PROCESSO ARBITRAL N.º 5/2012-T
DECISÃO ARBITRAL
A – RELATÓRIO
1. …, com o número único de pessoa colectiva e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial …, com sede em …, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do art. 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação da derrama municipal do grupo fiscal … relativa ao exercício de 2009, num montante correspondente a 888.200,33 €, e a consequente anulação nessa parte, sendo requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, adiante designada por “AT”).
2. A requerente optou por não designar árbitro e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o colectivo de árbitros, composto por José Pedro Carvalho, na qualidade de árbitro presidente, António Alberto Franco e Tomás Castro Tavares, na qualidade de árbitros adjuntos.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 27-02-2012, para apreciar e decidir o objecto do presente processo, conforme consta da respectiva acta junta aos autos.
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3. Sustenta a requerente, em síntese, a sua pretensão, no seguinte:
- que integra um grupo de sociedades, o “Grupo …”, – em que é a sociedade dominante - o qual está sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto e regulado nos art. 69º e sgs. do Código do IRC (anterior art. 63º);
- que em 31-05-2010 apresentou, relativamente ao exercício de 2009, a Declaração Modelo 22, via internet, tendo apresentado em 30-10-2010 nova declaração, agora de substituição, na qual procedeu à autoliquidação (no seu entender, em excesso) da derrama municipal respeitante àquele exercício;
- que por virtude do sistema informático da, então, DGI, não aceitar a submissão da declaração Mod. 22 de outra forma por a mesma assinalar divergências – “erros” -, não inscreveu naquela declaração de rendimentos o valor da derrama municipal que, no seu juízo, resulta da lei, pois teve de calcular a derrama numa base individual para cada uma das sociedades integrantes do grupo fiscal, a fim de indicar como derrama municipal devida pelo Grupo Fiscal … o somatório das referidas “derramas individuais”;
- entende que, dessa forma, a derrama municipal autoliquidada pela requerente, redundou num excesso no valor de € 888.200,33, correspondente à diferença entre a derrama municipal liquidada de acordo com os constrangimentos do sistema informático da DGCI (2.019.982,85 €, inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração de grupo) e 1.131.782,52 € (correspondentes ao lucro tributável do Grupo Fiscal, no valor de 75.452.167,68 € – inscrito no campo 382 do Quadro 09 da declaração do grupo – multiplicado pela taxa máxima da derrama municipal, de 1,5%);
- sustentando a sua pretensão no disposto no art. 14º, n.º 1 da Lei 2/2007 de 15 de Janeiro (Lei das Finanças Locais) e no art. 63º, n.º 1 do Código do IRC, para concluir que, no âmbito do RETGS, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito a IRC do grupo fiscal (cf. n.º 1 do art. 70º do mesmo código) e não sobre o somatório dos resultados individuais de cada uma das sociedades do grupo;
- por discordar da autoliquidação da derrama efectuada, apresentou, em 28-09-2010, junto do Serviço de Finanças de …, reclamação graciosa relativamente à mesma, onde, após exercício de direito de audição apresentado em 16-11-2010, veio a ser notificada, em 26-01-2011, do indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 18-01-2011, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária;
- na sequência do indeferimento da referida reclamação graciosa, apresentou, em 22-02-2011, junto da Direcção de Finanças de …, recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento, ao qual também foi negado provimento por despacho notificado à requerente em 16 de Dezembro de 2011;
- conclui, pedindo a declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação da derrama municipal do grupo fiscal … relativa ao exercício de 2009, num montante correspondente a 888.200,33 €, e a consequente anulação nessa parte, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
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4. Na sua resposta, a AT suscitou a excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar o mérito da questão em litígio, requereu a intervenção principal provocada de todos os Municípios em cuja área geográfica tenham sido gerados rendimentos pelas sociedades do grupo que a requerente representa, sob pena de eventual violação do art. 20º da Constituição da República Portuguesa que a todos garante uma tutela jurisdicional efectiva.
No mais, sustenta a legalidade da autoliquidação em causa, defendendo que a referência do n.º 1 do art. 14º da Lei das Finanças Locais ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC tem o seu fundamento em meras razões de simplicidade na gestão da derrama que justificam a delimitação da sua incidência tendo por base normas que regem um ou outro imposto, no caso estadual.
Entende que, face à nova Lei das Finanças Locais, a derrama deixou de assumir natureza acessória, pois deixou de atender quer à matéria colectável, quer à colecta de IRC, enquanto pressupostos da sua aplicabilidade.
Conclusão reforçada pelo facto de a repartição da receita obtida por via da derrama pelos Municípios em cuja área o rendimento é gerado, tal como se encontra delineada no art. 14º da Lei das Finanças Locais, ter na sua base a aplicação da derrama a cada sujeito passivo sujeito e não isento de IRC, independentemente de o mesmo integrar o perímetro fiscal de um Grupo tributado pelo RETGS.
Conclui, não serem, em qualquer caso, devidos juros indemnizatórios à requerente.
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5. Foi dada à requerente a faculdade de responder às excepções suscitadas pela AT, o que fez.
