Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 37/2013-T
Data da decisão: 2013-11-29  IRS  
Valor do pedido: € 420.875,13
Tema: Tributação de mais-valias na alienação onerosa de imóveis; Residencia habitual; Domicílio fiscal
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Os árbitros Dr. José Pedro Carvalho (árbitro presidente), Dr.ª Ana Teixeira de Sousa e Dr. Olívio Mota Amador (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15 de Maio de 2013, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

  1. Em 12 de Março de 2013, o contribuinte A., NIF …, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 13 de Março de 2013, e foi notificado imediatamente à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”).

 

  1. O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral condene a AT a anular a liquidação n.º 2012 … do IRS, por vício de violação de lei e vício de falta de fundamentação.

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros Dr. José Pedro Carvalho (árbitro presidente), Dr.ª Susana Soutelinho e Dr. Olívio Mota Amador (árbitros vogais), tendo todos aceitado nos termos legalmente previstos.

 

  1. As partes foram notificadas, em 29 de Abril de 2013, da designação dos árbitros.

 

  1. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15 de Maio de 2013.

 

  1. Em 19 de Junho de 2013, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta. Na mesma data da resposta, a Requerida procedeu à junção aos presentes autos do Processo Administrativo Tributário (de ora em diante designado por PAT).

 

  1. O Árbitro Vogal, Drª Susana Soutelinho, apresentou, em 2 de Julho de 2013, ao Presidente do Conselho Deontológico do CAAD um pedido de renúncia justificada. No mesmo dia o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou a Dr.ª Ana Teixeira de Sousa Árbitro Vogal no presente processo.

 

  1. A Dr.ª Ana Teixeira de Sousa aceitou a nomeação no dia 3 de Julho de 2013, tendo as partes sido imediatamente notificadas da designação do árbitro vogal.

 

  1. No dia 16 de Setembro de 2013 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Na reunião ficou acordado que a inquirição de testemunhas e alegações orais seriam realizadas no dia 10 de Outubro de 2013.

 

  1. O Requerente veio pedir, em 8 de Outubro de 2013, o adiamento da diligência agendada para o dia 10 de Outubro, referindo que a testemunha … não poderia estar presente, porquanto se teria ausentado para o estrangeiro fruto de “uma situação imprevista”. O Árbitro Presidente por despacho, de 8 de Outubro de 2013, indeferiu o requerido adiamento da diligência.

 

  1. No dia 10 de Outubro de 2013 foi produzida a prova testemunhal.

 

  1. O Árbitro Presidente por despacho, de 14 de Outubro de 2013, notificou a AT da junção dos documentos já entregues pelo Requerente na reunião do dia 10 de Outubro de 2013.

 

  1. A AT, em 14 de Outubro de 2013, apresentou um requerimento a sustentar a rejeição da documentação apresentada pelo Requerente na reunião do dia 10 de Outubro de 2013.

 

  1. O Árbitro Presidente por despacho, de 17 de Outubro de 2013, decidiu rejeitar a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Requerente na reunião do passado dia 10 de Outubro.

 

  1. As alegações escritas foram apresentadas pelo Requerente, em 25 de Outubro de 2013, e pela Requerida, em 5 de Novembro de 2013.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º n.º 1 do RJAT.

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

DO PEDIDO

 

  1. O Requerente vem pedir a anulação da liquidação n.º 2012 … do IRS, por vício de violação de lei e vício de falta de fundamentação

 

DA CAUSA DE PEDIR

 

  1. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alegou, em resumo, o seguinte.

 

  1. O Requerente e a sua mulher qualificaram como residentes fiscais em Portugal entre 2001 e 2011.

 

  1. Em Novembro de 2003 adquiriu um imóvel, destinado a habitação, sito no lote 105 do Loteamento …, Quinta …, em …, tendo, no acto, sido representado por terceiro.

 

  1. O imóvel destinou-se a habitação própria e permanente do Requerente e da sua mulher.

 

  1. Desde 2004 a 2011 o Requerente e a sua mulher fixaram em Portugal, neste imóvel, o centro da sua vida pessoal, no qual habitavam, dormiam, confeccionavam as refeições e recebiam pessoas com regularidade.

