Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Nuno Maldonado Sousa e Armindo Fernandes Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-08-2014, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, S.A., sociedade matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, com sede no … Lisboa, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-06-2014.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 29-07-2014.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 13-08-2014.
A Requerente pede
(i) A anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2011 … (notificada pela compensação n.º 2011 …), referente ao exercício de 2009, na parte que respeita às correcções aos programas de fidelização de cliente, no valor de € 12.494.495,00, e que originou um valor de IRC calculado em de € 187.417,43;
(ii) A anulação dos juros compensatórios liquidados sobre aquele montante;
(iii) Ordenar a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, o que determina, desde logo, o reembolso à A… da quantia indevidamente liquidada e paga, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, até integral reembolso, relativos ao período que mediar entre a data do pagamento da quantia referida e a sua devolução à A….
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, suscitando uma excepção peremptória decorrente da caducidade do direito de invocar vícios não invocados no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação e duas excepções dilatórias, uma inominada decorrente do uso indevido da acção arbitral e outra relativa à intempestividade do pedido de pronúncia arbitral. Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com a sua absolvição de todos os pedidos.
Em 29-10-2014, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que a Requerente respondeu às excepções e se procedeu a inquirição de testemunhas. A Requerente juntou ainda ao processo, com o acordo da Autoridade Tributária e Aduaneira, cópia de uma reclamação graciosa com o n.º …2011…, de um despacho de indeferimento da referida reclamação graciosa e respectiva impugnação judicial, com o n.º …/12.…. Na reunião foi ainda acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas e foi indicado o dia 19-12-2014 para prolação da decisão arbitral.
As Partes apresentaram alegações.
A Requerente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
A. A Requerente limitou-se a seguir as normas contabilísticas em vigor (IFRIC 13), conforme até a própria inspeção tributária reconheceu, considerando o montante referente às ... como um rédito diferido.
B. Assim sendo, a correção efetuada pela Administração Tributária carece em absoluto de fundamento legal.
C. Acresce ao exposto que a Administração Tributária, nas inspeções seguintes, absteve-se de seguir o mesmo entendimento, não corrigindo a favor da Requerente os réditos diferidos em 2010 e que esta deu a tributar em 2011 e 2012.
D. Ao fazê-lo, a Administração Tributária violou o princípio constitucional da justiça e da imparcialidade, e a liquidação impugnada gerou uma dupla tributação sobre o mesmo rendimento, o que não é admissível.
Termos em que se requer que seja julgada procedente a presente pedido de pronúncia arbitral.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações em que concluiu nestes termos:
I. A Requerente pretendeu, nos presentes autos, demonstrar a ilegalidade das correcções, mas não aduziu qualquer prova, nem documental nem testemunhal, que cumpra tal fim, mostrando-se, ao invés, provada a estrita conformidade legal das correcções à matéria colectável efectuadas pela Inspecção Tributária.
II. A Requerente considerou como encargos elegíveis para efeitos fiscais, quer por força da dedução das provisões anteriormente tributadas, quer pela não tributação dos proveitos diferidos, o montante de € 12.494.495,00, referentes aos Programas de fidelização de clientes, sendo € 5.662.495,00 relativos ao proveito diferido no exercício e os € 6.832.000,00, referentes à dedução das provisões transferidas, montante que, de acordo com o artigo 18º do CIRC, deverá ser acrescido ao lucro tributável do exercício de 2009.
III. De facto, estão em causa meras previsões de gastos, sendo que a responsabilidade registada não se efectivará se as ... não forem resgatadas até à sua caducidade, o que inviabiliza a comprovação desse encargo, enquanto componente negativa do lucro tributável em sede de IRC e, consequentemente, a sua dedutibilidade fiscal.
IV. Desta forma, a Requerente diminui os seus proveitos (componente negativa do lucro tributável) relativos aos serviços prestados já realizados com base na valorização de serviços a prestar apenas eventualmente, verificando-se um elevado grau de incerteza na ocorrência das responsabilidades reconhecidas às quais foi atribuída relevância fiscal.
V. Assim, o reconhecimento destas responsabilidades, quer por via de uma provisão ou de um proveito diferido, deve ter um tratamento fiscal idêntico ao das provisões, sendo que só as provisões expressamente previstas no artigo 34.º do CIRC são elegíveis para efeitos fiscais.
VI. As provisões para os programas de fidelização de clientes que a Requerente havia constituído antes da alteração da política contabilística, por aplicação da IFRIC 13, visto não se encontrarem expressamente previstas no CIRC, tinham de ser anualmente corrigidas para efeitos de determinação do lucro tributável, tal como era, aliás, o procedimento adoptado pela Requerente.