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6. Em reunião realizada no CAAD, em 13-04-2012, foi proferido despacho pelo Tribunal Arbitral, em que se decidiram as excepções suscitadas pela AT, bem como o pedido apresentado pela requerente na resposta à contestação daquela, relativo à produção de prova testemunhal, conforme consta da respectiva acta junta aos autos, nos seguintes termos:
“Na sua contestação, a entidade demandada, afirmando defender-se por excepção, alega, para além do mais e em suma, o seguinte:
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A necessidade de intervenção principal provocada dos municípios beneficiários do tributo em crise nos autos;
-
A violação do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;
-
A incompetência absoluta do tribunal arbitral.
Vejamos cada um dos pontos indicados.
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I. Da admissibilidade da requerida intervenção principal provocada
O incidente de intervenção principal provocada, regulado nos art.ºs 325.º e ss. do Código de Processo Civil, não constitui, ao contrário do que a sistemática da contestação da entidade demandada sugere, uma excepção. De facto, não tem o incidente em questão a virtualidade de obstar à apreciação do mérito da causa (o que a constituiria como excepção dilatória – cfr. artigo 493.º/2 do Código de Processo Civil) ou, muito menos, de se constituir causa impeditiva, modificativa ou extintiva do seu direito (o que a constituiria como excepção dilatória – cfr. artigo 493.º/3 do Código de Processo Civil).
Antes, conforme resulta do próprio artigo 325.º do Código de Processo Civil, a intervenção provocada é a faculdade que, no âmbito do processo civil, assiste às partes de chamar a juízo interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Mais resulta do regime processual civil, que “O autor do chamamento, alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar.” (artigo 351.º/3 do Código de Processo Civil), que “Se o chamado intervier no processo, a sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele.” e que “Se não intervier, a sentença só constitui, quanto a ele, caso julgado: a) Nos casos da alínea a) do artigo 320.º, salvo tratando-se de chamamento dirigido pelo autor a eventuais litisconsortes voluntários activos; b) Nos casos do n.º 2 do artigo 325.º.” (artigo 328.º do Código de Processo Civil).
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Antes de prosseguir na apreciação do fundo da questão que agora nos ocupa, cumpre deixar bem claro o quadro em que a mesma concretamente se coloca.
Com efeito, não se pode em altura alguma deixar de ter presente que nos situamos no âmbito da jurisdição arbitral. Uma jurisdição arbitral específica, é certo, mas inquestionavelmente arbitral.
Neste âmbito vigora, plenamente, o princípio da livre condução do processo pelos árbitros, conforme resulta do art. 16.º/1/c) da LAT, não sendo, portanto, de aplicação automática qualquer norma de natureza processual que não as que, expressamente, resultem daquela lei.
Não quer, evidentemente, o que vem de se dizer significar que as normas processuais ordinárias não contenham conteúdos normativos directamente transponíveis para o processo arbitral, mas tal transposição é sempre, e em qualquer caso, mediada pelo prudente critério dos árbitros, sempre “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.” (artigo 16.º/1/c) da LAT).
Para além de nos situarmos no quadro da jurisdição arbitral, encontramo-nos, obviamente, no âmbito da jurisdição tributária. Daqui decorre, então, que as normas processuais em primeira linha transponíveis para a regulação de questões processuais serão, obviamente as do processo tributário, na sua maioria condensadas no Código de Procedimento e Processo Tributário, que, no respectivo artigo 2.º nos diz que “São de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos:
a) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais leis tributárias;
b) As normas sobre a organização e funcionamento da administração tributária;
c) As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários;
d) O Código do Procedimento Administrativo;
e) O Código de Processo Civil.”.
Ou seja, decorre do exposto que a lei processual civil é a última no elenco da legislação a aplicar aos casos omissos em matéria procedimental e processual tributária.
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De todo o exposto, resulta então, em suma, que a relação processual arbitral tributária é regulada de acordo com o prudente critério dos árbitros “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.”, tendo por base as normas processuais tributárias gerais, face às quais o Código de Processo Civil vem em último lugar no que ao preenchimento de casos omissos diz respeito.
É, então, face ao critério assim formulado que haverá que apreciar o pedido de intervenção principal provocada formulado pela entidade demandada.
Ora, conforme decorre de forma meridianamente clara do que vem de se dizer, as normas do Código de Processo Civil em que aquela entidade funda o seu pedido, apenas serão aplicáveis se tal:
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Não obstar “à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.”; e
-
Se reconduzir a um caso omisso na legislação processual tributável, não preenchido por qualquer dos diplomas que precede o Código de Processo Civil na hierarquia dos diplomas aplicáveis aos casos omissos estabelecida no Código de Procedimento e Processo Tributário.
Ressalvado o respeito devido a outras opiniões entende-se que não ocorre nem uma nem outra das situações. Senão vejamos.
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Desde logo, entende-se que a intervenção de terceiros no processo tributário, não constitui um caso omisso, a preencher pelas normas do Código de Processo Civil.
Com efeito, como é do conhecimento geral, o contencioso tributário português parte de uma matriz objectivista, estando estruturado, grosso modo, como um “processo a um acto” (tributário). Ou seja, o contencioso tributário, por norma e tal como acontece no caso sub iudice, tem por objecto um acto tributário cuja legalidade cumpre sindicar.
Em coerência com tal modelo, a legitimidade passiva cabe ao autor do acto, sendo a ele que incumbe defender a legalidade da sua actuação. Daí que, por exemplo, na petição inicial caiba apenas ao A. indicar aquele (artigo 108.º/1 do CPPT), e nada mais a tal respeito.