 

  1. Durante o período de detenção do imóvel o Requerente não dispôs de qualquer outra habitação, própria ou arrendada, em Portugal.

 

  1. O facto da morada que consta do cadastro do Requerente ser diferente do local da situação do prédio ficou a dever-se ao facto de o Requerente e mulher serem estrangeiros não conhecendo português suficiente para entender a correspondência recebida da Administração Tributária e quererem assegurar que esta seria recebida atempadamente aquando das deslocações ao estrangeiro.

 

  1. Para garantir o cumprimento das suas obrigações fiscais o Requerente terá fornecido a morada de uma sociedade de consultoria fiscal como morada/domicílio fiscal.

 

  1. O facto da habitação própria e permanente do Requerente ser diferente do domicílio fiscal não impede o Requerente de qualificar para o benefício do reinvestimento previsto no artigo 10º.

 

  1. O benefício do reinvestimento pressupõe o preenchimento de diversas condições, entre outras a de que o imóvel alienado corresponda à habitação própria e permanente do sujeito passivo sendo que a lei não refere a expressão “domicílio fiscal”.

 

  1. O Requerente preenche esta condição integralmente.

 

  1. Pelo que o Requerente pede que lhe seja concedido o benefício do reinvestimento previsto no artigo 10º do Código do IRS, uma vez que alienou um imóvel que foi a sua residência própria e permanente desde 2004 a 2011.

 

  1. O Requerente pede ainda que lhe seja considerada, no cálculo da mais-valia, se a ele houver lugar, os encargos incorridos pelo Requerente com as obras de manutenção e melhoramento da piscina, no valor de 26.196,50 €.

 

  1. Este montante foi desconsiderado pela AT na liquidação adicional de IRS de 2011 como encargo/despesa dedutível ao valor da mais-valia.

 

  1. Entende o Requerente que esse montante deve ser considerado por se referir a obras em piscina que é parte integrante do imóvel, encontrando-se implantada no mesmo terreno e registada com o mesmo número matricial.

 

DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. No entender da A.T., o Requerente não preenche os requisitos legais necessários para beneficiar da exclusão de tributação do art.º10 n.º 5 do CIRS, em especial pelo facto de o imóvel alienado não constituir à data da alienação o seu domicilio fiscal nos registos da A.T. nem o Requerente ter dado conhecimento, nos termos do artigo 19º da Lei Geral Tributária, de que o seu domicílio tinha sido mudado para esse imóvel, ou que o mesmo constituía sua habitação própria e permanente.

 

  1. Entendeu a Requerida que o A. não fez qualquer prova que resida no domicílio fiscal por si indicado, o qual foi usado para fins meramente de comunicação com a Administração Fiscal.

 

  1. Entende igualmente que o A. não fez qualquer prova de que habitava e residia de modo permanente no imóvel alienado.

 

  1. A Requerida entende existir um alto grau de probabilidade, dada a nacionalidade do A. de que este nem sequer residisse em Portugal e necessitasse de um representante de facto, não o desejando ter de direito.

 

  1. A Requerida entende pois que o Requerente não logrou até à presente data, nem em sede de pedido arbitral, bem como em sede de produção de prova testemunhal demonstrar que o referido imóvel era o seu centro de interesses e habitação permanente.

 

  1. Sendo que, objectivamente o Requerente, não apresentou, no entender da Requerida, prova documental da sua vivência no imóvel.

 

  1. Conclui a Requerida no sentido de considerar que, à data da alienação do imóvel, o mesmo não constituía domicílio fiscal e consequente habitação própria e permanente da mesma, nos registos da A.T., e não tinha sido entregue pelo Requerente à A.T. qualquer documento comprovativo do mesmo até à data da alienação do imóvel ou posteriormente, pelo que não preenche os requisitos legais necessários para beneficiar do regime de exclusão de tributação por via do reinvestimento.

 

 

II. FACTOS PROVADOS

 

  1. O Requerente é um sujeito passivo de IRS, que esteve declarado como residente em território nacional desde 2001 a 2011, inclusive.

 

  1. Em Novembro de 2003 adquiriu um imóvel, destinado a habitação, sito no lote 105 do Loteamento …, Quinta …, em …, tendo, no acto, sido representado por terceiro.