VII. A constituição no exercício de 2009 do proveito diferido, por aplicação da nova política contabilística resultante da IFRIC 13, não é fiscalmente dedutível, dado que o adiamento da tributação de um proveito diferido mas já realizado nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 18º do CIRC, à semelhança da provisão até aqui constituída, não tem acolhimento no Código do IRC.
VIII. A Requerente vem invocar o argumento inovador no sentido de que a AT teria alterado o seu entendimento sobre o enquadramento fiscal atinente aos programas de fidelização de clientes e aos efeitos da adopção da IFRIC 13;
IX. Tal argumentação, que se demonstrou ser incorrecta, não foi invocada no âmbito do recurso hierárquico e, como tal, não foi objecto de pronúncia e decisão por parte da AT, o que impossibilita a sua alegação na presente acção arbitral.
X. A Requerente incorreu em custos, designadamente com amortizações de capital realizadas no ano de 2011, no âmbito da operação de securitização de créditos, que optou por desconsiderar na determinação do lucro tributável daquele exercício, bem como não procedeu à entrega de declarações de substituição com os ajustamentos que considera serem devidos e que corrigiriam a situação de alegada dupla tributação, prescindindo, por sua vontade, de ser tributada de acordo com o seu rendimento real.
Nestes termos e nos mais de Direito, e com o douto suprimento de V. Ex.as, reitera-se tudo quanto peticionado em sede de Resposta, devendo o presente Pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, desde logo pelas razões de cariz processual invocadas e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os Pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos que se consideram provados
a) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2010… foi a Requerente sujeita a um procedimento de inspecção interno ao exercício de 2009, em resultado do qual foram efectuadas correcções à matéria colectável de IRC no montante total de € 35.757.302,61, tendo sido emitida a liquidação de IRC n.º 2011 … e a consequente demonstração de acerto de contas n.º 2011 …, que determina imposto a pagar, e respectivos juros compensatórios, no valor de € 548.852,78;
b) A Requerente concordou com algumas das correcções efectuadas pela Inspecção Tributária e discordou das correcções referentes (i) à securitização de créditos futuros, da qual resultou uma correcção ao lucro tributável no montante de € 23.262.807,61 e (ii) ao programa de fidelização de clientes, do qual resultou um acréscimo ao lucro tributável no montante de € 12.494.495,00;
c) A Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa …, em 26-07-2011, a reclamação graciosa n.º …2011… sobre o acto tributário de liquidação de IRC n.º 2011 …, na qual restringe o objecto de discussão à correcção atinente ao programa de fidelização de clientes, informando, no que respeita à securitização de créditos futuros, que “deduziu Impugnação Judicial autónoma” (cfr. fls. 6 da Reclamação graciosa apensa);
d) No mesmo dia 26-07-2011, a Requerente enviou por fax ao Serviço de Finanças de Lisboa … a reclamação graciosa n.º …2011… sobre o mesmo acto tributário de liquidação de IRC n.º 2011 … referente ao exercício fiscal de 2009, na qual contesta a correcção relativa à securitização de créditos futuros (cfr. fls. 154 da Reclamação graciosa n.º …2011… e fls. 6 da Reclamação graciosa n.º …2011…);
e) A reclamação graciosa n.º …2011… respeitante à correcção relativa à securitização de créditos futuros foi indeferida por despacho do Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 12-07-2012, tendo a Requerente, no seguimento da decisão de indeferimento, deduzido, no dia 05-09-2012, impugnação judicial acto tributário de liquidação de IRC n.º 2011 … que corre termos no Tribunal Tributário sob o n.º …/12.… (cfr. fls. 152 da Reclamação graciosa n.º …2011…);
f) A reclamação graciosa n.º …2011… foi indeferida por despacho do Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 20-06-2012, tendo a Requerente interposto recurso hierárquico, sobre o qual foi proferida decisão de indeferimento notificada por ofício registado com data de registo de 06-03-2014;
g) A Requerente em 09-06-2014 o presente pedido de pedido de pronúncia arbitral;
h) A Requerente desenvolve a actividade de transporte …, bem como assistência a terceiros e venda de mercadorias, encontrando-se enquadrada com o CAE -62100;
i) Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária sobre a correcção relativa ao programa de fidelização de clientes, o seguinte, além do mais:
1.4.1 – Programas de fidelização de clientes - Desreconhecimento de provisão e reconhecimento do proveito diferido (artigo 18° do CIRC) - € 12.494.495,00
O sujeito passivo durante o exercício de 2009, alterou a política contabilística associada aos programas de fidelização de clientes, tendo considerado como encargos elegíveis para efeitos fiscais (quer pela dedução das provisões anteriormente tributadas, quer pela não tributação do proveito diferido) o montante de € 12.494.495,00.
