Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 321/2014-T
Data da decisão: 2014-12-17  IRC  
Valor do pedido: € 70.900,01
Tema: IRC - Custos Dedutíveis; essencialidade; benefício fiscal
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), António Martins e João Sérgio Ribeiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 04 de Abril de 2014, M…SA, NIPC …, com sede na Rua …- …, … Alpiarça, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2010, com o n.º …, no valor de €70.900,01.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os gastos que foram desconsiderados naquela liquidação adicional foram necessários à manutenção da sua fonte produtiva, sendo como tal dedutíveis. Alega, ainda, incidentalmente, falta de fundamentação do acto tributário.

 

  1. No dia 08 de Abril, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 26 de Maio de 2014, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 9 de Abril de 2014.

 

  1. No dia 15 de Julho de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 25 de Setembro de 2014, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi posteriormente prorrogado até ao dia 17 de Dezembro.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente foi sujeita a uma inspecção levada a cabo pela Direcção de Finanças de Santarém, entre 23.5.2013 e 23.09.2013, que visou o IRC de 2010 e culminou com a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º …, relativa ao exercício de 2010, reflectindo as correcções à matéria colectável, o montante total de € 70.900,01.

           

2-      Essas correcções foram, entre outras, dos seguintes montantes e reportaram-se aos seguintes fundamentos (na parte relevante para o presente processo de impugnação):

a.       Encargos (não aceites pela AT) referentes a trabalhos especializados facturados pela A…, no montante de €178.677,00;

b.      Encargos (não aceites pela AT) referentes a publicidade faturados pela C…, no montante de €69.962,00;

c.       Dedução ao rendimento por benefício fiscal de incentivo à criação de Emprego para jovens (artigo 19.º EBF), no montante de €1.662,50.

 

3-      A Requerente procedeu ao pagamento, em 19.12.2013, da liquidação adicional de IRC mencionada supra, na importância de €8.325,01, sem acréscimo de juros compensatórios, nos termos do Dec.-Lei nº 151-A/2013.

4-      A Requerente é uma sociedade de direito português cujo capital pertencia, à data do facto tributário em questão nos autos, maioritariamente a duas sociedades belgas: a empresa A… e a empresa C…. Cada uma destas sociedades possui uma participação de 49,982% na Requerente, sendo os restantes 0,037% do capital social detidos pela própria Requerente.

 

5-      Não havia, à data do facto tributário, qualquer relação de capital entre as referidas empresas participantes da Requerente.

 

6-      O valor das prestações de serviços desconsideradas pela AT nas liquidações objecto do presente processo ascende a cerca de 250 mil euros, equivalendo a pouco mais de 2% do total da facturação da Requerente no ano em causa.

 

7-      Os encargos não aceites pela AT referentes a trabalhos especializados facturados pela A… à Requerente, no montante de €178.677,00, reportam-se a um conjunto de facturas, passadas pela A… à Requerente, com os números 12049, de 31.3.2010; 12100, de 31.5.2010; 12134, de 30.6.2010; 12204, de 30.9.2010 e 12286 de 16.12.2010, facturas essas objecto de descrição na pp. 8 do Relatório de Inspecção (RIT) que enunciam os serviços prestados a que se reportam, em língua inglesa, através da seguinte expressão “Settlement of quarterly charge for services rendered by A… onfollowing areas:”, seguida pela indicação dos seguintes termos, também em língua inglesa: “General; Purchasing; Production; Marketing; Supply Chain; EDP; Accounting, Investments; Human resources; Quality”, e terminando com o termo, igualmente em língua inglesa, “Period”, seguido da indicação da letra “Q” junta a um número entre 1 e 4, assim se referindo ao trimestre do ano a que se reportam, contendo a factura 12100, em lugar daquela referência, a expressão, em língua inglesa, “Correction Q1Q2”.

 

8-      A propósito destas facturas, escreveu-se no RIT, para além do mais, o seguinte:

“Nas facturas , conforme se pode constatar do quadro atrás referido, não consta:

o   Em que consistem essas prestações de serviços;

o   Agentes que intervieram na realização das prestações de serviços;

o   Como se apuraram os valores imputados à M… relativamente a cada uma das prestações de serviços;

o   As designações das prestações de serviços mencionadas nas facturas não são perceptíveis, como por exemplo "EDP", "General";

o   Será ainda de referir que, o contrato apresentado pela M… como respeitante a estas prestações de serviços encontra-se redigido na língua inglesa, não sendo igualmente perceptível, nomeadamente pela tecnicidade de alguns termos.

Pelo descrito anteriormente não se conseguiu aferir da indispensabilidade destes encargos, para efeitos do nº 1 do art. 23° do Código do IRC, pelo que se notificou o sujeito passivo em 18/01/2013, aquando das acções de inspecção aos períodos de 2005 a 2008, para “relativamente às facturas de prestações de serviços emitidas, mensalmente, pela entidade A…, especificar as prestações de serviços nelas enunciadas e o apuramento do respectivo valor para cada uma das prestações".

No dia 29/0112013, o sujeito passivo relativamente à questão colocada, respondeu apenas com documentos soltos (cfr. ANEXO 1), entre os quais um quadro anexo às facturas e outro quadro onde constam indicadas diversas entidades. Neste último, na coluna respeitante à M… apenas aparece o algarismo "3" na linha referente à prestação de serviços "TECHNIEK". Esta prestação de serviços não consta do descritivo das facturas .