 

  1. Na referida escritura de compra da propriedade, o requerente declarou como morada o imóvel que acabara de adquirir.

 

  1. Desde 2004 até 2011, o Requerente e a sua mulher fixaram em Portugal e no imóvel acima descrito, o centro da sua vida pessoal, no qual habitavam, dormiam, confeccionavam as refeições e recebiam pessoas com regularidade.

 

  1. A morada correspondente ao imóvel, acima descrito, era a que constava em contratos de fornecimento de electricidade, nos anos de 2007 a 2009, de comunicações telefónicas, nos anos de 2008 a 2010, celebrados em nome do Requerente, bem como do registo de propriedade da viatura de matrícula …, propriedade daquele.

 

  1. Nessa data, a morada indicada como domicílio fiscal constante do registo da AT, era na Rua … em Loulé.

 

  1. Em 13.05.2004 o domicílio fiscal foi alterado para a Rua …, em Lisboa.

 

  1. Em 07.06.2005 foi novamente alterada a residência fiscal para a Rua …, em Lisboa, o qual se mantém até à data.

 

  1. A morada indicada no ponto anterior integra a sede e escritórios da sociedade … - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda..

 

  1. O Requerente nunca habitou em tal morada.

 

  1. Em 25.01.2011, o Requerente alienou, o referido imóvel, incluindo o mobiliário e o automóvel de que era proprietário, pelo montante de €2.280.000,00, tendo, no acto, sido representado por terceiro.

 

  1. Aquando da entrega da declaração de rendimentos referente ao ano de 2011, ocorrida em Maio de 2012, o A. declarou a venda do imóvel em questão, manifestando intenção de reinvestir o resultado da mais-valia na aquisição de um outro imóvel para habitação própria e permanente.

 

  1. O Requerente procedeu ao pagamento da respetiva liquidação de IRS n.º 2012 …, referente ao ano de 2011, no montante de €6.127,65.

 

  1. O conteúdo dessa declaração foi sujeito a análise no Serviço de Finanças de Lisboa …, não só para verificação da condição de habitação própria e permanente do imóvel vendido, mas também para controle da verba declarada como despesas e encargos referentes a esse mesmo imóvel.

 

  1. Após análise da documentação solicitada, a AT concluiu pela não aceitação de alguns dos montantes declarados como despesas, e desconsiderou a intenção de reinvestimento, uma vez que o domicílio fiscal do A., nunca havia sido o da morada relativa ao imóvel alienado.

 

  1. Na sequência da notificação de que a declaração de rendimentos de IRS do Requerente tinha sido seleccionada para análise da AT, aquele procedeu à junção de documentos relativos à “comprovação dos valores das despesas, do valor de alienação, da data de aquisição dos imóveis alienados ou da afectação a actividade profissional”.

 

  1. Em 4 de Outubro de 2012, o Requerente foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia relativamente à proposta de correcções aos valores inscritos na declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2011.

 

  1. As referidas correcções teriam por base a existência das seguintes incorrecções:

a. despesas não comprovadas do anexo G:

b. preenchimento indevido do campo do reinvestimento, dado não ser habitação própria e permanente o imóvel alienado.

 

  1. Em 12 Outubro de 2012, o Requerente apresentou o seu direito de audição, face à proposta de correcções.

 

  1. Em sede de direito de audição, o Requerente solicitou à AT que, caso a decisão fosse de não-aceitação dos encargos objecto de correcção, lhe fornecessem informação suficiente que justificasse a desconsideração dessas despesas e encargos, uma vez que considerava a notificação omissa.

 

  1. Mais contestou a proposta de decisão da AT, na parte em que se desconsiderava o reinvestimento, uma vez que entendia que o Imóvel era a habitação própria e permanente do Requerente.

 

  1. Em 26 de Novembro de 2012, o Requerente foi notificado da nota de liquidação de IRS n.º 2012 …, relativa ao ano de 2011, no montante de €420.875,31.

 

  1. As notificações atrás referidas apenas identificam situações de divergência ou montantes a corrigir.

 

  1. Em nenhuma das notificações se esclarecem os motivos que levaram a AT a fazer a correcção do montante de €26,196.00.

 

  1. Para além da nota de liquidação, o Requerente nunca foi notificado de qualquer resposta à exposição e direito de audição apresentados, bem como de qualquer pronúncia sobre a documentação que acompanhou aquele.