De acordo com o artigo 18° do CIRC, deverá ser acrescido ao lucro tributável do exercício de 2009, o montante de € 12.494.495,00, relativo à alteração da política contabilística preconizada para os Programas de fidelização de clientes, conforme ponto III.1.1.
(...)
III.1.1 – Programas de fidelização de clientes - Desreconhecimento de provisão e reconhecimento do proveito diferido (artigo 18° do CIRC)
a) Descrição dos factos
Durante o exercício de 2009 o sujeito passivo alterou a política contabilística associada aos programas de fidelização de clientes - AB... e AC... passando a valorizar as ... e pontos atribuídos, aos clientes aderentes, ao justo valor.
Até 31 de Dezembro de 2008, as ... e pontos atribuídos eram valorizados de acordo com a estimativa de custos a incorrer, com base na adesão aos referidos programas e devidamente provisionados.
O saldo das provisões respectivas (contas 2981000003-Prog ... freq. e 2981000018- AD...) existentes em 31-12-2008 eram de € 6.716.000.00 e € 116.000,00, respectivamente, as quais foram sendo objecto de tributação aquando da respectiva constituição e reforços, tendo sido deduzidas no campo 228 do quadro 07 da declaração de rendimentos
Modelo 22 do exercício de 2009, face à anulação/transferência das mesmas por alteração da referida política contabilística.
No ano de 2009, após o reforço da provisão referente às ..., no valor de € 1.659.000.00, a mesma, por aplicação da IFRIC 13, foi transferida na totalidade (saldo da conta 2981000003) para a conta 2742000001 - AB...-... (proveito diferido), no valor de € 8.375.000,00. - vide documento SAP n.° 8030105334, de 31-12-2009. Também, a provisão para os pontos após o reforço de € 8.000.00 foi objecto de transferência de saldo (conta 2981000018), no montante de €124.000,00, para a conta 2742000002 - AE... - vide documento SAP n.° 8030105332, de 31-12-2009.
Por outro lado, durante o exercício de 2009, uma parte do rédito das prestações de serviços foi imputada aos créditos de ... e pontos, sendo o mesmo diferido até ao momento em que o cliente resgata as ... ou pontos por si acumuladas. Para esse efeito foram debitados, em relação às ..., € 2.534.883,00 na conta 7211019401 - AB... -dif rec, bem corno €1.439.191.00 na conta 7380110002 – AB… -parc dif rec, por contrapartida da conta 2742000001.- AB...-... (vide documento SAP n.º 8020010262, de 31-12-2009). Por outro lado, e em relação aos pontos, foram diferidos proveitos no montante de € 21,421,00, que foram debitados na conta 2742000002 - AE... por contrapartida da conta 7211019401 - AB... –dif rec. (vide documento SAP n.° 8020010322, de 31-12-2009), Da aplicação retrospectiva, da referida IFRIC 13, foi efectuada a reversão de proveitos reconhecidos em períodos anteriores e que agora vão constituir um rédito diferido, sendo debitado o montante de € 16.090.648,63. na conta 5910000028 - Exercício 2008-Ajust, por contrapartida da conta 2742000001, sem que lhe tenha sido atribuída relevância fiscal. Nestes termos, verifica-se que o sujeito passivo durante o exercício de 2009, considerou como encargos elegíveis para efeitos fiscais, quer por força da dedução das provisões anteriormente tributadas, quer pela não tributação dos proveitos diferidos, o montante de € 12.494.495,00, referentes aos Programas de fidelização de clientes, sendo € 5.662.495,00 relativos ao proveito diferido no exercício e os € 6.832.000,00, referentes à dedução das provisões transferidas.
b) Enquadramento fiscal
b1) No Código do IRC
De acordo com os n.ºs 1 a 3 do artigo 18° do CIRC, que incide sobre a periodização do lucro tributável, temos que:
"1 - Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.
2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
3 - Para efeitos de aplicação do princípio da especialização dos exercícios:
a) Os proveitos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade;
b) Os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que devem ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução."
E nos termos do n.° 1 do artigo 23°, desse mesmo Código, referente à dedutibilidade fiscal dos custos, verifica-se que apenas são considerados os custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Por outro lado, nos termos do normativo legal previsto no n.° 1 do artigo 34° do CIRC, referente às provisões fiscalmente dedutíveis, apenas podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
"a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b) As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências;
c) As que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercido;
d) As constituídas obrigatoriamente, por força de uma imposição de carácter genérico e abstracto, pelas empresas sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia destinadas à cobertura de risco específico de crédito, de risco-país, para menos-valias de títulos da carteira de negociação e para menos-valias de outras aplicações, e bem ainda as provisões técnicas e as provisões para prémios por cobrar constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas do Instituto de Seguros de Portugal, de carácter genérico e abstracto, pelas empresas de seguros submetidas â sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de empresas seguradoras com sede em outro Estado membro da União Europeia;
e) As que, constituídas por empresas que exerçam a indústria extractiva do petróleo, se destinem à reconstituição de jazigos;
f) As que, constituídas pelas empresas pertencentes ao sector das indústrias extractivas ou de tratamento e eliminação de resíduos, se destinarem a fazer face aos encargos com a recuperação paisagística e ambiental dos locais afectos à exploração, sempre que tal seja obrigatório e após a cessação desta, nos termos da legislação aplicável."
