Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 261/2014-T
Data da decisão: 2015-02-20  IUC  
Valor do pedido: € 2.271,23
Tema: IUC – Incidência subjetiva; Presunções legais
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Processo n.º 261/2014

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Guilherme d’Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 20-05-2014, decide nos termos que se seguem:

 

I. Relatório

1. A sociedade A..., Lda., NIPC …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação de atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) no montante global de € 2.2771,23.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18-03-2014.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 05-05-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20-05-2014.

6. No dia 08-09-2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

7. Iniciada a reunião, foi dada a palavra à Representante da Requerida para se pronunciar sobre a manutenção do ato, que a mesma declarou manter.

8. De seguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, foi dada a palavra às representantes da Requerente e da Requerida para, por esta ordem, se pronunciarem sobre a necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de alegações orais.

9. No uso da palavra, os representantes da Requerente e da Requerida declararam prescindir das alegações orais.

11. O Tribunal indicou o dia 03-11-2014 para a prolação da decisão arbitral, data que foi objeto de duas prorrogações, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, justificadas oportunamente pelo Árbitro designado, sendo a data final da decisão designada em 20-03-2015.

 

I3. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:

- No âmbito da atividade de exploração florestal que realiza (Comércio por Grosso de Madeira em Bruto e de Produtos Derivados), a Requerente possuí veículos que estão sujeitos ao pagamento de Imposto Único de Circulação.

- Nesse contexto, salienta a Requerente que sempre cumpriu com as suas obrigações / deveres legais e tributários quanto ao pagamento de IUC de todos os veículos a ele sujeitos e que sejam da sua propriedade.

- A AT liquidou IUC à Requerente, em relação a 1 veículo (veículo de categoria C, com a matrícula …-…-… do ano de 1999), referente aos anos de 2010, 2011 e 2012. Das respectivas notificações de liquidação consta como fundamentação: «Liquidação efectuada nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º, conjugado com os art.ºs 3.º, 4.º, 6.º a 11.º, todos do Código do IUC, por não ter sido liquidado nem pago, até à data da liquidação (…) o imposto referente ao veículo identificado neste documento
(entenda-se, nota de liquidação).»

- Relativamente ao veículo em questão, refere a Requerente que o mesmo foi alienado em 30 de Junho de 2010, pelo preço de € 3.000 ao que acresceu IVA no valor de € 600, à sociedade “B…, Lda.”, com sede na Rua …, em …,
NIPC ….

- Nos termos do número 1 do artigo 3.º do CIUC: «1- São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.» O legislador presume, portanto, que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados.

- Assim, o sujeito passivo é o proprietário ou equiparado, considerando-se como tal a entidade que figura no registo automóvel como proprietário, mas admitindo-se prova em contrário.

- Segundo a Requerente, tais liquidações não a poderão onerar, porque quem adquiriu a propriedade do veículo não o tenha registado, como é sua obrigação. A Requerente confiou que a compradora transferisse registralmente a propriedade do veículo, todavia tal não aconteceu.

- A Requerente fundamenta a sua posição com base na natureza meramente enunciativa e publicista do registo automóvel, conjugado com a eficácia real do contrato de compra e venda, no sentido de que a transferência da propriedade se verifica por efeito do contrato. O registo não tem assim eficácia constitutiva, destinando-se a dar publicidade ao ato registado.

- O sujeito passivo (Requerente) demonstrou que a compra e venda se realizou em 30 de Junho de 2010, respeitante ao veículo que deram origem às liquidações oportunamente identificadas.

- Para o efeito, a Requerente apresentou, durante o decurso do processo administrativo, relativamente à venda do veículo, a fatura de venda e requerimento de apreensão de veículo junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT, actualmente Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.).

- Nessa medida, e por força da alienação pela Requerente do veículo em questão, a propriedade e a posse do mesmo já não eram direitos ao seu dispor, pelo que também não lhe poderiam ser imputados os respectivos deveres.