 

  1. O Requerente e a sua mulher são cidadãos estrangeiros, nacionais da Irlanda, e não tinham, à data dos factos, conhecimentos de português, suficientes que lhes permitissem entender a correspondência que recebessem, designadamente a emitida pela AT.

 

  1. O Requerente está reformado e deslocava-se pontualmente com a sua mulher ao estrangeiro, para visitar familiares.

 

  1. As seguintes facturas, que contêm, manuscrita, a assinatura legível “” e a menção “paid”, têm por base a proposta de fornecimento 21/2006, referente a trabalhos a executar ao nível da piscina, nomeadamente, remoção da estrutura da piscina infantil e execução de uma nova piscina no interior da piscina existente, sendo que a piscina é parte integrante do imóvel em questão, encontrando-se implantada no mesmo terreno e registada com o mesmo número matricial U-…:

 

  1. Factura 100413, de 7-3-2006, no valor de €7.260,00, que consigna no campo “Condições de Pagamento” a expressão “Pronto Pagamento”, constando como data da entrega dos bens a mesma da emissão da factura;

  2. Factura 100424, de 4-4-2006, no valor de €14.520,00, que consigna no campo “Condições de Pagamento” a expressão “Pronto Pagamento”, constando como data da entrega dos bens a mesma da emissão da factura;

  3. Factura 100427, de 12-4-2006, no valor de €2.420,00, que consigna no campo “Condições de Pagamento” a expressão “Pronto Pagamento”, constando como data da entrega dos bens a mesma da emissão da factura;

  4. Factura 20100793, de 23-09-2010, no valor de €1.996,50, que refere como data de vencimento a mesma da emissão da factura, que é também coincidente com a data da carga dos bens.

 

  1. Até à data de apresentação da resposta da ATA, nos presentes autos, o Requerente não procedeu à alteração do seu domicílio fiscal.

 

  1. Naquela mesma data, estando decorrido o prazo para entrega da declaração de rendimentos relativa ao ano de 2012, não constava nos registos da ATA como tendo sido entregue qualquer declaração por parte do Requerente.

 

III. FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. De 2004 a 2011, o Requerente deteve outro imóvel em Portugal, ou procedeu ao arrendamento de um imóvel para sua habitação ou quaisquer outros fins.

 

  1. Na sequência da notificação referida em 12 dos Factos Provados, o Requerente contactou informalmente o Serviço de Finanças Lisboa …, tendo sido informado de que deveria proceder à apresentação de documentação suporte relativa a todos os valores inscritos no Anexo G da sua declaração de IRS, referente a 2011, relativos às mais-valias obtidas com a alienação da sua habitação própria e permanente em Portugal.

 

  1. Considerando que a proposta de correcções notificada para efeitos de audiência prévia apresentava ausência total de fundamentação, nomeadamente no que respeitava às "despesas não comprovados do anexo G", e de modo a poder exercer o seu direito de audição, o Requerente contactou informalmente a AT de modo a tomar conhecimento da origem/motivo de tais correcções.

 

  1. Na sequência do contacto referido no ponto anterior, a AT terá informado que a correcção das "despesas" resultava da não apresentação de documentos de suporte válidos, uma vez que os mesmos não se apresentavam sob a forma de recibo.

 

  1. A resposta apresentada pelo Requerente ao abrigo do direito de audição foi elaborada com base nas informações obtidas pelo mesmo junto da AT.

 

  1. A fim de garantir o cumprimento atempado das suas obrigações fiscais forneceu como morada/domicílio fiscal a morada dos seus consultores fiscais.

 

  1. A 31 de Dezembro de 2011, o Requerente dispunha em Portugal de habitação que fizesse supor a intenção de aqui residir a título permanente.

 

IV. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA

 

  1. Os factos dados como provados, com excepção daqueles que adiante se discriminam, são pacificamente reconhecidos pelas partes, resultando da documentação junta aos autos.

