Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, NIF …, com residência na Rua …, n.º …, …-… Porto, veio, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida, com vista a obter a anulação do acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2014 …, no montante de €36.371,19 (trinta e seis mil, trezentos e setenta e um Euros e dezanove cêntimos), emitido em 2.12.2014, bem como o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e subsequentemente notificado à AT em 30 de Dezembro de 2014.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10 de Março de 2015.
A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.
II. MATÉRIA DE FACTO
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) No dia 28 de Março de 2000, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de um prédio rústico (doravante Prédio) designado “…” sito no lugar do … ou …, freguesia de …, concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número …, a fls. … do livro B-11 inscrição …, fls. 41, vº e 42 do Livro G-40, inscrito na matriz respectiva sob os artigos actuais … e … (que correspondem aos anteriores artigos rústicos …, … e … da mesma freguesia), entre o promitente vendedor B… e o promitente comprador C….
B) Na qualidade de promitente vendedor, B… declarou prometer alienar o referido Prédio pelo montante de €299.278,74;
C) O promitente comprador C… entregou ao promitente vendedor, aquando da celebração do contrato promessa, a quantia de €74.819, 68, a título de sinal por meio de cheque;
D) O remanescente do preço €224,460,00 seria pago no momento da outorga da procuração irrevogável do alienante a favor do adquirente pela qual aquele, de forma irrevogável, concedeu a este os necessários poderes para em seu nome dar cumprimento ao contrato promessa;
E) Nos termos do contrato promessa de compra e venda celebrado, com a outorga da procuração o prédio ter-se-á por entregue na respectiva data e serão da responsabilidade de C… todos os encargos que recaiam sobre o mesmo;
F) Em 14 de Junho de 2000, B..., por instrumento notarial, constituiu como seu Procurador C..., a quem conferiu os necessários poderes para vender e outorgar a escritura de venda referente ao aludido prédio rústico - “para dar cumprimento ao contrato-promessa entre ambos celebrado, em 28 de Março de 2000, outorgando a respectiva escritura de venda, recebendo o preço e dar quitação (…).” (Cfr. Documento n.º 3);
G) Da mesma procuração consta ainda que a mesma “pode ser passada no interesse dos mandatários e de terceiros, é irrevogável (…) e os poderes nela conferidos não caducarão por morte, interdição, inabilitação ou falência dos outorgantes, podendo ser exercidos na celebração de negócios consigo mesmos (…)”.
H) Em 12 de Março de 2006, ocorreu o óbito de B...;
I) Em 31 de Março de 2010, C..., titular da procuração irrevogável e promitente comprador do prédio celebrou com a sociedade “D… –, Lda.”, da qual era sócio e gerente, a escritura de compra e venda dos prédios já identificados;
J) Na data da celebração do contrato de compra e venda, o prédio, ainda, se encontrava registado a favor dos seus proprietários B... e E...;
K) O Procurador C... recebeu em nome do falecido B... o valor de €299.278,74, tendo agido na qualidade de Procurador e nada tendo comprado ou vendido para si;
L) A mais-valia resultante da venda do prédio rústico não foi declarada em declaração Modelo 3/IRS (Anexo G), referente ao ano de 2010;
M) A AT emitiu o acto de liquidação adicional de IRS n.º 2014 …, com fundamento nas mais–valias apuradas em virtude da alienação pelo Procurador de B..., C..., em 31 de Março de 2010, do prédio já identificado à sociedade comercial “D…, LDA”, no valor total de €299.278,74;
N) Considerou a AT na decisão final do procedimento de inspecção, tramitado sob o ofício n.º …, datado de 27/11/2014, que “Sendo o sujeito passivo herdeiro de B... – NIF …, falecido em 2006-03-12, deveria ter declarado no anexo G da sua declaração mod. 2 de IRS/2010 o valor de €149.639,36, correspondente à sua quota parte de 50% pela alienação de dois prédios Rústicos – Freguesia … – Artigos … e … no valor total de €299.278,74, sendo de cada um €128.283,27 e €170.995,47 respectivamente, apresentada na declaração mod.11.”;
O) “ Pela consulta do Imposto de Selo (IS) no sistema informático, verifica-se, que os referidos prédios fazem parte da herança – NIF …, deixada por B..., constando aqueles da relação de bens representada no Serviço de Finanças Porto 3.” (Documento n.º 2);
P) “Na notificação efectuada ao cabeça de casal/herdeiro F… – NIF …, pelo oficio … de 2014/02/06, foi solicitado para comunicar ao herdeiro em análise A…, para que este procedesse da mesma forma que o cabeça de casal/herdeiro, ou seja, para apresentar modelo 3 de substituição a fazer constar no anexo G, o referido valor da sua quota parte, pela alienação dos dois prédios rústicos.” (Documento n.º 1)”;
Q) A 11 de Dezembro de 2014, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado adicionalmente;
R) A AT apenas tomou conhecimento da transmissão dos imóveis com a celebração da escritura pública de compra e venda, no ano 2010.
Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.
III. MATÉRIA DE DIREITO
A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se o IRS objecto do acto de liquidação adicional de IRS em análise decorrente da venda do prédio rústico já identificado é devido pelos herdeiros do proprietário B... ou pelo Procurador que outorgou a escritura de compra do prédio e que detinha uma procuração irrevogável para, no seu interesse, proceder à venda.
A este propósito, o Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral o seguinte:
A) O acto de liquidação adicional sub judice radica na alienação dos imóveis rústicos nele melhor identificados pelo valor de €299.278,74, que segundo a AT deveria determinar o pagamento de IRS, na categoria de mais-valias, decorrente da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
B) Sucede que, o Requerente não alienou qualquer prédio, não outorgou qualquer acto notarial nem incorporou na sua esfera patrimonial a contrapartida económica da alienação de qualquer prédio;
C) Todos os actos, contratos e documentos foram outorgados por B… (Pai do Requerente) que recebeu nos idos anos de 2000, a totalidade do preço inerente à venda;
D) Na verdade, no dia 14 de Junho de 2000, B… e a mulher E… (progenitores do Requerente) constituíram seu bastante Procurador C…, a quem conferiram os poderes supra referidos, relativamente ao aludido prédio, tendo sido a referida procuração celebrada no interesse comum dos outorgantes, com carácter irrevogável, nos termos do artigo 265.º e n.º 2 do 1170.º do Código Civil;
E) Por via de tal acto, e no uso da procuração irrevogável, o promitente comprador C… promoveu a transferência da propriedade, cujo pagamento tinha ocorrido integralmente com a outorga da procuração e contrato promessa celebrado em 2000;
F) A morte de B…, ocorrida em 12/03/2006, não teve qualquer influência na validade do respectivo mandato do procurador;
G) Deste modo, o efeito jurídico da venda repercutiu-se na esfera jurídica do mandante (B…) e não do aqui requerente, que não tendo outorgado o contrato nem a procuração, não acomodou o efeito jurídico da compra e venda;
H) Com a celebração do contrato promessa em 2000, B… transmitiu para C… a posse e detenção material dos imóveis em mérito e recebeu a totalidade do preço inerente à transmissão;
I) Não sendo o Requerente parte integrante da relação jurídica inerente à transmissão de bens imóveis, não é sujeito passivo da relação fiscal, pelo que não se lhe aplica a regra da incidência fiscal, em especial a que decorre do artigo 13.º n.º 1 do CIRS, segundo o qual “Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”;
J) Por sua vez, o n.º 3 do artigo 10.º daquele preceito estabelece que:
“os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
a) Nos casos de contrato de promessa de compra e venda (…) presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse de bens ou direitos objecto do contrato.”
K) Dos citados artigos resulta que (i) tendo ocorrido a traditio da propriedade em 2000 e (ii) tendo o identificado B… recebido a totalidade do preço apesar da propriedade se encontrar registada a favor do vendedor,
L) o facto gerador da obrigação do imposto ocorreu no período económico de 2000 e não em 2010, pelo que os ganhos terão sido recebidos em 2000 e não em 2010;
M) Provando-se a existência de determinado contrato promessa seguido de tradição ou posse, será a data em que esta se verificar que releva para efeitos de apuramento de mais-valias,
N) Assim, é o acto ilegal por ausência de facto tributário e em resultado da violação do disposto no artigo 13.º n.º 1 do CIRS e artigo 18.º n.º 3 da LGT.
O) O facto gerador da obrigação de imposto, à luz do disposto no artigo 10.º n.º 3 a) do CIRS, ocorreu em 2000, dado que foi nesse ano económico que o então proprietário outorgou a procuração irrevogável, recebeu o preço e promoveu a traditio dos bens em causa para o promitente comprador C…;
P) Assim, à luz do artigo 45.º da LGT, a AT dispunha de 4 anos para promover a liquidação do IRS devido pela transmissão – sempre e só na esfera jurídica de B… – que terminou em 31/12/2004;
Q) A liquidação ocorrida em 02/12/2014 é, assim, extemporânea, pelo que, para além do mais o acto “impugnado” é ilegal por caducidade do direito à liquidação;
R) Dado que no caso dos autos a liquidação efectuada é o resultado de um erro jurídico emergente da errónea aplicação do artigo 10.º n.º1 e 3 do Código do IRS, em caso de procedência do pedido, deverá a ATA ser condenada a pagar à requerente o imposto pago no valor de €36.371,19, bem como os juros indemnizatórios que se vencerem desde a data do pagamento (11/12/2014) até efectiva devolução ao contribuinte.
Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:
A) Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
B) No caso em apreço, a alienação onerosa dos direitos reais sobre o prédio ocorre em 31/3/2010, com a escritura de compra e venda outorgada por C..., na qualidade de Procurador e em nome de B..., e a empresa D… - Lda., na qualidade de compradora;
C) Para efeitos fiscais, é esta a única transmissão relevante e a única que a administração tem de conhecer;
D) Na verdade, à data de 14/6/2000, a procuração irrevogável outorgada por B… a C… não tinha a virtualidade de constituir uma transmissão fiscal;
E) Apenas com a entrada em vigor do CIMT é que se ficcionou a transmissão fiscal com a outorga de procuração irrevogável com poderes para dispor de bens imoveis a favor do Procurador. Emitida a procuração, o legislador considera imediatamente consumada a transmissão (artigo 5.º do IMT), devendo o imposto ser liquidado e pago antes da outorga do contrato, como determina o n.º 2 do artigo 22.º do Código do IMT;
F) Contudo, não era esse o regime que vigorava em 2000;
G) O Requerente confunde os poderes inerentes à aludida procuração, celebrada em 14/06/2000, com a transmissão fiscal do prédio, que só ocorre em 31/3/2010, com a celebração de escritura pública de compra e venda, em que o vendedor se fez representar por Procurador com poderes para o efeito;
H) Conforme dispõe o artigo 258.º do Código de Processo Civil, “O negócio jurídico realizado pelo Procurador em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.”;
I) Aliás, o filho do Procurador, entretanto falecido – que, em nome e em representação do pai do Requerente, outorgou a escritura de compra e venda do mencionado prédio, declarou que tal negócio foi efectuado no interesse do mandante, que recebeu o respectivo preço;
J) Por outro lado, para que o contrato promessa de compra e venda constitua transmissão fiscal é necessário que seja acompanhado de tradição;
K) E, no caso vertente, o Requerente não logrou demonstrar a verificação da tradição alegadamente ocorrida para C…, por ocasião da outorga de escritura irrevogável, tanto mais que os aludidos prédios estavam, à data do prometido negócio, arrendados, através e contrato de arrendamento rural, outorgado em 22/9/93, entre B… e G…;
L) Temos, assim, que, ao invés do alegado pelo Requerente, o acto de liquidação em crise, está assente, como não podia deixar de ser, num facto tributário, facto esse consubstanciado na transmissão fiscal que ocorre apenas com a escritura pública de compra e venda, realizada em 31 de Março de 2010;
M) E datando de 31 de Março de 2010, o facto tributário subjacente ao imposto não está obviamente caducado o direito à liquidação das mais-valias resultantes da alienação dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … e …, da Freguesia ….
Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IRS sub judice é ou não ilegal será necessário verificar:
1. Quem é o sujeito passivo de imposto relativamente ao IRS devido pela venda do prédio?
2. Em que momento é que se verificou o facto tributário – isto é, a obtenção da mais-valia?
3. Se o direito de liquidar adicionalmente o IRS devido caducou?
Vejamos o que deve ser entendido.
1. Sujeito passivo do imposto
De acordo com o disposto no artigo 18.º, n.º 3 da LGT “O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”
A este propósito dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do Código do IRS que “Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”
Mais se diz no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS que “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”
No caso em apreço, o Requerente é residente fiscal em Portugal, sendo sujeito passivo de IRS relativamente aos rendimentos que aqui obtém, tais como os que resultam da obtenção de mais-valias imobiliárias.
Tal só assim não seria provando-se que o Requerente, na qualidade de herdeiro, não obteve o ganho resultante da mais-valia realizada, mas sim o Procurador que outorgou a escritura pública de compra e venda do prédio rústico.
Sucede que, em momento algum, logrou o Requerente provar que o ganho resultante das mais-valias não foi obtido pelo seu pai e, nos termos do direito das sucessões, por si, na qualidade de herdeiro, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 29.º da LGT.
Na verdade, é o próprio Requerente que afirma, em 28.º da sua PA, que foi feito o pagamento integral do valor da venda com a celebração do contrato promessa e a outorga da procuração.
Acresce que, não obstante a outorga da escritura de compra e venda ter sido efectuada pelo Procurador constituído, tal não prova que a mais-valia seja imputável ao Procurador, uma vez que não só não resulta dos termos da procuração outorgada que o valor da venda é para o Procurador, como, na verdade, resulta da escritura pública de compra e venda que o Procurador declara quanto ao preço que “para o seu representado B..., declara já ter recebido, em nome deste”.
