Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 708/2014-T
Data da decisão: 2015-06-01  IVA  
Valor do pedido: € 76.336,10
Tema: IVA – Isenção do artigo 9º/1 do CIVA; serviços de enfermagem especializada
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ACÓRDÃO ARBITRAL

O árbitro José Pedro Carvalho (Presidente), o árbitro Paulo Ferreira Alves e a árbitro Filipa Barros (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Novembro de 2014, acordam no seguinte:

I – RELATÓRIO

A – PARTES

No dia 10 de Novembro de 2014 A… LDA., pessoa coletiva n.º …, com sede no …, n.º … R/C DTO - …-. Lisboa, doravante designada por Requerente ou sujeito passivo, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição deste Tribunal Arbitral Coletivo, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, por meio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro), doravante, designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 13-10-2014, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado a Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 13-10-2014, conforme consta da respetiva ata.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como árbitros o Exmo. Dr. José Pedro Carvalho (Presidente), o Exmo Dr. Paulo Ferreira Alves e a Exma. Dr.ª Filipa Barros, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

Em 27-11-2014 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou regularmente constituído em 15-12-2014.

Assim, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído, sendo materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

Foi realizada a da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, no dia 20/03/2015, no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD, na avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, pelas 14h30m, onde foram ouvidas as seguintes testemunhas apresentadas por parte da Requerente, a Testemunha B… na qualidade de Diretora Clinica do Centro de Enfermagem A...., e a Testemunha C… na qualidade de Presidente do Colégio de Especialidade em Saúde Materna e Obstetrícia.

As partes apresentaram as suas alegações por escrito.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

 

B – PEDIDO

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado n.ºs. …, …, …, …, …, …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 ..., 2014 …, 2014 …, e sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2014 …, que fixou um imposto global a pagar de 76.336,10€ (setenta e seis mil trezentos e trinta e seis euros e dez cêntimos).

C – CAUSA DE PEDIR

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, com vista a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs. …, …, …, …, …, …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, e sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2014 …, em síntese, o seguinte:

A requerente sustenta que os atos tributários de liquidação de IVA e IRC dizem respeito aos exercícios de 2011 e 2012.

Quanto aos atos tributários de liquidação de IVA do ano de 2011, são respetivamente:

Período de

imposto

n.º da liquidação

 

Valor imposto

Liquidado

1.º Trimestre

7 819,09

2.º Trimestre

28 113,88

3.º Trimestre

23 259,55

 

 

 

E para o ano de 2012:

Período de

imposto

n.º da liquidação

 

Valor imposto

Liquidado

1.º Trimestre

2014 …

691,33

2.º Trimestre

2014 …

2 260,43

3.º Trimestre

2014 …

1 925,62

4.º Trimestre

2014 …

1 383,54

 

Sustenta a Requerente que o apuramento de IVA alegadamente em falta no montante de € 66.172,01, a que acresce o IVA resultante da modificação do pro rata de dedução, montante adicional de € 13 785,02, perfazendo um total de 79 957,02€.

Ao IVA liquidado acrescem juros compensatórios no valor global de € 6.924,88, perfazendo assim que o valor total do imposto e acréscimos liquidados ascenda a €76.336,10.

Diz-nos a Requerente que no âmbito do IRC, foi emitido o ato tributário de liquidação com o n.º 2014 … que incide sobre o período de imposto do ano de 2011, com um montante de imposto no valor de 3.653,02€, ao qual acrescem os juros compensatórios ascende ao valor total de € 3. 957,78.

Pelo que o valor total dos impostos (IVA e IRC e respetivos juros) ascende a € 76.336,10, segundo alega a Requerente.

Sustenta a Requerente, que a mesma é uma sociedade por quotas constituída no ano de 2007, e que tem como objeto social: “cursos de preparação para o parto, cursos de preparação pós parto, yoga para grávidas, pilates para grávidas, massagem para bebés, consultas de pediatria, consultas de psicologia, terapia da fala, psicoterapia, consultas de nutrição, prestação de cuidados de enfermagem materno infantis, designadamente realização do teste do pezinho, avaliação do peso do bebé, apoio na amamentação e cuidados a mãe no puerpério, massagens, fisioterapia, comercialização de artigos de puericultura.”

Mais refere a Requerente, que à sua atividade correspondem aos CAE’s – (Códigos de Atividade Económica) Principal, … e o CAE Secundário …, conforme Classificação Portuguesa das Atividades Económicas.

E que se encontra licenciada como unidade de saúde privada - centro de enfermagem, nos termos do Dec. Lei 279/2009 de 6/10, sendo titular das licenças n.º …/2011 e …/2014, emitidas pela ARS (Administração Regional de Saúde) de Lisboa e Vale do Tejo, IP, e está registada na ERS (Entidade Reguladora da Saúde) como prestadora de cuidados de saúde desde 2009, com dois estabelecimentos: Centro E… - registo E… válido até 06/11/2014, cuja responsável técnica é a Enfermeira B…, C. P. …-…-…; e Clínica F… - registo n.º E…, válido até 06/11/2014, cuja responsável médica é a Dra. D… - Médica com especialidade em Pediatria C.P. ….

Mais refere a Requente que se encontra enquadrada no regime normal trimestral do IVA e no regime geral de tributação em IRC.

Quanto ao imposto do IVA, a requerente alega, que pratica operações tributáveis que conferem o direito à dedução de IVA suportado a montante, assim como operações que não conferem esse direito à dedução, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA (CIVA), pelo que deduz imposto em regime de pro rata.

No âmbito da sua atividade, a Requerente refere que efetua algumas vendas de valor mais residual, de livros de histórias para crianças, barritas de cereais energéticas, produtos de apoio à amamentação, e outros produtos relacionados com o exercício da sua atividade económica, no quadro da preparação para o parto e da amamentação.

Mais refere a Requerente que a sua atividade mais relevante consiste na prestação dos seguintes serviços: Cursos de preparação para o Parto e Parentalidade; Recuperação Pós Parto; Consultas de Pediatria; Consultas de Psicologia; Consultas de nutrição; Consultas de enfermagem prestadas por enfermeiros ...; Cuidados de enfermagem materno infantis, designadamente realização do teste do pezinho, avaliação do peso do bebé, apoio na amamentação e cuidados a mãe no puerpério.

Mais defende, que possui como prestadores desses serviços, Enfermeiros contratados com qualificações técnicas e profissionais específicas para o exercício da profissão, nomeadamente por possuírem uma Licenciatura em Enfermagem com especialidade em Saúde Materna e Obstetrícia, nos termos estabelecidos na Lei n.º 9/2009, de 4 de Março.

Sustenta a Requerente que a Lei n.º 9/2009, de 4.3 confirma no seu Anexo II, ponto 5.2 que o título de “Parteira” equivale em Portugal, à Profissão de “Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia”.

A Requerente fundamenta a sua posição, ao defender que prova que prestou efetivamente os serviços de enfermagem especializada em causa, por Licenciados com as qualificações adequadas para preparar e ministrar os cursos de preparação para o parto e parentalidade, por estar legalmente habilitada a realizá-los como concretamente dispunha dos meios humanos dotados de qualificações técnico-científicas para o efeito.

Mais defende que foi diversas vezes solicitada por Escolas do Ensino Superior para pedidos de realização de Ensino Clínico em cursos.

