo prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de Dezembro, dada a utilidade turística reconhecida a este empreendimento;

 

b.      QUANTO À DEDUÇÃO DA SISA:

-          O artigo 39º-A do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISD) estabelecia a possibilidade de dedução do imposto suportado pelos promotores na aquisição dos terrenos onde os prédios foram edificados sobre o imposto a pagar pela primeira transmissão dos mesmos ou das suas fracções; Esta norma visava neutralizar o encargo incorrido pelos promotores imobiliários com a aquisição do terreno;

-          Seria assim manifestamente ilógico que, através da introdução do artigo 20.º do DL n.º 423/83, o legislador pretendesse apenas abranger os promotores imobiliários, os quais já dispunham de um mecanismo que lhes permitia mitigar o peso daquele encargo tributário;

-          Deste modo, o artigo 20.º do DL n.º 423/83 só pode ser entendido como um complemento àquele preceito do CIMSISD, o que significa que o seu âmbito se estende aos adquirentes das fracções que, por essa via, participem na instalação do empreendimento;

c.       QUANTO À ISENÇÃO DE IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS (IMI) PARA OS PROPRIETÁRIOS DE PRÉDIOS INTEGRADOS EM EMPREENDIMENTOS COM UTILIDADE TURÍSTICA RECONHECIDA:

-          O artigo 47.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) estipula que ficam isentos de Contribuição Autárquica (referência que se considera hoje feita ao Imposto Municipal sobre Imóveis) por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos aos quais tenha sido reconhecida utilidade turística;

-          A aplicação deste benefício fiscal aos adquirentes de prédios em empreendimentos turísticos, como na situação em apreço, não é contestada. Seria ilógico que, existindo um benefício fiscal em sede de IMI para os adquirentes de prédios em empreendimentos de utilidade turística, cujo fim é o de apoiar o investimento nestes empreendimentos, a norma sobre isenção de IMT fosse interpretada no sentido de excluir as mesmas entidades;

 

d.      QUANTO À QUALIDADE DO ADQUIRENTE DE PRÉDIO INTEGRADO EM EMPREENDIMENTO TURÍSTICO COMO PROMOTOR:

-          A intervenção dos adquirentes de prédios integrados em empreendimentos turísticos nos moldes verificados na situação dos autos em nada difere da dos promotores imobiliários, aos quais a Requerida pretende cingir o benefício fiscal previsto no artigo 20.º do DL n.º 423/83, uma vez são aqueles os verdadeiros impulsionadores do empreendimento e os garantes da sua concretização;

 

e.       SOBRE OS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA E DA CERTEZA JURÍDICAS E O DUPLO CONTROLO DA LEGALIDADE PELO NOTÁRIO E PELO CONSERVADOR:

-          O Requerente agiu conforme o que considera a única interpretação correta da lei, interpretação que foi confirmada pelas entidades públicas intervenientes na operação e investidas com poder de controlo quanto ao cumprimento das obrigações tributárias;

-          A este respeito, diz o artigo 49º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) que os notários e outros funcionários que desempenhem funções notariais, bem como as entidades e profissionais com competência para autenticar documentos particulares (…) não podem lavrar as escrituras, quaisquer outros documentos notariais ou documentos particulares ou autenticar documentos particulares que operem transmissões de bens imóveis nem proceder ao reconhecimento de assinaturas nos contratos (…) sem que lhes seja apresentado o extracto da declaração referida no art.º 19º do CIMT acompanhada do correspondente comprovativo de cobrança (…). Complementa o n.º 3 da mesma disposição que, havendo isenção, as mesmas entidades devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam;

-          Do mesmo modo, dispõe o n.º 1 do artigo 72.º do Código do Registo Predial (CRPred.) que nenhum acto sujeito a encargos de natureza fiscal pode ser definitivamente registado sem que se mostrem pagos ou assegurados os direitos do fisco, cabendo ao conservador o controlo dessas obrigações;

-          No caso em apreço, os referidos controlos foram exercidos e a transmissão foi efectuada com o reconhecimento, por parte das entidades intervenientes, da isenção prevista no artigo 20.º do DL n.º 423/83;

-          Por seu turno, a Administração Fiscal, ao tomar conhecimento de que as entidades acima referidas haviam reconhecido a isenção de imposto, nada fez para alterar a situação de acordo a sua interpretação da lei, deixando o Requerente consolidar a convicção de se encontrar abrangido pelo âmbito da isenção;

-          Sendo o benefício fiscal previsto no artigo 20.º do DL n.º 423/83 de concessão automática, ao ser esse benefício reconhecido pelo Notário e pelo Conservador – entidades que detêm os poderes de controlo sobre a aplicação dessas isenções em substituição da Administração Fiscal – e não existindo por parte da Administração Fiscal uma actuação rectificadora, estamos perante um ato administrativo de concessão de um benefício fiscal;

-          Nos termos do artigo 141.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), os actos administrativos inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.