Do mesmo quadro constam nomes de pessoas e outras prestações de serviços não mencionadas nas facturas, por exemplo: "INTERCO PRICING'', "LEGAL", "COST ACCOUNTING ".

Na resposta a esta questão foram também apresentados print's de urna troca de emails entre a M… e o Sr … (Group Financial Director) em língua inglesa, onde é invocada a confidencialidade de algumas despesas incluídas nas prestações de serviços em causa e sendo mesmo afirmado "(...) It is impossible to link allocation from all points of contract (...)" e "I will not give you all the details of the calculation of the A… charge to M..  since  this calculation  is  partially  including headcount expenses.(...)" (negrito  nosso).

Na  mesma   notificação  (18/01/2013),  solicitou-se  a  tradução   do  contrato   respeitante   as prestações de serviço em causa. Porém, nem do contrato original em inglês, nem da tradução apresentada em resposta à notificação, é possível fazer a correspondência entre as prestações de serviço aí mencionadas e as mencionadas nas facturas, com excepção das referentes a: "Accounting" (designação que consta nas facturas) - "Accounting and administrative services" (designação que consta no contrato).

 

Da tradução do contrato extrai-se uma informação relevante, que se transcreve : "A A… deverá  manter  registos   precisos   que  cubram  os  gastos  discriminados   relacionados   com  os   serviços prestados nos termos deste Contrato e os mesmos estarão acessíveis à inspecção  conduzida pela M… LTDA  e seus agentes devidamente habilitados durante a vigência do  presente  Acordo." (negrito e sublinhado nossos).

Por se considerarem insuficientes os elementos apresentados pelo sujeito passivo e na sequência do trecho do contrato acima transcrito, e tendo ainda em conta que estes encargos se repetiram nos períodos seguintes, notificou-se novamente o sujeito passivo em 08/02/2013, aquando das acções de inspecção aos períodos de 2005 a 2008, do seguinte:

"( ..)

a) Especificar em que consistem as prestações de serviços enunciadas nas facturas, uma vez que da v/resposta a notificação feita por estes serviços em 18/01/2013 não se divisa em que consiste cada uma delas. como é o exemplo da prestação de serviços designada "EDP";

b) Apresentar a fórmula/cálculo/apuramento do valor para cada uma das prestações  de serviços, uma vez que da v/resposta a notificação feita por estes serviços em 18/01/2013, não foi esclarecido como é feita a repartição dos gastos totais por cada uma das prestações de serviços, tendo em conta que a percentagem de repartição difere consoante a prestação de serviço que se trate;

c) Apresentar os registos a que se refere o parágrafo 5 do ponto II do contrato de prestação de serviços celebrado com a entidade A… - "A A… deverá manter registos precisos que cubram os gastos discriminados relacionados com os serviços prestados nos termos deste Contrato e os mesmos estarão acessíveis à inspecção conduzida pela  M… LTDA . (  . )"(negrito e sublinhado nosso).

Ao questionado, a M… respondeu o seguinte :       

"1 - As  faturas  de prestações  de serviços  enunciadas, pela  entidade  "A…"

a)         Especificação por Item de cada serviço prestado:

- "General" Salário e despesas da Administração (CEO e Assistente Pessoal);

-"Purchasing " - Salário e despesas do Departamento de Gestão Compras (Responsável (I…) e Equipa):

-"Production" - Salário e despesas do Departamento de Gestão de Produção (Responsável (B…) e Equipa):

-"Marketing" - Salário e despesas do Departamento de Gestão de Vendas e Marketing (Responsável (R…) e Equipa, Despesas com Feiras Internacionais, Desenvolvimento de material de Embalamento);

-"SupplyChain" - Salário e despesas do Departamento de Gestão da Cadeia de Fornecedores (Responsável (J…/l…) e Equipa);

-"EDP" - Salário e despesas do Departamento de Gestão de Tecnologias de Informação (Responsável e Equipa).

-"Accounting" - Salário e despesas do Departamento Financeiro (Responsável e Equipa, Seguros, Administração do Grupo, Coordenação das Operações entre Empresas do Grupo):

-"lnvestments " - Salário e despesas do Departamento de Gestão de Projectos de Investimento (Responsável (G…) e Equipa (J…)):

-"HumanResources " - Salário e despesas do Departamento de Gestão de Recursos Humanos (Responsável (A…) e Equipa):

-"Quality" - Salário e despesas do Departamento de Qualidade (Responsável (N…) e Equipa).

b)No geral, é repartido tendo em conta as vendas externas do ano n-1 (50%) e o volume de produção orçamentado do ano (50%) e nalguns casos específicos é alocado diretamente à entidade em questão conforme as suas necessidades (Ex: Se a "M…" construir uma Nova Câmara Frigorífica, suportará mais  gastos do Departamento de Gestão de Projetos de Investimento).

Desta forma, o seu cálculo é efetuado tendo em conta o seguinte:

-"General" - Gasto a repartir - 10% CEO e 90% Assistente Pessoal;

-"Purchasing "- Gasto a repartir- 100% I… e Equipa;

-"Production'' - Gasto a repartir - 70% B… e Equipa;

-'"Marketing" - Gasto a repartir 100 % R…, 100% N…, 100% N…, 100% K…, 92% J…);

-"SupplyChain" - Gasto a repartir - 100% J… e Equipa;

-"EDP" - Gasto a repartir - 5% Responsável e Equipa;

-"Accounting " - Gasto a repartir- 40% G…, 20% Contabilidade, 80% Legais, 15% Gerais),

-"Investments" - Gasto a repartir - 53% G… e Equipa;

-"HumanResources" - Gasto a repartir- 100% A… e Equipa;

-"Quality " - Gasto a repartir- 100% N… e Equipa."