A Requerente sustenta que prova que é uma entidade capacitada para acolher essa formação de Ensaio Clínico para estudantes do 3.º ano da Licenciatura em Enfermagem, possuindo, quer os cursos que permitem adquirir essa prática, quer os profissionais habilitados a ministrá-las.

Quanto à questão dos fundamentos das correções efetuadas, a Requerente sustenta a sua posição, no sentido de não aceitar o enquadramento efetuado pelos serviços da AT quanto às prestações de serviços, relativas aos cursos de preparação para o parto, por entender que o enquadramento que os serviços de inspeção da AT nele fazem da sua atividade está errado e bem assim por um outro conjunto relevante de razões.

A Requerente indica como razões para a sua não aceitação do enquadramento efetuado pela AT, uma vez que a sua atividade desenvolvida consiste na prestação de três tipos básicos de serviços: os Cursos de preparação para o parto e parentalidade englobam um programa de preparação para o nascimento, concebido supervisionado e ministrado por enfermeiros .../Parteiros, de acordo com a Diretiva 35/2005/CE, com o Regulamento n.º 127/2011 de 18/02 e com a Recomendação n.º …/2012 do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia da Ordem dos Enfermeiros.

Mais refere que o referido programa é composto por consultas de enfermagem informativas e de acompanhamento da gravidez, pela elaboração do plano de parto, exercícios de tonificação do pavimento pélvico e técnicas de posicionamentos durante o trabalho de parto e período expulsivo, técnicas de respiração e relaxamento, visando a prevenção deteção diagnóstico e tratamento dos riscos e anomalias durante a gravidez com vista a um parto saudável, bem como a promoção da saúde materno-infantil, engloba consultas de enfermagem no período pré e pós parto, incluindo consultas de amamentação, teste do diagnóstico precoce e avaliação do bebé e da puérpera, e permite o acesso à linha informativa "SOS" que funciona 24 horas por dia 365 dias por ano, com atendimento feito por enfermeiras ....

O segundo serviço, referente as aulas de preparação para o parto as quais incluem os seguintes serviços prestados ao cliente: acompanhamento mensal ou de acordo com as necessidades do utente, relativamente à anatomia e fisiologia do trabalho de parto, exercícios de tonificação do pavimento pélvico e técnicas de posicionamentos durante o trabalho de parto e período expulsivo, técnicas de respiração e relaxamento, e engloba consultas de enfermagem no período pré e pós parto, incluindo consultas de amamentação, teste do diagnóstico precoce e avaliação do bebé e da puérpera, e permite o acesso à linha informativa "SOS" que funciona 24 horas por dia 365 dias por ano, com atendimento feito por enfermeiras ....

E o terceiro serviço, de Recuperação pós parto, que engloba os seguintes serviços prestados ao cliente: acompanhamento de enfermagem na amamentação e na recuperação pós-parto, exercícios de tonificação do pavimento pélvico, consultas de enfermagem, em articulação com a consulta de pediatria e com os meios auxiliares de diagnósticos (por ex. teste do pezinho) serviços também prestados pelo contribuinte, visando a prevenção, deteção, diagnóstico e tratamento dos riscos e anomalias no período do puerpério (pós-parto), engloba consultas de enfermagem no período pré e pós-parto, incluindo consultas de amamentação, teste do diagnóstico precoce e avaliação do bebé e da puérpera, e permite o acesso à linha informativa "SOS" que funciona 24 horas por dia 365 dias por ano, com atendimento feito por enfermeiras ....

Defende a Requerente que o enquadramento por si conferido aos serviços que presta – isentos e IVA ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA - é exatamente igual àquele que é dado pela generalidade dos prestadores de serviços portugueses do mesmo CAE de atividade económica, que prestam este mesmo tipo de serviços.

O que no seu entender significa que o enquadramento em IVA das prestações de serviços que a ora impugnante A… Lda. fez, está em linha com o enquadramento que é feito em sede deste imposto pelas demais empresas no mercado globalmente considerado.

Alega a Requerente, à luz do disposto no artigo 9.º n.º 1 do CIVA, e conforme Jurisprudência do TJUE, defende que as prestações de serviços relativos aos Cursos de preparação para o parto e parentalidade, as aulas de preparação para o parto e os serviços de recuperação pós parto, efetuadas no âmbito do exercício de profissões paramédicas, desde que cumpridos certos requisitos exigidos pelos Estados membros, independentemente da natureza do prestador, estão isentas de IVA nos termos do artigo 9.º do CIVA.

Mais sustenta que cumpre com todos os requisitos legais exigidos quanto aos serviços de enfermeiro parteiro realizadas por si.

Alega a Requerente que presta serviços próprios dos Enfermeiros especialistas em saúde materna, obstetrícia e ginecologia, os quais se constituem como atos de enfermagem, próprios da profissão, que só podem ser realizados pelos profissionais inscritos na Ordem dos Enfermeiros detentores das qualificações académicas e profissionais que os habilitem a efetuá-las.

Sustenta que essas prestações são operações económicas que configuram prestações de serviços efetuadas no pleno exercício da profissão de enfermeiro, que se enquadram no artigo 9.º n.º 1 do CIVA, e estão dele isentas, por serem, prestações de serviços próprias da atividade de enfermagem pois materializam as competências específicas do enfermeiro especialista em enfermagem de saúde materna, obstetrícia e ginecologia, aos quais cabe a conceção, planeamento, coordenação, supervisão, implementação e avaliação de programas de preparação completa para o parto e parentalidade responsável.

Mais defende a Requerente, relativamente a estas mesmas prestações de serviços, que a Ordem dos Enfermeiros, através do Gabinete do Bastonário, por meio do Ofício …/…, n.º …, solicitou aos Serviços de Administração do IVA que fosse efetuada a caraterização em IVA dos atos de enfermagem, incluindo os realizados pelos Enfermeiros especialistas em saúde materna, obstetrícia e ginecologia, devendo por isso considerar-se enquadradas no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA e ser isentas de IVA nos termos ali previstos.

A requerente mais alega que a estrutura dos cursos ministrados cumpre as condições fixadas quer na Recomendação n.º …/2012 quer no Parecer n.º …/2014, porquanto os cursos que ministra integram, na sua estrutura, uma consulta inicial, especializada, realizada por enfermeira especialista em saúde materna e obstetrícia para avaliação das expetativas e necessidades da mulher/casal; a preparação para o parto/nascimento e a parentalidade, terão sempre como objetivo, capacitar a mulher/casal para a vivência e experiência de um parto gratificante a confortável; e pelo que tais cursos têm, uma componente teórica, contemplando todos os aspetos mencionados na referida Recomendação e uma componente prática, nos mesmos termos.

Pelo que se demonstra, no entender da Requerente, que os serviços prestados, são serviços de assistência em enfermagem de saúde integrados nos referidos cursos e, por cumprirem com todos requisitos exigidos, integram o n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, sendo por isso isentas de imposto, com todos os legais efeitos.

A Requerente apresentou as suas alegações por escrito, no qual argumentou que provou e demonstrou por meio de prova testemunhal, documental e nos termos âmbito do seu pedido de constituição arbitral, o enquadramento das suas prestações de serviços em sede de IVA, e que esses serviços estão em linha com o enquadramento que é feito em sede deste imposto pelas demais empresas no mercado globalmente considerado isento de IVA nos termos do artigo 9.º n.º do CIVA, pelo que devem ser considerados isentos nesses termos.

