Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A sociedade A…, S.A. (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal …, com sede no …, …-…, …, concelho de …, apresentou, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a ser declarada ilegal a liquidação de Imposto do Selo (“IS”), referente ao exercício de 2013, no montante de € 3.676,37, por respeito a um prédio urbano, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção, inscrito sob o artigo …, na matriz predial urbana da freguesia de …, do concelho do ..., sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “ATA”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 10 de Fevereiro de 2015.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 24 de Março de 2015.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade da liquidação de IS mencionada supra, por referência a um prédio urbano, situado no …, na freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ….
5. A ATA apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o acto tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.
6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas excepções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
7. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
8. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se os prédios urbanos legalmente qualificados como terrenos para construção, deverão ser abrangidos pelo conceito de prédios com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).
9. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, os terrenos para construção não são enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional, ficando, desta forma, fora do alcance da aludida verba, ou, ao invés, e tal como defende a Requerida, são considerados prédios com afetação habitacional e, nesse contexto, sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
10. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é comproprietária de um prédio urbano (detém 26% do mesmo), legalmente enquadrado como terreno para construção, inscrito sob o artigo …, na matriz predial urbana da freguesia de …, do concelho do ..., com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de € 1.413.990.
II. A Requerente, por respeito ao exercício de 2013 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, recebeu a nota de liquidação da ATA, referente à primeira prestação (n.º 2014 …), no valor de € 1.225,47, de um montante global de € 3.676,37 (da liquidação de IS referente àquele exercício).
III. Por não concordar com aquela liquidação, a Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo a mesma sido indeferida.
IV. No dia 28 de Maio de 2014 a ora Requerente constituiu uma hipoteca voluntária sobre o imóvel em discussão, com o objetivo de fazer face a um processo de execução fiscal que se antecipava (relativamente à liquidação anteriormente referida), tendo incorrido em € 495 com o aludido processo de constituição.
V. Uma vez que a ATA não aceitou aquela garantia real, a Requerente pagou a 1.ª prestação da liquidação mencionada supra, no dia 18 de Setembro de 2014, com acréscimos, num valor total de € 1.278,05.
11. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
12. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
13. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.
14. A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
15. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
16. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).
17. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:
“Artigo 2.º - Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Artigo 3.º - Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Artigo 4.º - Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º - Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.
18. Paralelamente, e uma vez que é um dos temas levantado pela Requerida, cumpre evidenciar o exposto no artigo 45.º do Código do IMI.
“Artigo 45º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º.
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do artigo 40º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”.
19. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afetação habitacional.
20. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:
“Artigo 11.º - Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.
21. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, encontram-se preconizados no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
“Artigo 9.º - Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
22. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se os prédios urbanos classificados como terrenos para construção são, ou não, incluídos no conceito de prédio com afetação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.
B) Argumentos das partes
23. A este respeito, a Requerente, alegou, em síntese, o seguinte:
24. “Os terrenos para construção não se incluem na previsão da norma constante da verba 28 e 28.1 da TGIS (…), por não possuírem afetação habitacional”.
25. Até porque, para esta, o artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI, que define o conceito de prédios habitacionais, “…aponta no sentido de ser necessária uma afetação efetiva, real e presente. Pelo que, a circunstância de para um determinado terreno de construção estar autorizada a construção de prédio destinado a habitação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos fiscais, continua a ser como tal considerado”.
26. Neste sentido, considera a Requerente que, do Código do IMI, resulta uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podendo os últimos, para feitos de IS, ser enquadrados enquanto prédios com “afetação habitacional”.
27. A ora Requerente suporta também a sua argumentação em jurisprudência já produzida sobre o assunto, nomeadamente em algumas decisões arbitrais já proferidas, as quais irão ser dissecadas, em maior detalhe, infra, onde se tem afirmado perentoriamente que os terrenos para construção não podem ser considerados prédios urbanos com afetação habitacional.
28. A Requerente reforça ainda que esse entendimento só é alterado por referência ao exercício de 2014 e seguintes, com a modificação do texto da norma relevante para “por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação…” (sublinhado nosso).
29. Em paralelo, a Requerente chama a atenção para o facto de que apenas é proprietária de 26% do prédio urbano em discussão, considerando, como tal, que o seu património apenas ascende a € 367.637,40 e não a € 1.413.990 e, uma vez que era “…objetivo do legislador tributar quem detém uma capacidade contributiva acima da média, para o qual considerou o valor de um milhão, se outro motivo não houvesse – o que por mera hipótese de patrocínio se admite, mas não se concebe – falha esse pressuposto material”.
30. Por outras palavras, no entendimento da Requerente apenas haveria lugar a incidência do IS se a parte que esta detém tivesse um VPT superior a um milhão de euros. Ora não se verificando tal enquadramento, a Requerente considera que “há violação dos princípios da legalidade, da igualdade fiscal e da prevalência da verdade material sob a realidade jurídico-formal”.
31. Considera também a Requerente que a aplicação da aludida verba aos imóveis construídos e detidos para venda pelas empresas de construção, revela-se duplamente injusta, uma vez que “em primeiro lugar o setor da Construção é o único setor da atividade que é efetivamente tributado pela posse dos seus inventários e, em segundo lugar, porque ao ser tributado, o valor considerado para aplicação do imposto não é o custo efetivo da produção, apurado e registado na contabilidade das empresas, mais sim o VPT determinado para efeitos fiscais, o qual, em regra, é superior àquele”.
32. A ora Requerente é igualmente da opinião que a Verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais de legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade.
33. Por último, a Requerente chama a atenção para o facto de ter constituído, no dia 28 de Maio, hipoteca voluntária sobre o imóvel em discussão com o propósito de fazer face ao expectável processo de execução fiscal sobre a liquidação n.º 2014 …, e da mesma (hipoteca) não ter sido aceite pela ATA, enquanto garantia real, uma vez que, à data da sua constituição, o aludido processo ainda não tinha sido interposto.
34. Neste sentido, a Requerente considera que, de acordo com o estipulado no n.º 2 do art. 169.º do CPPT, uma vez terminado o prazo para o pagamento voluntário da liquidação referida supra, a garantia que seja prestada antes da apresentação da reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial, basta para suspender igualmente a execução, desde que apresentado requerimento onde conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como a intenção de apresentar meio de ação para a discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
35. A Requerente terminou a sua exposição, solicitando que:
A) O presente pedido de pronúncia arbitral fosse julgado procedente e, em consequência, anulada, ou declarada nula, a liquidação de imposto em discussão (com as legais consequências, nomeadamente a anulação do processo de execução fiscal instaurado).
B) A Verba n.º 28.1 da TGIS fosse considerada inconstitucional quando encarada como “uma tributação da propriedade de prédios com afetação habitacional de valor superior a 1 milhão de euros nos casos em que se trata de mero desenvolvimento da sua atividade económica por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade”.
C) Fosse conferida à Requerente o direito a uma indemnização no valor de € 1.773,50, acrescidos de custas de parte que venham a ser devidas, por garantia indevida; e
D) O pedido de cancelamento da Hipoteca Voluntária, constituída nos termos deste processo, fosse julgado procedente.
36. A Requerente, arrolou, igualmente, para o processo, uma testemunha, B….
37. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:
38. “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2 do CIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”.
39. Estabelecendo que, nos termos da aludida norma legal, às matérias não previstas no Código do IS, e respeitantes à Verba n.º 28 da TGIS, terá que ser aplicado, de forma subsidiária, o disposto no Código do IMI.
40. De seguida, a Requerida desenvolve um extenso racional que, na sua opinião, permite, enquadrar os terrenos para construção no conceito de prédio com afetação habitacional, suportando-se, nomeadamente no artigo 45.º do Código do IMI.
41. “Conforme resulta da expressão «… valor das edificações autorizadas», constante do artigo 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art. 41.º do CIMI”.
42. Entende por isso a Requerida que, se para efeitos da determinação do VPT dos terrenos para construção há uma aplicação do coeficiente de afetação (na avaliação do terreno), então esse coeficiente deverá ser igualmente considerado, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS.
43. Adicionalmente, na opinião da Requerida, “a mera constituição de um direito de potencial de construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.
De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre (…).”
44. Pelo que, para a Requerida, “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção”.
45. Conclui a Requerida que, em função do exposto, “a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei (…) devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.
46. No que respeita ao pedido de prova testemunhal, solicitado pela Requerente, para a Requerida não há necessidade de produção de prova adicional (i.e., para além dos documentos já apensados ao processo).
47. Considerando assim que “não se vislumbra a necessidade da audição de testemunha tendo em conta que o tribunal pode e deve oficiosamente conhecer de todas as questões de direito colocadas, sem necessidade de ouvir previamente as testemunhas arrolados”.
48. Em conclusão, a Requerida solicita que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida seja julgado improcedente, absolvendo-se, dessa forma, a mesma do pedido.
C) Apreciação do tribunal
49. No entendimento do presente tribunal, e tendo em consideração o quadro jurídico previamente apresentado, a proposição normativa essencial a ter em consideração para a decisão do caso é a que resulta da Verba n.º 28 da TGIS.
50. Refira-se, igualmente, que, aos olhos do Tribunal Arbitral, a questão decidenda prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeitos da aplicação da aludida verba, se o conceito de prédio com afetação habitacional, inclui, ou não, os terrenos para construção.
51. A este título, o presente tribunal seguirá, de perto, a Decisão Arbitral referente ao processo n.º 42/2013-T, de 18 de Outubro (decisão que, desde já, aplaude), pela sua pertinência, detalhe e proximidade à presente discussão (mencionada, igualmente, pela Requerente).
52. A título introdutório, note-se que o Código do IMI, não recorre, na classificação dos prédios urbanos, ao conceito de prédio com afetação habitacional (na verdade, não se encontra igualmente esse conceito em qualquer outro diploma).
53. Desta forma revela-se necessário realizar, com base no quadro jurídico exposto supra, uma interpretação do conceito de prédio com afetação habitacional.
54. A esse respeito, e por forma a suportar a presente decisão, transcrevemos infra parte da Decisão Arbitral n.º 42/2013-T, de 18 de Outubro, onde se decidiu o seguinte:
“De uma interpretação literal da norma de incidência em causa resulta que o legislador quis incluir no âmbito de aplicação da norma os prédios urbanos que tenham uma «afetação habitacional».
A expressão «afetação habitacional» não parece poder ter outro sentido que não o de utilização habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.
E não podemos confundir uma «afetação habitacional» que implica uma efectiva afetação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma «afetação habitacional».
Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afetação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados).
Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objectiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afetação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afetação habitacional” (sublinhado nosso).
55. Ora, no caso dos terrenos para construção, de facto, mais não existe do que a mera expectativa, (ou, eventualmente, potencialidade), dos mesmos, e unicamente após a edificação, virem a ter uma afetação habitacional.
56. Contudo, somente quando a aludida afetação se concretizar, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.
57. De facto, o conceito de afetação habitacional terá que indubitavelmente reconduzir-se a algo que é passível de ser habitado, ainda que, tal como supra exposto, não se encontre reconhecido legalmente como tal.
58. Como tal, não obstante um terreno para construção resultar no futuro, muito provavelmente, num prédio com afetação habitacional, enquanto este assim se mantiver (ou seja, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção), não pode, à data dos factos, no entendimento do presente tribunal, ser incluído no campo de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
59. Paralelamente, a ATA demonstrou, tal como descrito supra, que, na sua opinião, é por força do artigo 45.º do Código do IMI, que os terrenos para construção são enquadrados enquanto prédios com afetação habitacional.
60. Neste contexto, e pela sua pertinência para a presente decisão, debrucemo-nos, uma vez mais, sobre a Decisão Arbitral n.º 42/2013, de 18 de Outubro.
61. Tal como exposto na decisão arbitral previamente mencionada, “o artigo 45.º do CIMI tem por objectivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos.
Mais uma vez estamos apenas no campo das potencialidades, das expectativas, e isso não é bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma «afetação habitacional» para efeitos da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS”.
62. Assim, é opinião do presente tribunal que, à data dos factos, o conceito prédio com afetação habitacional, referido na Verba n.º 28 da TGIS, reconduz-se, exclusivamente, ao conceito de prédio urbano habitacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI.
63. Por outras palavras, no entendimento do presente tribunal, em sintonia com a opinião vertida pela Requerente e na Decisão n.º 42/2013-T, de 18 de Outubro, não pode a ATA recorrer ao artigo 45.º do Código do IMI para estabelecer uma relação entre terrenos para construção e prédio com afetação habitacional.
64. Nesse sentido, o presente tribunal conclui que, sendo o prédio urbano em discussão um terreno para construção, este não poderá ser incluído no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.
65. Em paralelo, e não obstante o enquadramento até agora realizado ser, do ponto de vista do presente tribunal, bastante para reconhecer a ilegalidade do acto de liquidação praticado pela ATA, importa ressalvar que, se dúvidas houvesse, a alteração recente ao texto da Verba n.º 28 da TGIS permitia, seguramente, dissipá-las.
66. Com efeito, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2014, veio a alterar o texto da verba n.º 28 da TGIS para “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (…)” (sublinhado nosso).
67. Ora, no entendimento do presente tribunal, tal alteração ocorreu, naturalmente, porque o legislador terá percepcionado que existia uma necessidade, verificada apenas a partir de 2014, de alargar a aludida verba aos terrenos para construção, nos termos supra referidos.
68. Nestes moldes, fica claro que até essa data (2014), o texto da verba anteriormente mencionada deixava de fora do seu âmbito de aplicação os prédios juridicamente enquadrados como terrenos para construção (caso contrário, não se teria verificado a necessidade de alterar o texto da aludida verba).
69. Assim, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente tribunal que os terrenos para construção não podem, à data dos factos, ser abrangidos pelo conceito de prédio com afetação habitacional, tal como é referido no texto da Verba n.º 28 da TGIS, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência.
70. Por último, note-se que, no que respeita aos restantes argumentos apresentados pela Requerente, nomeadamente o tema da compropriedade, o presente tribunal abstém-se de apreciar os mesmos, pois considera que, o entendimento vertido supra é bastante para aclarar o assunto em discussão.
71. Adicionalmente, e no que respeita à produção de prova adicional, nos termos solicitados pela Requerente, nomeadamente o arrolamento de testemunhas, entende o presente tribunal que tal não se revela necessário, até porque, e tal como referido pela ATA, estamos perante uma questão estritamente jurídica.
V. Decisão
72. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular a liquidação de IS mencionada supra, por referência a 2013, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 3.676,37, respeitante à tributação de prédios urbanos com afetação habitacional, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;
B) Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente pelo montante pago por esta, durante o desenrolar do processo, tal como supra exposto, no valor total de € 1.773,05 (1.278,05 referentes à liquidação e € 495 referentes às despesas com a constituição da hipoteca), acrescido de juros compensatórios;
C) Julgar procedente o pedido de cancelamento da Hipoteca Voluntária prestada em sede do presente processo;
D) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. Valor do processo
73. Fixa-se o valor do processo em € 4.223,95, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
74. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 15 de Julho de 2015
O Árbitro
(Sérgio Santos Pereira)