- Assim, a Requerente não é sujeito passivo do IUC devido pelo veículo com a matrícula …-…-…, nos anos de 2010, 2011 e 2012.

- Em face do exposto, vem requerer a procedência do pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IUC n.º…, n.º…; n.º …, respectivamente referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, e juros, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto, por não ser sujeito passivo de IUC relativamente ao veículo identificado, não incidindo sobre si incidência subjectiva, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, e artigo 6.º do CIUC.

 

14. Em resposta ao pedido da Requerente, a AT:

- Quanto aos documentos de cobrança de IUC n.º…, n.º…; n.º…, respectivamente referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, e juros, relativos ao veículo de matrícula …-…-…, a AT mantém os atos indicados com os seguintes fundamentos:

- O artigo 3.º do CIUC não contém uma presunção, mas sim uma previsão expressa e intencional de quem se considera ser sujeito passivo do CIUC. O legislador não utilizou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito.

- O sujeito passivo é o proprietário do veículo, sendo a propriedade atestada pela matrícula ou registo em território nacional (art. 6.º, n.º 1 do CIUC).

- Fazer tábua rasa da obrigatoriedade de registo automóvel nos casos controvertidos nestes autos, não seria senão, lançar a AT na mais absoluta incerteza. Tal situação não foi, manifestamente, a desejada e, portanto, instituída pelo legislador.

- Trata-se, enfim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

- Salienta ainda a Requerida que não foi feita a devida comprovação da venda do veículo em causa, uma vez que a fatura não é um documento apto a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda. Adicionalmente, o pedido de apreensão do veículo que deu entrada no IMTT apenas foi entregue no ano de 2012.

- Nestes termos, requer a AT que o pedido de pronúncia arbitral seja considerado improcedente quanto aos referidos atos de liquidação do IUC, no valor total de
€ 2.271,23.

 

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria
n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que importe analisar.

 

4. Estão, pois, reunidas as condições para se apreciar o mérito do pedido.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

iii.a fACTOS PROVADOS

Antes de entrar na apreciação das questões de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1. A Requerente exerce a atividade de Comércio por Grosso de Madeira em Bruto e de Produtos Derivados, possuindo veículos que estão sujeitos ao pagamento de Imposto Único de Circulação.

2. A AT liquidou IUC à Requerente, em relação a um veículo (veículo de categoria C, com a matrícula …-…-… do ano de 1999), por referência aos anos de 2010, 2011 e 2012, no montante total de € 2.2771,23.

3. A Requerente deduziu respectiva reclamação graciosa, tendo sido notificada do respectivo despacho de indeferimento pelo Ofício n.º …, do SF de …, de 11.02.2014. De igual modo, foi a Requerente notificada para o exercício do direito de audição, o qual não foi cumprido.

4. O veículo de matrícula …-…-… foi vendido pela Requerente à sociedade “B…, Lda.”, com sede na Rua …, em …, NIPC …, tendo sido emitida respectiva fatura (n.º 210).

5. Nos termos da fatura apresentada, comprova-se que a alienação foi efetuada pelo preço de € 3.000 ao que acresceu IVA no valor de € 600.

 

 

III.B FACTOS NÃO PROVADOS

Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

III. C MOTIVAÇÃO

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial ou no decurso do presente processo e em afirmações da Requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

III.do direito

Estão, pois, em causa, três liquidações de IUC (n.º …, n.º…;
n.º …), respectivamente referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, relativos ao veículo de matrícula ...-...-....

 

Vejamos, então.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca que à data a que se reporta o facto tributário que originou as liquidações, não ser a proprietária do veículo, o que a desqualifica da posição de sujeito passivo do IUC relativamente ao veículo e períodos de tributação em causa.

Entende a Requerente não ser sujeito passivo do IUC em virtude de não estarem satisfeitos os requisitos de incidência subjetiva do imposto previstos no artigo 3.º do CIUC, conjugado com os artigos 4.º e 6.º do mesmo Código.