b2) Da situação controvertida
De acordo com o trabalho desenvolvido, verificou-se que o sujeito passivo, durante o exercício de 2009, procedeu ao desreconhecimento das provisões, relativas aos Programas de fidelização de clientes" [1], e ao reconhecimento de um proveito diferido, por aplicação da IFRIC 13 - Programa de Fidelização de Clientes, alterando a política contabilística vigente.
Essa alteração determinou que as provisões que havia constituído - e que não eram aceites fiscalmente — fossem desreconhecidas e transferidas para proveitos diferidos.
Por aplicação da IFRIC 13, uma parte do proveito das prestações de serviços é diferida, no valor correspondente ao valor futuro estimado ao resgate das ... ou pontos por parte dos clientes, até ao momento em que o cliente resgata as ... ou pontos por si acumulados, trocando-as por determinados produtos ou serviços ou, caso o cliente não proceda ao seu resgate, até ao respectivo prazo de validade.
Nestes termos, constata-se que embora de natureza contabilística diferente, os efeitos que um proveito/rédito diferido provoca na determinação do lucro tributável são, em tudo, semelhantes aos provocados por um custo/gasto ou por uma variação patrimonial negativa. De facto, qualquer um deles constitui uma componente negativa do lucro tributável.
Logo, a aceitação fiscal do diferimento de um proveito/rédito vai depender da verificação das condições impostas aos custos/gastos pelo n.º 1 do artigo 23° do CIRC.
Ora, de acordo com o n.° 1 do artigo 23° do CIRC, tal como já referido anteriormente, são considerados custos/gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos/ rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Como consequência da comprovação da indispensabilidade dos custos/gastos exigida por este normativo, os custos/gastos que um sujeito passivo previa que iria suportar mas que ainda não suportou, eram contabilizados em contas do passivo, mereceram e vêm merecendo uma atenção especial do legislador.
Daí que, apenas são elegíveis para efeitos fiscais, as provisões, expressamente previstas no C!RC, nomeadamente no seu artigo 34°.
Assim, as provisões para os programas de fidelização de clientes existentes, visto não se encontrarem expressamente previstas no CIRC, tinham de ser anualmente corrigidas para efeitos de determinação do lucro tributável, tal como era realizado pelo sujeito passivo. Embora a política de concessão de ... ou pontos se traduza (tal como acontecia no passado) numa obrigação assumida pelo prestador do serviço de, em resultado dos serviços prestados aos seus clientes, atribuir-lhes bens ou serviços gratuitos ou com desconto no futuro, nas condições previamente estabelecidas e por eles conhecidas, obrigação essa que só se vem a concretizar se os clientes utilizarem as ... ou pontos antes de expirado o respectivo prazo de validade. O respectivo organismo internacional de normalização contabilística, através da Interpretação IFRIC 13, chegou a consenso que, entre reflectir contabilisticamente essa responsabilidade como provisão ou como rédito diferido, era mais correcto reconhecê-la como rédito diferido.
No entanto, para efeitos fiscais, os pressupostos associados ao reconhecimento da responsabilidade por via da provisão ou do proveito/rédito diferido são os mesmos. Com efeito, o diferimento do proveito vai implicar o adiamento da tributação de um proveito fiscalmente já realizado, uma vez que como refere a própria IFRIC 13, no seu ponto 5, o que é imputado aos créditos de prémio é uma parcela do "justo valor da importância recebida ou a receber relativamente à venda inicial”.
No entanto, o proveito diferido não corresponde a um serviço que vá ser obrigatoriamente (garantidamente) prestado ou a um produto que vá ser obrigatoriamente (garantidamente) cedido, gratuitamente ou com desconto, porque haverá, seguramente, muitos clientes que não resgatam as ... ou pontos acumulados, dando origem à sua caducidade. Portanto, ao diferir uma parcela do montante facturado aos clientes está a ser diminuída a quantia de um proveito que, correspondendo à prestação de serviços inicial, se considera já realizado nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 18° do CIRC.