Termina a Requerente a fundamentação do seu pedido e nas suas alegações, alegando que o ato de liquidação de IVA e demais acréscimos legais padece de erro sobre os pressupostos de facto gerador de vício de forma e erro sobre os pressupostos de direito e violação de lei, carecendo de ser integralmente anulado.

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

Sustenta a Requerida que do relatório de inspeção tributária (RIT) emergem outras correções cujo fundamento é diverso daquele que a Requerente invoca no seu pedido de pronúncia arbitral, designadamente que as operações realizadas no âmbito de cursos de preparação para o parto e recuperação pós parto estão isentas de IVA nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.

Sustenta, ainda, a Requerida que, em conformidade com parecer aposto ao relatório final, no âmbito da referida ação inspetiva constatou-se que:

« […] 2. Durante o exercício de 2011. O s.p A…, Lda., não procedeu à liquidação de IVA devido por vários serviços prestados no âmbito de ‘cursos de preparação para o parto’ nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.

Contudo, e tal como explicitado pormenorizadamente no relatório, muito embora estes serviços se encontrem relacionados com o sector da saúde, e ainda que, leccionados por técnicos competentes nessa área, nomeadamente enfermeiras especialistas e médico pediatra, porque extravasam o enquadramento na referida isenção, sendo sujeitos à tributação à taxa normal em vigor nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA.

A A…, Lda., é um sujeito misto que aplicou o pro-rata no exercício de 2011. A sujeição a IVA dos serviços prestados conexos com o parto determinam o recálculo da percentagem de dedução de IVA, nos termos do art. 23.º do CIVA, que ascende a 13.785,05, valor corrigido à matéria colectável em IRC […]»

Defende a Requerida que os argumentos apresentados pela Requerente, quanto ao beneficio da isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA dos cursos de preparação para o nascimento/parto e de recuperação pós-parto, são manifestamente improcedentes.

Sustenta, igualmente, a Requerida que a isenção tem por objetivo isentar as prestações de serviço efetuadas no exercício de profissões de médico, de odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas. Contudo, para que a isenção se possa aplicar aos serviços em causa, é necessário que os mesmos impliquem o estabelecimento de diagnósticos, tratamento ou prevenção de doenças.

Mais alega a Requerida que a Requerente, no âmbito dos referidos cursos, não procede ao controlo clínico da gravidez, não assegura o diagnóstico de eventuais doenças, e também, no âmbito desses cursos, não procede a requerente ao tratamento de doenças que possam surgir durante a gravidez.

Mais diz a Requerida, que os serviços prestados pela Requerente no âmbito dos cursos de preparação para o parto e parentalidade e cursos pós parto não têm como objetivo diagnosticar ou tratar doenças ou qualquer outra anomalia de saúde.

Alega a Requerida que os referidos cursos se dirigem essencialmente a ensinar aos pais exercícios físicos de tonificação do pavimento pélvico e de técnicas de posicionamento durante o trabalho de parto, técnicas de respiração e de relaxamento e exercícios de recuperação pós parto.

Mais diz a Requerida que nenhum dos cursos publicitados pela Requerente no seu site faz referência a qualquer serviço de diagnóstico e de tratamento de doenças ou de qualquer anomalia da saúde.

E que nem os cursos se destinam a assegurar um controlo clínico da gravidez.

Sustenta a requerida que os serviços prestados no âmbito dos referidos cursos, apesar de se relacionarem com a área da saúde, extravasam o âmbito objetivo de aplicação da isenção prevista no nº 1 do artigo 9º do CIVA, sendo sujeitos a tributação à taxa normal em vigor de acordo com alínea c) do artigo 18º do CIVA.

A Requerida apresentou as suas alegações por escrito, no qual manteve a sua argumentação descrita na sua resposta, e alegou que da produção de prova testemunhal realizada a pedido da Requerente, resulta a insusceptibilidade de afetar os fundamentos de facto que subjazem às correções realizadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, designadamente.

Mais sustentou que não ficou provado que os cursos de preparação para o parto e parentalidade, bem como os cursos pós-parto, ministrados pela Requerente, têm como objetivo diagnosticar ou tratar doenças ou qualquer outra anomalia de saúde, como seria exigível para que se enquadrassem no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA.

Termina a Requerida a sua fundamentação concluído no sentido de o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, tudo com as devidas e legais consequências.

 

 

 

 

E-        FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre apresentar que a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão efetuou-se com base na prova documental e testemunhal, tendo em conta os factos alegados.

Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

1-      A Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação adicional de Imposto Sobre o Valor Acrescentado n.ºs.:

a.       …, relativo ao período de IVA 1103T, no valor a liquidar de 7.819,09€;

b.      …, relativo ao período de IVA 1103T, para pagamento de juros compensatórios no valor de 931,44€;

c.       …, relativo ao período de IVA 1106T, no valor a liquidar de 28.113,88€;

d.      …, relativo ao período de IVA 1106T, para pagamento de juros compensatórios no valor de 3.065,57€;

e.       …, relativo ao período de IVA 1109T, no valor a liquidar de 23.259,55€;

f.       …, relativo ao período de IVA 1109T, para pagamento de juros compensatórios no valor de 2.301,74€;

g.      2014 …, relativo ao período de IVA 1203T, no valor a liquidar de 691,33€;

h.      2014 …, relativo a demonstração de acerto de contas do período de IVA 1203T, no valor a liquidar de 89,02€, referente a juros;

i.        2014 …, relativo ao período de IVA 1206T, no valor a liquidar de 2.260,43€;

j.        2014 …, relativo a demonstração de acerto de contas do período de IVA 1206T, no valor a liquidar de 250,74€, referente a juros;

k.      2014 …, relativo ao período de IVA 1209T, no valor a liquidar de 1.925,62€;

l.        2014 …, relativo a demonstração de acerto de contas do período de IVA 1209T, no valor a liquidar de 179.95€, referente a juros;

m.    2014 …, relativo ao período de IVA 1212T, no valor a liquidar de 1.383,54€;

n.      2014 …, relativo a demonstração de acerto de contas do período de IVA 1212T, no valor a liquidar de 106.42€, referente a juros;

2-      Os Atos de Liquidação referidos fixaram um valor de imposto a pagar de IVA para o ano de 2011 de 59.192,52€, e para o ano de 2012 no valor de 6.260,92€, perfazendo um total de 65.491,27€ acrescido de juros compensatórios no valor de 6.298,75€ quanto ao período de 2011 e 626,13€ referentes ao ano de 2012 no total de juros compensatórios de € 6.924,88, perfazendo um montante a liquidar  pela requerente no valor de 72.378,32€.

3-      A Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação adicional Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2014 …, referente ao período de 2011, que fixou um imposto adicional de IRC a liquidar de 3.653,02€.

4-      A Requerente foi notificada assim para o pagamento dos impostos (IVA e IRC e respetivos juros) no montante total de 76.031,34€ (72.378,32€+3.653,02€).

5-      Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI…, de 30/01/2012, foi a Requerente alvo de procedimento inspetivo externo e de âmbito geral por referência ao ano de 2011.