Em resposta  às alíneas  a) e b) do ponto 1 da notificação, a M…, como se verifica da transcrição supra, descreve sumária e genericamente em que consistem os itens das prestações de serviços mencionadas nas facturas e identifica a percentagem dos gastos a repartir em cada uma das prestações de serviços a distribuir pelas diversas  entidades  do grupo .

No que respeita à alínea c) do ponto 1 da notificação, a M… nada respondeu, ou apresentou, até à presente data. Nem sequer apresentou os "(...) registos  precisos que cubram os gastos discriminados relacionados com os serviços prestados nos termos deste Contrato e os mesmos estarão acessíveis à inspecção conduzida pela M… LTDA., (...)" (negrito e sublinhado nosso), como estabelece, com carácter obrigatório, o contrato de prestações de serviços realizado entre a M… e a A..., e que poderiam esclarecer quanto à indispensabilidade dessas prestações de serviços.

Na situação presente, acresce ainda que a entidade que prestou os serviços em causa é não residente, sem estabelecimento estável no território nacional, não sendo por isso possível a estes Serviços de Inspecção recolher junto dessa entidade informação relativa às ditas prestações de serviços.

Ainda relativamente a estas prestações de serviços facturadas pela A…, a M…, em sede de direito de audição, no âmbito dos procedimentos inspectivos aos períodos de 2005 a 2008 , fez uma descrição genérica de cada uma das prestações de serviços identificadas nas facturas emitidas pela A…, tratando-se de definições meramente académicas, susceptíveis de serem aplicáveis a qualquer empresa. Em complemento a estas definições, a M… juntou em anexo o relatório  internacional A… 2012 e uma apresentação de produtos da  C…, incluindo também uma breve apresentação desta empresa, muito à semelhança da apresentação para a A….

Porém, a partir dos elementos supra identificados, continuou a não ser possível comprovar em que se concretizaram as ditas prestações de serviços, impedindo, por conseguinte, aferir da sua  indispensabilidade.

No período de 2010, tal como aconteceu nos períodos de 2005 a 2009, a M…, tem registado na sua contabilidade como gastos do período, encargos da mesma natureza debitados  pela  A… ,  pelas  facturas  identificadas  no  quadro  supra,  no  montante  total de €178.677,00, contendo as mesmas designações das constantes nas facturas que foram emitidas nos anos de 2005 a 2008 pela A…. Desta forma, notificou-se novamente o sujeito passivo, em 02/07/2013, no decorrer do presente procedimento de inspecção ao período de 2010, para informar se as facturas de prestações de serviços emitidas pela A… derivam do mesmo contrato de prestações de serviços apresentado no decurso das acções de inspecção aos períodos de 2005 a 2008.

Como resposta, a M… refere o seguinte, "As faturas de prestações de serviços emitidas mensalmente, pela entidade "A…", derivam do mesmo contrato de Prestação de Serviços apresentado do decurso das ações de inspeção anteriores."

Assim, mantêm-se as mesmas considerações já tecidas e referentes às  notificações efectuadas anteriormente. Verificando-se a falta de documentação relativamente a estes encargos, torna-se inviável a confirmação da indispensabilidade dos mesmos nos termos do nº 1 do art. 23º do Código do IRC, apesar das diversas diligências efectuadas no sentido de levar o sujeito passivo a apresentar os esclarecimentos necessários.

Acresce ainda destacar que, a M…, no período de 2010, tem registado na contabilidade gastos relativos a prestações de serviços de publicidade, de informática, de contabilidade e auditoria, trabalhos especializados comerciais, serviços de monitorização de algumas culturas agrícolas, que se encontram suportados documentalmente com facturas e outros documentos de apoio e onde as prestações de serviços são devidamente identificadas, como por exemplo :

a) Serviços de informática (ex: registo interno nº 04/100294 , onde constam os técnicos intervenientes, as horas que imputam, o tipo/motivo de intervenção , o gasto/hora/técnico);

b) Serviços de publicidade (ex: registo interno nº 04/040038 , de serviços de Marketing e desenvolvimento marca própria);

c) Serviços especializados administrativos (ex: registo interno nº 04/060129, que se refere à elaboração de um estudo para candidatura PRODER debitado pela entidade ''T… - … Lda");

d) Serviços especializados de auditoria debitados pela empresa "D… SA" (ex: registos internos nº(s) 04/100195 e 06/120020) ;

e) Serviços especializados contabilidade (ex: registo interno nº 04/010030, de serviços de contabilidade debitados pela empresa "M…");

f) Serviços comerciais (ex: registos internos nº(s) 04/020167 e 04/070304) ;

g) Serviços de investigação e desenvolvimento (ex: registo interno nº 04/110083);

h) Serviços de avença mensal de elaboração Intrastat (ex: registo interno nº 04/110031 );

1) Serviços de validação da declaração Ponto Verde (ex: registo interno nº 04/070304).

Assim, em face do exposto, a falta de documentação relativamente aos encargos suportados com as prestações de serviço facturados pela A…, no período de 2010, no montante de 178.677,00, torna inviável a confirmação da indispensabilidade dos mesmos, pelo que, nos termos do nº 1 do art. 23° do Código do IRC, não pode ser aceite fiscalmente a dedução desses encargos.”

