Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Clotilde Celorico Palma e Américo Brás Carlos, designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem Tribunal Arbitral:
no seguinte:
DESPACHO
Preambularmente às suas alegações escritas, a Requerente pede o desentranhamento do documento junto pela AT com o seu requerimento de 13-04-2015, admitido no dia 17-04-2015, por despacho proferido na acta da Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Notando-se desde já que, notificado no próprio acto da junção em causa, a Requerente nada opôs à junção, sempre se dirá que se entende não lhe assistir razão quando refere tratar-se de “um documento intempestivo” e “fundamentação a posteriori”.
Quanto a esta última questão, parece, desde logo, a Requerente confundir prova e fundamentação, sendo certo que uma e outra coisa são, evidentemente, distintas, sendo que na presente sede nos situamos no primeiro dos planos referidos, e que a eventual “fundamentação a posteriori” não constitui fundamento de desentranhamento de documentos, conforme se evidencia, para além do mais, pela falta de invocação de qualquer norma legal que sustente tal pretensão.
No mais, o art.º 423.º do CPC dispõe que:
"2- Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior."
Não contendo o processo arbitral tributário a realização imperativa de uma audiência final, a esta há-de, naturalmente, equiparar-se a realização da última reunião do processo, havendo-a, ou o momento imediatamente anterior à notificação para a apresentação de alegações escritas, ou de fixação de prazo para a decisão final, sem realização daquelas.
Neste contexto, nunca se poderia considerar “intempestiva” a junção do documento em questão, não se deixando de notar, todavia, que a própria Requerente procedeu à junção de documentos após a entrega do seu Requerimento inicial.
Assim, e quando muito, poderia considerar-se a hipótese de condenar a AT em multa, com base na referida norma do art.º 423.º/2 do CPC.
Todavia, o processo arbitral tributário - condensado no RJAT - não contém qualquer previsão relativa quer à aplicação de multas processuais, quer à aplicação de custas incidentais.
Tal omissão, pode ser encarada como uma lacuna, a preencher com recurso às normas processuais civis e tributárias, ou como uma omissão intencional visando a não aplicabilidade daquelas normas.
No caso, entende-se que será esta a última a opção legislativa.
Com efeito, o RJAT apenas comete ao Regulamento de Custas do CAAD, a fixação da taxa de arbitragem, e não de qualquer outro montante.
E, ainda que se admita que na taxa de arbitragem o CAAD pudesse integrar multas processuais e/ou custas incidentais arbitradas pelos Tribunais constituídos no seu seio, o certo é que não o fez.
Deste modo, entende-se que não é legalmente admissível em sede de processo arbitral tributário tal como este está, actualmente, configurado, a condenação das partes em multas processuais e/ou custas incidentais, o que a ocorrer, no actual contexto, suscitaria, de resto, significativas dificuldades operacionais, relacionadas, entre outras coisas, com a entidade beneficiária do correspondente pecúlio (o Estado? o CAAD? o Tribunal?), bem como com a correspondente forma de pagamento e, eventual, cobrança coerciva.
Assim, e pelo exposto, não seria possível a condenação da AT em multa, tal como não se condena a Requerente em pelas custas do presente incidente processual, de indeferimento da sua pretensão de desentranhamento do documento.
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Nas suas alegações, a Requerida começa “por referir que, não obstante a AT ter requerido ao tribunal a junção ao processo da apólice de seguro n.º HD2012… (...), aquando do exercício do contraditório pela junção da Acta por parte da Autora, o Tribunal, de forma incompreensível, ainda não emitiu pronúncia sobre o requerido.”, pelo que “reitera o requerido (...) esperando-se o deferimento do mesmo face à sua importância para averiguar da verdade material”.
Antes de mais, cumpre deixar claro que não é correcto o afirmado pela AT, quanto à falta de pronúncia, da parte deste Tribunal.
Com efeito, reporta-se a AT, na matéria em causa, ao seu Requerimento apresentado a 13 de Abril de 2015, o qual foi objecto de despacho na reunião a que alude o art.º 18.º RJAT, constante da respectiva acta, e de cujo dispositivo consta expressamente que "estão de acordo os árbitros que constituem o presente Tribunal arbitral em indeferir, na íntegra, o Requerimento de 13/4 apresentado pela AT.".
Ora, tendo sido indeferido na íntegra o requerido pela AT na referida peça, será inquestionável que, bem ou mal, foi integralmente decidido o requerimento em questão, sendo certo que não tendo sido, em tempo, arguida qualquer nulidade relativamente ao referido despacho (cfr. arts. 195.º/1 e 199.º do Código de Processo Civil), qualquer deficiência ou insuficiência do mesmo se terá, entretanto, sanado, tendo-se formado, na matéria, caso julgado formal (cfr. art.º 620.º do Código de Processo Civil).
Não prejudicaria, o que vem de se referir, que o Tribunal, oficiosamente ou requerimento, em função dos desenvolvimentos subsequentes do processo, ao abrigo dos princípios próprios do processo arbitral tributário, maxime dos contidos nos artigos 16.º/c) e d), 19.º e 29.º/2 do RJAT, determinasse a junção de qualquer documento indispensável “para averiguar da verdade material”.
Contudo, não será esse o caso do documento a que se reporta a AT.
Com efeito, tendo em conta os factos relevantes para a decisão da causa, alegados devidamente e em tempo pelas partes, conforme decorre da decisão arbitral que segue, não se afigura que o documento em questão se revista de qualquer relevância para o juízo de prova, ou não prova, de qualquer deles.
Assim, e por todo o exposto, indefere-se o requerido pela AT nas suas alegações.
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Para os fins tidos por convenientes, extraia-se a certidão requerida no artigo 48.º das alegações escritas da AT.
Posto isto, mais acordam os árbitros na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 30 de Outubro de 2014, A... - IMOBILIÁRIA, LDA (Requerente), com sede na Avenida …, Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número único de Pessoa Colectiva n.º …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos:
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de liquidação IVA 2013... referente a IVA do período 06 do ano 2012, datado de 18-10-2013;
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de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente àquele; e
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de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado relativamente à decisão daquela reclamação.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a liquidação referida sofre de vícios de forma, designadamente no que respeita à falta de fundamentação do acto tributário e à inobservância do exercício do direito de audiência prévia, bem como de erro nos respectivos pressupostos de direito e de facto.
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No dia 03-11-2014, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado a Exm.ª Sr.ª Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Professor Doutor Américo Brás Carlos. Por acordo, os árbitros nomeados pelas partes indicaram para presidir a este Tribunal Arbitral o ora Relator, que, no prazo aplicável, aceitou o encargo.
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Em 16-01-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 04-02-2015.
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No dia 04-03-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação, tendo a Requerente, após notificado para tal, apresentado pronúncia por escrito, sobre a referida matéria de excepção.
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No dia 17-04-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi decidido requerimento apresentado a 13-04-2015 pela Requerida, e onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 dias, tendo igualmente sido prorrogado por dois meses o prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que iniciou a sua actividade em 1998 e cujo capital social era, à data do facto tributário em questão no presente processo, integralmente detido pela sociedade comercial anónima B… - Imobiliária e Participações, SA
2- A Requerente encontrava-se inicialmente registada para o exercício das actividades de “gestão de investimentos imobiliários, compra de imóveis para revenda, elaboração de projectos, construção e comercialização de prédios, prestação de serviços de consultoria no âmbito das actividades referidas”, CAE 068100, com enquadramento, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, e alargou o seu objecto, a partir de Julho de 2010, à “importação, exportação e comércio de artigos de ourivesaria e relojoaria”.
3- A partir de 14 de Janeiro de 2012 a Requerente passou a exercer efectivamente a actividade de comércio por grosso de relógios.
4- No período 6-2012, a Requerente adquiriu no mercado interno relógios no montante de € 114.805,69, acrescidos de IVA à taxa de 23% no montante de € 26.405,31, num total de € 141.211,00.
5- Dos elementos contabilísticos da Requerente, relativos ao período em questão, constam as seguintes vendas de relógios facturadas para o mercado intracomunitário:
6- Nas facturas referidas no ponto anterior a Requerente não facturou IVA, por considerar terem-se tratado de transmissões intracomunitárias de bens.