-          No caso em apreço, além de não existir invalidade do ato, por se verificarem os requisitos para aplicação da isenção, não poderia também a Administração Fiscal, defendendo diferente interpretação quanto a esses requisitos, pretender revogar o acto de concessão do benefício fiscal por não se preencherem os requisitos do artigo 141.º do CPA;

 

2.      RESPOSTA

À petição do Requerente respondeu a Requerida nos seguintes termos:

-          A isenção de IMT prevista no artigo 20.º do DL n.º 423/83 prescinde do elemento temporal da aquisição, estando antes dependente de a aquisição se destinar à instalação de um empreendimento turístico ou, pelo contrário, à sua exploração;

-          Será, pois, indiferente a aquisição ter ocorrido antes ou depois de o empreendimento estar instalado e em funcionamento ou não;

-          Está em causa saber se daquela norma de isenção beneficiam apenas as aquisições de prédios por promotores com vista a instalar os empreendimentos turísticos, ou também as aquisições de fracções autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração;

-          O legislador terá visado, com o disposto no artigo 20.º do DL n.º 423/83, as aquisições destinadas à “instalação” de empreendimentos. Se o legislador quisesse ter abrangido quer a actividade de instalação quer a actividade de exploração dos empreendimentos, teria sido tão claro quanto o foi no artigo 16º do mesmo diploma (“As empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos aos quais tenha sido atribuída a utilidade turística, gozarão, relativamente à propriedade e exploração dos mesmos dos benefícios fiscais a seguir indicados (…)”), ou no n.º 2 do artigo 20.º (“A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente”).

-          O legislador distingue claramente, no diploma em causa (DL n.º 423/83), os conceitos de instalação e de exploração;

-          É habitual os adquirentes de fracções em empreendimentos turísticos em propriedade plural celebrarem contratos de exploração turística destinados a garantir a unidade e continuidade da exploração pela entidade exploradora do empreendimento turístico, bem como a permanente afectação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõem o empreendimento; as restrições e obrigações associadas a esta aquisição correspondem a um novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos em propriedade plural, em que as unidades de alojamento, embora se possam constituir como fracções autónomas, consideram-se sempre em exploração turística, de onde se infere que a sua aquisição se destina à exploração e não à implantação;

-          Também o elemento histórico conduz à conclusão de que a razão de ser e finalidade do artigo 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83 será beneficiar com a isenção do IMT os promotores que pretendam construir/ criar estabelecimentos e não a mera aquisição de fracções em empreendimentos;

-          Mesmo que a aquisição de fracções ocorresse ainda na fase de licenciamento e de construção do empreendimento, ou seja, na fase de implantação, não se poderiam considerar esses adquirentes como promotores, por contribuírem para o financiamento necessário à instalação do empreendimento;

-          O Requerente não prova que tenha participado na promoção do empreendimento, tanto mais que a aquisição foi posterior à emissão da licença de utilização;

-          Só a Administração Tributária tinha competência para se pronunciar sobre o enquadramento jurídico-tributário da operação em causa pelo que, se esse enquadramento era determinante da vontade do adquirente quanto à realização do negócio, deveria ter solicitado à Requerida uma informação vinculativa; o reconhecimento por parte do Notário que interveio na realização do negócio não é de molde a investir o Requerente em qualquer direito, não existindo consequentemente violação do princípio da segurança e certeza jurídicas;

-          Sendo de concessão automática, a isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83 não é susceptível de ser concedida através de um ato administrativo, pelo que não existe no caso dos autos qualquer ato administrativo de concessão da isenção.

 

 

3.      TRAMITAÇÃO SUBSEQUENTE

Com o acordo das partes, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT bem como a produção de alegações.

 

II – SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 25-08-2014, tendo sido o árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as despectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades no processo.

Não existem excepções nem questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

São questões a decidir nos presentes autos:

1ª: A existência de um acto administrativo tributário de concessão, ao Requerente, da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83;

2ª A aplicabilidade da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83 à aquisição de imóvel em propriedade plural, integrado em empreendimento turístico com utilidade turística reconhecida e destinado a ser explorado para fins turísticos de forma integrada no referido empreendimento.