 

9-      Os encargos não aceites pela AT referentes a trabalhos especializados facturados pela C… à Requerente, no montante de €69.962,00, reportam-se à factura n.º 03/109259 de 30/09/2010, passada pela C… à Requerente.

 

10-  A propósito desta factura, escreveu-se no RIT, para além do mais, o seguinte:

“No período de 2010, tal como aconteceu nos períodos de 2005 a 2009, a M…, tem registado na sua contabilidade como gasto do período. no extracto de conta corrente "6221321102  - Trabalhos  Especializados  - C… (Bélgica)",  pelo  registo  interno 090399/04 , encargos com publicidade debitados pela C… - NIF: BE…, através  da factura nº 03/109259  de 30/09/2010,  no montante de € 69.962,00, referente a "INTERV PUBLICITAIRE - Facture pour l'intervention publicitaire et frais d'exhibition 2010".

Dado que a designação constante da factura que titula essa despesa é muita genérica e não identifica concretamente quais os gastos de publicidade a que se reporta, solicitou-se ao sujeito passivo, aquando das acções de inspecção aos períodos de 2005 a 2008, a apresentação do contrato referente a esses encargos, uma vez que o descritivo das facturas referentes aos períodos de 2005 e 2006 mencionam a existência de um contrato.

Este contrato foi apresentado no decurso das acções de inspecção anteriores e o mesmo refere alguns tipos de despesas com publicidade, como referido na cláusula 1: "(...)insertion des annonces aux dates régulieres dans dês revues professionnalles et cela pour ses marches les plus importants (Royaume-Uni. Belgique, France, Allemagne, Pays-Bas. Scandinavie). C… est presente aux salons internationaux e.a. S… - France, A…-Allemagne , S…-France, l…­ Allemagne, P…-Pays-Bas , F…-Allemagne-Royaume-Uni, ...".

Face ao estabelecido neste contrato. solicitou-se ao sujeito passivo, no decurso das acções de inspecção aos períodos de 2005 a 2008, para "Apresentar documentos comprovativos dos gastos de publicidade facturados pela entidade C… - NIF: BE…, (.. .) registados no extracto de conta nº "6223632102", (.. .)".

Em resposta ao solicitado na notificação, a M… apresentou os seguintes elementos :

§  Print de email do Sr. G… (Group Finantial Director), de 18/01/2013, dizendo que "Concerning amounts invoiced by C…: it are the same amounts of the marketing expenses invoiced from A… to M… Lda. Logic behind this: both shareholders are making the same efforts to help M… to penetrate the community and external market."

§  Cópia da factura emitida pela C… e relativa aos gastos de publicidade, já atrás identificada;

§  Mapa anexo às facturas emitidas pela A…- NIF: BE…, referentes a gastos com serviços especializados – A… ;

§  Print de email do Sr. G… (Group Finantial  Director), de  21/01/2013,  dizendo que "(.. .) a. Joint-venture agreement: see point 17 for the service invoices . b. Manufacturing  agreement: point  6 and 7 describe lhe pricing mechanism." ;  e

§  O contrato "Joint-Venture  Agreementbetween A… and C… , dated 8 November 2004", onde destacam o ponto 17, cuja tradução apresentada pela M…, diz o seguinte: "(.. .) As partes concordam que irão cobrar à M… uma compensação pelos gastos e serviços em benefício da M…. A A... irá apresentar anualmente uma proposta de compensação a ser cobrada pela A… e pela C… pelos serviços a serem prestados à M… durante esse ano. As compensações serão discutidas e aprovadas durante a primeira  reunião  do  Conselho de Administração  M…  a cada  novo período  financeiro. Qualquer compensação pelos  serviços  a serem prestados  pela  A…  ou pela  C… será numa base equitativa e comercialmente razoável."

Com a resposta, não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos da publicidade efectuada pela C… à M…, nomeadamente provas das participações nas feiras identificadas no contrato, dos anúncios publicados nas revistas especializadas, dos folhetos publicitários, ou de outras acções de cariz publicitário, em função do estabelecido no contrato entre as duas entidades. Deste modo, não é possível a confirmação da indispensabilidade dos encargos de publicidade registados neste período, nos termos do nº 1 do art.º 23° do Código do IRC, apesar das diligências efectuadas.

Acresce que o montante facturado pela C… à M…, referente a publicidade coincide, em valor, ao facturado pela A… tal como referido no email de 18/01/2013 do Sr. G…, que o justifica como resultado dos mesmos esforços feitos pelas duas entidades belgas para integração da M… no mercado comunitário e internacional.

De referir ainda que, sendo a entidade que prestou os serviços em causa não residente, sem estabelecimento estável no território nacional, não é possível a estes Serviços de Inspecção recolher junto dessa entidade informação relativa às ditas prestações de serviços.

Em sede de direito de audição, no âmbito dos procedimentos inspectivos aos períodos de 2005 a 2008, relativamente a estas prestações de serviços de publicidade debitadas pela C… nada foi dito ou apresentado pela M….

Assim, considerando que, no período  em análise (2010), o procedimento da empresa em termos de documentação destes gastos se mantém inalterado, concluímos que nos termos do nº 1 do art. 23º do Código do IRC não pode ser aceite fiscalmente a dedução dos encargos com publicidade facturados pela C… à M…, no montante de € 69.962,00.”