 

  1. Os factos dados como provados nos pontos 47, 69 e 70, resultaram da prova testemunhal produzida, que se revelou segura, coerente e credível. Efectivamente, quer a testemunha …, amigo de longa data do Requerente e esposa, quer a testemunha …, prestador regular de serviços àqueles, afirmaram inequivocamente e sem qualquer hesitação que aqueles habitavam bem mais de metade do ano na morada em causa nos autos, até ao ano de 2011, altura em que aquela foi vendida. Note-se, que, a testemunha … prestava, entre outros, serviços de limpeza da habitação em questão nos autos, sabendo quando a mesma estava habitada (e por quem), já que quando tal ocorria a limpeza era diária, e quando tal não ocorria a habitação devia ser trancada e o alarme ligado.

 

  1. O facto dado como provado no número 53 é um facto notório, decorrente, para além do mais, do facto dado como provado no ponto 52.

 

  1. Já os factos dados como não provados decorrem, em geral, da ausência ou insuficiência de prova apresentada a seu respeito.

 

  1. O facto dado como não provado no ponto 74, foi alegado negativamente pelo Requerente, mas integrando matéria cuja prova aproveitaria à Requerida, e que não foi feita, foi na formulação apresentada dada como não provada.

 

  1. O mesmo se diga, inversamente, do facto dado como não provado no ponto 80, tendo o mesmo sido alegado, negativamente, pela Requerida.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Analisado e concluído pelo mérito do pedido, cabe ao Tribunal Arbitral constituído decidir sobre a ilegalidade do acto de liquidação de IRS nº 2012 …, referente ao ano de 2011, no montante de €420.875,31.

 

  1. Estando fixada a matéria de facto, o Tribunal decidirá sobre a subsunção da matéria de facto dada como provada ao direito constituído ou ao quadro fiscal abstracto.

 

  1. Constitui questão dirimente, avaliar se, à data da alienação da alienação do imóvel, o Requerente possuía a sua habitação própria e permanente no mesmo local e se o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT, constitui um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação, por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no art.º 10 n.º5 do CIRS.

 

  1. Vejamos as normas fiscais abstractamente aplicáveis.

 

  1. O artigo 19º da Lei Geral Tributária dispõe sobre o conceito de “Domicílio Fiscal”:

 

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

  1. Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

  2. Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica.

 

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

5 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.

6 - Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

7 - …….

8 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.

 

  1. Já o conceito de “habitação própria permanente” não é objecto de uma definição especial plasmada nas normas tributárias pelo que haverá, nesta matéria, que recorrer a normas subsidiariamente aplicáveis para integração dos respectivos pressupostos, já que este conceito é utilizado das normas aplicáveis do Código do IRS. Vejamos quais.

 

  1. Em sede de tributação de mais-valias imobiliárias o legislador delimitou negativamente o campo de incidência do IRS, através das normas expressas de exclusão tributária consagradas nos números 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS.

 

  1. Com relevo para a decisão, interessa liminarmente salientar que as regras fiscais do regime da exclusão de tributação das mais-valias, obtidas em resultado da venda da habitação própria e permanente do sujeito passivo, estão consagradas nos números 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS.

 

  1. Assim sendo, a interpretação destes preceitos normativos, que em seguida transcrevemos, será suficiente para aferir a aplicação da exclusão de tributação ou não no caso em julgamento.

 

  1. Assim, são as seguintes as disposições que fundamentam a decisão do tribunal:

Artigo 10º

…….

Nº .1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que não sendo considerados rendimentos profissionais ou empresariais, de capitais ou prediais, resultem de:

  1. Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis ….

 

Nº. 5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

 

a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores;

c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;

Nº. 6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;

b) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, excepto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de inicio das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

c) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu

agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização

 

  1. Sistematicamente, os requisitos, cumulativos, necessários cumprir para que seja aplicável o regime de exclusão tributária, são os seguintes:

 

a) O imóvel alienado tem de ser a habitação própria e permanente do alienante sujeito passivo, ou do seu agregado familiar;

b) O reinvestimento (na aquisição) tem de ocorrer no prazo de 36 meses, contados da data da alienação da casa de morada de família, ou nos 24 meses anteriores a essa mesma data;

c) O valor de realização a reinvestir, por regra, corresponde ao valor pelo qual o imóvel é transmitido, excepto nos casos em que tenha sido contratado um empréstimo destinado a adquirir o imóvel agora alienado, em que o valor de realização a reinvestir corresponde ao valor de transmissão do imóvel alienado deduzido do montante necessário para amortizar o referido empréstimo;