7- Com vista à validação das operações registadas e declaradas pela Requerente como Transmissões Intracomunitárias de Bens, encontravam-se anexos às facturas emitidas:
- documentos de validação do número fiscal dos respectivos adquirentes para operações intracomunitárias de bens, documentos extraídos do sistema VIES (Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA); e
- documentos relativos ao transporte de bens (descritos como “documentos”) com destino aos operadores registados nos Estados membros constantes das facturas, emitidos pela transportadora contratada, FedEx Express, tendo como intermediário nesta operação a operadora C... Expresso, SA, com sede na Maia.
8- Encontravam-se contabilizados pela Requerente, como meios de recebimento os seguintes documentos:
- Relativamente aos operadores D... (Itália) e E... (França), os registos estavam documentados pelos originais dos avisos de lançamento do BANCO ... a comunicar as ordens de pagamento dos mesmos recebidas;
- Relativamente ao operador F... (Holanda), as mesmas estavam suportadas por documentos extraídos pela Requerente do serviço home banking do BANCO ....
9- Na declaração de IVA do respectivo período, a Requerente procedeu à dedução do IVA suportado na aquisição dos relógios acima referidos, apurando um crédito de imposto no montante de €26.405,31, tendo solicitado o correspondente reembolso.
10- A Requerente foi sujeita a procedimento inspectivo, determinado pela 0I2012 …, abrangendo o referido período 6-2012.
11- Na análise aos elementos contabilísticos e declaração periódica de IVA, efectuada no procedimento inspectivo referido, não se identificaram divergências.
12- Do Relatório de Inspecção Tributária consta, para além do mais, o seguinte:
“Da análise dos respetivos documentos para justificar o transporte dos bens, que o SP designou de "carta de porte", resultam incoerências e fundadas dúvidas quanto à remessa dos bens facturados, bem como sobre a prova de entrega dos bens aos clientes.
Na expectativa que o SP apresentasse elementos complementares de prova que conduzissem a um juízo de validação das operações, tal ficou comprometido com a resposta ao questionário já identificado, ao informar que: "Normalmente todas as entregas são despachadas para os clientes de acordo com as instruções precisas por eles dadas. No caso de envio postal, normalmente através da empresa FEDEX, é possível através do seu sítio de Internet ter o comprovativo de entrega do envio." Ora, consultado o sitio na Internet da FedEx (www.fedex.com), para rastrear o transporte dos bens com destino aos alegados clientes dos Estados membros e obter recibo e identificação da pessoa de entrega dos bens, não se alcançou uma resposta positiva, antes a mensagem de: "Não está disponível qualquer assinatura".
Consta ainda da informação recolhida no sítio da FedEx, a indicação para "verificar mais tarde se a assinatura já se encontra disponível", o que tentamos obter, sem sucesso.
Pelo exposto, não foi permitido concluir através dos elementos informativos exibidos e dos disponíveis no sítio da FedEx, pela validação das operações declaradas como TIB.”
13- No âmbito do procedimento inspectivo, e em função das dúvidas expostas, em 04-09-2012, foram contactadas as autoridades tributárias holandesas, no âmbito da cooperação administrativa entre Estados membros, prevista nos artigos 5.º e 19.º do Regulamento (CE) n.º 904/2010, que informaram, em 04/10/2012, que: “Our taxpayer F..., VAT NL ..., has declared that they did not have done business with your taxpayer, A... Imobilaria, (VAT PT.... There is only one fixed supplier from portugal, G…, Rua …, Portugal”.
14- A referida informação foi traduzida pela AT portuguesa, em documento anexo ao Relatório de Inspecção Tributária, da seguinte forma: “O nosso sujeito passivo, F..., nº de IVA NL..., declarou que não tinham tido qualquer negócio com o vosso sujeito passivo A... Imobiliária Lda, nº de IVA PT.... Existe apenas um fornecedor fixo em Portugal, Rua … Portugal.”.
15- Quanto às outras duas entidades (E... International e D...), não foram pedidas informações sobre as operações do período de 12-06, por terem ocorrido relativamente a períodos imediatamente anteriores e para aquelas entidades, pedidos de confirmação da declaração das correspondentes aquisições, tendo as autoridades tributárias francesas comunicado a declaração da aquisição, no período, pelo operador francês em causa, e as autoridades tributárias italianas informado o registo das aquisições pelo operador italiano também em causa.
16- Da acção de inspecção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) aos elementos contabilísticos da Requerente, quanto ao exercício de 2012, no âmbito da análise do referido pedido de reembolso, resultaram correcções técnicas em sede de IVA no montante de €16.033,30, referentes ao período 2012/06.
17- As correcções referem-se a vendas facturadas pela Requerente à empresa F..., residente na Holanda, que a AT entendeu não preencherem todos os requisitos estabelecidos na alínea a) do artigo 14º do Regime do IVA nas Transmissões Intracomunitárias, para serem isentas de imposto, por ter concluído “pela simulação de transmissões intracomunitárias de bens declaradas para o SP F..., n.º de IVA NL....”.
18- No âmbito do procedimento inspectivo, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia, através do ofício n.º …/…, de 17/05/2013, por correio registado na mesma data, não tendo reagido no prazo concedido para o efeito, mantendo-se por esse motivo as correcções propostas, comunicadas à Requerente através do ofício n.º …/…, de 26/05/2013 de que resultou a liquidação objecto do presente processo, a qual determinou o reembolso do valor de €10.372,01, em lugar valor de €26.405,31, liquidado pela Requerente.
19- Em 17/02/2014, a Requerente apresentou, via CTT, reclamação graciosa, onde pedia a anulação do acto de liquidação questionado, bem como dos correspondentes juros compensatórios.
20- Com esta reclamação, a Requerente apresentou um declaração, em papel timbrado da “F...”, redigida em língua inglesa, datada de 10-10-2013, com um assinatura aposta em nome do representante legal e com o carimbo daquela empresa, bem como de uma firma de advogados holandesa (H…, Advocaten, de Utrecht), com o seguinte teor:
“Paper from F...
Amsterdam. 10.10.2013
Declaration
F..., … AMSTERDAM, VAT number NL ..., states that it has made the following intra-community purchases to A..., Imobiliaria, Lda, VAT number PT ...:
Your Invoice n. Date Amount€ number of watches
20120022 02.05.2012 74.224,00€ 7
20120029 20.06.2012 69.710,00€ 6
We also state that the total merchandise (7 watches of the Invoice 2012022 and 6 watches of the invoice 20120029), referring to the above invoices was received in our address in Amsterdam and delivered by the fedex shipping company with the following tracking numbers:
Your Invoice n. Date Amount€ number of watches Fed ex tracking number received on
20120022 02.05.2012 €74.224,00 7 … 03.05.2012
20120029 20.06.2012 €69.710,00 6 … 21.06.2012
Signed by the legal representant of the company”
21- A decisão final do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, após ter decorrido o prazo concedido para o direito de audição prévia, que não foi exercido pela Requerente, foi proferida em 27/05/2014 e notificada através do ofício n.º … e ofício n.º … (mandatário), ambos com data de 27/05/2014, cujo aviso de recepção foi assinado em 29/05/2014.
22- A Requerente interpôs recurso hierárquico do referido indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi indeferido tacitamente no dia 1 de Agosto de 2014.
23- A AT formulou um pedido complementar no sentido de, pelas autoridades fiscais holandesas, junto da F..., ser esclarecida a incongruência da resposta dada em 2012 com a declaração emitida em 2013, e de ser confirmada, ou não, a aquisição intracomunitária em causa nos autos.
24- As autoridades fiscais holandesas comunicaram, na resposta ao pedido de informação complementar, o seguinte:
“further investigation has shown that after all the following invoices were present in the administration of our taxpayer F..., VAT NL...
02-05-2012 20120022 € 74 224
20-06-2012 20120029 € 69.710
The invoices were paid by bank. We did not find any transport documenten
Our taxpayer did not declared these purchases as intra community acquisitions in his turnover tax return.
We did not found the document d.d 10-10-2013 you send us in the administration of our taxpayer but the invoices and bank statements proves that the transactions have been occurred.
We have enclosed relevant documents.”
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se englobam nos mesmos os factos elencados nas alegações escritas da Requerente, mas não constantes do seu Requerimento inicial, incluindo os factos relativos à possível motivação da descrição dos bens constante dos documentos a que se refere o ponto 7 dos factos dados como provados, uma vez que não foram objecto da prova contraditoriamente produzida, que foi delimitada pela matéria de facto constante do Requerimento inicial e indicada no ponto (v) do Requerimento da Requerente apresentado a 18-03-2015.