 

11-  A cada factura referida nos pontos 8 e 10 supra, corresponde um fluxo financeiro devidamente registado pela contabilidade da M… e que foi pago mediante transferência bancária.

 

12-  A A…, em 2010, detinha o know how ao nível das produções industriais, constituindo todo o suporte operacional das suas unidades espalhadas pela Europa, através de uma estrutura central, designada por A… C… (…), que fornecia o conhecimento e assistência técnicas, formação, merchandising e assumiu também as acções de vendas nos mercados internacionais.

 

13-  Na A… reuniam os administradores delegados das várias unidades produtivas do grupo, para definirem as estratégias de mercado, elaborarem os orçamentos anuais e para analisarem as performances das diferentes unidades produtivas.

 

14-  A Requerente especializou-se na produção de certo tipo de bens alimentares, em particular o pimento, que era, em 2010, maioritariamente comercializado no exterior através das suas acionistas belgas.

 

15-  Foi celebrado um acordo denominado “Joint venture agreement between A… and C…”, datado de 8.11.2004, onde no seu número 17 consta que: "As partes concordam que irão cobrar à M… uma compensação pelos custos e serviços prestados em benefício da M…. A A… C… irá apresentar anualmente uma proposta de compensação a ser cobrada pela A… C… e pela C… pelos serviços a serem prestados à M… durante esse ano".

 

16-  Foi celebrado também um contrato entre aquela a C… e a M…, onde aquela se comprometeu a efetuar despesas com publicidade em mercados como o inglês, o belga e o francês, e assegurar a presença num conjunto de feiras identificadas no contrato, bem como a publicação de anúncios aos produtos por ela transacionados.

 

17-  A A… tem poder de decisão sobre o volume e especificidade da produção da Requerente e acompanha de forma muito próxima os seus processos de compras, produção, controlo de qualidade, divulgação comercial, acompanhamento do mercado, cadeia de fornecimentos, actividades financeiras e gestão de recursos humanos.

 

18-  O descritivo das facturas da A…, supra-indicadas, refere-se a serviços prestados nas seguintes áreas:“; Purchasing; Production; Marketing; Supply Chain; EDP; Accounting, Investments; Human resources; Quality

                                                              i.            "General": comparticipação da Requerente no salário e despesas da Administração (Director Geral e Assistente Pessoal) da A…;

                                                            ii.            "Purchasing": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Gestão de Compras (Responsável e Equipa) da A…;

                                                          iii.            "Production": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Gestão de Produção (Responsável e Equipa) da A…;

                                                          iv.            "Marketing":comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Gestão de Vendas e Marketing (Responsável e Equipa, Despesas com Feiras Internacionais, Desenvolvimento de material de Embalamento) da A…;

                                                            v.            "Supply Chain": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Gestão da Cadeia de Fornecedores (Responsável e Equipa) da A…;

                                                          vi.            "EDP": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Gestão de Tecnologias de Informação (Responsável e Equipa) da A…;

                                                        vii.            "Accounting": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento Financeiro (Responsável e Equipa, Seguros, Administração do Grupo, Coordenação das Operações entre Empresas do Grupo) da A…;

                                                      viii.            "Investments": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Gestão de Projectos de Investimento (Responsável e Equipa) da A…;

                                                          ix.            "Human Resources": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Gestão de Recursos Humanos (Responsável (…) e Equipa) da A…;

                                                            x.            "Quality": comparticipação da Requerente no salário e despesas do Departamento de Qualidade (Responsável e Equipa) da A….

 

19-  A Requerente teve ao seu dispor, no ano de 2010, os serviços da A… descritos no número anterior, tendo beneficiado dos mesmos quer ao nível da produção, em Portugal, quer ao nível da venda no exterior, e beneficiou da divulgação dos seus produtos pela C…, ao nível das suas vendas no exterior, sendo que das vendas contabilisticamente relevadas pela Requerente, no ano de 2010, 30% do total foram para a A… e 28% do total foram para a C…, e que a facturação da Requerente que se realizou no mercado nacional rondou, naquele ano, 40% do total.

 

20-  De entre as deduções desconsideradas pela AT relativamente ao benefício constante do artigo 19.º do EBF (criação de emprego), encontra-se uma, no montante de 1.662,50€, respeitante a C…, esposa de um administrador da Requerente.

 

21-  A este propósito, consta no RIT que:

“Em relação ao número de trabalhadores sem termo despedidos apresentados na listagem da M…, (...) Os restantes não satisfazem os requisitos pelos seguintes motivos:

1. C…, por integrar o agregado familiar da entidade empregadora, já que é esposa do administrador da M…, G…;”.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados nos pontos 1 a 10, 12, 13, 20 e 21.

Os factos elencados nos pontos 11 a 14 e 17 a 19 tiveram também em consideração a prova testemunhal que, de forma coerente com toda a documentação constante do PA, e demais junta ao processo, elucidou ou tribunal sobre os termos de que se revestia o relacionamento entre a Requerente e as suas accionistas, bem como, de maneira detalhada, sobre o teor dos serviços a que se reportavam as facturas questionadas no processo.

O facto a que se refere o ponto 19, teve ainda em consideração um juízo de normalidade, decorrente da abrangência da situação apresentada ao Tribunal, que integra uma empresa portuguesa detida por duas multinacionais (que, não tendo relações entre si, conciliam na Requerente interesses convergentes mas contrapostos, na medida em que a despesa da Requerente a favor de uma, prejudica necessariamente a outra) e que orienta a sua produção para escoamento maioritário através da exportação, no âmbito da qual não possui qualquer estrutura própria.