d) O valor de realização tem de ser reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino (habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar);

e) O imóvel adquirido deve estar situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscais;

f) O imóvel terá de ser afecto a habitação do adquirente ou do seu agregado familiar, nos seis meses seguintes ao final do prazo em que deve ser efectuado o reinvestimento (isto é, nos seis meses após os trinta e seis meses, contados desde a data da alienação) ou, em caso de reinvestimento em terreno para construção ou em caso de ampliação e melhoramento de imóvel, deve a obra ser iniciada também até decorridos seis meses após o fim do prazo de reinvestimento, ou deve ser requerida a inscrição do imóvel na matriz ou as alterações até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do 5.º ano seguinte ao da venda.

 

  1. Interessa para a decisão nos autos, exclusivamente, a verificação do primeiro dos pressupostos enunciados ou seja, que o imóvel alienado seja considerado como local de habitação própria e permanente do sujeito passivo e agregado familiar.

 

  1. Estando dado como provado que o domicílio fiscal do Requerente, desde 2005 até 2011, corresponde à Rua …, em Lisboa, morada na qual se mantém até à data e que integra a sede e escritórios da sociedade … - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda.

 

  1. Nos termos do artigo 19º da LGT, o domicílio fiscal corresponde à residência habitual, considerada como o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de interesses.

 

  1. Não obstante, ainda no plano conceptual podemos verificar a divergência entre a residência habitual e a residência própria permanente, tal como o domicílio fiscal nem sempre coincide com a residência no sentido do local onde a pessoa tem a sua habitação, podendo inclusive tal conclusão inferir-se da redacção do artigo 82º do Código Civil, que admite a possibilidade de residência ou domicílio em diferentes locais.

 

  1. A doutrina e a jurisprudência parecem perfilhar o entendimento de que não existe uma identidade entre “domicílio fiscal” e “residência permanente” admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal.

 

  1. Neste sentido, o acórdão n.º 04550/11 do Tribunal Central Administrativo do Sul, “O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, (…) embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.T. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no art.º 59º da LGT.”

 

  1. O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2000, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124) oportunamente citados no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul acórdão nº04870/11 da Secção: CT-2º JUIZO de 25 de Outubro de 2011.

 

  1. Seguindo o mesmo Acórdão, também se verá perfilhado o âmbito de aplicação do artigo 19º da LGT, ao afirmar o Tribunal que; Nos termos do artº.19, nº.3, da L.G. Tributária, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à A. Fiscal. Em consonância com o preceituado no citado artº.19, nº.3, da L.G.T., surge-nos o artº.43, nº.2, do C.P.P.T., norma que consagra a regra da inoponibilidade à Administração Tributária da mudança de domicílio que não lhe tiver sido declarada, dispondo o nº.3, deste último preceito, que a comunicação só produz efeitos se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização do domicílio ou sede no número seu fiscal do contribuinte. Por outras palavras, a cominação para a falta de cumprimento desta obrigação é a inoponibilidade à A. Fiscal da falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.

 

  1. Ora o presente Tribunal dá como provado que o Requerente nunca habitou na morada indicada como “domicílio fiscal”.

 

  1. Isto mesmo é confessado pelo A. Requerente e admitido pela AT Requerida.

 

  1. Não obstante, constitui pressuposto da aplicação da exclusão de tributação emanada do nº 5 do artigo 10º o requisito da “habitação própria e permanente” que integra o imóvel alienado.

 

  1. Efectivamente, o pressuposto “habitação própria e permanente” é aquele que vai determinar a exclusão de tributação em caso de alienação do imóvel, ao menos durante o período legalmente estipulado para efeitos de reinvestimento, nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS.

 

  1. Compulsada e admitida a partir de agora, pelas partes e pelo Tribunal, a não coincidência entre o domicílio fiscal para efeitos do artigo 19ºda LGT e a residência própria e permanente nos termos do nº 5 do artigo 10º do Código IRS, irá o Tribunal decidir se o Requerente logrou provar que a residência própria e permanente do mesmo correspondia ao local do imóvel alienado ou se a AT demonstrou, de forma comprovada que o Requerente não tinha aí a sua residência própria e permanente no sentido do nº5 do artigo 10º.