B. DO DIREITO
i. da questão prévia
Como obstáculo à apreciação do mérito da causa, suscita a AT a questão da incompetência da Jurisdição Arbitral em razão da matéria.
Entende a Requerida que “o que está em causa é um reembolso de IVA.” e que “Por ser assim, esta jurisdição arbitral não pode conhecer do presente pedido, por incompetência absoluta em razão da matéria”.
Cumpre assim, antes de mais, determinar se a matéria em causa tem cabimento, ou não, no âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária[1].
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”[2].
O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos[3].
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” [4].
Dispõe a citada Portaria, no seu artigo 2.º, que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:...”, indicadas nas alíneas subsequentes do mesmo artigo.
Como se viu já, alega a Autoridade Tributária e Aduaneira que os actos de o indeferimento parcial de reembolso de IVA, não se encontram abrangidos pela competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, a funcionar no CAAD.
Porém, no caso em apreço, foi a própria Autoridade Tributária e Aduaneira que efectuou uma operação de contabilização de IVA a reembolsar que denominou «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO IVA», a que atribuiu um «NÚMERO LIQUIDAÇÃO» e uma «DATA LIQUIDAÇÃO», e indicou, na parte final, que a Requerente «fica (...) notificado(a) da liquidação de IVA relativa ao período a que respeitam as operações, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado, conforme nota demonstrativa supra» e «Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos art°s 70° e 102° do CPPT» (sublinhados nossos).
Ou seja: face aos elementos documentais disponíveis, dever-se-á concluir que, em concreto, bem ou mal, foi praticado um acto de liquidação. Tal acto, corporizado no documento notificado à Requerente integrante da demonstração de liquidação de IVA 2013... referente a IVA do período 06 do ano 2012, datada de 18-10-2013, será o objecto dos presentes autos, reconduzível à previsão da alínea a) do artigo 2.º do RJAT.
Aliás, a própria AT acaba por reconhecer isso mesmo, referindo-se, por várias vezes, ao longo da Resposta apresentada no processo (cfr. artigos 18.º, 19.º 51.º e 52.º), à liquidação de IVA sub iudice, acto esse que é cabalmente identificado pela Requerente no seu requerimento inicial (cfr. o proémio conjugado com o artigo 1.º), sendo perfeitamente apreensível por um destinatário normal, que o pedido formulado a final decorre da arguida ilegalidade daquele acto de liquidação (e dos actos de segundo grau – decisões da reclamação graciosa e subsequente recurso hierárquico – sobre ele praticados), sendo uma consequência legalmente necessária da declaração daquela, conforme decorre, para além do mais, das als. a) e b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.
A legalidade do identificado acto de liquidação – bem ou mal praticado – é, inquestionavelmente, susceptível de ser apreciada e enquadra-se, directamente, no âmbito das competências do tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, pelo que a invocada excepção de incompetência absoluta, terá de improceder.
Mesmo que assim não se entendesse, desde há muito que se vem adoptando o entendimento de que os administrados não devem ser prejudicados no exercício de direitos processuais quando forem induzidos em erro por actos de entidades públicas competentes, regra que tem afloramentos explícitos, para os tribunais, no artigo 157.º, n.º 6, e no artigo 191.º, n.º 3, do CPC de 2013 (anteriores artigos 161.º, n.º 1, 198.º, n.º 3)[5] e para os actos da administração, no artigo 7.º do CPA e no artigo 60.º, n.º 4, do CPTA[6],[7].
Ou seja, tem-se entendido, em suma, que quando um administrado seja induzido à utilização de um determinado meio processual por uma determinada conduta da Administração, não poderá esta pretender obstar ao conhecimento do mérito do pedido, escudando-se na inadequação do meio processual cuja utilização ela própria, objectivamente, induziu.
No caso, verifica-se inclusive que há doutrina, (JOSÉ XAVIER DE BASTO e GONÇALO AVELÃS NUNES), a defender que, «um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse acto da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte a liquidação do imposto»[8], tese esta que está em sintonia com a aplicação, determinada pelo artigo 22.º, n.ºs 11 e 13 do CIVA, aos actos de indeferimento de pedidos de reembolso dos meios de impugnação administrativa e contenciosa dos actos de liquidação de IVA, previstos no artigo 93.º do mesmo Código.[9]
Neste contexto, sendo a própria Administração Tributária que na notificação identificou o acto notificado como sendo de liquidação de IVA, induzindo a Requerente à utilização de um meio processual adequado à respectiva impugnação, e não sendo seguro que tal qualificação seja errada (como não pode deixar de se entender quando se constata que a adequação de tal qualificação é afirmada por dois reputados professores universitários de direito tributário) sempre, também por esta via, seria de julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
*
ii. do pedido de reenvio prejudicial
Na sua Resposta, pede a AT “a submissão ao TJUE, a título de reenvio prejudicial (cfr. artigo 267º do TFUE), antes da pronúncia de mérito e mediante a suspensão da instância, das seguintes questões:
1) Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?
2) Pode considerar-se que uma prática administrativa respeita o princípio da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão, nem o destinatário?”
Vejamos.
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Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE[10]:
“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.
Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:
i. já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou
ii. quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.
Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.
Por fim, ter-se-á em conta que, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.
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A primeira questão formulada pela AT prende-se, então, com saber se “Pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado – Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens”.
O primeiro critério de filtragem do mérito da questão formulada, na perspectiva da sua apresentação, prejudicialmente, ao TJUE, prende-se com a sua utilidade para a decisão da causa. Ou seja, apenas se a resposta à questão formulada for necessária para proferir decisão nas questões que se apresentam ao Tribunal para dirimir, é que que aquela deverá ser apresentada ao TJUE.
Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não é esse o caso da questão em apreço.
Com efeito, quer a resposta à interrogação formulada seja positiva, quer seja negativa, não será aquela susceptível de condicionar o sentido da decisão a proferir.
Assim, caso a resposta fosse no sentido afirmativo, reconhecendo que pode um Estado-Membro considerar que não está preenchido o requisito da isenção, quando tenha a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA no respectivo Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens, daí não decorreria, pela própria semântica da pergunta, condicionante da resposta, que estivesse vedado, naqueles casos, e, em concreto, no presente caso, considerar-se que esteja preenchido o requisito da isenção.
Por outro lado, e simetricamente, também no caso de resposta em sentido oposto, reconhecendo aos Estados-Membros a possibilidade de considerar que está preenchido o requisito da isenção, nos casos em que tenham a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA no respectivo Estado-Membro e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens, não decorreria, nos mesmos termos, que estivesse vedado, naqueles casos, e, em concreto, no presente caso, considerar-se que não esteja preenchido o requisito da isenção.
Ou seja, e em suma: uma resposta que diga que o Estado-Membro pode, ou pode não, considerar preenchidos os requisitos da isenção, não imporia um determinado sentido à decisão a proferir no presente caso, já que sempre haveria de apurar face à legislação nacional se o Estado Português usava o poder que lhe fosse reconhecido na resposta à questão colocada.
Para que fosse útil uma questão de âmbito análogo à formulada pela AT, e que ora nos ocupa, a mesma deveria, desde logo, revestir-se de um conteúdo imperativo, cuja resposta traduzisse um imposição, e não uma mera possibilidade.
Não estando o Tribunal vinculado, nesta matéria, pelo pedido pela parte, e tendo o dever de, oficiosamente, apresentar para resolução ao TJUE as questões que se revelem necessárias à decisão da causa, e que sejam da competência daqueles, em tal quadro, poderiam ser formuladas duas questões, a saber:
- Está obrigado um Estado-Membro a considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?
- Está vedado a um Estado-Membro a considerar que não está preenchido o requisito da isenção das operações previsto no n.º 1, do artigo 138º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens?
Contudo, e desde logo, também a resposta a estas questões não se revestiria de carácter decisivo no que ao caso sub iudice diz respeito.
Com efeito, no presente caso, depõem a favor e contra a consideração da verificação dos pressupostos da isenção discutida uma série de circunstâncias adicionais, cuja valoração sempre extravasaria o âmbito das questões sugeridas, e respectivas respostas possíveis, pelo que sempre se poderia considerar que estavam verificados os pressupostos da isenção, atendendo a outro elementos que não o carácter de sujeito passivo do adquirente e a ocorrência de pagamento, ou que não estavam verificados aqueles, atendendo a outros elementos que não a mera circunstância da não inclusão na declaração do IVA, da operação como aquisição intracomunitária de bens.