E porque esse diferimento não é "comprovadamente indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", concluímos que, para efeitos fiscais, a quantia do serviço prestado pelo sujeito passivo - e que dá direito às ... ou pontos - tem de ser objecto de tributação, na íntegra, quando esse serviço é prestado aos clientes, ou seja, quando, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 18° do CIRC, o proveito relativo a essa prestação de serviços se considera realizado, não se permitindo o adiamento da tributação da parcela que, na sequência da aplicação da Interpretação IFRIC 13 - Programa de Fidelização de Clientes, tenha de ser imputada aos créditos de prémios através do diferimento do proveito.
Assim sendo, as transferências das provisões existentes relativas ao Programa ... frequente (AB…) e AD..., para proveitos diferidos por alteração da política contabilística não concorrem para a formação do lucro tributável relativo ao exercício de 2009, visto que para efeitos fiscais, os pressupostos associados ao reconhecimento da responsabilidade por via da provisão ou do proveito/rédito diferido são os mesmos. Não sendo, desta forma aceite a dedução realizada no valor de € 6.832.000,00, uma vez que mesmo que fosse considerado tratar-se de uma anulação de uma provisão não dedutível e o subsequente reconhecimento de uma responsabilidade correspondente por proveitos diferidos, o custo daí gerado também não teria aceitação fiscal e teria de ser acrescido no apuramento do lucro tributável do exercício.
Por outro lado, de acordo com tudo o exposto anteriormente, a constituição no exercício de 2009 do proveito diferido, por aplicação da nova política contabilística, no montante de €5.662.495,00, não é fiscalmente dedutível, dado que o adiamento da tributação de um proveito diferido mas já realizado nos termos da alínea b) do n.° 3 do artigo 18° do CIRC, à semelhança da provisão até aqui constituída, não tem acolhimento no Código do IRC.
Face ao ante exposto, deverá ser acrescido no apuramento do lucro tributável do exercício de 2009, o montante de € 12.494.495,00, relativo à alteração da política contabilística preconizada para os Programas de fídelização de clientes.
j) O montante das ... não utilizadas pelos clientes cifra-se numa percentagem que ronda os 31% (depoimento da testemunha B...).
k) Há dificuldade de valorização dos serviços a prestar no âmbito da gestão dos programas de fidelização, em virtude da incerteza quanto à percentagem das ... objecto de utilização por parte dos clientes (depoimento da testemunha B...).
l) Os programas de fidelização de clientes funcionam com a participação de vários parceiros, como companhias aéreas e empresas doutras áreas de negócio (cfr. prova documental e testemunhal).
m) Os clientes da Requerente podem trocar as ... por serviços prestados por todas as empresas aderentes aos programas (cfr. prova documental e testemunhal).
n) Em termos contabilísticos, e até ao período de tributação de 2009, a Requerente registou a responsabilidade (estimativa de gastos a incorrer) inerente à atribuição de ... aos seus clientes através de uma provisão que, em termos de balanço, era enquadrável como um passivo;
o) Em termos fiscais, e até ao período de tributação de 2009, a A..., para efeitos de determinação do seu lucro tributável, acrescia nas declarações de rendimentos Modelo 22 (quadro 07) os gastos incorridos com a constituição da referida provisão, uma vez que a mesma não era fiscalmente dedutível;
p) Em 2009, a Requerente alterou a sua política contabilística, de modo a compatibilizá-la com as orientações veiculadas na Interpretação 13 do International Financial Reporting Interpretations Committee (“IFRIC 13”), passando a valorizar as ... atribuídas aos clientes, ao abrigo dos seus programas de fidelização, ao justo valor, diferindo o respectivo montante, a título de proveito (e já não como gasto), até ao momento em que tais clientes fizessem uso dessas ... ou até ao período máximo de 36 meses (momento em que as mesmas expiram);
q) Na sequência da adopção desta nova política contabilística, a Requerente entendeu que não se justificava a manutenção das provisões anteriormente constituídas para fazer face aos movimentos dos seus programas de fidelização de clientes, havendo lugar à sua reversão;
r) No que concerne ao justo valor das ... atribuídas e não utilizadas nem caducadas no final do período de tributação de 2009, a Requerente entendeu que o proveito diferido associado não estaria sujeito a tributação, em sede deste imposto;
s) A Requerente durante o exercício de 2009, considerou como encargos elegíveis para efeitos fiscais, quer por força da dedução das provisões anteriormente tributadas, quer pela não tributação dos proveitos diferidos, o montante de € 12.494.495,00, referentes aos Programas de fidelização de clientes, sendo € 5.662.495,00 relativos ao proveito diferido no exercício e os € 6.832.000,00, referentes à dedução das provisões transferidas;
t) A Requerente procedeu nos exercícios de 2010, 2011 e 2012 ao diferimento de réditos referentes aos programas de fidelização de clientes denominados AB... e AC..., adoptando o tratamento contabilístico constante da IFRIC 13 – Programa de Fidelização de Clientes (Documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
u) A Requerente pagou em 28-03-2011 a quantia de € 187.417,43, acrescida de juros compensatórios no valor de € 12.493,24 (página 17 do documento do processo administrativo com a designação «P419 T 2014 - PA7.pdf», cujo teor se dá como reproduzido).