Ou seja, e em suma, o contencioso tributário – por norma - tem por objecto aferir a legalidade dum acto tributário, e é ao autor deste que cabe defender a legalidade da sua actuação.
Compreendidas as coisas deste modo, fácil é de ver que a intervenção de terceiros interessados na manutenção do acto tributário impugnado deverá ser fortemente restringida, senão mesmo excluída. Não deverá, portanto, a ausência de regulamentação relativa à intervenção de terceiros – pelo menos no lado passivo, que é o que ora nos ocupa – no processo tributário ser encarada como uma lacuna, mas como uma deliberada intenção de a excluir, o que ressalta para além do mais, do contraste com as disposições do processo administrativo, onde se dispõe que o autor, para além do mais, deve, na petição inicial, identificar os contra-interessados na manutenção do acto impugnado (artigo 78.º/2/f) do CPTA).
Isto mesmo foi já afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo em situação análoga, no âmbito do processo 0624/10, em cujo acórdão datado de 17-11-2010 se escreveu que “Atenta a natureza subjectiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial … se não encontra espaço para a defesa de contra-interesses particulares na manutenção do acto impugnado…” (acórdão disponível para consulta na página www.dgsi.pt).
Efectivamente, a atendibilidade de interesses terceiros em relação ao autor do acto impugnado no âmbito do processo tributário redundaria na profunda subversão da sua estrutura. Assim, por exemplo, levando às últimas consequências o entendimento propugnado pela entidade demandada, forçosamente se concluiria pela possibilidade de, em matéria do tributo que ora nos ocupa, um município demandar a Administração Tributária Central, por entender que esta não estava a liquidar aquele da maneira que o referido município entende legal, levando a que, necessariamente, o particular devedor do mesmo tivesse de intervir ao lado da Administração Tributária Central – autora do acto tributário – na defesa deste, contra o tal município…
Em todo o caso, e mesmo que assim não se entendesse, em caso algum a posição da intervenção dos municípios suscitada pela entidade demandada se deveria reger pelas normas do processo civil, mas antes pelas do CPTA, que contém normas próprias sobre a questão que precedem as do Código de Processo Civil no elenco do artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
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Do que se acaba de expor resulta então que se entende que no âmbito do processo tributário não será aceitável a intervenção de terceiros interessados na manutenção do acto impugnado.
Sem prejuízo desse mesmo entendimento, sempre se dirá todavia que, mesmo que se entendesse que tal não era assim, e que a referida intervenção seria admissível, quer nos termos do CPTA, quer (o que como se viu seria altamente improvável) nos termos do Código de Processo Civil, sempre a mesma seria de excluir no âmbito do processo arbitral, por previsivelmente obstar “à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.”.
É que, como se afirmou já, o processo arbitral (tributário, no caso), tem uma finalidade e uma intencionalidade específicas, que assentam essencialmente na tutela de valores de celeridade.
E se esses valores não podem – é certo – preterir garantias essenciais das partes, tal limitação não se deverá estender, para além daquilo que imperativamente resulte da lei, a questões que digam respeito a terceiros, ou relações das partes para com terceiros.
Ora, o instituto em causa, a intervenção principal provocada, visa em primeira linha tutelar interesses do terceiro chamado (cfr. neste sentido ac. do STJ de 08-04-2010, proferido no processo 2294/06.9TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt), tendo em conta as relações jurídicas entre aquele e o chamante.
Neste quadro, devidamente ponderadas as exigências de celeridade que devem orientar as decisões deste tribunal arbitral em matéria de regulação da relação processual, e as previsíveis repercussões do deferimento da pretensão da entidade demandada que ora se aprecia no andamento da marcha processual, sempre se deveria entender que as normas do Código de Processo Civil relativas à intervenção principal provocada em que a entidade demandada fundou a sua pretensão, serão, em concreto, inaplicáveis à presente instância arbitral.
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II. Da alegada violação do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva
Seguidamente, invoca a entidade demanda a eventual violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que garante a todos o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, no caso de não chamamento dos municípios, em conformidade com o que foi por si requerido, por, em suma, acarretar “a consequente impossibilidade de os municípios se fazerem representar em juízo” (artigo 63 da contestação).
Entende-se, todavia, que não assiste razão à entidade demandada.
Efectivamente, e desde logo, a eventual preterição do direito fundamental invocado, não se dá em prejuízo de quem o invoca. Ou seja, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva que eventualmente seria violado, não é o titulado pela entidade demandada mas pelos municípios, o que acarreta a ilegitimidade daquela para pugnar pela sua tutela.
Sem prejuízo do que se acaba de apontar, sempre se dirá todavia que não é acertada a asserção em que a entidade demandada sustenta a sua alegação. De facto, não será correcto afirmar que da não intervenção municipal nos presentes autos resulte “a consequente impossibilidade de os municípios se fazerem representar em juízo”.
É que, os municípios em causa sempre poderão instaurar todas as acções judiciais que entendam necessárias à tutela dos seus direitos, designadamente dos prejuízos que para si possam advir de se vir a considerar que o acto impugnado foi ilegalmente praticado. Não poderão aqueles, é certo, discutir a legalidade do acto tributário praticado pela entidade demandada, objecto dos presentes autos. Mas tal é coisa que nunca poderiam em todo caso, como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no já referido acórdão de 17-11-2010, proferido no processo 0624/10.