Por outro lado, e aqui chegamos ao fulcro da questão que verdadeiramente se discute no presente caso, o que está em causa é, essencialmente, um juízo de facto – que se traduz em saber se houve ou não remessa de bens para o destinatário da operação intracomunitária – e de aplicação de normas do direito interno, maxime, relativas ao ónus da prova.
Ou seja, estamos, crê-se, naquele domínio a que o TJUE se refere como de “aplicar (...) direito à situação de facto subjacente ao processo principal”. O que está em discussão nos autos não é apurar o sentido de uma norma de direito europeu, sendo esse sentido claro e assumido pelas partes, que compreendem qual o sentido norma e exteriorizam essa compreensão, mas verificar se essa norma é, ou não, aplicável “à situação de facto subjacente ao processo principal”, sendo certo que nesse juízo intervém as normas de direito nacional relativas ao ónus da prova, e que o TJUE não se debruça “sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.
Conforme o próprio TJUE afirmou no Ac. Mecsek-Gabona, "no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para verificar nem apreciar as circunstâncias de facto relativas ao processo principal”[11], e é aos tribunais nacionais que cumpre apreciar se o Contribuinte do seu Estado, "cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova e de diligência."[12], no que diz respeito aos pressupostos da isenção que reclama.
Por fim, e em todo caso, sempre se entende que o modo correcto de interpretar a regra jurídica comunitária em causa, na perspectiva das potenciais questões formuladas, se deverá ter por inequívoco, no sentido de a resposta ser negativa, a ambas. Ou seja, não estará um Estado-Membro nem obrigado a, nem proibido de, considerar que não está preenchido o requisito da isenção, quando, através do recurso ao mecanismo da cooperação administrativa obteve das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino dos bens, a confirmação de que o adquirente, embora esteja registado validamente como sujeito passivo para efeitos de IVA nesse Estado-Membro, e tenha efectuado o pagamento da transacção, não incluiu, na declaração do IVA, a operação como aquisição intracomunitária de bens. Antes, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE, essencialmente orientada para a aplicação correcta e simples das isenções, independentemente daqueles factores (não declaração da aquisição intracomunitária pelo adquirente, registo deste para efeito de IVA no seu Estado, e pagamento efectivo da operação), poderá – sem dúvidas – o Estado Membro considerar preenchidos, ou não, os pressupostos da isenção, conforme os restantes elementos de facto recolhidos apontem num ou noutro sentido.
De resto, no Acórdão Teleos, citado pela própria AT, consignou-se ipsis verbis que “deve considerar-se que, com excepção das condições relativas à qualidade de sujeito passivo, à transferência do poder de dispor de um bem como proprietário e à deslocação física de bens de um Estado-Membro para outro, não se pode exigir o preenchimento de nenhuma outra condição para qualificar uma operação de entrega ou de aquisição intracomunitárias de bens.”[13], e que “mesmo que a apresentação pelo adquirente de uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária possa constituir um indício da transferência efectiva dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, essa declaração não assume, contudo, um significado determinante para efeitos de prova de uma entrega intracomunitária isenta.”[14].
Mais se pode ler, no mesmo aresto, que “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.”
Daí que não se ofereçam dúvidas que, quer face ao enunciado normativo comunitário em questão, quer à leitura que dele é feita pela jurisprudência do TJUE, que a declaração de aquisição intracomunitária, ou falta dela, por parte do adquirente, numa transmissão intracomunitária de bens, possa constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram, ou não, efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.
Deste modo, e por todo o exposto, entende-se que não se justifica o requerido envio prejudicial para o TJUE, quanto à primeira das questões formuladas pela AT pela na sua resposta, ou de qualquer outra com ela relacionada.
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Formula também a AT a questão de saber se “Pode considerar-se que uma prática administrativa respeita o princípio da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão, nem o destinatário?”, pretendendo a sua apreciação, também no quadro de um reenvio prejudicial, pelo TJUE.
Também esta questão, todavia, claudicará no teste da necessidade da resposta para a decisão a proferir, cuja superação é indispensável à viabilidade da opção pelo reenvio.
Com efeito, mesmo que o TJUE possa considerar “que uma prática administrativa respeita o princípio da proporcionalidade quando faz recair sobre o vendedor o ónus de provar a autenticidade dos documentos de transporte e a recepção dos bens quando os documentos de transporte apresentados não identificam os bens objecto da transmissão, nem o destinatário”, tal nada aportaria à decisão do caso, desde logo porquanto seria face ao direito nacional, cuja aplicação está vedada ao TJUE, que haveria que apurar se:
- a pressuposta prática administrativa proporcional face ao direito comunitário se impõe, ou não, ao órgão judicial encarregado de decidir o caso; e
- a mesma prática administrativa é, ou não, legal, face ao direito nacional.
Ora, como se referiu no Ac. do TCAN de 12-03-2015, proferido no processo 01560/05.5BEPRT[15], "É de admitir qualquer meio adequado de prova, no procedimento e no processo, de acordo com o disposto nos artigos 50.º e 115.º, n.º1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Entendimento contrário, nomeadamente, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos na elisão daquela presunção é inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados – cf. art.º 20.º, da Lei Fundamental.".
Daí que, sendo as regras de distribuição do ónus da prova as que decorrem da lei, e não aquelas que a prática administrativa determine, a resposta à segunda questão formulada não se revestiria de utilidade para a decisão a proferir, na medida em que, por um lado, a prática administrativa a que se reporta, ainda que julgada, face ao direito comunitário, proporcional, não se imporia a este Tribunal, que está obrigado a julgar segundo o direito português constituído, e, por outro, face a este, a limitação através de circulares administrativas dos meios de prova admitidos para a demonstração do preenchimento dos pressupostos do direito à isenção que ora se discute será inaceitável por coarctar o direito à prova que os princípios constitucionais da justiça e da tutela judicial efectiva supõem plenamente assegurado aos interessados, nos termos, para além do mais, do art.º 20.º, da Constituição.
Assim, e pelo exposto, entende-se que não se justifica o requerido envio prejudicial para o TJUE, também quanto à segunda das questões formuladas pela AT pela na sua resposta.
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iii. do fundo da causa
A questão jurídica que se coloca nos autos prende-se, essencialmente, com saber se, face à matéria de facto dada como provada, estão, ou não, preenchidos os pressupostos do artigo 14.º/a) do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI), que dispõe que:
“Estão isentas do imposto:
a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;”
Não sendo controverso que os requisitos da aplicação da isenção em questão são que:
- o transmitente seja sujeito passivo de IVA no seu Estado Membro de residência;
- que o adquirente seja também um sujeito passivo de IVA, residente num outro Estado Membro, e que utilize o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição;
- que os bens sejam efectivamente expedidos ou transportados para o Estado Membro de residência do adquirente, com destino a este;
está unicamente em causa no presente processo aferir da verificação do último daqueles elencados requisitos, pelo que o que se trata de apurar é se os bens em questão foram, ou não, efectivamente expedidos ou transportados para outro Estado Membro, com destino ao adquirente, ou seja, e no caso, para a Holanda, com destino à sociedade F....
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Dispõe o artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” .
Aplicando tal disposição ao presente caso, e tendo presente que está em causa um direito do contribuinte a uma isenção de imposto, será pacífico, crê-se, que o ónus da prova dos pressupostos do direito que pretende exercer impenderá sobre aquele.
No entanto, dispõe o artigo 350.º/1 do Código Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º/d) da LGT, que “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”.
No caso, e com interesse para a questão, dispõe o artigo 75.º/1 da LGT que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”.
A referida presunção poderá ser ultrapassada por duas vias, a saber:
- afastando-a – impedindo que a mesma opere – pela demonstração de qualquer das circunstâncias elencadas no n.º 2 do mesmo artigo 75.º da LGT;
- ilidindo-a, pela prova do contrário do que se presume, nos termos do n.º 2 do também já referido artigo 350.º do Código Civil.
Compulsados os factos dados como provados, verifica-se que:
- Dos elementos contabilísticos da Requerente, relativos ao período em questão, constam as seguintes vendas de relógios facturadas para o mercado intracomunitário:
- Nas facturas referidas no ponto anterior a Requerente não facturou IVA, por considerar terem-se tratado de transmissões intracomunitárias de bens.