 

  1. Correspondendo este conceito, de residência própria e permanente, a um resultado consagrado na norma que parte de uma situação real, histórica e complexa, compreensiva de uma série de comportamentos individuais e familiares, tais como dormir, comer, conviver, permanecer com a família, e outros que respeitem ao local em causa.

 

  1. Seguimos aqui o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Novembro de 2011, no processo 0590/01, o qual densifica e tipifica o conceito de “habitação própria e permanente”, num caso em que analisa um benefício fiscal de isenção de IMI, da seguinte forma: “O pressuposto «habitação própria e permanente» é a situação de facto que condiciona a isenção do IMI. O requisito da permanência na “habitação” (a lei não utiliza o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do nº 2 do art. 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação.

 

 

  1. Continuando nesta densificação: “Para este efeito, os actos ou factos que demonstram a ligação do beneficiado ao prédio isento de IMI não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. É certo que estes elementos são indícios de que o beneficiado pretende fixar ou fixou a sua morada real e efectiva no prédio incidente do IMI. Todavia, a morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”

 

  1. Ora, sendo essencial apenas a habitação no prédio objecto da isenção do imposto, a ligação do beneficiado ao prédio concretiza-se necessariamente através de certas condições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc.)”.

 

  1. E finalmente, veja-se também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2009 que no processo 09A144 e citando: “ o Prof. Alberto dos Reis (in R.L.J. 79.º, 118) equiparava a residência permanente à residência habitual e estável, considerando, contudo, não ser exigível que a pessoa viva sempre numa casa, podendo ter outra onde se passe um, dois ou três meses por ano, por exemplo uma casa de campo ou de praia onde se instale durante o verão. É, no entanto, essencial, que o centro de permanência estável e duradoura se situe num determinado local, que aí esteja instalado o seu lar, organizada a sua logística, onde convive, e da qual, sempre que se ausenta, o faz a titulo transitório, ou temporário, e com o propósito de regressar com estabilidade, por lá permanecer a sua economia doméstica e o seu agregado familiar.

 

  1. Também o artigo 46.º/9 do EBF, subsidia a posição que vem de se adoptar. Com efeito, em tal norma, o legislador prescreveu que “Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”.

 

  1. Assim, e desde logo, se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez no EBF.

 

  1. A circunstância de se verificar um paralelismo entre a norma do artigo 46.º/1 do EBF e a do referido artigo 10.º/5, confirma que na ausência de um preceito análogo ao do n.º 9 do artigo 46.º do EBF, a referência a “habitação própria e permanente” não exige a identidade desta com o domicílio fiscal. Ou seja: se o legislador sentiu necessidade, face ao n.º 1 do artigo 46.º do EBF, introduzir a norma do n.º 9, é porque entendeu que a redação daquele, sem esta, não exigia a fixação de domicílio fiscal pelo sujeito passivo, no imóvel adquirido.

 

  1. Conjugada esta circunstância com o facto de a atual redação da norma do EBF em causa (artigo 46.º/9), ter sido introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, quando o artigo 10.º/5 do CIRS já tinha a sua redacção atual redacção, reforça, uma vez mais e se preciso fosse, a ideia de que, efectivamente, o teor do n.º 9 do artigo 46.º do EBF se limita, como a própria norma o afirma, ao próprio artigo que integra.

 

  1. De resto, a norma em causa é perfeitamente clara, no sentido de que o que aí se dispõe está limitado “Para efeitos do disposto no presente artigo”. Não se refere que seja “para efeitos do presente diploma”, ou, o que poderia colocar mais dificuldades, “para efeitos de benefícios fiscais”. Nem se diz singelamente que “considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”. Pelo contrário, fez-se questão de limitar o dispositivo da norma ao artigo em causa.

 

  1. Aqui chegados, e convictos de ter elaborado o conceito de “habitação própria e permanente” dado o respectivo preenchimento doutrinário e jurisprudencial cabe ao Tribunal determinar de que forma ele foi preenchido no caso sub judice e decidir em conformidade com a prova apresentada.

 

  1. Apresenta-se relevante, o artigo 74.º n.º 1 da LGT ao prescrever que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

  1. Como assinala a doutrina, «uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» – nestes termos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 2006, pág. 719.