Em todo caso, e de resto, esta problemática foi já objecto de pronúncia pelo Tribunal Constitucional, no seu acórdão 553/94 (publicado no DR, II Série, de 26-07-1995), onde entendendo-se que seria de “Recusar a aplicação, com fundamento na violação dos artigos 6º, nº 1, 237º, nº 2, 239º e 240º da Constituição, das normas conjugadas dos artigos 37º e 42º, alínea a), do Código de Processo Tributário, na parte em que determinam que, nos processos judiciais tributários que tenham a ver com receitas lançadas e liquidadas pelas câmaras municipais, estas sejam representadas obrigatoriamente por um representante da Fazenda Pública pertencente à administração tributária do Estado;”, se ressalvou todavia que “A conclusão a que vem de chegar-se não é transponível para a figura dos impostos estaduais, cuja receita reverte, por força do artigo 4º da Lei das Finanças Locais, em aplicação do artigo 254º da Constituição, para os municípios. Aí, porque estamos perante prestações tributárias criadas pelo Estado, cujo regime jurídico é definido por lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado do Governo (ainda que, em alguns casos, como sucede na contribuição autárquica, os municípios tenham competência para modelar a taxa dentro das balizas definidas pelo legislador - cfr. os artigos 16º e 17º do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro), e cuja liquidação e cobrança é, em princípio, da competência dos serviços da administração tributária do Estado (repartições de finanças e tesourarias da Fazenda Pública - cfr. o artigo 7º da Lei das Finanças Locais), ou seja, porque aí se está perante relações jurídicas fiscais cujo sujeito activo é o Estado (recaindo sobre este uma obrigação legal de transparência da receita do imposto para o município), nenhum obstáculo constitucional existe a que nos processos judiciais tributários não intervenham os municípios, mas apenas a Fazenda Pública.”. Doutrina esta que, não obstante se reportar, no essencial, a legislação revogada, se mantém integralmente actual.
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III. Da alegada incompetência absoluta do tribunal arbitral.
Alega por fim a entidade demandada a incompetência absoluta deste tribunal arbitral, por, em suma, os municípios, que entende dever serem chamados à presente lide, não estarem vinculados a tal jurisdição, nos termos legais.
Tal alegação, contudo, cai nesta altura pela base, uma vez que, conforme se vem de demonstrar, aos municípios não caberá qualquer intervenção na presente acção.
Cumpre referir, todavia, que nesta sede faz a entidade demandada, deslocadamente, uma alegação que se reporta não à questão da competência do tribunal arbitral mas, antes, à questão da necessidade do chamamento à demanda das entidades municipais, e à eventual inconstitucionalidade da sua não ocorrência.
Está em causa, então, o referido no ponto 72 da contestação, onde se argumenta a impossibilidade de executar contra os municípios a decisão que venha a ser proferida na presente sede.
Sendo tal circunstância verdade, ou seja, a decisão final que aqui se venha a proferir será inoponível às entidades municipais, o certo é que mesma é irrelevante para as questões em apreço.
Com efeito, e desde logo, quem tem interesse, por princípio, nas questões relativas à execução da decisão é o autor e não o réu ou demandado, e se este não vê qualquer interesse em executar a decisão que venha a ser proferida contra os municípios, tal será de todo indiferente à entidade demandada. De resto, sempre se dirá que se entende que será a esta que, no caso de procedência total ou parcial do pedido, caberá reembolsar o autor da quantia ilegalmente recebida, já que: 1) foi ela quem praticou a ilegalidade justificadora da obrigação de restituir; 2) foi ela em que em primeira linha recebeu a quantia ilegalmente liquidada.
Depois, porquanto as relações entre a entidade demandada e os municípios, serão estranhas ao autor da presente acção. Assim, qualquer questão que se ponha entre tais entidades públicas deverá ser resolvida entre elas em sede própria, que poderá, evidentemente e se assim o entenderem, ser a judicial, não havendo, por isso, qualquer compressão das garantias que lhes assistem a esse respeito.
Por fim, e não menos importante, antes pelo contrário, a verdade é que o chamamento das entidades municipais preconizado pela entidade demandada, sempre seria inidóneo a obter o resultado por esta pretendido, ou seja, a executoriedade da presente decisão relativamente aos municípios. De facto, tendo em conta o teor do artigo 328.º do Código de Processo Civil, mesmo operando o chamamento pretendido pela entidade demandada, a sentença a proferir apenas constituiria caso julgado relativamente às entidades municipais, podendo ser executada quanto a elas, se as mesmas interviessem no processo, e já não se o não fizessem, pelo que nesta hipótese, a situação seria precisamente a mesma que no caso de não se proceder ao requerido chamamento.
Nestas circunstâncias, não sendo admissível a intervenção pretendida pela entidade demandada, e não violando tal inadmissibilidade qualquer norma constitucional, não se verifica igualmente a suscitada incompetência absoluta deste tribunal arbitral.
Notifique.”; e
“Na sua resposta à contestação da entidade demandada, veio o sujeito passivo requerer a inquirição de três testemunhas.
Cumpre apreciar a admissibilidade do requerido.