- Com vista à validação das operações registadas e declaradas pela Requerente como Transmissões Intracomunitárias de Bens, encontravam-se anexos às facturas emitidas:
o documentos de validação do número fiscal dos respectivos adquirentes para operações intracomunitárias de bens, documentos extraídos do sistema VIES (Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA); e
o documentos relativos ao transporte de bens (descritos como “documentos”) com destino aos operadores registados nos Estados membros constantes das facturas, emitidos pela transportadora contratada, FedEx Express, tendo como intermediário nesta operação a operadora C... Expresso, SA, com sede na Maia.
- Encontravam-se contabilizados pela Requerente, como meios de recebimento os seguintes documentos:
o Relativamente aos operadores D... (Itália) e E... (França), os registos estavam documentados pelos originais dos avisos de lançamento do BANCO ... a comunicar as ordens de pagamento dos mesmos recebidas;
o Relativamente ao operador F... (Holanda), as mesmas estavam suportadas por documentos extraídos pela Requerente do serviço home banking do BANCO ....
- Na declaração de IVA do respectivo período, a Requerente procedeu à dedução do IVA suportado na aquisição dos relógios acima referidos, apurando um crédito de imposto no montante de €26.405,31, tendo solicitado o correspondente reembolso;
- Na análise aos elementos contabilísticos e declaração periódica de IVA, efectuada no procedimento inspectivo referido, não se identificaram divergências.
Face ao disposto no supra-citado artigo 75.º/1 da LGT, haverá que presumir verdadeiras e de boa-fé, quer a declaração apresentada periódica de IVA apresentada, nos termos da lei, pela Requerida, onde apurou o reembolso indicado, quer os dados descritos na sua contabilidade, nas quais a não foram identificadas quaisquer divergências pela AT.
A referida presunção, de resto expressamente invocada pela Requerente (cfr. artigo 69.º do requerimento inicial), e reconhecida pela própria AT (cfr. p. 8 da decisão da reclamação graciosa) – como não poderia deixar de ser, já que não se compreenderia que tendo a Requerente apresentado a sua declaração periódica nos termos da lei, e dispondo da contabilidade regularmente organizada, fosse colocada no mesmo pé que um contribuinte relapso[16] – como se viu já, poderá ser ultrapassada por duas vias, apontadas, respectivamente, pelo artigo 75.º/2 da LGT e pelo artigo 350.º/2 do Código Civil.
Vejamos se tal ocorre.
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A referida presunção não operará, caso se verifique alguma das circunstâncias (impeditivas) elencadas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, designadamente, e para o que ora importa que:
- As declarações, contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
- O contribuinte não cumpriu os deveres que lhe cabiam de esclarecimento da sua situação tributária;
Como explica Como refere Elisabete Louro Martins[17]:
“O grau de prova exigível à Administração Fiscal para afastar a presunção de verdade prevista na LGT a favor do contribuinte, irá, na nossa opinião, depender da natureza dos vícios apurados. Os vícios formais (...) devem ser objecto de prova efectiva com base nos próprios documentos apresentados pelo Sujeito Passivo (...). Na verdade, ou os documentos se encontram formalmente correctos ou se encontram formalmente incorrectos, sendo inadmissível que seja proferida uma decisão com base em meros indícios de factos que podem ser apreendidos com base em documentos disponíveis.
Por outro lado, a mesma regra não poderá ser aplicada aos vícios materiais, uma vez que têm por base muitas vezes elementos externos à contabilidade, como o facto de as mesmas não titularem operações reais que possam conferir ao sujeito passivo o direito à dedução, que não permitam a obtenção de um grau de certeza razoável relativamente à existência do facto tributário. Conforme resulta da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT, no caso de vícios materiais, bastará a Administração Fiscal apresentar factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário”.
Compulsado, uma vez mais, o elenco factual apurado no presente processo, verifica-se que não se evidencia qualquer circunstância relativa à segunda das circunstâncias impeditivas da operatividade da presunção em questão, que se vêm de elencar. Pelo contrário, e como se deslinda do facto dado como provado no ponto 12 da matéria de facto, o Requerente correspondeu, na medida do que lhe foi possível, às solicitações de cooperação formuladas pela AT, no sentido do esclarecimento da sua situação tributária. Assim, citando Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa[18], “uma vez cumprido o dever de esclarecer, a presunção de veracidade e de boa fé das declarações dos contribuintes prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT mantém-se, incumbindo à Administração Tributária o papel de desafiar a veracidade, através da demonstração de “indícios sérios” da não correspondência com a verdade, assim “impendendo sobre [esta] o ónus da prova dos factos impeditivos da verdade presumida que resulta da declaração dos contribuintes””.
Relativamente à primeira daquelas mesmas circunstâncias, acima referidas, não tendo sido, notoriamente, detectados omissões, erros, inexatidões das declarações ou da contabilidade, restará aferir se foram reunidos indícios fundados de que aquelas não refectem a matéria tributável real do sujeito passivo.
A este nível, o que a AT apurou foi que a sua congénere holandesa informou, numa primeira instância, que o sujeito passivo, F..., teria declarado que não tinha tido qualquer negócio com a Requerente.
Foi este – inequivocamente – o elemento determinante da liquidação contra a qual a Requerente se insurge, como resulta, de forma meridianamente clara, da circunstância de, com o mesmo tipo de suporte documental, a AT ter aceite o declarado pela Requerente no que diz respeito às TIB’s com Itália e com a França, cujas autoridades respectivas confirmaram, nos termos constantes do ponto 15 da matéria de facto acima assente, a ocorrência das transacções.
Ou seja, não foi o teor da documentação apresentada pela Requerente[19], análoga às de outras transmissões que acabaram por ser aceites pela AT, que determinou a liquidação em crise no presente processo, mas a informação prestada à AT pela sua congénere holandesa. Com efeito, a documentação em questão, como reconhece a AT, quer na sua Resposta (cfr. artigo 54.º), quer nas suas alegações (cfr. artigo 44.º), levantou dúvidas, insuficientes, todavia, para determinar a inexistência da remessa de bens, e a consequente liquidação adicional, motivo pelo qual, na transacção em causa no presente processo, tal como em outras duas (para Itália e França), foram pedidas informações adicionais às respectivas autoridades tributárias.
Cumprirá, assim, apurar se a informação prestada pela autoridade holandesa, à data, se podia qualificar como um “indício fundado” de que a contabilidade e declaração apresentadas pelo sujeito passivo não reflectiam a sua a matéria tributável real, e, em caso afirmativo, se, no quadro dos elementos factuais entretanto coligidos, tal qualificação é susceptível de se manter.
Quanto à primeira destas questões, diga-se liminarmente que, no que diz respeito a esta informação, e ao contrário do que pugna a AT nas suas alegações, entende-se não ser aplicável o artigo 76.º/4 da LGT, pelo menos com o alcance que a referida autoridade postula, ou seja, como fazendo fé de que a F... não teve qualquer transacção com a Requerente. Com efeito, a informação em questão, apenas fará fé de que alguém – não identificado[20] – em nome daquele contribuinte holandês terá declarado que a F... não teve qualquer transacção com a Requerente. Será este, o facto atestado pelo documento em questão, que consiste num facto directamente percepcionado pela autoridade tributária holandesa, e restrigir-se-á à ocorrência de tal declaração a fé passível de ser reconhecida à informação prestada por aquela.
Não obstante, e com a precisão acabada de efectuar, entende-se que a resposta à primeira pergunta atrás colocada – sobre se, à data, a primeira informação prestada pelas autoridades holandesas se podia qualificar como um “indício fundado” de que a contabilidade e declaração apresentadas pelo sujeito passivo não reflectiam a sua a matéria tributável real – deverá ser afirmativa.
Efectivamente, no quadro delineado no RIT, onde se verificou uma impossibilidade de obter recibo e identificação da pessoa de entrega dos bens, e se recolheu a informação de uma autoridade tributária de outro Estado Membro, referindo que o sujeito passivo adquirente de uma TIB declarada, seu residente, lhe comunicou que não tinha tido qualquer negócio com o transmitente declarante daquela, à luz da postura silente da Requerente aquando do facultado exercício do seu direito de audiência prévia, não constituindo prova inequívoca – tanto mais que a produção do meio de prova em questão não foi contraditoriamente sindicada – dever-se-ia reputar como um indício fundado de que a TIB declarada, bem como as inscrições contabilísticas que a suportam, não seriam verdadeiras, em termos de obstar à operatividade da presunção consagrada no n.º 1 do artigo 75.º da LGT.