2.2. Factos que se consideram não provados
Não se provou que nos anos posteriores a 2009 a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse alterado o seu entendimento quanto aos efeitos da adopção da IFRIC 13.
2.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se no processo administrativo, nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e na prova testemunhal nos pontos indicados.
3. Questões prévias
3.1. Caducidade do direito de invocar vícios não invocados no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação e uso indevido da acção arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita uma excepção por caducidade do direito de invocar vícios não invocados no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação e uso indevido da acção arbitral.
A questão é suscitada por a Requerente ter apresentado duas reclamações graciosas tendo por objecto o mesmo acto de liquidação de IRC (a liquidação n.º 2011 … que é objecto do presente processo) no processo de impugnação judicial n.º …/12.….
Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira que «correm termos, em simultâneo, num tribunal arbitral e num tribunal tributário, uma acção arbitral e uma acção de impugnação judicial sobre o mesmo acto tributário, sendo que o efeito que a Requerente pretende obter com as duas acções é um só - a anulação da liquidação na parte relativa às duas correcções por si contestadas».
Porém, como a seguir a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece, a impugnação judicial tem por objecto a «correcção relativa à securitização de créditos futuros» e não a que se refere à contabilização dos réditos relativos aos programas de fidelização de clientes.
Ora, sendo assim, é manifesta a falta de razão da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a possibilidade de impugnação do mesmo acto tributário num tribunal judicial e num tribunal arbitral está implícita mas claramente prevista no artigo 13.º, n.º 4, ao estabelecer que «a apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação, excepto quando o procedimento arbitral termine antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa».
Na verdade, a restrição da preclusão do direito de impugnar o mesmo acto «com os mesmos fundamentos» revela inequivocamente que não ocorre tal preclusão quando o mesmo acto de liquidação for impugnado dois meios processuais com fundamentos diferentes.
Para além disso, no caso em apreço, o acto de liquidação tem fundamentação complexa, assentando em mais que uma correcção a matéria tributável da Requerente e são completamente distintas as questões que se colocam em relação a cada uma delas, pelo que, para além de serem invocados fundamentos diferentes, são impugnadas partes diferentes de um acto material e juridicamente divisível.
Por isso, não há qualquer obstáculo legal a que a Requerente tenha impugnado autonomamente o mesmo acto em processo de impugnação judicial quanto a questões e com fundamentos diferentes dos que estão subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral.
Improcedem, assim as duas excepções referidas.
3.2. Intempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira refere que a Requerente indica como objecto do pedido de pronúncia arbitral os actos de liquidação de IRC e juros compensatórios e o termo do prazo de pagamento voluntário terminou em 28-03-2011, enquanto o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 09-06-2014.
Como resulta claramente da referência que no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT, nos casos em que há reclamação graciosa e recurso hierárquico, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral conta-se da notificação da decisão deste.
Como decorre da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou reclamações graciosas, quando há lugar a impugnação administrativa de actos de liquidação, estes actos de liquidação são sempre impugnáveis em prazo a contar da notificação da decisão de indeferimento, pois o artigo 10.º, n.º 1, indica-os como termos iniciais. Por isso, o requerente da arbitragem não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau e, mesmo quando impugna estes, considera-se que o objecto do processo arbitral é sempre o objecto mediato que constituem os actos de liquidação mantidos por actos de segundo ou terceiro grau sempre que o Requerente não impute a estes vícios próprios. Mas, obviamente, se o requerente da arbitragem apenas pretende ver declarada a ilegalidade de actos de liquidação, que são os que, sendo susceptíveis de execução coerciva, afectam a sua esfera jurídica, não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau, que carecem de lesividade autónoma.
De resto, uma hipotética deficiência na formulação do pedido não teria como corolário a absolvição da instância, apenas dando lugar, se necessário, mas sempre que necessário, a uma correcção, como impõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, em sintonia com o direito constitucional à impugnação contenciosa de todos os actos da Administração que lesem os direitos dos contribuintes (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP).
No caso em apreço, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi efectuada através de ofício registado em 06-03-2014, premindo.se que a notificação foi efectuada em 10-03-2014 (uma segunda-feira), nos termos do artigo 39.º, n.º 1, do CPPT.
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 09-06-2014, no nonagésimo dia posterior.
Sendo de 90 dias o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral, como decorre daquele n.º 1 do artigo 10.º, a apresentação foi tempestiva.
Improcede, assim, esta questão prévia.