Segundo os princípios gerais do processo tributário (in casu condensados no artigo 108.º/3 do Código de Procedimento e Processo Tributário), a prova deve ser condensada na petição inicial.
Sem prejuízo do referido, evidentemente que, em situações que o justifiquem, designadamente estando em causa matéria cuja relevância apenas decorra do teor da resposta da entidade demandada, poderá excepcionalmente ser admitida a indicação de prova, em fase subsequente.
Todavia, tal admissibilidade estará naturalmente condicionada, para além do mais, aos requisitos gerais da admissibilidade dos requerimentos de prova, concretamente no que diz respeito a serem abstractamente idóneos a permitir o conhecimento de factos relevantes para a boa decisão da causa.
Ora, no caso concreto tal não se verifica.
Com efeito, e desde logo, não reporta o sujeito passivo a prova testemunhal por si indicada a qualquer facto concreto alegado seja na petição inicial, seja na própria resposta onde a mesma foi arrolada.
Por outro lado, não resulta da peça processual em apreço, sequer, a intenção genérica de reportar a prova indicada a qualquer facto ou grupo de factos previamente alegados. Pelo contrário; a prova indicada está, na perspectiva da sua requerente, dirigida ao esclarecimento do papel da entidade demandada no processo de liquidação e recolha do tributo em causa nos autos.
Não obstante a indicação feita na presente reunião pelo Autor Requerente, o certo é que papel será, única e exclusivamente, o que resultar da Lei, atento, para além de tudo mais, o princípio da legalidade administrativa, nas suas dimensões negativa (a Administração não pode actuar senão nos termos em que a Lei lho permite) e positiva (a Administração tem de actuar nos termos que a Lei lhe impõe).
Assim, sendo, como parece evidente que é, a delimitação do papel que cabe à entidade demandada relativamente à liquidação e arrecadação do tributo em causa nos autos, não é susceptível de ser determinada com recurso a prova – designadamente testemunhal – resultando antes e unicamente do processo interpretativo da lei que regula tal matéria.
Deste modo, entende-se ser processualmente inútil e, como tal, inadmissível, a produção da prova testemunhal requerida, pelo que se indefere a mesma.
Notifique.”
Nada mais tendo sido arguido ou requerido, prosseguiram os autos para
B. DECISÃO
MATÉRIA DE FACTO
Factos dados como provados:
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A requerente dedica-se à actividade industrial (indústria transformadora) na área da produção de …, constituindo a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo …) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) previsto e regulado no artigo 63.º e segs. do Código do IRC (artigo 69.º e segs. do Código do IRC na numeração resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).
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Em 31 de Maio de 2010, a ora requerente, na qualidade de sociedade dominante do referido Grupo Fiscal, apresentou a Declaração Modelo 22, via Internet, tendo em 30 de Junho de 2010 apresentado Declaração Modelo 22 de substituição, respeitante ao exercício de 2009, na qual procedeu à autoliquidação da derrama municipal respeitante a este mesmo exercício, autoliquidação esta que se encontra integralmente paga desde 30-06-2010.
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Com respeito a esta matéria, o sistema informático da DGCI assinalou divergências (“erros”) que impediram que a requerente inscrevesse o valor de derrama municipal que, no seu juízo, resulta da lei como estando em dívida por referência ao exercício fiscal de 2009, aqui em causa.
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Concretamente, para efeitos de submeter a declaração de rendimentos respeitante ao exercício de 2009 e a autoliquidação da derrama municipal aí incluída, a ora requerente teve de calcular a derrama municipal numa base individual para cada uma das sociedades integrantes do Grupo Fiscal, indicando como derrama municipal devida pelo Grupo Fiscal … o somatório das referidas “derramas individuais”.
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Desta forma, o sistema informático da DGCI não permitiu, em 2010, por referência ao exercício de 2009, que a Declaração Modelo 22 fosse submetida integrando uma autoliquidação da derrama municipal apurada com base no resultado do Grupo Fiscal, por oposição a um somatório de cálculos individuais das derramas por referência a cada uma das sociedades integrantes do Grupo Fiscal, individual e isoladamente consideradas.
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Ou seja, o sistema informático da DGCI só permitiu à requerente que submetesse a sua autoliquidação de derrama municipal, na condição de proceder aos mesmos cálculos que se fariam na situação de inexistência de Grupo Fiscal.
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O sistema informático da DGCI não permitiu que na autoliquidação da derrama municipal fosse inscrito, no campo 364 do Quadro 10 da declaração do grupo, montante divergente do somatório de derramas calculadas individual e isoladamente por referência a cada uma das sociedades integrantes do Grupo Fiscal da requerente.
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A derrama municipal desta forma autoliquidada pela requerente, redundou num excesso no valor de € 888.200,33, correspondente à diferença entre a derrama municipal liquidada de acordo com os constrangimentos do sistema informático da DGCI (€2.019.982,85, inscritos no campo 364 do Quadro 10 da declaração de grupo) e € 1.131.782,52 (correspondentes ao lucro tributável do Grupo Fiscal, no valor de € 75.452.167,68 – inscrito no campo 382 do Quadro 09 da declaração do grupo – multiplicado pela taxa máxima da derrama municipal, de 1,5%).
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Em 28 de Setembro de 2010, a requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de …, reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de derrama municipal respeitante ao exercício de 2009.