Tal conclusão, contudo, não poderá manter-se, julga-se, no quadro decorrente dos elementos subsequentemente reunidos.
Com efeito, e por um lado, o Requerente logrou apresentar um documento, cuja genuinidade não foi questionada, nem se afigura questionável, integrando um declaração do adquirente na TIB em questão, confirmando essa qualidade, bem como a efectiva recepção dos bens.
Este documento, tendo em conta que não se apurou nenhuma circunstância que permita, fundadamente, questionar a sua genuinidade, não poderá ser probatoriamente valorado de forma distinta da informação originariamente prestada pela autoridade tributária holandesa, na medida em que esta informação não se reporta a facto do conhecimento pessoal daquela (a existência, ou não, de transações entre a F... e a Requerente), nem identifica quem é que, em nome da F..., terá declarado a inexistência de transacções com a Requerente.
Por outro lado, a própria informação subsequente das autoridades fiscais holandesas, veio confirmar que, afinal[21], as facturas emitidas pela Requerente encontravam-se na contabilidade da F...[22], o mesmo ocorrendo relativamente aos documentos relativos ao pagamento da transacção[23]. Ou seja, a própria segunda informação das autoridades holandeses coloca em causa o fundamento indiciário da primeira, notando-se que, tendo aquelas autoridades a noção de que a primeira informação era errónea (o que se evidencia pela utilização da expressão “after all”), não encetaram qualquer esforço no sentido de a explicar, designadamente identificando o autor da primeira declaração e procurando, junto dele, uma explicação para o declarado.
Assim, no quadro do juízo relativo à existência, ou não, de “indícios fundados” de que a contabilidade e declaração apresentadas pela Requerente, em questão no presente processo, não reflectem a sua a matéria tributável real, tendo em conta que a única circunstância apurada pela AT nesse sentido no âmbito do procedimento tributário que culminou nos actos tributários objecto do presente processo – a declaração recolhida pelas autoridades holandesas junto de pessoa não identificada, segundo a qual não teria existido transacção entre a Requerente e a F... – é contraditada quer pela documentação entretanto apresentada pela Requerente quer pela informação complementar das mesmas autoridades fiscais holandesas, haverá que concluir pela negativa, pelo que a presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT não poderá deixar de operar.
É certo que a referida segunda informação das autoridades fiscais holandesas, veicula um novo dado – que como tal não é fundamento de qualquer dos actos impugnados – que é a circunstância de não ter sido declarada pela F... a aquisição intracomunitária da sua parte.
Relativamente a este aspecto, diga-se desde logo que não se acolhe o entendimento da Requerente, segundo o qual o documento em questão, e este dado em concreto veiculado por aquele, integram uma fundamentação a posteriori. Com efeito, o mesmo é um documento cuja genuinidade não é, fundadamente, questionada, e que atesta um facto, do conhecimento pessoal da respectiva entidade emissora, facto esse que tem um efeito impeditivo sobre uma presunção, também ela um meio de prova, da qual a Requerente se pretende prevalecer no presente processo. Daí que, julga-se, a AT tenha toda a legitimidade para juntar o documento em questão ao processo, e prevalecer-se do facto documentado que lhe aproveita.
Posto isto, considera-se, todavia, que a circunstância em questão (não declaração da aquisição intracomunitária pela F...), não é igualmente, susceptível de ser qualificada, para efeitos de obstar à formação da presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, como um “indício fundado” de que a contabilidade e declaração apresentadas pela Requerente, em questão no presente processo, não reflectem a sua matéria tributável real. Com efeito, a decisão de declarar ou não a aquisição intracomunitária é exclusivamente determinada pelo adquirente, sendo a Requerente de todo alheia à mesma, em termos de não a poder determinar ou controlar.
No entanto, mesmo que assim não se entendesse, sempre se haveria que concluir que, no limite, tal circunstância seria unicamente susceptível de gerar uma situação dúvida. Efectivamente, e aplicando-se aqui a ratio da resposta do TJUE à quarta questão colocada no Acórdão Teleos[24], citado por ambas as partes, dever-se-á entender que o facto de o adquirente não ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado-Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está ora em causa, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens não saíram efectivamente do território do Estado-Membro de envio, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de não-isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.
Não é, assim e em suma, possível validar o juízo de que estamos perante “factos concretos objectivos, baseados em provas concretas, que segundo as regras de experiência comum sejam fortemente indiciadores da existência do facto tributário”.
Ora, na medida em que, no seguimento da fundamentação precedente, era a AT quem, no sentido de impedir o accionamento da presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, estava onerada com o encargo de reunir “indícios fundados” de que a contabilidade e declaração apresentadas pela Requerente, em questão no presente processo, não reflectiam a sua matéria tributável real, a dúvida em questão haveria imperativamente de ser resolvida em sentido desfavorável à posição daquela autoridade.
Deste modo, e por todo o exposto, conclui-se pela vigência, no caso, da presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, relativa à declaração periódica e inscrições contabilísticas apresentadas pela Requerente, respeitantes à transação intracomunitária de bens em questão nos actos tributários objecto do presente processo, pelo que, nos termos do artigo 350.º/1 do Código Civil, está aquela dispensada de provar os pressupostos de facto daquela, que se presumem.
*
Aqui chegados, cumprirá verificar se a AT logrou fazer prova em contrário dos factos que, nos termos antecedentes, se devem presumir, relativos à ocorrência da TIB em questão no presente processo, no exercício da faculdade que, nos termos do artigo 350.º/2 do Código Civil, lhe assistia. Como afirma Elisabete Louro Martins[25], “quando surjam dúvidas sobre os factos declarados pelo Sujeito Passivo na declaração de rendimentos, caso todas as questões suscitadas pela Administração Fiscal tenham ficado resolvidas em sede de inspecção tributária ou em sede do exercício do dever de prestação de esclarecimentos através da análise dos documentos apresentados pelo mesmo, não será legítimo à Administração Fiscal actuar através da prática do acto tributário, sem apresentar qualquer prova que indicie objectivamente o vício formal ou material verificado, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do CC, uma vez que às presunções legais é atribuída força probatória plena”.
Compulsados os factos provados, não se descortina que tal ocorra. Ou seja, não se vislumbra que decorra do quadro factual em causa a prova, para lá de qualquer dúvida razoável, de que a TIB em causa não se tenha verificado.
Efectivamente, no sentido da sua verificação apontam, em primeira linha, a oportuna declaração fiscal e tratamento contabilístico apresentados pela Requerente, bem como a declaração a que se refere o ponto 20 dos factos dados como provados, e, acessoriamente, a facturação, nos termos legais, operada por aquela e presente na contabilidade do destinatário, o efectivo pagamento da transacção, e a existência dos respectivos comprovativos quer na contabilidade da Requerente, quer na contabilidade do adquirente, para além da existência de documentos – ainda que não conclusivos – relativos ao envio[26].
No sentido da não verificação da TIB em causa, aponta, em primeira linha, a não declaração, pelo adquirente, da aquisição intracomunitária de bens, bem como, acessoriamente, as deficiências da documentação apresentada relativamente à expedição, geradora de dúvidas nos termos constantes do RIT e transcritos no ponto 12 dos factos provados, e a declaração de pessoa não identificada, em nome da F..., segundo a qual aquela não teve qualquer transacção com a Requerente.
Tudo sobrepesado, entende-se não ter sido feita prova suficiente da não ocorrência da TIB devidamente declarada, nos termos legais, e registada pela Requerente na sua contabilidade, pelo que, face à não ilisão da presunção consagrada no artigo 75.º/1 da LGT[27], deverá o pedido arbitral proceder, ficando prejudicadas as demais questões colocadas pela Requerente (falta de fundamentação e de audiência prévia).
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Cumula a Requerente com o pedido anulatório dos actos tributários objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
É pressuposto da atribuição de juros indemnizatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável (cfr. artigo 43.º da LGT).
No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, foi reembolsado à Requerente valor inferior ao devido, o que deverá ser corrigido, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
É também claro nos autos que a ilegalidade do acto de liquidação objecto do presente processo é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada apreciação dos factos juridicamente relevantes e consequente aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.