4. Matéria de direito
4.1. Questão da correcção relativa aos programas de fidelização de clientes
A Requerente instituiu dois programas de fidelização de clientes, contabilizando, até ao período de tributação de 2009, a responsabilidade (estimativa de gastos a incorrer) inerente à atribuição de ... aos seus clientes através de uma provisão que, em termos de balanço, era enquadrável como um passivo e não fiscalmente dedutível.
Com a adopção, em 2009, da directriz contabilística que consubstancia a International Financial Reporting Interpretation 13 (IFRIC 13), divulgada pelo International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC), a Requerente entendeu que não se justificava a manutenção das provisões anteriormente constituídas para fazer face aos movimentos dos seus programas de fidelização de clientes, havendo lugar à sua reversão.
No exercício de 2009, quer por força da dedução das provisões anteriormente efectuadas, quer pela não tributação dos proveitos diferidos de harmonia com a IFRIC 13, o lucro tributável da Requerente foi influenciado negativamente no montante de € 12.494.495,00, referentes aos programas de fidelização de clientes, sendo € 5.662.495,00 relativos ao proveito diferido no exercício e os € 6.832.000,00, referentes à dedução das provisões transferidas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que o diferimento de uma parcela do montante facturado aos clientes diminui a quantia de um proveito que se considera já realizado, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 18° do CIRC, pelo que o efeito que o diferimento do proveito das prestações de serviços que decorre da adopção da IFRIC 13 é idêntico ao que tem qualquer componente negativa do lucro tributável, o que justifica que a sua relevância fiscal esteja condicionada pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, que estabelece a regra de que só relevam os custos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
No caso em apreço, a Administração Aduaneira entende que esta indispensabilidade não está comprovada por a obrigação assumida pela Requerente estar dependente da eventual utilização das ... ou pontos antes de expirado o respectivo prazo de validade.
Até 2008, a A... utilizou uma das formas alternativas previstas na NIC 18 para o tratamento dos programas de fidelização de clientes: ajustar o resultado contabilístico através da criação de uma provisão do valor estimado dos prémios a conceder.
Este procedimento contabilístico aproximava o resultado contabilístico da realidade, deixando nos proveitos toda a receita, mas acrescentado um custo que implicava o ajustamento do resultado diminuindo-o.
A administração fiscal, não reconhecendo a provisão, acabava por tributar um lucro superior ao real, corrigindo este excesso nos exercícios seguintes quanto a provisão fosse reposta.
O procedimento alternativo previsto na IFRIC 13 passou a ser adoptado pela Requerente a partir de 2009.
A aplicação da IFRIC 13 conduz a que a parte da contraprestação recebida dos clientes que se reporta aos créditos referentes as ... ou pontos é diferida como passivo até que a seja cumprida a obrigação de entregar àqueles os respectivos prémios. O passivo é medido pelo valor dos benefícios a serem recebidos pelos clientes (não o custo para a entidade) e reconhecido como receita diferida (não como despesa).
A Autoridade Tributária e Aduaneira, porém, entende que este regime contraria as regras do CIRC sobre periodização do lucro tributável.
O artigo 17.º, n.º 1, do CIRC estabelece que «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
Assim, embora, em regra, o lucro tributável seja baseado na contabilidade, resulta inequivocamente desta norma que prevalecem as disposições do CIRC.
Por isso, a resolução da questão que é objecto do presente processo reconduz-se a saber se as regras do CIRC impõem uma solução diferente da que preconiza aquela IFRIC 13.
O artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, estabelece, na redacção vigente em 2009, que «os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios».
O princípio da especialização dos exercícios traduz-se na consideração como proveito ou custo de determinado exercício dos rendimentos e encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, sendo irrelevante o exercício em que se efectua o recebimento ou pagamento, como decorre do n.º 1 do art. 18.º do CIRC. ( [2] )
A alínea b) do seu n.º 3 deste artigo 18.º, na mesma redacção, esclarece que «os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que devem ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução».
Nos casos em que as ... ou pontos são utilizados pelos clientes, está-se perante uma situação enquadrável na parte final desta alínea b), pois à imediata prestação de serviço de transporte, a que Requerente se dedica em primeira linha, se seguirá, posteriormente, a prestação de um novo serviço de transporte (no caso das ...) ou outros serviços.
Nos casos em que as ... ou pontos acabam por não ser utilizados dentro do respectivo prazo de caducidade, só quando esta ocorre se pode concluir que não ocorreu uma prestação sucessiva. Mas, mesmo neste caso, resulta desta alínea b) que, quando no fim do período de tributação em que se inicia a prestação do serviço não estão praticados todos os actos em que ele se traduz, os réditos respectivos não são imediatamente contabilizados nesse período inicial.
Por outro lado, à face daquela alínea b), quando se está perante uma prestação sucessiva do serviço, a prestação ulterior do serviço é necessariamente apenas eventual e a falta de certeza sobre a sua concretização não afasta o diferimento dos correspondentes proveitos e custos.