O cerne da discussão que subjaz aos presentes autos prende-se com a definição da incidência subjetiva do IUC: de acordo com a tese da AT, o sujeito passivo deste imposto é exclusivamente a pessoa em nome da qual o veículo se encontra registado; para a Requerente, a norma de incidência prevista no n.º 1 do artigo 3.º do IUC estabelece uma presunção, derivada do registo, ilidível por força do disposto no artigo 73.º da LGT.

Assim, sobre a qualidade de sujeito passivo da obrigação de imposto que lhe é imputada, alega a Requerente que, à data da ocorrência dos factos tributários, já tinha vendido a um terceiro o veículo em questão. Como prova do alegado, junta a fatura de venda em que é identificado o veículo, o valor da venda, bem como o respectivo adquirente.

Sucede, porém, que, de acordo com as diligências efetuadas pela AT, o respetivo adquirente não tinha, à data dos factos tributários, efetuado o registo de aquisição junto da Conservatória do Registo Automóvel, pelo que, na base de dados desta, a Requerente continuava a figurar como proprietária do mesmo.

 

O artigo 3.º do CIUC, sob a epígrafe “incidência subjetiva”, prevê o seguinte:

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.

Para efeitos da decisão a proferir no presente processo, a questão a analisar centra-se, portanto, na interpretação da norma do n.º 1 daquele art. 3.º do CIUC, no sentido de determinar se a norma de incidência subjetiva nela inscrita admite, ou não, que a pessoa em nome da qual o veículo se encontra registado na Conservatória possa demonstrar, através dos meios de prova admitidos em direito, que não obstante tal facto, não é proprietário do veículo no período a que o imposto respeita e, assim, afastar a obrigação de imposto que sobre ela recai.

 

Trata-se, por conseguinte, da questão de saber se tal norma consagra uma presunção legal de incidência tributária, suscetível de ilisão, nos termos gerais, como pretende a Requerente ou se, como entende a AT, o legislador tributário, ao estabelcer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados.

 

Ora, sendo verdade que o legislador do CIUC elegeu o registo automóvel como elemento estruturante deste imposto (o que resulta, desde logo, do artigo 6.º do Código, relativo à definição do facto gerador da obrigação de imposto, cujo n.º 1 prevê ser constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional), sendo, além disso, dos elementos do registo automóvel que se extrai o momento do início do período de tributação (artigo 4.º, n.º 2, do CIUC), bem como o momento até ao qual o imposto é devido (artigo 4.º, n.º 3, do CIUC) e a respetiva base tributável (artigo 7.º do CIUC), outra questão é a da interpretação que deve ser dada à norma de incidência subjetiva prevista no artigo 3.º do CIUC, a qual deve obedecer a princípios gerais da interpretação das normas tributárias, não se cingindo apenas ao ambiente normativo criado pelas restantes normas do CIUC.

 

Nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Porém, para ser detetada a consagração de uma presunção numa norma de incidência tributária, será que esta tem sempre que a prever expressamente, ou poderá, pelo contrário, extrair-se de uma norma de incidência tributária uma presunção que nela não esteja expressamente enunciada?

 

Por exemplo, no âmbito do regulamento do Imposto Municipal de Veículos[1], que o atual IUC substituiu, estabelecia-se uma presunção de forma expressa, dizendo a lei que “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados”. Ora, no âmbito do CIUC, o legislador entendeu substituir a palavra “presumindo-se” pela palavra “considerando-se”.

 

Será que esse facto deve ser relevado da forma defendida pela AT, ao ponto de se dizer que a norma não prevê uma presunção, mas antes estabelece que os proprietários dos veículos como tal constantes do registo automóvel são sempre os sujeitos passivos do imposto?