 

B. DO DIREITO

 

            Essencialmente, está em causa nos autos apurar se, como alega a Requerente, o acto de liquidação adicional relativo ao ano de 2010, objecto do presente processo, enferma de erro nos respectivos pressupostos, sendo que, sem autonomizar expressamente a formulação de tal questão (en passant, nos artigos 31.º e 94.º do seu requerimento inicial), suscita, ainda, a falta de fundamentação de tal acto.

Não tendo sido arguidos vícios que conduzam à nulidade ou inexistência dos actos impugnados, nem tendo sido expressamente requerido que, na apreciação das questões suscitadas, o Tribunal siga uma ordem determinada, cumprirá conhecer, nos termos do artigo 124.º do CPPT, do vício “cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”, o que no caso será o alegado erro nos pressupostos do acto impugnado.

 

*

            Em causa nos autos estão duas situações distintas, a saber:

i.                    a desconsideração, como custo, das facturas passadas pela A… à Requerente, com os números 12049, de 31.3.2010; 12100, de 31.5.2010; 12134, de 30.6.2010; 12204, de 30.9.2010 e 12286 de 16.12.2010, no montante de €178.677,00, e n.º 03/109259 de 30/09/2010, no montante de €69.962,00, passada pela C… à Requerente;

ii.                  A desconsideração da dedução, relativamente ao benefício constante do artigo 19.º do EBF (criação de emprego), no montante de 1.662,50€, respeitante a C…, esposa de um administrador da Requerente.

            Vejamos cada uma delas.

 

*

            Essencialmente, em causa naquela primeira das questões elencadas, está saber se, relativamente às despesas tituladas pelas facturas indicadas, estão, ou não verificados os pressupostos de que o artigo 23.º/1 do CIRC, cujo teor desde já se transcreve:

“Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.”.

 

*

            Relativamente à questão que nos ocupa, alega a AT, em suma, que “Não foi possível à AT apurar comprovadamente em que consistiram as prestações de serviços referidas nas respectivas facturas, para efeitos de determinação da sua dedutibilidade fiscal.[1], dado que “os esclarecimentos obtidos, (...) se apresentam vagos e genéricos, não permitindo identificar o serviço concretamente prestado, quanto à sua origem, natureza, destino e montante, para efeitos de apuramento da sua dedutibilidade fiscal.[2].

            Entende, a AT, que seria imprescindível[3], para “comprovar em que se concretizaram as prestações de serviços” e “aferir da sua indispensabilidade”, conhecer “nomeadamente:

Os agentes que intervieram na realização das prestações, (...);

• O apuramento dos valores imputados à M… relativamente a cada uma das prestações de serviços (...);

• As entidades terceiras (clientes, fornecedores, financiadores, organizações empresariais,

entidades subcontratadas, etc) intervenientes nas ditas prestações de serviços (...);

• Os contratos, acordos, parcerias, documentos em que sejam definidas estratégias do grupo, acções comerciais e de marketing, comprovativos de exposições e feiras, comprovativos de exposições e feiras, comprovativos da intervenção em auditorias e reports, da implementação de novos projectos e tecnologias, de visitas regulares às unidades, de processos de recrutamento de quadros superiores (...).”.

            Conclui, sumariando, a AT, que “No caso dos autos a AT pôs em causa, fundamentadamente diga-se, a relevância fiscal de determinados montantes, contabilizados como custos do exercício.”, pelo que “Cabia (...) à Requerente a prova dessa indispensabilidade[4].

            Oferece também a AT que “não está em causa que tenham sido prestados os serviços facturados[5], que “Não se trata (...) de pôr em causa a veracidade das facturas[6].

           

*

            Posto isto, o principal problema que se levanta no presente processo é o de saber, não se terão existido os encargos documentados pelas facturas da A… e da C… acima identificadas, cuja efectividade, aliás, nem sequer é posta em causa, como se viu, pela Requerida, mas tão-só saber se informação prestada pela Requerente é suficiente para sustentar a essencialidade desses custos tal como é exigido pelo artigo 23.º do CIRC.

              Os documentos relativos aos custos em causa, são reputados como suficientes para mostrar que a requerente incorreu  nos encargos a que se reportam, o que, de resto, também não é contestado pela AT.

Com efeito, e por exemplo, como se escreveu no Ac. do STA de 05-07-2012, proferido no processo 0658/11[7], “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”.

Assim, contrariamente ao que se passa no IVA (art. 36.º, n.º 5), o conceito de documento comprovativo, não tem obrigatoriamente de corresponder à fatura emitida com o detalhe que é exigido no CIVA. No domínio do IRC as exigências serão menores, bastando que o documento comprovativo explicite de forma clara, as principais características da operação, isto é, os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção, admitindo-se mesmo que que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito.

Como se escreveu no Ac. do STA de 16-03-2005, proferido no processo 00340/03:

“1. Nas despesas devidamente documentadas há que presumir a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, razão pela qual compete à A. Fiscal alegar a existência de elementos susceptíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.

2. Nas despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a A. Fiscal tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.”.

No mesmo sentido, no Ac. do TCA-Sul, de 20-04-2010, proferido no processo 03632/09, pode ler-se: “Assim, a ineficácia probatória da escrituração não impede o seu suprimento por outros meios de prova admitidos em direito e adequados a fundamentar a justeza do lançamento pela comprovação da operação comercial subjacente ao deficiente registo ou suporte documental desse registo contabilístico.”.