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Em 16 de Novembro de 2010, a requerente exerceu, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária (LGT), o seu direito de audição prévia com respeito ao projecto de decisão da reclamação graciosa que lhe foi notificado.
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A 26 de Janeiro de 2011, foi a requerente notificada do indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido, em 18 de Janeiro de 2011, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária.
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Em 22 de Fevereiro de 2011 a requerente apresentou, junto da Direcção de Finanças de …, recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de derrama municipal respeitante ao exercício de 2009.
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Em 16 de Dezembro de 2011 foi a requerente notificada da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico.
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Em 11-01-2012, deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa, o pedido de constituição do presente tribunal arbitral.
Factos dados como não provados:
Inexistem.
Motivação dos factos dados como provados.
Os factos dados como provados integram matéria não contestada pelas partes e documentalmente demonstrada nos autos.
Não existem factos dados como não provados, na medida em que todos os factos relevantes para a boa decisão da causa foram dados como provados.
Do direito:
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Da ilegalidade da liquidação
A questão jurídica que se coloca nos autos é una e de simples formulação.
Trata-se de saber se o cálculo da derrama municipal devida por um agrupamento de sociedades, sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), deverá incidir sobre o lucro consolidado do grupo, ou, pelo contrário, deverá incidir sobre o lucro individual de cada uma das sociedades integrantes daquele.
Vejamos, então.
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O regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), vem consagrado na Subsecção II, da Secção VI, do Capítulo V, do CIRC, integrando os actuais artigos 69.º a 71.º, correspondentes aos anteriores artigos 63.º a 65.º, na redacção vigente à data do facto tributário em causa nos presentes autos.
Não sendo contestado, e estando consequentemente assente, que a requerente nos presentes autos é a sociedade dominante de um agrupamento de sociedades (o Grupo …) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), são as seguintes as disposições daquele regime, com interesse para a situação sub iudice:
- artigo 63.º/1 do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário:
“Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.”;
- artigo 64.º do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário:
“1 - Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
2 - O montante obtido nos termos do número anterior é corrigido da parte dos lucros distribuídos entre as sociedades do grupo que se encontre incluída nas bases tributáveis individuais.”
Conforme decorre das normas transcritas, uma das notas específicas do regime em causa, é a circunstância de “o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.”.
Para além disto, e como é igualmente bom de ver, o regime em causa é um regime relativo à fixação do lucro tributável nos termos e para os efeitos de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, estando regulado no respectivo Código.
No presente caso, o tributo em causa é a chamada derrama municipal, prevista no artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, (Lei das Finanças Locais, doravante LFL), que, para o que ao caso interessa, no seu n.º 1 dispõe que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) (…)), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.”.
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Traçado, sumariamente, o quadro legal onde nos situamos, fica assim claro que o nó górdio do presente problema se situa na determinação do sentido e alcance da expressão “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas”, utilizada no artigo 14.º/1 da LFL, quando esteja em causa um agrupamento de sociedades que haja, em sede de IRC, feito a opção pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
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Quanto a esta questão, alega a requerente, em abono da sua posição, que por “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas” se deve entender aquele que efectivamente, por força do funcionamento das regras próprias daquele imposto, é utilizado para o cálculo do montante concretamente devido a título do mesmo, já que é esse mesmo o lucro tributável efectivamente sujeito a IRC.
Reforçando este seu entendimento, sustenta a requerente que a Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro 2011), no seu artigo 57.º, em sede de alteração ao n.º 8 do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro), ao dispor que “Quando seja aplicável o regime de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.”, veio reconhecer que até à sua entrada em vigor, não era esse o regime legal.
Aponta também a requerente que a Lei n.º 12-A/2010, de 20 de Junho, que criou a sobretaxa de IRC designada por “derrama estadual”, determinou que “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.”, em contraste com o teor do artigo 14.º da LFL, na redacção vigente à data do facto tributário em causa nestes autos.
Acrescenta ainda a requerente, de iure condendo, que o cálculo da derrama sobre o lucro tributável do grupo não causa dificuldades acrescidas em sede de repartição do seu produto pelos municípios que a ele tenham direito, e que tal solução realiza de forma mais perfeita o princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real.
A terminar, invoca ainda a requerente dois Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, datados de 02-02-2011 e 22-06-2011, que tomaram posição sobre a questão em causa nos autos, decidindo-a no sentido aqui por si propugnado.
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A entidade requerida assenta a sua pretensão, antes de mais, nos argumentos do ofício circulado n.º 20132 da DSIRC, de 14/04/20081.
Para além da referência ao ofício circulado que vem de se apreciar, sustenta a entidade demandada a sua contestação na importância que a derrama tem quer como fonte privilegiada de receita municipal, quer como “instrumento de política fiscal, na autonomia do poder local e na promoção da coesão económica e social de todo o território”.
Aporta, ainda, à liça a entidade demandada, a autonomia da derrama em relação ao IRC, invocando a tal respeito doutrina autorizada como os malogrados Professores Saldanha Sanches e Sousa Franco.
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Desenhado, desta forma, o quadro jurídico em que é formulada a questão decidenda nos autos, cumpre proceder à sua ponderação crítica.
Os argumentos apresentados pela requerente são sólidos e consistentes.