 

Não é esta a nossa interpretação do texto legal. Com efeito, não existindo razões substantivas que permitam detetar uma razão para a alteração de postura do legislador relativamente a este ponto – ou seja, não havendo razões para crer que o legislador quis efetivamente afastar a possibilidade de outras pessoas, além do proprietário do veículo, serem sujeitos passivos do IUC, parece-nos que se deve ler a referida alteração semântica como isso mesmo – uma mera alteração semântica, sem impacto na norma que decorre do texto legal. Assim, entendemos que a norma que decorre do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC continua a ser uma presunção de incidência subjetiva relativamente ao proprietário do veículo como tal registado junto da Conservatória do Registo Automóvel, que não afasta a possibilidade de prova em contrário. Com efeito, parece-nos que a norma consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC tem a estrutura de uma norma de presunção tal como esta é descrita no artigo 349.º do Código Civil, ou seja, como uma ilação que a lei, ou o julgador, tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. No caso concreto, a lei retira do facto conhecido (a propriedade do veículo nos termos do registo automóvel), a presunção acerca do sujeito que deve suportar o encargo tributário relativo ao veículo em causa. No entanto, será sempre possível ao proprietário constante do registo afastar a aplicação a si próprio da norma de incidência, posto que faça prova de que a capacidade contributiva que justifica a imposição tributária pertence a outrem, por exemplo, em função da venda do veículo em momento prévio ao da ocorrência do facto tributário.

 

As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no art. 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem. No presente caso, a Requerente utilizou a reclamação graciosa, cujo indeferimento conduziu ao presente pedido de decisão arbitral, para efeitos de ilisão da presunção de incidência subjectiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objecto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral nos termos do disposto nos artigos 2.º e 4.º do RJAT.

 

Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente oferece os seguintes elementos:

 

a)       Cópia da fatura de venda do veículo de matrícula ...-...-..., vendido pela Requerente à sociedade B…, Lda.”, com sede na Rua…, em …, NIPC …, em 30.06.2010, pelo preço de € 3.000 ao que acresceu IVA no valor de € 600.

b)      Cópia do requerimento de apreensão de veículo junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT).

 

Da análise dos documentos apresentados extrai-se que, relativamente ao veículo de matrícula ...-...-..., os atos de liquidação do IUC (n.º …, n.º…;
n.º …), respectivamente referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, deverão ser anulados porquanto, pese embora a Requerente conste como proprietária do veículo em questão, foi efetuada prova em contrário por parte da Requerente.

 

Reafirma-se o entendimento de que será sempre possível ao proprietário constante do registo afastar a aplicação a si próprio da norma de incidência constante do artigo 3.º do CIUC, posto que faça prova de que a capacidade contributiva que justifica a imposição tributária pertence a outrem, por exemplo, em função da venda do veículo em momento prévio ao da ocorrência do facto tributário. Apenas deste modo se poderá acautelar o cumprimento da justiça e da verdade material enquanto fins estruturais da tributação.

 

Não se partilha igualmente o entendimento exposto pela AT quanto à consideração de que a factura não constitui um documento apto a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, por não revelar uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente. Com efeito, não se poderá desconsiderar a comprovação efectuada pela Requerente, porquanto a fatura corresponde ao documento legal comprovativo das transmissões de bens, nos termos definidos no Código do IVA (artigos 3.º, 29.º e 36.º).

 

Conclui-se a partir da prova apresentada pela Requerente, que se considera idónea nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, que a mesma não era proprietária do veículo em 2010. Assim, os atos de liquidação em causa deverão ser anulados.

IV. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à ilisão da presunção de incidência subjetiva do IUC relativa aos atos de liquidação referentes ao veículo de matrícula ...-...-..., com a consequente anulação das liquidações questionadas.

Fixa-se o valor do processo em €2.271,23, nos termos da alínea a) do n.º 1 do
artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2015

O árbitro,

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins



[1]     Cfr. o artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento do Imposto Municipal sobre Veículos, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 143/78, de 12 de junho.