Não deixa de ser relevante observar que na recente reforma do IRC o legislador tenha vindo a fixar exigências acrescidas nos documentos comprovativos, muito semelhantes às do IVA (23.º n. 4) o que permite inferir, por um lado, que estas exigências antes não existiam e, por outro, que tais exigências não eram – como não são – tão apertadas no IRC como no IVA.

Aqui chegados, crê-se não ser de conceder razão à AT quando entende que seria imprescindível, para “comprovar em que se concretizaram as prestações de serviços” e “aferir da sua indispensabilidade”, conhecer “nomeadamente:

Os agentes que intervieram na realização das prestações, (...);

• O apuramento dos valores imputados à M… relativamente a cada uma das prestações de serviços (...);

• As entidades terceiras (clientes, fornecedores, financiadores, organizações empresariais,

entidades subcontratadas, etc) intervenientes nas ditas prestações de serviços (...);

• Os contratos, acordos, parcerias, documentos em que sejam definidas estratégias do grupo, acções comerciais e de marketing, comprovativos de exposições e feiras, comprovativos de exposições e feiras, comprovativos da intervenção em auditorias e reports, da implementação de novos projectos e tecnologias, de visitas regulares às unidades, de processos de recrutamento de quadros superiores (...).”.

uma vez que tal carece, desde logo, de fundamento legal.

            Por outro lado, também não se subscreve o entendimento da AT, segundo o qual a mesma “pôs em causa, fundamentadamente (...) a relevância fiscal de determinados montantes, contabilizados como custos do exercício.”, correspondentes às facturas da A… e da C….

            Com efeito, objectivamente, a AT não recolheu ou apresentou qualquer prova, positiva, que levante algum tipo de dúvida sobre a utilidade ou necessidade das despesas em que a Requerente, reconhecidamente, incorreu. Antes, limita-se a AT a fazer cair sobre aqueles encargos uma dúvida cartesiana, demandando uma prova a autrance, para aceitar a sua dedutibilidade.

            Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 30-01-2007, proferido no processo 01486/06:

“IV.- É no conceito de indispensabilidade ínsito no artº 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.

V.- Este, é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa.”

            Como se vê ali, a prova da essencialidade de um gasto comprovadamente incorrido, passa, não por uma demonstração microscópica da anatomia do gasto, mas, antes, pela ligação, sob um ponto de vista de razoabilidade, ao “interesse colectivo da empresa”, pela evidenciação de uma causa e origem empresarial.

            Assim, e para além do mais, o artigo 23.º/1 do CIRC, elenca nas suas alíneas uma série de situações exemplificativas do requisito erigido no seu corpo, que não se deverão, na linha do que o Prof. Teixeira Ribeiro entendia à luz do CCI[8], ser entendidas de outra maneira que não a de que quando os custos ou perdas estão especificamente elencados no artigo 23.º, presume-se a sua essencialidade, dispensando-se, correspondentemente, o contribuinte da correspondente prova, sendo, precisamente esse o propósito da enumeração (retirado, para além do mais, da utilização da expressão «nomeadamente»).

            Ora, como se retira dos factos dados como provados, os gastos em questão nos autos enquadram-se nas diversas alíneas do artigo 23./1 do CIRC, reconduzindo-se essencialmente a gastos relativos à produção (al. a)) e distribuição e venda de produtos, incluindo publicidade (al. b)), incluindo ainda gastos relativos a despesas de natureza administrativa (al. d)) bem como análises, racionalização, investigação e consulta (al. e)).

            Para além, e independentemente, disso, o certo é que resulta da prova produzida, consolidada nos factos dados como provados, que a Requerente utilizou efectivamente os serviços facturados, sendo que tais serviços não só são, objectivamente e pela sua natureza, potencialmente geradores de ganhos, como a Requerente deles retirou benefícios concretos, traduzidos na sua produção e vendas.

            Ora, tudo isto é quanto baste para que se considere demonstrada a essencialidade dos gastos em questão. E, demonstrada esta, não será lícito o raciocínio de que a não comprovação da forma de cálculo do concreto montante do gasto – e o seu eventual exagero – implica a sua desconsideração como um todo.

            Como se escreveu no processo 91-2012-T do CAAD[9]:

“Perante a inviabilidade de apurar quais os serviços prestados e a sua indispensabilidade, a administração tributária notificou a Requerente para, além do mais, concretizar, datar e quantificar esses serviços.

A Requerente prestou esclarecimentos, mas, depois de profunda análise não conseguiu apurar quais os serviços prestados intra-grupo nem a sua quantificação, nem a sua data.

Na sequência desta inviabilidade de apuramento a administração tributária entendeu que foi desrespeitado o art. 23.º do CIRC, por a Requerente não comprovar a indispensabilidade dos custos referidos na realização dos proveitos nem na manutenção da fonte produtora e concluiu que tinha de dar uma resposta negativa à questão de saber «se houve efectivamente uma prestação de serviços intra-grupo»

(...)

No caso em apreço, tendo a administração tributária concluído que não se podia apurar que serviços foram efectuados e sua quantificação, adoptou um entendimento que se reconduz a que nenhum dos serviços prestados, que desconhecia, era necessário para realização dos rendimentos ou manutenção da fonte produtora.