 

 

 

IV – FUNDAMENTAÇÃO

1.      MATÉRIA DE FACTO

São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a apreciação do pedido:

-          O Requerente adquiriu, em 28-12-2015, à sociedade B... – …, S.A., ½ da fração BK do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o n.º ..., destinado a serviços, integrado no empreendimento turístico “C...”, sito na Av. ..., em ..., freguesia de ... do concelho de Loulé, pelo preço de 255 319,00 euros;

-          Em 10 de Outubro de 2013, a Administração Tributária liquidou Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis sobre a aquisição, no valor de 16 595,74 euros.

Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental junta pela Requerente.

Não ficou provado que o Requerente tenha adquirido o prédio em causa para o afectar à exploração turística.

 

2.      DO DIREITO

a.      A existência de um acto administrativo tributário de concessão, ao Requerente, da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83

De acordo com o artigo 5.°, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), os benefícios fiscais são “automáticos” ou “dependentes de reconhecimento”. Sobre os benefícios “automáticos”, diz o mesmo preceito que estes “resultam directa e imediatamente da lei”; quanto aos benefícios fiscais “dependentes de reconhecimento”, diz a mesma disposição legal que estes “pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.”

Quantos aos benefícios fiscais que dependem de reconhecimento, diz o n.º 2 do referido artigo 5.º do EBF que “o reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.”

Desta definição se extrai que os benefícios fiscais “automáticos” se constituem “ope legis”, ie por mero efeito da lei, uma vez verificados os pressupostos estabelecidos naquela para a sua constituição, não necessitando de qualquer ato de concessão ou reconhecimento por parte da administração tributária ou de qualquer outra entidade e nem de qualquer iniciativa do interessado (F. PINTO FERNANDES e J. CARDOSO DOS SANTOS, Estatuto dos Benefícios Fiscais, Anotado e Comentado, 2.ª ed. págs. 70-71; N. SÁ GOMES, Teoria geral dos Benefícios Fiscais, Ciência e Técnica Fiscal, 359, pág.137).

Tendo em conta os termos da distinção, a isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83 classifica-se como um benefício fiscal “automático.” A lei estabelece os pressupostos da sua aplicação de modo objectivo, não deixando qualquer margem de discricionariedade, e não prevê qualquer procedimento para a sua concessão. Neste sentido, em relação à mesma isenção que se aprecia nos presentes autos, se pronunciaram já em numerosas ocasiões o Supremo Tribunal Administrativo (STA, Acórdão de 14-04-2010, Processo n.º 120/10; STA, Acórdão de 10-02-2010, Processo n.º 935/09; STA, Acórdão de 10-02-2010, Processo n.º 797/09; STA, Acórdão de 27-01-2010, Processo n.º 1119/09; STA, Acórdão de 20-01-2010, Processo n.º 937/09; STA, Acórdão de 23-01-2013, Processo n.º 1069/12).

Sendo assim, o benefício fiscal em causa não podia ser concedido através de um acto da Administração Tributária. ie através de um acto administrativo tributário.

Não existiu, pois, qualquer acto administrativo tributário de concessão do benefício fiscal em apreço, susceptível de ser revogado. 

 

b.      A aplicabilidade da isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83 à aquisição de imóvel em propriedade plural, integrado em empreendimento turístico com utilidade turística reconhecida e destinado a ser explorado para fins turísticos de forma integrada no referido empreendimento

Estipula o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 que “são isentas de sisa e do impostos sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística (…)” .

A questão que se coloca resume-se em saber se o ato através do qual um sujeito passivo adquire um prédio em propriedade plural, integrado num empreendimento turístico, em fase de construção ou imediatamente após a construção, mas em todo o caso em momento anterior ao início da exploração turística, se deve considerar como um ato de instalação do empreendimento turístico, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83.

Sobre a referida questão existe uma sólida e uniforme jurisprudência dos tribunais administrativos superiores, da qual podem citar-se como exemplos os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo já anteriormente referenciados. No acórdão de 23-01-2013 (Processo n.º 1069/12), a questão é sintetizada nos seguintes termos:

«I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.”

De acordo com o entendimento adoptado no acórdão citado, e que inteiramente se perfilha, a instalação não abrange, portanto, as actividades de equipamento dos prédios integrados em empreendimentos turísticos, ainda que destinadas (tais actividades) a uma exploração turística.

Deste modo, não pode considerar-se que a aquisição realizada pelo Requerente se haja destinado a instalação de empreendimento turístico, para os efeitos do artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83.

Consequentemente, há que concluir que não se encontravam verificados, em relação à aquisição na origem da liquidação impugnada, os pressupostos da aplicação da isenção estabelecida naquele mesmo preceito, pelo que a referida liquidação não enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito.

 

V. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, este Tribunal decide julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral.

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 16 595,74 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1224.00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 2 de Março de 2015

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)

 

 



[1] Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março.