Assim, nestas situações de prestação sucessiva de serviço, em face do especialmente previsto naquela alínea b), não é necessário, para que se considere comprovada a indispensabilidade exigida pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC para relevância de uma componente negativa do lucro tributável, que haja a certeza de que o serviço complementar virá a ser prestado. Na verdade, para que variações patrimoniais negativas sejam consideradas como custos basta que se prove relação dessas variações com a actividade geradora dos proveitos, que permita considerá-las como provocadas por actos de gestão da empresa.
Isto é, no caso em apreço, em face da referida alínea b), a comprovação da indispensabilidade exigida pelo n.º 1 do artigo 23.º fica satisfeita com a comprovação de que o cliente tem direito ao serviço e que a atribuição deste direito está a favorecer a formação dos proveitos, sendo um acto de gestão aceitável.
Por isso, mesmo que se considere, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária (página 11), que «embora de natureza contabilística diferente, os efeitos que um proveito/rédito diferido provoca na determinação do lucro tributável são, em tudo, semelhantes aos provocados por um custo/gasto ou por uma variação patrimonial negativa» e que «a aceitação fiscal do diferimento de um proveito/rédito vai depender da verificação das condições impostas aos custos/gastos pelo n.º 1 do artigo 23° do CIRC», terá de se concluir que, no caso em apreço, está comprovada a indispensabilidade dessa componente negativa para gerar os proveitos, já que é manifesto que os programas de fidelização de clientes se inserem no âmbito de uma boa gestão de uma empresa do tipo da Requerente, como ressalta da prova testemunhal produzida.
Assim, conclui-se que o acto impugnado, ao entender que não se verifica o requisito da indispensabilidade exigida pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, assenta numa errada interpretação desta norma.
4.2. Juros compensatórios
Os juros compensatórios integram-se na quantia liquidada (artigo 35.º, n.º 8, da LGT).
Por isso da ilegalidade da correcção efectuada relativamente aos programas de fidelização de clientes, resulta a ilegalidade da liquidação de IRC e dos juros compensatórios, na parte em assentaram naquela correcção.
5. Reembolso da quantia paga
A Requerente pagou a quantia liquidada de € 187.417,43, acrescida de juros compensatórios no valor de € 12.493,24, como se refere na alínea u) da matéria de facto fixada.
Assim, sendo a liquidação de IRC e juros compensatórios ilegal, na parte que é objecto do presente processo, a Requerente tem direito a ser reembolsada da totalidade das quantias pagas, no valor total de € 199.910,67, como decorre do dever de «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado» que lhe é imposto pelo art. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, em sintonia com o preceituado no art. 100.º da Lei Geral Tributária.
6. Juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, relativamente à quantia paga indevidamente.
O art. 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, foi a Autoridade Tributária e Aduaneira que efectuou a correcção à matéria tributável da Requerente, por sua iniciativa, pelo que o erro que a afecta é imputável aos serviços para os efeitos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Procede, assim, a pretensão de juros indemnizatórios formulada pela Requerente, sendo devidos juros indemnizatórios contados desde 28-03-2011 até integral pagamento da quantia de € 199.910,67, de IRC e juros compensatórios, nos termos daquela norma e do artigo 61.º do CPPT.
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7. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2011 … (notificada pela compensação n.º 2011 …), referente ao exercício de 2009, na parte que respeita às correções aos programas de fidelização de cliente, no valor de € 12.494.495,00, e que originou um valor de IRC calculado em € 187.417,43 e anular parcialmente esta liquidação, quanto a este valor;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos juros compensatórios e anular a liquidação de juros compensatórios liquidados sobre aquele montante de € 187.417,43;
c) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos pedidos de reembolso e quantia e juros indemnizatórios, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 199.910,67 (de IRC e juros compensatórios) e a pagar-lhe juros indemnizatórios calculados com base nesta quantia, desde 28-03-2011, até integral pagamento.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 199.910,67.
9. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2014
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Nuno Maldonado Sousa)
(Armindo Fernandes Costa)
[1] Proporciona produtos ou serviços gratuitos ou com desconto a título de atribuição de … ou pontos, aquando da venda de um serviço.
[2] Acórdão do STA de 8-7-1992, processo n.º 14364, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-6-95, página 2208, que adopta jurisprudência pacífica, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 9-5-1990, processo n.º 10497, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-3-93, página 419; de 20-10-1993, processo n.º 13355, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-10-95, página 259; de 9-12-1993, processo n.º 15778, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 375, página 210; de 26-4-1995, processo n.º 18218, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-8-97, página 1116; de 2-3-1994, processo n.º 14535, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-11-96, página 709.