Este entendimento não tem correspondência com a realidade, pois foram prestados alguns serviços, como resulta da matéria de facto fixada, pelo que os actos de liquidação relativos aos anos de 2007 e 2008, na parte em que assentaram nas correcções relativas aos «Management fees», enfermam de erro nos pressupostos de facto.

Para além disso, tendo efectuado aplicação do regime do art. 23.º do CIRC a uma situação em que ele não é aplicável, aqueles actos enfermam de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.”

            A argumentação da AT nesta matéria, acaba assim por denotar alguma contradição, na medida em que por um lado assume não pôr em causa que os serviços foram prestados e, por outro, declara desconhecer tudo o que tem a ver com aqueles (“origem, natureza, destino e montante”), sendo caso para perguntar que serviços são esses, então, que a AT admite que tenham sido prestados...

            Também a própria alusão, sem daí tirar as devidas consequências – designadamente ao nível da tributação autónoma – à eventual ocorrência de despesas confidenciais, feita no RIT e replicada na Resposta da AT já em sede arbitral, denota essa referida incompreensão. Com efeito, a recusa de um fornecedor em revelar o seu modo de fixação do preço de um bem, ou serviço, efectivamente fornecido não é susceptível de tornar a despesa confidencial. Esta foi feita pelo bem ou serviço efectivamente prestado, no montante demonstradamente pago ao destinatário identificado, sendo por isso conhecidos todos os elementos para que as mesmas não se reconduzam a despesas confidencias.

            Questão distinta da que vem de se abordar, será a da razoabilidade da sua quantificação. Tratar-se-ia aí de saber se sendo os serviços comprovadamente prestados “indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, como no caso inquestionavelmente são, foi o valor fixado e pago como contrapartida, adequado, ou não.

            Esta questão - que resvalaria para o domínio dos preços de transferência – não foi, todavia, suscitada pela AT.

            Enfermando, deste modo e por tudo o que vem de se dizer, a liquidação objecto dos presentes autos, do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, deverá a mesma ser parcialmente anulada, procedendo nesta parte o pedido arbitral, e ficando, por isso, prejudicado o conhecimento do vício de forma concomitantemente arguido.

 

*

            A Requerente coloca também em causa a desconsideração da dedução, relativamente ao benefício constante do artigo 19.º do EBF (criação de emprego), no montante de 1.662,50€, respeitante a C…, esposa de um administrador da Requerente.

            A este propósito escreveu-se na decisão do processo 74-2014T do CAAD[10], entre as mesmas partes e sobre a mesma questão:

“De acordo com o n.º 4 do artigo 19.º do EBF “para efeitos de criação líquida de postos de trabalho não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal”.

A Requerida considerou não dedutíveis os encargos suportados com a funcionária D..., esposa de um administrador da Requerida. Ora, a entidade patronal desta funcionária é, efectivamente, a Requerente (a qual, por ser pessoa colectiva não possui agregado familiar) e não o seu Conselho de Administração.

Refira-se, a este respeito, que a argumentação da AT explanada nos pontos 45 a 96 da sua Resposta poderá eventualmente relevar numa perspectiva de jure constituendo mas não pode ser aceite de jure constituto.

A AT viola frontalmente as boas regras de hermenêutica jurídica quando considera resultar do texto da lei a interpretação que defende, ou seja, de que na expressão “entidade patronal” do texto do artigo 19.º, n.º4, do EBF, se incluem os órgãos daquela, designadamente os membros do Conselho de Administração (porque não também os membros do Conselho Fiscal? E da Mesa da Assembleia Geral?).

Assim, considera este Tribunal igualmente improcedente a não consideração da dedução a título de criação líquida de emprego alegada pela Requerida, entendendo que, também quanto a este ponto, a correcção à matéria colectável efectuada não tem fundamento legal, pelo que enferma do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.”

            Subscrevendo-se integralmente as considerações transcritas, entende-se que deverá, também nesta parte, proceder o pedido arbitral.

 

*

Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento efectuado, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      anular parcialmente o acto tributário objecto dos presentes autos, com todos os devidos e legais efeitos, designadamente:

                                                                          i.      condenar a AT a restituir à Requerente o imposto pago no valor de € 8.325,01, acrescido de juros indemnizatórios;

                                                                        ii.      determinar o recálculo do lucro tributável da Requerente acolhendo os encargos não aceites com as faturas emitidas pelas suas participantes A… e C… e ainda o benefício fiscal relativo à trabalhadora C…, correcd﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ o cionistas, bem comoefeitos,l. etudicado o conhecimento do v a depesa e a Requerente e as suas accionistas, bem comoções estas no total de € 250.301,50;

b)      Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €2.448,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €70.900,01, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa

17 de Dezembro de 2014

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho – Relator)

 

O Árbitro Vogal

(António Martins)

 

O Árbitro Vogal

(João Sérgio Ribeiro



[1]Ponto 13 da Resposta. Embora sejam considerações tecidas a propósito das facturas emitidas pela A…, a sua filosofia está igualmente subjacente à desconsideração da factura emitida pela C….

[2]Ponto 20 da Resposta.

[3]Ponto 25 da Resposta.

[4]Pontos 51. e s. da Resposta.

[5]Ponto 11 da Resposta.

[6]Ponto 30 da Resposta.

[7]Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem fonte.

[8] Comentário ao acórdão do Supremo de 9 de Outubro de 1985, RLJ n.º3743, p. 39-43.

[9]Disponível em www.caad.org.pt.

[10]Disponível em www.caad.org.pt.