6-      Tendo sido notificada para o exercício do direito de audição prévia relativamente ao projeto de relatório, a Requerente não exerceu o seu direito de audição.

7-      No relatório final do procedimento inspetivo a AT concluiu pelas correções em sede de IVA, conducentes às liquidações supra-identificadas.

8-      No relatório concluiu-se ainda pela correção em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2011, conducente à correspondente liquidação também supra-identificada, com o seguinte fundamento:

“Conforme referido no ponto 4.2.1, em virtude das correções em sede de IVA e do recálculo da percentagem de dedução do imposto, o SP poderá deduzir o IVA suportado na totalidade, assim os montantes levados a gastos e contabilizados na conta 68122-Imposto s/ o valor acrescentado (não deduzido), terá de ser acrescido no quadro 07, da Mod. 22.”.

9-      A requerente é uma sociedade por quotas constituída no ano de 2007, e tem como objeto social: “cursos de preparação para o parto, cursos de preparação pós parto, yoga para grávidas, pilates para grávidas, massagem para bebés, consultas de pediatria, consultas de psicologia, terapia da fala, psicoterapia, consultas de nutrição, prestação de cuidados de enfermagem materno infantis, designadamente realização do teste do pezinho, avaliação do peso do bebé, apoio na amamentação e cuidados a mãe no puerpério, massagens, fisioterapia, comercialização de artigos de puericultura.”.

10-  A Requerente desenvolve a sua atividade correspondem aos CAE’s – (Códigos de Atividade Económica) Principal, …-… e o CAE Secundário …-…, conforme Classificação Portuguesa das Atividades Económicas.

11-  A requerente encontra-se licenciada como unidade de saúde privada - centro de enfermagem, nos termos do Dec. Lei 279/2009 de 6/10, sendo titular das licenças n.º …/2011 e …/2014, emitidas pela ARS (Administração Regional de Saúde) de Lisboa e Vale do Tejo, IP, e está registada na ERS (Entidade Reguladora da Saúde) como prestadora de cuidados de saúde desde 2009, com dois estabelecimentos:

a.       Centro E…- registo E… válido até 06/11/2014, cuja responsável técnica é a Enfermeira ... B…, C. P. …-…-…; e

b.      Clínica F… - registo n.º E…, válido até 06/11/2014, cuja responsável médica é a Dra. D… - Médica com especialidade em Pediatria C.P. ….

12-  Entre os seus colaboradores, a Requerente conta com médicos e enfermeiros com qualificações técnicas e profissionais específicas para o exercício da profissão, por possuírem licenciatura em enfermagem com especialidade em saúde Materna e Obstetrícia, o que nos termos da Lei n.º 9/2009 de 4 de Março, os habilita ao exercício da atividade de “Parteiro”.

13-  No âmbito da sua atividade, a Requerente procede a algumas vendas de valor residual, de livros de histórias para crianças, barritas de cereais energéticas, produtos de apoio à amamentação, aulas de natação para bébés e outros produtos relacionados com o exercício da sua atividade económica principal.

14-  No quadro da sua atividade principal de preparação para o parto e da amamentação, a Requerente centra, a sua atividade mais relevante na prestação dos seguintes serviços:

a.       Cursos de preparação para o Parto e Parentalidade;

b.      Recuperação Pós Parto;

c.       Consultas de Pediatria;

d.      Consultas de Psicologia

e.       Consultas de nutrição;

f.       Consultas de enfermagem prestadas por enfermeiros ...;

g.      Cuidados de enfermagem materno infantis, designadamente realização do teste do pezinho, avaliação do peso do bebé, apoio na amamentação e cuidados a mãe no puerpério.

15-  A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal trimestral do IVA e no regime geral de tributação em IRC.

16-  A Requerente contabilizou como gasto do exercício de 2011, ora em causa, o valor global de 52.761,23 € com encargos com serviços que lhe foram prestados por Enfermeiros especialistas em saúde materno-infantil.

17-  No relatório de inspeção, a AT entendeu que as operações realizadas pela Requerente no âmbito da preparação para o parto e recuperação pós-parto, sob as designações “Cursos de preparação para o parto e parentalidade”, “Aulas de preparação para o parto”, “Serviços de recuperação pós-parto”, não são isentas ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA e deveriam ter sido tributadas à taxa normal em vigor nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 18º do CIVA (23%).

18-  Para além disso, detectou a inspeção que a Requerente prestou serviços de “Natação para Bebés”, e considerou que os mesmos não tinham enquadramento na referida isenção, e deveria ser tributada à taxa de IVA de 23%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, por falta de enquadramento nas diferentes verbas das Listas Anexas ao CIVA, pelo que também foi objeto de correção, abrangendo as seguintes faturas:

19-  Também relativamente ao serviço prestado, a que se reporta a fatura n.º FT … de 23/12/2011, com o descritivo "Formação - Seminário", e o valor de €360,00, uma vez que não se estava perante uma entidade reconhecida como tendo competência nos domínios da formação profissional, pelo ministério competente, como determina o n.º 10 do artigo 9.º do CIVA, pelo que também foi efetuada correção, tendo sido aplicada a taxa normal de imposto, correspondendo a €82,80 de IVA,.

20-  Os “Cursos de preparação para o parto e parentalidade” englobam um programa de preparação para o nascimento, concebido supervisionado e ministrado por enfermeiros .../Parteiros.

21-  O programa é composto por consultas de enfermagem informativas e de acompanhamento da gravidez, pela elaboração do plano de parto, exercícios de tonificação do pavimento pélvico e técnicas de posicionamentos durante o trabalho de parto e período expulsivo, técnicas de respiração e relaxamento, visando a prevenção deteção diagnóstico e tratamento dos riscos e anomalias durante a gravidez com vista a um parto saudável, bem como a promoção da saúde materno-infantil.

22-  Estão englobadas consultas de enfermagem no período pré e pós parto, incluindo consultas de amamentação, a avaliação do bebé e da puérpera, a realização de exames com recurso a meios auxiliares de diagnóstico designadamente, estetoscópio de Pinard, Doppler – Detetor Digital Portátil, CTG (cardiotacógrafo) – para registo gráfico da frequência cardíaca fetal e das contrações uterinas, medição da altura uterina para avaliar o crescimento do bebé durante a gravidez, e no pós-parto, visando prevenir e tratar patologias como as mastites e as fissuras e os mamilos invertidos, promovendo uma amamentação saudável, e a realização do teste do pezinho ao bebé.

23-  A contratação do serviço em questão permite o acesso à linha informativa "SOS" que funciona 24 horas por dia 365 dias por ano, com atendimento feito por enfermeiras ... (Enfermagem de Saúde Materna, Obstétrica e Ginecológica).

24-  As “Aulas de preparação para o parto”, incluem os seguintes serviços prestados ao cliente:

a.       Acompanhamento mensal ou de acordo com as necessidades do utente relativamente à anatomia e fisiologia do trabalho de parto, exercícios de tonificação do pavimento pélvico e técnicas de posicionamentos durante o trabalho de parto e período expulsivo, técnicas de respiração e relaxamento;

b.      Consultas de enfermagem no período pré e pós parto, incluindo consultas de amamentação, teste do diagnóstico precoce e avaliação do bebé e da puérpera.

c.       Acesso à linha informativa "SOS" que funciona 24 horas por dia 365 dias por ano, com atendimento feito por enfermeiras ....