De facto, como bem nota aquela, a LFL não se limita a falar em lucro tributável para efeitos de IRC, mas especifica que a incidência da derrama se dá sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas”. Ora, embora, como aponta a Administração Fiscal, no caso do regime de tributação de grupos de sociedades, sejam de facto computados os lucros individuais de cada uma das sociedades integrantes daquele, o certo é que lucro sujeito e não isento de imposto há apenas um, e esse é o lucro consolidado do grupo.
Não obstante contundente, o sentido literal da norma não é, efectivamente, o único argumento de interpretação a ter em conta. Todavia, como igualmente assinala a requerente, tal argumento é corroborado pelo argumento sistemático, na medida em que noutras normas reguladoras de matérias conexas – designadamente na Lei n.º 12-A/2010, de 20 de Junho – o legislador optou por consagrar uma redacção normativa substancialmente distinta, dessa forma revelando que, quando quer dispor no sentido que nestes autos a entidade demandada defende, fá-lo de forma inequívoca.
No mesmo sentido, aponta a redacção que foi dada à norma da LFL aqui em causa, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro 2011.
Também o elemento racional da interpretação suporta a posição defendida pela ora requerente, já que, como também a mesma aponta, tal posição não causa dificuldades acrescidas em sede de repartição do produto da derrama municipal pelos municípios que a ele tenham direito, e que tal solução realiza de forma mais perfeita o princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real.
Por fim, e como também referiu a ora requerente em sede de alegações orais, uma eventual falta de clareza da lei, ou mesmo uma sua lacuna, em matéria de distribuição da derrama pelos municípios nos casos de tributação de grupos de sociedades, nunca poderia justificar uma correcção – interpretativa ou analógica – ao nível dos pressupostos da incidência do tributo em causa, antes, e quando muito, poderia implicar uma correcção ao nível das normas reguladoras dessa mesma distribuição.
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Já as razões apresentadas pela entidade requerida, se apresentam frágeis e de reduzida consistência, em especial quando confrontados com os argumentos que se acabam de expor.
Desde logo, e quanto ao ofício circulado n.º 20132 da DSIRC, de 14/04/2008, constata-se que o mesmo, após enunciar o teor do artigo 64.º do CIRC, vigente à data, afirma que “Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável.”, acrescentando ainda que “Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual.”.
Desta asserção retira, imediatamente, o referido ofício circulado a conclusão que “Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração”.
Ressalvado o respeito devido, e sobretudo tendo em conta a importância dos interesses afectados pela doutrina plasmada no ofício circulado em causa, entende-se evidente o parco nível de cumprimento do dever de fundamentação que assiste, genericamente, à administração.
Com efeito, para além de não fazer qualquer ponderação de argumentos pró e contra a posição adoptada, e de assentar, singelamente, num único fundamento, o ofício em apreço claudica flagrantemente ao nível da consistência lógica entre a premissa formulada e a conclusão dela retirada.
É que sendo verdade que, como afirma o ofício em causa, na situação que nos ocupa “cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual.”, menos verdade não é que o artigo 14.º/1 da LFL não se limita a afirmar como objecto de incidência o “lucro tributável”, mas o “lucro tributável sujeito e não isento” de imposto (IRC), facto que é de todo obliterado no ofício em causa.
Por outro lado, a referência feita nesse mesmo ofício à colecta, é impertinente à discussão em causa, na medida em que nenhuma das normas relevantes para a sua apreciação faz qualquer referência à mesma. Com efeito, e como é notório, “lucro tributável sujeito” a imposto, por um lado, e colecta, por outro, não se identificam, sendo o primeiro o montante global do qual, aplicada a taxa de imposto, resulta a colecta.
Não sendo, a qualquer título, decisivos os argumentos integrantes do ofício circulado n.º 20132 da DSIRC, de 14/04/2008, e já no que diz respeito aos argumentos adiantados na contestação da entidade demandada, entende-se que a interpretação segundo a qual, do regime de tributação de grupos de sociedades, a incidência da derrama municipal se dá sobre o lucro consolidado do grupo, e não sobre os lucros individualmente calculados de cada um dos seus membros, em nada colide com o papel daquele imposto enquanto fonte privilegiada de receita municipal, quer como “instrumento de política fiscal, na autonomia do poder local e na promoção da coesão económica e social de todo o território”.
De facto, como muito bem já havia apontado a requerente, a completa realização daquele papel passa pela correcta formulação e implementação das normas relativas à distribuição do imposto, e não das normas relativas à incidência do mesmo, que é o que está em causa nos presentes autos.
Mais sustentado, prima facie, apresenta-se o ultimo argumento esgrimido pela entidade demandada, referente à questão da autonomia da derrama municipal, enquanto tributo.
A este respeito, assistirá razão à entidade demandada quando, e na medida em que, sublinha aquela característica do tributo que nos ocupa, considerando-se acertado o entendimento de que o mesmo não integrará a categoria de imposto acessório (do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), tratando-se antes de um imposto dependente2.
Simplesmente, entende-se também que tal constatação é irrelevante do ponto de vista da questão em apreço nos autos.
Com, efeito, como já sustentava o Professor Saldanha Sanches3, “O facto de um imposto ser construído, a partir de um outro imposto, o facto de obter a sua base de quantificação por meio de uma remissão para um outro imposto, não pode ser considerado significativo”, para a questão da sua autonomia. Ou seja, o que está ora em causa é a determinação do significado e alcance das normas reguladoras da base de quantificação da derrama municipal, questão que é indiferente do ponto de vista da autonomia de tal tributo.
Pelo que, também nesta parte não serão de proceder os argumentos apresentados pela entidade demandada ao contestar a pretensão da requerente.
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Do que vem de se dizer, decorre desde logo que é entendimento deste Tribunal Arbitral que o cálculo da derrama municipal devida por um agrupamento de sociedades, sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), à data dos factos em causa nestes autos, deverá incidir sobre o lucro consolidado do grupo, e não sobre o lucro individual de cada um dos membro deste, calculado de acordo com as normas próprias do IRC.
Com efeito, e em suma, na decorrência de tudo o acima exposto, tal resultará, desde logo, da própria expressão utilizada no n.º 1 do artigo 14.º da LFL, ao referir como objecto de incidência do tributo em causa, não apenas o “lucro tributável”, mas o “lucro tributável sujeito e não isento” de imposto, sendo tal entendimento corroborado pelo quadro legislativo decorrente das Leis n.º 12-A/2010, de 20 de Junho, e n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro 2011, de onde resulta concludentemente que quando o legislador pretendeu fazer valer o sentido ora propugnado pela entidade requerida o fez de forma clara e em termos bem distinto daqueles que imprimiu à LFL, na redacção que aqui nos ocupa.
Este mesmo entendimento tem vindo a ser recorrentemente adoptado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de há mais de um ano para cá.
Assim, no acórdão de 02-02-2011, proferido no processo nº 0909/10 (disponível em www.dgsi.pt), decidiu aquele tribunal que “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.”, entendimento este que foi reiterado pelo mesmo tribunal no acórdão de 22-06-2011, proferido no processo nº 0309/11 (disponível em www.dgsi.pt), como de resto a requerente apontou no seu requerimento inicial, sem que a entidade demandada tecesse qualquer comentário ao significado de tal dado..
Mais recentemente já, no acórdão 02-05-2012, proferido no processo 0234/12 (disponível em www.dgsi.pt), veio, uma vez mais, o Supremo Tribunal Administrativo afirmar que:
“I – De acordo com o actual regime da derrama que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
II – Sendo aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, face à redacção do artº 14º da Lei das Finanças Locais anterior à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a derrama devia incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.
III – O art.º 14.º, n.º 8, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo artº 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) é uma norma inovadora e não interpretativa.”.
Este último acórdão toma posição expressa, em termos a que integralmente se adere, sobre uma outra questão que se poderia colocar, designadamente quanto à natureza interpretativa ou inovadora da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), ao alterar a redacção do n.º 8 do art.º 14.º, da LFL, que passou, a partir deste ano, a prever que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC”.
Também no que diz respeito à jurisprudência deste Centro de Arbitragem Administrativa, se encontra fundada a pretensão da requerente, tendo, em situação análoga, sido decidido em sentido favorável àquele por ela ora propugnado, no âmbito dos processos P19/ 2011 – T, P2/ 2012 – T, e P1/ 2012 – T4.
Deste modo, afigurando-se mais fundamentada a posição jurídica sustentada pela requerente, e sendo tal posição corroborada solidamente pela jurisprudência do nosso mais alto tribunal em matéria tributária, entende-se ser de julgar procedente o pedido principal formulado nos presentes autos,
Julga-se, assim e em conclusão, que a derrama municipal em causa nos autos, tratando-se de um caso de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, deve incidir sobre o lucro tributável do grupo, e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.
Nestes termos, estando a liquidação objecto do presente processo arbitral inquinada do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, é a mesma ilegal, devendo ser (parcialmente) anulada, na medida dessa mesma ilegalidade.
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Dos juros indemnizatórios.
Dispõe o n.º 1 do art.º 43º da Lei Geral Tributária que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”, acrescentando o n.º 2 daquele artigo que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
No presente caso, o tributo em questão foi autoliquidado pela requerente, que seguiu, compulsivamente (acrescente-se), o entendimento veiculado pelo Ofício-Circulado n.º 20.132, de 14 de Abril, desta forma se evidenciando a existência de erro imputável à Administração Tributária e, consequentemente, a legitimidade do formulado pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da requerente, sendo-lhe, assim, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, nos termos prescritos nos art.º 43º da Lei Geral Tributária e 61º do Código de Procedimento e Processo Tributário5.
DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decidem os árbitros que integram o presente colectivo arbitral:
- julgar procedente e provado o pedido formulado no presente processo arbitral tributário;
- anular parcialmente o acto tributário objecto do presente processo arbitral tributário, relativo à derrama municipal devida pela requerente correspondente ao exercício de 2009, na parte correspondente ao montante de € 888.200,33, por violação de lei;
- condenar a entidade requerida a devolver à requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária, relativos ao período que mediar entre a data do pagamento da quantia referida e a sua devolução à requerente, mediante a emissão da correspondente nota de crédito.
Fixa-se o valor do processo em €942.676.59 (€ 888.200,33 do valor da liquidação anulada + €54.476,26 de juros vencidos à data da entrada do requerimento inicial no CAAD), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em €13.158,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas a cargo da entidade requerida.
Notifique.
Lisboa, 24 de Maio de 2012.
José Pedro Carvalho
António Alberto Franco
Tomás Castro Tavares