Mais se considera que quaisquer valores eventualmente recebidos pelo Procurador que devessem ser por conta dos Mandantes e, em consequência, por sucessão, dos herdeiros, de que não tenham sido prestadas contas devem ser discutidos entre os herdeiros e o Procurador, em sede civil e não tributária.
Na verdade, como é consabido, não é o facto de, por hipótese, o Requerente ter um crédito sobre o Procurador, em consequência, da venda realizada que a obrigação de pagamento do IRS devido pela obtenção da mais-valia se transmite ao Procurador. Conquanto, “As obrigações tributárias não são susceptíveis de transmissão inter vivos, salvo nos casos previstos na lei.” - (Vide artigo 29.º, n.º 3 da LGT).
Conclui-se, assim, que a mais-valia obtida é imputável ao Requerente, na qualidade de herdeiro e não ao Procurador, relativamente ao qual se desconhece se obteve alguma mais-valia com a venda do prédio.
Vejamos em que termos poderá a mais-valia ser imputável ao Requerente.
2. Verificação do Facto Tributário
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.
Por sua vez, com relevo para a presente análise, dispõe o n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS o seguinte:
“Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato.”
De acordo com o Requerente, “com a celebração do contrato promessa em 2000, B… transmitiu para C… a posse e detenção material dos imóveis em mérito, e, como se disse, recebeu a totalidade do preço inerente à transmissão.”
Na verdade, consta da cláusula 7.º, alínea c) do documento n.º 2, o seguinte: “Caso seja outorgada a procuração ter-se-á o prédio por entregue na respectiva data”.
Já da Procuração outorgada (documento n.º 3) resulta “Que, pelo presente instrumento, constituem seu bastante Procurador C..., (…), a quem conferem os necessários poderes para vender e outorgar a escritura de venda referente ao prédio rústico (…), para dar cumprimento ao contrato-promessa entre ambos celebrado em 28 de Março de 2000,”.
Apesar da AT ter contestado que a tradição do prédio tenha ocorrido com a celebração da Procuração irrevogável, atendendo aos documentos n.º 2 e 3 juntos pelo Requerente, o Tribunal está convencido que a tradição ou posse do prédio ocorreu a 14 de Junho de 2000 com a outorga da Procuração.
Em consequência, considera-se à luz do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS que a mais-valia decorrente da alienação do prédio em questão foi obtida no ano 2000 pelo pai do Requerente, sendo, assim, a este imputável na qualidade de herdeiro.
3. Caducidade do direito de liquidar
Determinada a data do facto tributário em causa, importa, então, analisar se o Requerente tem razão quando alega em 65.º e ss. da sua PA que “A liquidação ocorrida em 2/12/2014 é, assim, extemporânea, pelo que, para além do mais o acto “impugnado” é ilegal por caducidade do direito à liquidação.”
Ora, a este propósito dispõe o artigo 45.º da LGT, com relevância, o seguinte:
“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efectuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito. “
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Resulta, assim, do n.º 1 e 3 do artigo 45.º da LGT que, no caso do IRS, o imposto deve ser liquidado no prazo de 4 anos contado da data em que o facto tributário ocorreu.
Assim, considerando o exposto em A., seria de considerar que o direito de liquidar o imposto aqui em discussão teria caducado em 2004.
Sucede que, tal como tem sido defendido pelos Tribunais Administrativos, para efeitos de caducidade do direito de liquidação, o facto tributário terá de ser considerado verificado no momento da celebração da escritura pública de compra e venda “Se o sujeito passivo não declarou o rendimento, nem o promitente comprador pagou a respectiva sisa no ano em que a impugnante afirma ter-se verificado a tradição do imóvel para aquele.” – Vide, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do proc. 92/04, de 21.10.2004.
Na verdade, atendendo aos factos aqui em análise, não pode considerar-se que a AT tenha tido conhecimento da transmissão do prédio, no ano 2000, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda e da outorga da Procuração, se tais actos não lhe foram comunicados.
Assim, provado que está que a AT apenas teve conhecimento do facto tributário com a celebração da escritura pública efectuada em 31 de Março de 2010, é essa a data relevante para efeitos de caducidade do direito à liquidação, sendo o acto de liquidação sub judice legal pelos fundamentos expostos.
IV. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2014 …;
B) Condenar o Requerente nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.
V. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária o valor do pedido é fixado em €36.371,19.
VI. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo do Requerente, dada a improcedência integral do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Junho de 2015
A Árbitro
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)