Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 822/2014-T
Data da decisão: 2015-06-25  Selo  
Valor do pedido: € 26.431,73
Tema: IS – Verba 28 TGIS - Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral

 

 

  1. Relatório

 

  1. A... –, S.A., NIPC ..., com sede na Avenida ..., Lisboa (...), na qualidade de sociedade gestora do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO – A... I (doravante “Requerente”), número de identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º 6, 3.º andar, Lisboa (...), veio, Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular e apresentar pedido de pronúncia arbitral.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  3. A Requerente pretende a anulação das liquidações de Imposto do Selo notificadas em 2013, referentes a 2012, relativas à verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo, por referência ao prédio urbano que corresponde ao artigo matricial ..., da freguesia de ... (anterior artigo ..., da freguesia de ...), bem como a restituição do imposto pago, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal, até à sua efetiva restituição.
  4. A Requerente formula uma cumulação de pedidos, considerando que «o presente pedido de pronúncia arbitral assenta nos mesmos fundamentos de facto e de direito para todas as situações designadamente, a não incidência da verba 28.1 da TGIS sobre os prédios sub judice e, consequentemente, a ilegalidade das liquidações notificadas».
  5. A Requerente optou pela não designação de árbitro.
  6. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação daa designação no prazo aplicável.
  7. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  8. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25-02-2015.
  9. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou, em 10-04-2015, requerimento, junto aos autos em 13-04-2015, onde solicita ao Tribunal «que determine à requerente a junção aos autos de cópia integral do pedido de revisão oficiosa das liquidações, documento essencial para a prova do por si alegado e para ponderação e apreciação do tribunal» relativamente à tempestividade e âmbito do pedido.
  10. A Requerente pronunciou-se por escrito sobre o requerimento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sustentando que esta tem o dever de juntar aos autos a cópia do processo administrativo, o qual contém, obrigatoriamente, o Pedido de Revisão apresentado pela Requerente, pelo que a não junção integral do Pedido de Revisão Oficiosa ao Pedido de Pronúncia Arbitral visou evitar uma duplicação desnecessária de documentos.
  11. Ao abrigo dos princípios da boa-fé e da cooperação, a Requerente juntou cópia integral do Pedido de Revisão Oficiosa, e respetivos documentos.
  12. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, onde apresenta defesa por exceção e por impugnação, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
  13. Por despacho de 04-05-2014, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas a apresentar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no prazo de 10 dias e, sucessivamente, pela Requerente também no prazo de 10 dias, contado a partir da data da notificação das alegações da Requerida ou do termo do prazo para a respetiva apresentação.
  14. As Partes não apresentaram alegações.

Sobre a exceção invocada pela Requerida

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca, por exceção, a extemporaneidade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, por não se encontrarem verificados os pressupostos legais previstos no n.º 1 do art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), incluindo o que se refere à existência de “erro imputável aos serviços”, e por não serem aplicáveis ao caso sub judice as normas constantes dos demais números do mesmo artigo.
  2. Sustenta a Autoridade Tributária e Aduaneira que «a Requerente não prova ter havido um ou qualquer erro imputável aos serviços como, indubitavelmente, não existiu na liquidação em causa qualquer erro imputável à AT».
  3. E acrescenta que «o pedido de revisão oficiosa previsto no art.º 78.º, n.º 1, da LGT, ainda que de iniciativa da AT, não é, nem pode ser, uma forma de criar um novo mecanismo de recurso ao tribunal arbitral independente do decurso dos prazos legalmente fixados, senão mesmo como um novo procedimento justamente criado para possibilitar contornar aqueles prazos já decorridos”, conforme determinam os “princípios da decisão, da definição das situações jurídicas, da celeridade e da economia processuais».
  4. A Requerente sustenta, por seu lado, que «o Pedido de Revisão Oficiosa, nos termos em que se encontra previsto na LGT, constitui um meio administrativo de correção de erros de autoliquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos respetivos prazos normais, que tem em vista possibilitar a sanação de injustiças de tributação, tanto a favor do contribuinte, como a favor da administração (cf. a título de exemplo, o Acórdão do STA de 12.09.2012, processo n.º 0476/12)».
  5. Entende a Requerente que sendo «hoje pacífico que o Pedido de Revisão Oficiosa é mais um meio de reação aos quais os contribuintes podem, legitimamente, recorrer, a REQUERENTE apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral de cujo indeferimento tácito se recorre nos presentes autos, o qual, é manifestamente tempestivo».
  6. A tempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é sustentado pela Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral, nos seguintes termos:

«2.       O referido Pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado junto do Serviço de Finanças de Lisboa- ..., em 20.05.2014, por correio registado, e deu entrada no referido Serviço em 21.05.2014, conforme se comprova pela cópia do registo postal, e do comprovativo de receção do Pedido de Revisão Oficiosa pelos Serviços, que se juntam como Documento n.º 1.

  3. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses.

 4. E, nos termos do disposto no n.º 5 da referida norma, o incumprimento do dever de decisão no prazo de quatro meses, a contar da data da entrada da petição do contribuinte nos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, faz presumir o indeferimento da mesma para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou Impugnação Judicial.

5.  Nestes termos, verifica-se que, tendo o Pedido de Revisão Oficiosa sido apresentado em 20.05.2014, e entrado no Serviço de Finanças de Lisboa-10 em 21.05.2014, a presunção do respetivo indeferimento tácito formou-se quatro meses depois, ou seja, no dia 21.09.2014 (dia não útil, pelo que a Autoridade Tributária tinha até dia 22.09.2014 para se pronunciar sobre o pedido da REQUERENTE).

6.  Acresce que, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos no nºs 1 e 2 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

7.  Por sua vez, o referido artigo 102.º do CPPT prevê que a Impugnação Judicial será apresentada no prazo de três meses contados, designadamente, da formação da presunção de indeferimento tácito.

8.  Ora, do que antecede resulta que o prazo para apresentação de Pedido de Pronúncia Arbitral termina em 19.12.2014, pelo que o presente pedido é manifestamente tempestivo e deverá ser admitido, para os devidos efeitos legais.»

 

  1. Em matéria de revisão dos atos tributários, o art. 78.º da LGT prevê o seguinte:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

 3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

8.         Resulta da 1.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT que o sujeito passivo pode, com fundamento em qualquer ilegalidade, e no prazo de reclamação administrativa, requerer a revisão de atos tributários pela entidade que os praticou.

9.         Acresce que, de acordo com o disposto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT, a administração tributária pode, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo, se o tributo ainda não tiver sido pago, proceder à revisão de atos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços – “revisão oficiosa”.

  1. A jurisprudência e a doutrina, reconhecendo primazia ao princípio da legalidade fiscal, e considerando o disposto no n.º 7 do art. 78.º, têm vindo a afirmar que a “revisão oficiosa” constitui um poder-dever da Administração, e não uma mera faculdade desta, daqui decorrendo que: i) o interessado pode, mediante requerimento dirigido à AT, impulsionar o pedido de revisão; ii) a decisão administrativa sobre o requerido é passível de controlo judicial (RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Almedina, 2012, p. 212; Acórdão do STA de 12-07-2006, rec. n.º 0402/06).
  2. Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 12-07-2006, rec. n.º 0402/06, «[o] indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a administração tributária pode rever o ato com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T]».
  3. No mesmo Acórdão afirma-se, ainda, que «[o] meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)»
  4. Conforme escrevem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA,

«Isto significa, assim, que perante um ato tributário de liquidação, o sujeito passivo tem uma tripla possibilidade de reação, cujo êxito lhe assegura em execução da decisão a plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal, inclusivamente o direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data da emissão de nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT):

- apresentar reclamação graciosa, a decidir pelo dirigente do órgão periférico regional da administração tributária;

- pedir a revisão pela entidade que praticou o ato;

- deduzir impugnação judicial.

[…]

No entanto, o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do ato, dentro dos prazos previstos em que a administração tributária a pode efetuar, previstos no art. 78.º da LGT.» (Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª Edição, 2012, Editora Encontro da Escrita, p. 714).

  1. Conclui-se que a Requerente teria legitimidade para apresentar o pedido de Revisão oficiosa, como o fez, desde que o mesmo tivesse por fundamento “erro imputável aos serviços”.
  2. Ora, a causa de pedir, no Pedido de Revisão apresentado pela requerente, a errónea aplicação do direito pela Administração Tributária, sem que tal tenha resultado de qualquer informação do contribuinte, e independentemente da demostração da culpa de qualquer dos seus funcionários, pelo que estava manifestamente em causa uma situação de “erro imputável aos serviços”, à luz da densificação jurisprudencial que tem vindo a ser feita deste conceito (v. Acórdão do STA de 12-12-2001, rec. n.º 26233).
  3. Considerando a cronologia dos factos (cfr. infra, ponto II), conclui-se pela tempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  3. Não se vislumbra qualquer nulidade.

 

  1. Matéria de facto
  1. Factos provados
  1. Consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito que corresponde ao artigo matricial ..., da freguesia de ..., em Lisboa (anterior artigo ..., da freguesia de ...);
  2. O imóvel identificado supra encontra-se inscrito na caderneta predial urbana em propriedade total, também designada propriedade vertical.
  3. À data dos factos tributários, cada uma das 12 (doze) divisões do prédio tinha afetação habitacional, e um Valor Patrimonial Tributário (VPT), determinado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), compreendido entre o valor mínimo de € 78.033,20 e máximo de € 166.552,34;
  4. A soma dos VPT de todas as divisões perfazia, em 31 de dezembro de 2011, o valor de € 1.758.101,78, e, em 31 de dezembro de 2012, o valor de € 1.764.121,74;
  5. Considerando a afetação habitacional das divisões do referido prédio e atendendo ao VPT total dessas divisões, a AT notificou a Requerente, em 2012 e 2013, das liquidações de Imposto do Selo relativas a cada uma das divisões, nos termos da verba 28.1 da TGIS;
  6. O valor total das liquidações de Imposto do Selo ascendeu a € 26.431,73, o qual foi integralmente pago, conforme resulta dos dados constantes da seguinte tabela:

  1. Não foi apresentada reclamação graciosa das liquidações.
  2. A Requerente apresentou Pedido de Revisão Oficiosa junto do Serviço de Finanças de Lisboa-10, em 20-05-2014, por correio registado, e deu entrada no referido Serviço em 21-05-2014;
  3. A Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre o Pedido de Revisão Oficiosa;
  4. A Requerente apresentou o Pedido de constituição de Tribunal Arbitral, no Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, o qual foi validado e aceite em 19-12-2014 por este Centro como Processo em fase de procedimento arbitral.
  1. Factos não provados
  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.
  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto
  1. Os factos foram dados como provados com base na prova documental.
  1. Matéria de direito
  1. Sobre a cumulação de pedidos
  1. O Tribunal entende que está justificada a cumulação de pedidos no presente processo, considerando que a procedência dos mesmos depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras jurídicas (artigo 3.º do RJAT).
  1. Apreciação do mérito do pedido
  1. A questão central a decidir pelo Tribunal é a que se prende com saber se o valor patrimonial tributário (VPT) a considerar para efeito de aplicação da Verba 28 da TGIS, estando em causa prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, é o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente e com afetação habitacional, ou se é o VPT global, correspondente ao somatório dos VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e com afetação habitacional.
  2. A Verba 28 da TGIS, ora em apreciação, foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, com o seguinte teor:

«28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.»

 

  1. O Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, com as alterações introduzidas pelos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarecem qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.
  2. O art. 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que «[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI».
  3. O legislador, no n.º 1 do art. 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:

«Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.»

  1. Conforme observam SILVÉRIO MATEUS e CURVELO DE FREITAS, “o n.º 1 deste artigo [do artigo 2.º] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico” (Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 101, anotação n.º 1.1).
  2. Deste modo, não ficam excluídas do conceito de prédio, relevante para efeitos de CIMI e de CIS, os andares ou divisões de utilização independente de imóvel inscrito na caderneta predial urbana em propriedade total.
  3. O n.º 4 do artigo 2.º do CIMI prevê ainda que:

«para efeitos deste imposto [IMI], cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».

  1. Mais uma vez, deste preceito não resulta a exclusão do conceito de prédio, dos andares ou divisões de utilização independente de imóvel em propriedade total.
  2. No n.º 4 do art. 2.º do CIMI o legislador esclarece, de forma inequívoca, que as frações autónomas de imóveis inscritos em propriedade horizontal são consideradas prédios, para efeitos de IMI.
  3. Mas tal não legitima o intérprete a fazer uma interpretação a contrario, no sentido de excluir do conceito de prédio as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total.

 

  1. Parece, na verdade, que a ratio, do n.º 2 do art. 4.º é precisamente a de permitir uma interpretação extensiva do disposto no n.º 1 do art. 2.º, de modo a incluir no conceito de prédio as unidades (frações, andares ou divisões) de utilização independente.
  2. Este sentido parece, aliás, ser confirmado pelo disposto no n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, que a seguir se transcreve:

«Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.»

  1. Donde resulta que as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total são objeto de avaliação com base nos critérios previstos no artigo 38.º do CIMI.
  2. Já o art. 6.º do CIMI enuncia as espécies de prédios urbanos, e prevê que «[h]abitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins».
  3. Conforme é afirmado na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 50/2013,

«Daqui podemos concluir que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização».

 

 

  1. Ao considerarmos o elemento literal da interpretação constatamos que, na parte final do preceito contido na verba 28.1 da TGIS, se determina que o valor tributável corresponde ao «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira considera como VPT relevante para efeito de aplicação da verba 28.1 da TGIS o VPT global do imóvel inscrito em propriedade total, em manifesta contradição com a prática de uma pluralidade de atos de liquidação, relativos aos vários andares suscetíveis de utilização independente.
  3. Do elemento literal da interpretação, em conjugação com os elementos sistemático e teleológico, resulta que o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos da aplicação da verba 28.1 do CIS é o correspondente a cada uma das unidades suscetíveis de utilização independente.
  4. E afigura-se-nos ser este também o entendimento mais conforme com o princípio da prevalência da substância sobre a forma.
  5. Para além disso, este é o sentido mais conforme com a Constituição da República Portuguesa, designadamente os princípios da tipicidade, da igualdade, da proporcionalidade e da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, ínsitos no princípio do Estado de Direito.
  6. A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao aplicar de modo diferenciado a verba 28.1 da TGIS consoante a unidade habitacional esteja inserida em imóvel inscrito em propriedade horizontal ou em propriedade total está a fazer prevalecer um critério formal de diferenciação, em detrimento da igualdade material exigida pela Lei Fundamental.
  7. Do ponto de vista da capacidade contributiva, enquanto critério operativo do princípio da igualdade, que postula uma igualdade material, é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal – a capacidade contributiva evidenciada é a mesma, devendo a aplicação da verba 28.1 da TGIS ser feita nos mesmos termos.
  8. Sendo possível interpretar a verba 28.1 da TGIS em conformidade com a Constituição, é de afastar o julgamento da inconstitucionalidade da norma nela contida.
  9. Assim, relativamente a imóveis inscritos em propriedade total, apenas está sujeito a Imposto do Selo, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, o andar ou divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior € 1.000.000,00.
  10. Atendendo a que, no presente processo, nenhum dos andares relativamente aos quais foi liquidado Imposto do Selo por aplicação da Verba 28.1 da TGIS tem um VPT igual ou superior € 1.000.000,00, conclui-se pela ilegalidade dos respetivos atos de liquidação.
  11. Face ao exposto, o Tribunal dispensa-se de apreciar a alegada existência de duplicação de coleta.
  12. Quanto aos juros indemnizatórios, o n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária prevê que:

 «[s]ão devidos  juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

  1. Considera-se que «[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, 4.ª ed., Lisboa, 2012, p. 342).
  2. A lei determina ainda, no art. 100.º da Lei Geral Tributária, que:

«A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.»

  1. Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 11/02/2009, recurso n.º 1003/08,

«Tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.»

  1. No presente processo estamos perante uma pluralidade de liquidações de Imposto do Selo fundadas em erro imputável aos serviços, donde resultaram pagamentos indevidos de prestações tributárias pela Requerente, pelo que se reconhece a esta o direito a juros indemnizatórios sobre os montantes de imposto indevidamente pagos.
  2. De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), «[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos».

 

 

 

  1. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação impugnados;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida à restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, nos termos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

  1. Valor do processo

O valor do processo é fixado em € 26.431,73, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

  1. Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 25 de junho de 2015

 

O Árbitro,

 

 

  Paulo Nogueira da Costa