25-  Os “Serviços de recuperação pós-parto” englobaram os seguintes serviços prestados ao cliente:

a.       Acompanhamento de enfermagem na amamentação e na recuperação pós parto, exercícios de tonificação do pavimento pélvico, consultas de enfermagem, em articulação com a consulta de pediatria e com os meios auxiliares de diagnósticos (como o teste do pezinho), visando a prevenção deteção diagnóstico e tratamento dos riscos e anomalias no período do puerpério (pós -parto);

b.      Consultas de enfermagem no período pré e pós parto, incluindo consultas de amamentação, teste do diagnóstico precoce e avaliação do bebé e da puérpera;

c.       Permite o acesso à linha informativa "SOS" que funciona 24 horas por dia 365 dias por ano, com atendimento feito por enfermeiras ....

26-  Empresas portuguesas do mesmo setor da Requerente - Hospital G…- qualificam os serviços por eles prestados, idênticos aos que aos referidos, como isentos de IVA nos termos do referido artigo 9.º do CIVA (isenção incompleta).

27-  Do site da Requerente (http://www.....com), consta, para além do mais, que o curso de preparação para o parto e parentalidade é "constituído por sessões teórico-práticas, onde a nossa equipa irá abordar diversas questões relacionadas com a gravidez, parto e os cuidados do bebé.".

28-  No descritivo das 8 sessões teórico-práticas pode ler-se, para além do mais, que: "É constituído por 7 sessões teórico-práticas, uma vez por semana (...) mais uma aula de ginástica para grávidas.".

29-  Quanto às aulas pós parto, pode ler-se, para além do mais, que: "1 semana de aulas (5 aulas) onde irá dar início à sua recuperação física."

30-  No que respeita ao curso designado por "Recuperação pós parto", o mesmo engloba, para além do mais, aulas de ginástica de recuperação, sessões de avaliação corporal, serviços de baby sitting e caminhadas.

 

F-        FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos os objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

G-        QUESTÕES DECIDENDAS

Atenta às posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constitui questão central dirimenda a seguinte, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:

A questão prévia alegada pela Requerida da exceção de dilatória incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido arbitral.

A declaração de ilegalidade dos atos tributários sobre o Imposto Sobre o Valor Acrescentado n.ºs. …, …, …, …, …, …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, e sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2014 … alegada pelo Requerente.

 

D - EXCEÇÃO DE DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA CONHECER DO PEDIDO.

No presente Processo Arbitral, é suscitado pela Requerida a exceção dilatória do tribunal arbitral nos termos do artigo 552.º do CPC, aplicável subsidiariamente nos termos artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A Requerida sustenta a sua posição alegando, que constituição de Tribunal Arbitral para a apreciação da legalidade de uma diversidade de liquidações de IVA e ainda para a liquidação de IRC n.º 2014 …, sucede que, uma vez percorrido o pedido apresentado, não é possível identificar qualquer referência à liquidação de IRC referida, verificando-se, antes, uma total ausência de fundamentação, pela Requerente, quanto à mesma. Evidência que, de resto, é corroborada pelo teor do último ponto das conclusões elaboradas pela Requerente.

Assim, alega a Requerida que nos termos do artigo 552.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, na petição inicial o Autor deve, não só expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir como também as razões de direito que servem de fundamentação à ação.

Conclui a Requerida que se verifica a existência de uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea b) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Em resposta a Exceção invocada pela Requerida, a Requerente, devidamente notificada para o efeito, em síntese, alegou o seguinte:

Carece de fundamento e sentido a exceção suscitada pela AT porque, estando embora em discussão o enquadramento em sede de IVA das operações que constituem o objeto da presente ação, desse enquadramento, defendido no Relatório de exame pelos agentes inspetores, resultaram igualmente, de forma direta e consequente, correções de IRC nos termos que se encontram descritos a fls. 19 desse Relatório, onde se lê: “Conforme referido no ponto 4.2.1, em virtude das correções em sede de IVA e do recálculo da percentagem de dedução do imposto, o SP poderá deduzir o IVA suportado na totalidade, assim os montantes levados a gastos e contabilizados na conta 68122-Imposto s/ o valor acrescentado (não deduzido), terá de ser acrescido no quadro 07, da Mod. 22.”

Mais sustenta que as correções em sede de IRC são instrumentais daquele enquadramento em sede de IVA, mas têm como fundamento direto e imediato tais alterações de enquadramento, tal como foram consideradas no Relatório de exame e com fundamento na qualificação que nesse mesmo relatório foi.

Não é, pois, verdade a alegada ausência de fundamentação quanto à correção em sede de IRC, o que sucede é que essa correção se apresenta como meramente instrumental ou acessória em relação às correções em sede de IVA e, nessa medida, não tem fundamento autónomo.

Assim, defende a Requerente, que nada tem de inepto nem estranha a referência à correção e liquidação em sede de IRC, na justa medida em que ela tem como fundamento ou causa direta as correções de enquadramento em sede de IVA, contestadas na p. i. e em que, uma vez reconhecida razão à impugnante sobre o enquadramento em sede de IVA dessas operações, a correção em IRC deixa de fazer sentido, desaparecendo como mero efeito direto desse reconhecimento.

Termina a Requerente sustentando que não existe assim qualquer omissão por parte da impugnante na alegação dos factos que constituem a causa de pedir na presente ação, já que a Causa de pedir, ou causa petendi, denomina o conjunto de fatos ao qual o requerente atribui o efeito jurídico que deseja.

Vejamos:

No proémio do seu Requerimento inicial, a Requerente pede pronúncia arbitral sobre os seguintes actos:

i.                    liquidações de IVA n.ºs …, …, …, …, …, …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 … de 2011 e 2012; e

ii.                  liquidação de IRC n.º 2014 … de 2011.

Prossegue a Requerente, nos artigos 1.º, 3.º e 4.º do seu Requerimento inicial, repetindo a identificação de todos aqueles actos tributários, incluindo o relativo a IRC, acrescentando-lhes o respetivo valor e o dos correspondentes juros compensatórios.

E refere a Requerente, no artigo 13.º do mesmo Requerimento, que “está enquadrada (...) no regime geral de tributação em IRC”.

Finda aquela o seu Requerimento inicial, pedindo que:

seja declarada a invalidade dos atos de liquidação impugnados, supra identificados, e anuladas essas liquidações, com todas as consequências legais.”.

Não quedam assim dúvidas que, ao contrário do que pugna a Requerida, percorrido o pedido apresentado, é possível identificar (por remissão para o proémio e artigos indicados do Requerimento Inicial) a devida referência à liquidação de IRC cuja anulação é pretendida pela Requerente.

Coisa distinta será apurar se são – ou não – devidamente alegados fundamentos de facto e de direito legalmente procedentes, no sentido da anulação pretendida. Esta questão, com efeito, não reveste caracter prévio ao conhecimento do mérito, mas, antes, só é solúvel, justamente, no âmbito desse conhecimento.

Não se verifica também, em oposição ao alegado pela AT, qualquer falta de causa de pedir. Com efeito, a Requerente alega factos e invoca normas que, no seu entender, suportarão a solução jurídica que pretende seja dada ao caso. Se tal acontece, ou não, é matéria relativa ao mérito da causa, e não à existência, ou não, de causa de pedir.

Assim, e face ao exposto, deve improceder a matéria de excepção suscitada pela AT.

 

 

H-        MATÉRIA DE DIREITO

Enquadramento em sede de IVA

1)      Programas de preparação para o parto e parentalidade

Em primeiro lugar, e do ponto de vista do IVA, importa examinar se o artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA se aplica aos serviços prestados pela Requerente que, em substância,  se dedica à atividade de realização de cursos de preparação para o parto e parentalidade, bem como atividades recuperação pós-parto, consultas de pediatria, psicologia, nutrição, consultas de enfermagem prestadas por enfermeiros ..., e cuidados de enfermagem materno infantis, que incluem, designadamente, a realização do teste do pezinho, a avaliação do peso do bebé, apoio na amamentação e cuidados à mãe no puerpério (Códigos de Atividade Económica (CAE) Principal …-… e CAE Secundário …-…).

Acresce referir que a Requerente é uma sociedade por quotas que se encontra licenciada como unidade de saúde privada – Centro de enfermagem, nos termos do D.L 279/2009 de 6/10, sendo titular de licenças emitidas pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, que a habilitam a desenvolver a sua atividade através de dois estabelecimento registados na Entidade Reguladora de Saúde, como prestadora de cuidados de saúde desde 2009, a saber:

a)      Centro E… cuja responsabilidade técnica cabe à enfermeira ... B…

b)      Clínica F… cuja responsável médica é a Dra. D…, médica com especialidade em pediatria.

Entre os seus colaboradores, a Requerente conta com médicos e enfermeiros com qualificações técnicas e profissionais específicas para o exercício da profissão, por possuírem licenciatura em enfermagem com especialidade em saúde Materna e Obstetrícia, o que nos termos da Lei n.º 9/2009 de 4 de Março, os habilita ao exercício da atividade de “Parteiro”.       

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) considerou que estas prestações devem estar sujeitas a IVA, pela razão de que, embora não sendo controvertido nem o licenciamento nem a qualificação dos técnicos ao serviço da Requerente para exercerem tais funções, não ficou provado que os serviços em causa assegurem o estabelecimento de diagnósticos, tratamento ou prevenção de doenças, condições necessárias para a aplicação da isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA.

Neste âmbito, a AT salienta que os cursos de preparação pré e pós-parto, poderão ser ministrados integralmente sem que ocorra qualquer ato com as características de diagnóstico, tratamento ou prevenção de doenças, assumindo estes uma natureza acessória em relação ao cerne da atividade da Requerente. Assim, no entendimento da AT, ficou demonstrado que as prestações da Requerente se traduzem fundamentalmente em “ensinar aos pais exercícios físicos de tonificação do pavimento pélvico, técnicas de posicionamento durante o trabalho de parto, técnicas de respiração e de relaxamento, partilha de informações e exercícios de recuperação pós parto.

Em nosso entender não assiste razão à AT, sendo vários os elementos de prova produzidos nos autos e os subsídios interpretativos que apontam exatamente no sentido contrário à sua argumentação.

Para o efeito, importa ter em consideração as regras que regem o IVA de acordo com o Direito da União Europeia, com a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Com efeito, é pacificamente entendido que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União.

Vejamos a questão começando pelas disposições legais aplicáveis.

O artigo 9.º do Código do IVA, enumera determinadas operações, as quais, por serem consideradas de interesse geral ou social e com fins de relevante importância, ficam abrangidas pela isenção prevista neste artigo, pretendendo-se assim desonerar, quer administrativamente, quer financeiramente, as atividades nele identificadas.

De harmonia com o n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA, estão isentas do imposto, “As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas."

Na sua formulação literal o artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA não fornece qualquer apoio à restrição que a AT pretende introduzir no sentido de excluir da isenção de IVA, prestações se serviços realizadas por entidades como a Requerente, licenciadas como unidades de saúde privadas, que reúnem entre os seus colaboradores enfermeiros parteiros e médicos pediatras, estando habilitadas para o desenvolvimento de programas de preparação pré-parto e acompanhamento pós-parto, cuja natureza médica e assistencialista resulta diretamente da lei[1].

É conhecido que entre os princípios gerais de interpretação da lei, constantes do Código Civil, conta-se o de que não poder ser considerado pelo interprete “o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”  

Também na interpretação das normas fiscais se observam as regras e os princípios gerais de aplicação e interpretação das leis, como resulta do n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

A referência ao suposto conteúdo dos cursos e atividades praticadas pela Requerente  no sentido de se tratarem de sessões teórico-práticas que se limitam a ensinar exercícios físicos de tonificação do pavimento pélvico, técnicas de posicionamento durante o trabalho de parto, técnicas de respiração e relaxamento e exercícios de recuperação pós-parto, o que excluiria, no entender da AT, a aplicação da isenção de IVA à Requerente, surge desfasada de um conjunto razoavelmente vasto de  atividades descritas pela Testemunha B…, com natureza terapêutica, de diagnóstico e de prevenção prestada aos seus utentes.

Conforme resulta do probatório, a Requerente realiza a avaliação e acompanhamento clínico da utente grávida e do bebé quer através da realização da consulta de enfermagem quer através da disponibilização de uma linha de assistência que funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano, e à qual as utentes podem recorrer, cujo o atendimento é feito por enfermeiras parteiras, quer através da realização de exames com recurso a meios auxiliares de diagnóstico designadamente, estetoscópio de Pinard, Doppler – Detetor Digital Portátil, CTG (cardiotacógrafo) – para registo gráfico da frequência cardíaca fetal e das contrações uterinas, medição da altura uterina para avaliar o crescimento do bebé durante a gravidez, e no pós-parto as consultas de enfermagem e amamentação, prevenindo e tratando patologias como as mastites e as fissuras e os mamilos invertidos, promovendo uma amamentação saudável, e a realização do teste do pezinho ao bebé.     

A AT invoca também a jurisprudência do TJUE retirando desta que o conceito de “prestações de serviços de assistência” não se presta a uma interpretação que inclua intervenções médicas conduzidas com um objetivo que não seja o de tratar, diagnosticar e na medida do possível curar doenças ou anomalias de saúde, considerando que os cursos e atividades desenvolvidas pela Requerente escapam a este conceito, apresentando semelhanças, desde logo de natureza comercial, com cursos de preparação para o parto fornecidos por entidades não certificadas para o efeito, designadamente, ginásios e cabeleireiros.    

 

Do pondo de vista do enquadramento comunitário, note-se que a disposição interna tem por base a atual alínea c) do n.º 1 do artigo  132.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, (doravante Diretiva IVA) correspondente à anterior alínea c) do n.º 1 da parte A do artigo 13.º da Diretiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977 ("Sexta Diretiva"), a qual dispõe o seguinte:

“1.   Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

(b) (...)

(c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa.”

É jurisprudência constante do TJUE que a referida disposição tem carácter objetivo definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, ou o local da prestação, ao contrário do que sucede na isenção prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, igualmente destinada a prestações de natureza médica[2]

Segundo uma interpretação literal, para que as prestações médicas que se referem ao caso vertente sejam isentas de IVA basta o preenchimento de duas condições:

a)      que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas[3].

b)      que sejam prestações médicas;

c)       

Vejamos, por ordem, cada uma das referidas condições.

 

O TJUE salientou que compete a cada Estado membro definir no seu direito interno as profissões medicas e paramédicas cujos serviços são isentos do IVA, dado que tal norma concede aos Estados membros um poder de apreciação a esse respeito, sendo certo,  porém que a isenção se deve aplicar apenas aos serviços efectuados por prestadores com as qualificações profissionais exigidas[4]. Por conseguinte, no caso sub iudice, e tal como a AT o admitiu, não restam dúvidas quanto à observância da primeira condição supra elencada: a Requerente desenvolve programas de preparação para o parto, parentalidade e pós-parto, cujo conteúdo respeita as diretrizes europeias, bem como os Regulamentos internos e Recomendações da Ordem dos Enfermeiros, sendo ministrados por enfermeiros especialistas legalmente habilitados para o efeito.

Acresce referir que segundo o TJUE, as isenções visadas no artigo 132.º da Diretiva constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo. Todavia, a interpretação dos termos utilizados por essa disposição deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade inerente ao sistema comum de IVA[5]. Ora, o TJUE já decidiu que as isenções previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA têm por objetivo comum a redução dos custos dos cuidados de saúde[6].  

Como vimos a primeira condição é necessária, embora não suficiente, para a aplicação da isenção constante do artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA.

 Assim, haverá que explorar, quanto à segunda condição, que tipo de serviços são considerados “prestações médicas”, tendo presente os princípios emanados pela jurisprudência do TJUE.  

Para a determinação do tipo de cuidados abrangidos pela noção de “prestações de serviços de assistência”, conceito que resulta da letra da alínea c) do n.º 1 do artigo  132.º da Diretiva IVA, decidiu o TJUE que as prestações que não tenham um fim terapêutico devem ser excluídas do âmbito da citada alínea c) do n.º 1 do artigo  132.º da Diretiva IVA, tendo em conta que os termos utilizados para designar as isenções referidas são de interpretação estrita[7]. Segue-se que apenas são de considerar intervenções com fins terapêuticos as que prossigam objectivos de prevenção, diagnóstico, tratamento e, na medida do possível, cura de doenças ou anomalias de saúde[8].

Ora, no caso em apreço, a AT manifesta-se contra o entendimento de que os serviços prestados pela Requerente constituam cuidados daquele tipo, embora  admita que esta se encontra habilitada para o efeito, e que atos de controlo, prevenção e de tratamento de doenças possam suceder ocasionalmente no âmbito dos referidos cursos de preparação para o parto e de assistência pós-parto, constituindo uma prestação acessória do serviço principal prestado. Para tal, invoca a forma como os cursos eram publicitados no site englobando designadamente, aulas de ginástica de recuperação e serviços de baby-sitting.  

Por outras palavras, a AT entende que os utentes que procuram a Requerente pretendem obter em primeiro lugar serviços de ginástica pré-parto e de recuperação física no pós-parto, assim como baby-sitting, aproveitando, a título de benefício acessório, a assistência e acompanhamento médico especializado providenciado por enfermeiras parteiras à mãe e ao bebé, tanto na fase de pré-parto, como no pós-parto.

Não se compreende porém, em que medida seria razoável presumir que as prestações de serviços de ginástica e baby-sitting constituem a operação principal na ótica dos seus destinatários, enquanto os serviços de preparação e acompanhamento pré-parto e pós-parto, constituiriam um meio que permite aos destinatários beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, sem que constitua para estes um fim em si mesmo.

Efetivamente, no contexto exposto, afigura-se desrazoável a linha cognoscitiva e valorativa proposta pela AT. Para tanto, dever-se-á atender à situação fáctica demonstrada em audiência pelas testemunhas da Requerente, às aptidões técnicas que esta possui no âmbito da assistência à maternidade, ao seu enquadramento legal e regulamentar e, finalmente, à caracterização da atividade económica que prossegue, descrita de forma particularmente pormenorizada nos seus articulados.

Aliás, no que respeita à natureza da atividade prosseguida pela Requerente, diga-se que o acompanhamento prestado na gravidez e no pós-parto,  incluindo o tipo de diagnósticos e exames médicos realizados à mãe e ao bebé, é materialmente idêntico ao acompanhamento de rotina promovido pelas maternidades dos estabelecimentos hospitalares. Por conseguinte, a Requerente prossegue uma atividade de assistência à maternidade, consubstanciada na prática de prestações médicas, tal como definidas pela jurisprudência do TJUE.

Um tratamento fiscal diferenciado entre a Requerente e os estabelecimentos hospitalares que fornecem programas de preparação para a maternidade e assistência no pós-parto, em condições análogas às da Requerente, além de não ter qualquer apoio no texto legal, violaria os princípios de neutralidade que estão na base da tributação do consumo.

Conforme se refere num dos considerandos da Diretiva IVA (considerando 7.º) o sistema comum do IVA deverá conduzir a uma neutralidade concorrencial, “no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição.

Resulta ainda da Jurisprudência da União Europeia que a exigência de uma aplicação correta e simples das isenções não permite aos Estados membros prejudicarem os objectivos prosseguidos pela Sexta Diretiva (atual Diretiva 2006/112/CE), designadamente o princípio da redução de custos dos cuidados de saúde visado pelo artigo 132.º n.º 1, alíneas b) e c), opondo-se a que operações equivalentes sejam sujeitas a um regime de IVA diferente consoante o local em que sejam efetuadas [9].

Portanto, o sistema de IVA é contrário a discriminações arbitrárias, afigurando-se como arbitrária e geradora de uma distorção da concorrência a discriminação que acabaria por resultar da interpretação preconizada pela AT.

Acresce referir que o conjunto de serviços de controlo clínico da gravidez e de assistência médica à maternidade prestados por estabelecimentos autorizados têm por objetivo contribuir para a proteção da saúde humana, mesmo quando realizados, como se verifica no caso subjudice, fora das unidades hospitalares, e desenvolvem-se no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, na esteira da interpretação que a jurisprudência do TJUE tem vindo a fazer da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo  132.º da Diretiva do IVA[10].

Ora, ao invés do que pensa a AT, resultou do probatório que a Requerente promove um tipo de acompanhamento personalizado, integrado e continuado das suas utentes podendo a sua intervenção abarcar todo o período de gravidez (com exclusão do parto) até à conclusão do processo de recuperação pós-parto.

Também a este propósito recorde-se a jurisprudência do TJUE sobre o alcance a atribuir às finalidades terapêuticas de uma prestação de serviços. O TJUE esclareceu que, embora a “assistência médica” e as “prestações de serviços de assistência pessoal” devam ter uma finalidade terapêutica, daí não resulta necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser compreendida numa acepção particularmente restrita. Assim, as prestações médicas efetuadas para fins de prevenção podem beneficiar de uma isenção a título do disposto no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva, (atual c) do n.º 1 do artigo  132.º da Diretiva do IVA).  Com efeito, mesmo nos casos em que se afigure que as pessoas que são objeto de exames ou de outras intervenções médicas de caráter preventivo não sofrem de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de “assistência médica” é conforme ao supra referido objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde, que é comum tanto à isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea b), como à prevista no mesmo número, alínea c).

Portanto, entende o TJUE que as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas, no quadro das quais se inscrevem as prestações de serviços da Requerente, beneficiam a  da referida isenção[11].

Ressalta assim preenchida a segunda das condições elencadas relativa à natureza médica das prestações fornecidas pela Requerente no âmbito dos programas de preparação para o parto e assistência pós-parto. 

De notar, por último, que de acordo com a jurisprudência citada, ainda que a Requerente no âmbito dos programas de preparação para o parto e de assistência pós-parto forneça serviços de caminhada, de ginástica de recuperação, bem como serviços de baby-sitting enquanto a utente é assistida pela enfermeira, sempre teríamos de reconhecer a natureza complementar que tais serviços desempenham no quadro da prestação principal, configurando serviços acessórios que, como tal, devem seguir o tratamento da operação principal. 

Assim, de acordo com os factos dados como provados, a interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, as características do IVA e a interpretação veiculada pelo TJUE, leva-nos a concluir que no caso presente se deverá aplicar a isenção de IVA constante do artigo 9.º n.º 1 do Código deste imposto, dando-se razão à Requerente.  

 

Face e ao exposto conclui-se que as liquidações de IVA impugnadas n.ºs …, …, 14014194, …, …, …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014…, 2014 … de 2011 e 2012 enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e sobre os pressupostos de direito devendo ser anuladas com as demais consequências legais, excepto na parte em tais liquidações se referem ao IVA em falta relativo a serviços prestados pela Requerente de natação para bebé e formação/seminários (identificados do ponto 2 infra), subsistindo a liquidação nessa parte.

 

2) Aulas de natação para bebé e serviços formação /seminários

Nos termos da matéria de facto dada como provada (vide pontos 18 e 19), para além dos programas de preparação para o parto e parentalidade, supra analisados, a Requerente facturou no exercício de 2011, serviços de natação para bebés e serviços de “Formação-Seminário”, sobre os quais não foi liquidado IVA.

Não obstante, a Requerente reconhece o erróneo tratamento fiscal conferido a estas prestações de serviços,  e assim sendo, no caso em apreço, não se afigura controvertido que os serviços de natação para bebés e de “Formação-Seminário” prestados pela Requerente se encontram sujeitos a IVA à taxa normal em vigor à data da prestação, de 23%.

Por conseguinte, deverá ser dada razão à Requerida no que respeita à legalidade das correções efectuadas neste âmbito, no valor de € 20,13, constantes das liquidações de IVA (liquidação adicional n.º … e …)  e de juros compensatórios (liquidação n.º … e …), devendo tais liquidação subsitir apenas parcialmente, bem como à legalidade das compensações decorrentes das correções em questão, relativas ao último trimestre de 2011 (período 1112T).

Enquadramento em sede de IRC

Conforme resulta do probatório, a AT procedeu à correção em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2011, conducente à liquidação naquele imposto, cuja anulação é peticionada, como decorrência das correções em sede de IVA e do recálculo da percentagem de dedução do imposto.

Face à anulação das liquidações de IVA, acima determinada, haverá, consequentemente de anular, na mesma medida, a liquidação de IRC impugnada, o que se determina.

 

 

                       

J- DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide-se julgar parcialmente procedente o presente pedido arbitral, e, em consequência, anular os actos tributários objeto do presente processo, com exceção da parte em que refletem as correcções correspondentes às aulas de natação para bebé e serviços formação/seminários, atrás discriminados, correspondentes a um valor de IVA no total de €143,18, acrescido dos respetivos juros compensatórios.

Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do seu decaimento, fixando-se em €5,30 a parte a cargo da Requerente e €2.442,70, a parte a cargo da Requerida.

Fixa-se o valor do processo em €76.336,10 atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixa-se as custas, no respetivo montante em 2.448,00€ (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo de Requerente e Requerida, nos termos supra-exposto, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique.

Lisboa, 1 de Junho de 2015.

Os Árbitros

 

José Pedro Carvalho

(árbitro-presidente),

 

Paulo Ferreira Alves

(árbitro-vogal)

 

Filipa Barros

(árbitra-vogal)

 

 

 



[1] Cfr. Lei n.º 9/2009, de 4 de Março, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 205/36/CE do Parlamento e do Conselho, de 7 de Setembro. É o que resulta dos artigos 37.º e em particular 39.º n.º 2 do referido diploma que prescreve o seguinte:A autoridade competente assegura que as parteiras estejam habilitadas, pelo menos, para exercer as seguintes atividades: a) Informar e aconselhar corretamente em matéria de planeamento familiar; b) Diagnosticar a gravidez, vigiar a gravidez normal e efetuar os exames necessários à vigilância da evolução da gravidez normal; c) Prescrever ou aconselhar os exames necessários ao diagnóstico mais precoce possível da gravidez de risco; d) Estabelecer programas de preparação para a paternidade e de preparação completa para o parto, incluindo o aconselhamento em matéria de higiene e de alimentação; e) Assistir a parturiente durante o trabalho de parto e vigiar o estado do feto in utero pelos meios clínicos e técnicos apropriados; f) Fazer o parto normal em caso de apresentação de cabeça, incluindo, se necessários, a episiotomia, e o parto em caso de apresentação pélvica, em situação de urgência; g) Detectar na mãe ou no filho sinais reveladores de anomalias que exijam a intervenção do medico e auxiliar este em caso de intervenção, tomar as medidas de urgência que se imponham na ausência do medico, designadamente a extração manual da placenta, eventualmente seguida de revisão uterina manual;
h) Examinar e assistir o recém-nascido, tomar todas as iniciativas que se imponham em caso de necessidade e praticar, se for caso disso, a reanimação imediata; i) Cuidar da parturiente, vigiar o puerpério e dar todos os conselhos necessários para tratar do recém-nascido, assegurando-lhe as melhores condições de evolução; j) Executar os tratamentos prescritos pelo médico; l) Redigir os relatórios necessários.”

 

[2] Nos termos artigo 132.º n.º 1 alínea b) da Diretiva do IVA (anterior artigo 13.º A n.º 1 alínea b) da Sexta Diretiva) Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

“(b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;”

[3] Vide, Acórdão de 10 de Setembro de 2002, processo C - 141/00 (caso Kugler, n.ºs 26 e 27). 

[4] Acórdão de 27 de Abril de 2006, nos processos C-443/04 e C-444/04 (casos Solleveld  n.ºs 29 e 37)

[5] Conforme, acórdão de 6 de Novembro de 2003, processo C-45/01 (caso Dornier n.º 42)

[6] Acórdão de 20 de Novembro de 2003, processo C-307/01 (caso D’Ambrumenil e Dispute Resolution Service, n.º 58).

[7] Vide, acórdão de 15 de Junho de 1989, processo C-348/87, (caso Stichting Uitvoering Financiële Acties n.° 13). 

[8] Vide acórdão de 14 de Setembro de 2000, processo C-384/98, (caso D.W. n.°s 18 e 19).

[9] Acórdão de 8 de Junho de de 2006, processo C-106/05, (caso L.u.P., n.º n.º 36).

[10] Vide, nota n.º 3 supra, processo C - 141/00, caso Kugler, n.º 25.

[11] Neste sentido, processo C-307/01 caso D’Ambrumenil e Dispute Resolution Service, já referido, n.º 58, bem como acórdão de 20 de Novembro de 2003, processo C-212/01, (caso Unterpertinger, n.ºs 40 e 41.