Assim, a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios são devidos à Requerentes desde data em que a mesma deveria ter beneficiado do reembolso do imposto em questão, e sobre o respectivo montante, até ao momento que aquele seja efectivado, à taxa legal.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular, peloS fundamentos acima expostos, os seguintes actos:
i. Liquidação IVA 2013... referente a IVA do período 06 do ano 2012, datado de 18-10-2013;
ii. Indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente àquele; e
iii. Indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado relativamente à decisão daquela reclamação.
b) Condenar a AT a restituir o valor indevidamente não reembolsado à Requerente, na sequência dos actos tributários referidos, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data em que aquele era devido até à data da sua efectivação.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €16.033,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa
14 de Setembro de 2015
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Clotilde Celorico Palma)
O Árbitro Vogal
(Américo Brás Carlos - vota contra, nos termos da declaração junta)
Processo nº 753/2014-T
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei contra a decisão e respetivos fundamentos do acórdão, essencialmente pelas razões que passo a enumerar:
1. Matéria de facto
1.1 No elenco de factos provados, o acórdão identifica no 2º travessão do ponto 7, o seguinte facto:
“Com vista à validação das operações registadas e declaradas pela Requerente como Transmissões Intracomunitárias de Bens, encontravam-se anexos às facturas emitidas:
- documentos relativos ao transporte de bens (descritos como “documentos”) com destino aos operadores registados nos Estados membros constantes das facturas, emitidos pela transportadora contratada, FedEx Express, tendo como intermediário nesta operação a operadora C... Expresso, SA, com sede na Maia”.
Entendo que a descrição assim adoptada para discriminar este facto não é suficientemente clara, e considero-a, por isso, aquém do imposto pelo imperativo de discriminação implícito no nº 1 do artigo 125º do CPPT (aplicável por força da alínea a), do nº 1, do art. 29º do RJAT) na medida em que não especificou, acima de qualquer dúvida razoável, o facto provado; o qual é a não identificação pela Requerente nos “documentos relativos ao alegado transporte dos bens” (vd. relatório de inspeção tributária e art. 35º da petição inicial) dos relógios em causa, tendo-os “identificados apenas como documentos” (vd. art. 54º da resposta).
1.2. Também não acompanho o acórdão quando não engloba nos factos provados “os factos relativos à possível motivação da descrição dos bens constantes dos documentos a que se refere o ponto 7 dos factos dados como provados, uma vez que não foram objecto de prova contraditoriamente produzida, que foi delimitada pela matéria de facto constante do requerimento inicial e indicada no ponto (v) do Requerimento da Requerente apresentado a 18-03-2015”.
É que a não descrição dos bens (trata-se, realmente, de uma não descrição dos bens) na documentação relativa ao transporte, para além de resultar das declarações da testemunha (aos 8 minutos), representante da empresa que celebrou o contrato de seguro em que a Requerente é segurada e por esta arrolada, é igualmente justificada pela Requerente através da junção ao seu requerimento de 18.03.2015 de cópia de uma ata de alteração à referida apólice datada de 30.08.2012, que dispõe:
“(…)
O âmbito territorial e os capitais contratados são os mesmos que constam na apólice.
EXCLUSÕES:
-
Ficam excluídas as reclamações apresentadas pelas perdas de remessas quando na guia de transporte figure qualquer palavra relacionada com joalharia (ouro, prata, pérolas, relógios, etc.).
(…)
As restantes coberturas mantêm-se inalteradas.”.
E, sabe-se, que a justificação no âmbito da cobertura que foi contratada, visa justificar, mas não extingue o facto justificado. O qual é a não identificação dos bens expedidos, cuja realidade assim mais se demonstra (art. 341º do Código Civil).
Também não subscrevo a desconsideração das declarações da testemunha por serem exteriores ao “delimitado pela matéria de facto constante do requerimento inicial e indicada no ponto (v) do Requerimento da Requerente apresentado a 18-03-2015”. Por um lado, entendo que a delimitação solicitada pela Requerente (matéria dos arts. 21º a 75º da petição inicial) comporta bem a matéria relativa à identificação dos bens transmitidos. Por outro lado, ainda que assim não se julgasse, entendo que, face ao princípio da oficialidade e do inquisitório ou da verdade material, vigentes em processo tributário por força do artigo 99º da LGT e artigos 13º e 114º do CPPT (no mesmo sentido, aliás, do art. 90º do CPTA e do art. 411º do CPCivil) todos subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral tributário, o tribunal não podia ignorar aqueles elementos de prova e, também nos termos do artigo 413º do CPCivil, deveria tomar os mesmos em consideração, independentemente da parte que os produziu ou devesse produzir.
2. Matéria de direito
Do ponto de vista do direito aplicável, a decisão assentou nas seguintes premissas e conclusão:
a) O acórdão considerou aplicável a “presunção de verdade”, consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT, à declaração periódica de IVA da Requerente, onde foram consideradas isentas de imposto vendas alegadamente efectuadas a um sujeito passivo de outro Estado membro, bem como aos documentos do requerente que mencionavam as mesmas, não tendo a Administração Fiscal, em seu entender, provado a “verificação de alguma das circunstâncias (impeditivas)” da dita presunção;
b) Por força da referida presunção, considerou também aplicável ao caso o disposto no artigo 350º, nº 1 do Código Civil, afastando, em consequência, do sujeito passivo “o ónus da prova dos pressupostos do direito” àquela isenção;
c) E concluiu pela “não ilisão da presunção consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT” por parte da AT, com a consequente anulação da liquidação do IVA em causa.
Afasto-me desses pressupostos e dessa conclusão, porque:
Primeiro - Em meu critério, tratando-se de um benefício fiscal (isenção prevista na al. a) do art. 14º do RITI) o acórdão deveria ter ponderado o disposto no artigo 14º, nº 2, da LGT, que estatui “Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre[28] obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão (…) sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito”. E isso bastaria para subtrair a questão sub judice ao regime do artigo 75º da LGT.
De facto, tratando-se de benefícios fiscais, recai, sempre, sobre os seus titulares a obrigação de comprovação da verificação dos respetivos pressupostos, o que, em face dos autos, entendo não ter ocorrido quanto à transmissão dos bens constantes da contabilidade da Requerente para um sujeito passivo de IVA de outro Estado membro, agindo como tal.
Pressuposto do direito à isenção não é (nem se vê como poderia ser) a simples declaração da mesma; antes é a verificação da realidade dos seus pressupostos. Não tem pois a mera declaração de um benefício fiscal qualquer efeito constitutivo que determine para o contribuinte uma proteção - no caso uma presunção de veracidade - capaz de fazer recair sobre a administração tributária o ónus da prova relativamente à verificação dos pressupostos desse invocado direito do particular.
Também Joaquim Freitas da Rocha dá conta da particularidade dos benefícios fiscais, em matéria do princípio do artigo 75º e da regra de repartição do ónus da prova do artigo 74º da LGT, assinalando que este é um caso de “desvio ao ónus probatório”[29].
Note-se, aliás, que, mesmo fora do âmbito dos benefícios fiscais, a presunção de veracidade resultante do nº 1 do artigo 75º da LGT, não é, por relevantes razões jurídicas, de aplicação absoluta. Veja-se que a propósito do direito à dedução do IVA alegadamente suportado em operações que, embora facturadas, a Administração Tributária considerou não se terem efetivamente realizado, o Acórdão do STA-Pleno, de 07-05-2003, processo nº 1026/02, firmou jurisprudência no sentido de que “(…) cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.
No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do TCAS de 9-5-2007, recurso nº 1500/06: “Nos casos em que esteja em causa a desconsideração do direito à dedução do IVA, no pressuposto de que as operações tituladas pelas facturas não têm aderência à realidade, não é a Administração Fiscal que tem de demonstrar a inexistência das operações tituladas pelas facturas, antes e ao invés, é ao contribuinte, que pretende fazer valer esse invocado direito à dedução, que se impõe provar a aderência à realidade de tais operações[30]”
Sendo assim para o direito à dedução em IVA, sempre se deveria entender, a fortiori, que no caso do benefício fiscal em análise (e depois de a Administração ter em ação de inspeção concluído pela simulação de transmissão intracomunitária de bens) é ao contribuinte que se impõe a prova da verificação dos respetivos pressupostos.
Segundo - Mas mesmo quando, em meu entender erradamente, o acórdão considera que também uma declaração de um benefício fiscal pode, em princípio, aproveitar da presunção de veracidade contida no nº 1 do artigo 57º da LGT, deveria ter concluído pela sua não aplicação. É que, o referido normativo, impõe como condição de tal presunção (para além de outras) que os elementos declarativos e escriturais da atividade mercantil do contribuinte respeitem a legislação comercial e fiscal.
O que, perante a não identificação dos bens transferidos, não ocorreu, já que, nomeadamente, não foi cumprido o disposto nos seguintes normativos:
-
O art. 4º, nº 2, al. d) do DL. 147/2003, de 11 de Julho[31], relativo ao regime dos bens em circulação, que impõe em toda a espécie de documentos de transporte a “designação comercial dos bens, com indicação das quantidades”;
-
O artigo 36º, nº 5, alínea b) do CIVA, que impõe a indicação nas facturas da “quantidade e denominação usual dos bens transmitidos…”;
Terceiro – Também o facto incluído no ponto 12 do elenco dos factos provados me merece, em face do constante nos autos, uma interpretação diversa da que fez vencimento. Não penso que o contribuinte tenha, após solicitação da Administração Fiscal, cumprido o seu dever de colaboração nos termos explanados nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 59º da LGT. Pelo que, conforme disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 75º da LGT, não se formaria a presunção de veracidade prevista no nº 1 do mesmo preceito.
Pelo que, tudo visto, votei vencido a decisão de julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado.
O Árbitro Vogal
(Américo Brás Carlos)
[1] A questão da incompetência dos tribunais arbitrais tem sido abordada em diversos processos arbitrais julgados no âmbito do CAAD, como sejam, nos processos n.ºs 48/2012, 73/2012 e 76/2012, cujas decisões arbitrais foram proferidas em 06.07.2012, 23.10.2012 e 29.10.2012, ( disponíveis em www.caad.org.pt).
[2] Na redacção dada pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro. Vide a fundamentação do Acórdão Arbitral no processo n.º 76/2012 já referido.
[3] Neste sentido o Acórdão Arbitral, processo n.º 48/2012.
Determina o artigo 2.º do RJAT competir a estes tribunais a apreciação das seguintes pretensões:
“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) revogada (pelo artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012).
[4] Excerto do Acórdão Arbitral, processo n.º 48/2012.
[5] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
– da Secção do Contencioso Administrativo, de 5-5-1987, processo n.º 23205, publicado no AP-DR de 30-6-93, página 2272, em que se entendeu que, havendo a possibilidade de o recorrente ter sido induzido em erro pelo tribunal, é de aceitar a alegação de que só em virtude desse erro o prazo para a junção de certo documento não foi observado.
– da Secção do Contencioso Administrativo, de 24-10-1996, processo n.º 39578, publicado no AP-DR de 15-4-99, página 7126, em que se entendeu que se deveria considerar como prazo de recurso hierárquico o prazo mais longo que o legal que foi indicado na publicação do acto;
– da Secção do Contencioso Administrativo, de 31-5-2005, processo n.º 46544, em que se admitiu, generalizadamente, que os destinatários dos actos não podem ser prejudicados quando foram induzidos pela Administração;
– da Secção do Contencioso Tributário, de 9-9-2009, processo n.º 461/09, relativo a um caso em que ocorreu um erro na indicação do prazo para interposição de recurso.
Na mesma linha, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
– de 11-5-1980, processo n.º 69125, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 301, página 364, em que se entendeu que o lapso na indicação de um prazo para contestar não podia prejudicar o citado;
– de 5-5-1988, processo n.º 76482, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 379, página 558, relativo a indicação do prazo para pagamento de custas superior ao legal;
– de 2-11-1989, processo n.º 78195, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 391, página 502, em que se admitiu a apresentação de alegações no prazo máximo previsto na lei, quando na notificação foi omitida a referência ao prazo que tinha sido fixado pelo juiz, inferior a esse máximo;
– de 7-10-1990, processo n.º 79323, e que se entendeu que o preceituado no n.º 3 do artigo 198.º do CPC, mais não é do que a afloração do principio geral de que ninguém deverá sofrer qualquer sanção ou ser processualmente prejudicado por factos ou irregularidades que lhe não sejam imputáveis.
[6] Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-5-2007, processo n.º 740/06, em que se entendeu que não pode ser responsabilizado pelas custas de um incidente de incompetência do tribunal, o autor de acção administrativa especial que dirigiu a respectiva petição ao tribunal que lhe foi indicado pela administração tributária na notificação do acto que naquela acção foi impugnado.
[7] Embora sem referir explicitamente estas normas, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-2-2010, processo n.º 993/09, entendeu-se, relativamente a notificação errada efectuada pela Administração Tributária em processo de contra-ordenação tributária, em que era indicado um prazo de impugnação judicial superior ao legal, que o destinatário podia utilizar esse prazo errado, por tal ser reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva.
[8] Em «O que é a “garantia adequada” para efeitos do reembolso do IVA?», publicado em Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, volume IV, páginas 276-277.
[9] Os n.ºs 11 e 13 do CIVA, na redacção da Lei n.º 2/2010, de 15 de Março, estabelecem o seguinte:
«11 - Os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.
(...)
13 - Da decisão referida no n.º 11 cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 93.º»
[16] Conforme se escrevia já no preâmbulo do Decreto Lei 154/91, de 23 de Abril, que aprovou o CPT, “A presunção da verdade dos actos do Fisco foi substituída pela presunção da verdade dos actos do cidadão-contribuinte”.
[17] “O Ónus da Prova em Direito Fiscal”, Wolter Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 129.
[19] Como refere Elisabete Louro Martins, na citação acima transcrita, “ou os documentos se encontram formalmente correctos ou se encontram formalmente incorrectos”, sendo claro do processo que a AT não determinou que o caso fosse este último, como decorre não só da realização de pedido de esclarecimentos à AT estrangeira, como da aceitação do mesmo tipo de documentação, como suporte de TIB reconhecidas (no casos de Itália e França).
[20] Não sendo, por isso, comprovadas as asserções em que AT assenta as suas alegações, ao afirmar que “a AT holandesa inquiriu o suposto sujeito passivo adquirente dos bens (o qual negou peremptoriamente a dita aquisição)” (artigo 30.º), que “é esclarecedora a afirmação do seu legal representante perante a AT holandesa, (...) que nunca havia adquirido relógios à Autora, por isso nunca havia declarado tais aquisições, tal com não declarou a aquisição aqui em causa” (artigo 61.º), e que “uma coisa é a venda de relógios ou outros bens ao cidadão que assinou um ou outro documento junto aos autos, outra coisa bem diferente é a venda daqueles mesmos relógios/bens à F... agindo esta como sujeito passivo. Isso não aconteceu, segundo afirmações da própria” (artigo 72.º), uma vez que não se conhece a identificação da concreta pessoa inquirida pela autoridade holandesa, nem o fundamento do arrogado poder de representação daquela relativamente à F....
[21] “further investigation has shown that after all”.
[22] “the following invoices were present in the administration of our taxpayer F...”.
[23] “The invoices were paid by bank”.
[24] Ponto 72: “o facto de o adquirente ter apresentado uma declaração às autoridades fiscais do Estado- -Membro de destino relativa à aquisição intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma prova suplementar para demonstrar que os bens saíram efectivamente do território do Estado-Membro de entrega, mas não constitui uma prova determinante para efeitos de isenção de IVA de uma entrega intracomunitária.”
[26] O que é situação – evidentemente – diferente da inexistência total de documentação relativa à expedição.
[27] Note-se que a não ilisão da presunção, e os efeitos daí retirados, não constituem uma alteração das regras de distribuição do ónus da prova, que, como se viu inicialmente, oneram a Requerente. Como refere Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa (“Ilisão de presunções consagradas nas normas de incidência tributária : o art. 73.º da LGT”, p. 36, disponível em http://hdl.handle.net/1822/24601), “A parte a quem incumbe a prova não deixa de ser a parte que originalmente teria esse ónus legal. O que acontece, como PIRES DE SOUSA sublinha, é que “a presunção legal proporciona à parte, que dela pode beneficiar, uma maior certeza sobre os resultados que alcançará com a prova do facto-base uma vez que este está fixado de uma forma concreta e determinada pela norma legal””, e, mais adiante (p. 37), “Enquanto que as presunções se aplicam na fase probatória, as regras de distribuição do ónus de prova actuam num momento posterior, verificada a insuficiência da prova dos factos e o não convencimento do julgador”.
[29] in Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 5ª edição, Coimbra Editora, p. 99-100.
[30] Acórdão selecionado por Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa, in, LGT Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da escrita, p.662.
[31] Diploma cujo preâmbulo sinaliza a sua ratio de “combate à fraude e evasão fiscal principalmente na área do IVA”.