 

  1. Também o artigo 342.º do Código Civil determina no seu nº 1 que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, determinando o n.º 2 do mesmo artigo que “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocados compete àquele contra quem a invocação é feita.”.

 

  1. Seguindo aqui a citação de Manuel de Andrade a propósito deste princípio geral de prova: «para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte)» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184), op.citado no acórdão do Tribunal tributário arbitral no Processo nº 64/2012/T.

 

  1. É entendimento deste Tribunal que cabe ao sujeito passivo, ora Requerente, a prova da residência habitual permanente.

 

  1. Na verdade, perante os factos dados como provados, o Tribunal conclui que, até à alienação do imóvel, o Requerente logrou provar que nele praticava todos os actos típicos de uma residência permanente e habitual.

 

  1. Relativamente à questão do reinvestimento das mais valias auferidas, suscitada pela ATA nos pontos 49 a 58 da sua resposta, nota-se apenas que o Requerente, nos termos da norma referida, dispõe de 3 anos para proceder a tal reinvestimento, não só em território nacional, mas igualmente em território de outro país membro da UE, onde se inclui a República da Irlanda, ou do espaço económico europeu.

 

  1. Daí que, até que esteja decorrido aquele prazo, não poderá a ATA por em causa a “genuinidade” da intenção de reinvestimento oportunamente manifestada pelo Requerente, com base numa putativa falta de intenção de regressar ao território nacional.

 

  1. O Tribunal faz notar que, se uma vez decorrido o prazo legalmente previsto para o reinvestimento, em imóvel situado em território português ou de outro Estado da União Europeia ou espaço económico europeu, o Requerente não proceda a esse reinvestimento, afectando o imóvel adquirido à sua habitação própria e permanente, o Requerente, deve proceder (nos 30 dias subsequentes ao decurso daquele prazo) à entrega de uma declaração de substituição, relativa ao ano de 2011, retirando do anexo G (da declaração de autoliquidação Modelo 3) os elementos referentes à intenção de reinvestimento, em conformidade com o estipulado no nº2 do artigo 60º do Código do IRS.

 

  1. Não obstante, até à presente data não decorreu prazo suficiente para estar verificada qualquer uma das condições resolutivas que determinam o termo da exclusão tributária ora em apreço e estão cumpridos os demais requisitos legalmente exigidos para aplicação do regime da exclusão tributária.

 

  1. Por fim, e no que toca à aceitabilidade das facturas descritas no ponto 71 supra, entende-se que resulta suficiente provada a sua efectiva realização, já que resulta dos documentos disponíveis que os bens foram entregues e pagos na própria data da emissão da factura, constando dos mesmos uma assinatura legível e a menção “paid”.

 

  1. Face a tais elementos, que apontam convincentemente no sentido de que as operações a que se reportam as facturas foram efectivamente realizadas e pagas, reforçada pela presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (artigo 75.º da LGT), competiria à Administração Fiscal recolher e apresentar elementos que colocassem em causa aquela veracidade, e não remeter-se cartesianamente a uma posição de dúvida, aventando que o contribuinte poderia ter apresentado outros elementos, sem que sequer conste dos autos que o mesmo foi notificado para tal.

 

  1. Tanto mais que não consta, igualmente, que no que toca à percepção do IVA, tenham surgido qualquer dúvida quanto à veracidade daqueles mesmos elementos.

 

  1. Assim, e verificando-se preenchidos os pressupostos do artigo 10.º/5/a) e c) do CIRS, deverá a presente acção arbitral proceder integralmente.

 

 

 

 

VI. DECISÃO

 

Decide-se julgar o pedido procedente, excluindo de tributação a mais-valia fiscal obtida na alienação da habitação própria e permanente do sujeito passivo ora Requerente, à qual hão-de ser deduzidas as despesas tituladas pelas facturas descritas supra no ponto 130, e, em consequência, decide-se anular o acto tributário de liquidação de IRS nº 2012 …, referente ao exercício de 2011 com base no vício de violação da lei.

 

De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €420.875,13.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €6.732,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

 

Lisboa, 29 de Novembro de 2013

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

José Pedro Carvalho

(Presidente)

 

 

 

 

 

Ana Teixeira de Sousa

(Relatora)

 

 

 

 

 

Olívio Mota Amador

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto.