Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 704/2014-T
Data da decisão: 2015-06-12  IRS  
Valor do pedido: € 4.737,59
Tema: IRS – Ajudas de custo; ónus da prova
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

Processo n.º 704/2014 -T

 

I – Relatório

 

1. No dia 3 de Outubro de 2014, A... e B..., contribuintes com os NIF … e …, respectivamente, residentes na Rua das … nº …, …, …… …, vieram, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral para declaração de ilegalidade das liquidações de IRS e juros compensatórios constantes do documento nº 2014…, datadas de 03/06/2014, relativas ao ano de 2010 (documento 1) no montante global de € 4,737.59 (quatro mil, setecentos e trinta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos). Com o Requerimento inicial foram juntos, para além das procurações e comprovativo de pagamento da taxa, três documentos.

2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral ficou constituído em 15 de Dezembro de 2015.

4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou a sua Resposta e o processo administrativo (PA) em 3 de Fevereiro de 2015.

5. Em 5 de Março de 2015 realizou-se, nos termos do artigo 18º do RJAT, uma primeira reunião em que o tribunal solicitou a junção aos autos de peças em falta ficando marcada a data de 7 de Abril para inquirição de testemunhas.

6. A Requerida enviou oito documentos em 16 de Março e a inquirição de testemunhas apresentadas por Requerente e Requerida (em ambos os casos com substituição das inicialmente propostas) foi realizada como previsto, em 7 de Abril de 2015, ficando as Partes de apresentar, sucessivamente, alegações escritas no prazo de 15 dias, o que ocorreu em 23 de Abril e 12 de Maio, respectivamente. O tribunal indicou a data de 15 de Junho de 2015 como dia para comunicação da decisão. 

 

7. O Pedido de Pronúncia

No Pedido inicial, os Requerentes sustentam, em síntese:

-          O primeiro Requerente é trabalhador da empresa C… A/S – Sucursal em Portugal (C…) desde Julho de 2009.

-          A C… é uma empresa cuja actividade inclui realização de trabalhos sobre solos em áreas marítimas e costeiras, como, por exemplo, defesa de costa, reforço de areia em praias, dragagem de leitos de rio e fundos marinhos.

-          O Requerente foi contratado como servente da obra de dragagem das praias da Costa da Caparica e mantém-se ao serviço da empresa com funções que incluem obras de alimentação e manutenção artificial de praias, com movimentação manual de tubos e o espalhamento de material para aterros.

-          A função exercida implica frequentes deslocações e permanência em estaleiros de obra da sua entidade patronal, tanto em Portugal como no estrangeiro.

-          A C… atribui ao trabalhador determinados montantes a título de ajudas de custo para o indemnizar das despesas de alimentação e alojamento que essas deslocações implicam, o que constitui uma política da empresa.

-          Após análise da declaração fiscal dos Requerentes referente ao ano de 2010, a AT considerou que as importâncias abonadas ao trabalhador pela sua entidade empregadora a título de ajudas de custo não são verdadeiras ajudas de custo, tendo antes a natureza de retribuição, dado o carácter regular da sua atribuição e supostas irregularidades na forma de documentação das mesmas.

-          Mas, ao contrário do que acontece com o abono de ajudas de custo aos funcionários do Estado, cuja caracterização como ajudas de custo pressupõe a emissão pelo trabalhador de um boletim itinerário (com indicação do dia ou dias da deslocação, local da deslocação, natureza do serviço efectuado que originou a deslocação e respectivo abono diário e total), no caso dos trabalhadores privados, apesar da necessidade do trabalhador se encontrar deslocado do seu local de trabalho e de incorrer em despesas de alojamento e alimentação, o seu reembolso (aproximado) faz-se sem apresentação dos documentos suporte originais.

-          A regra do artigo 45, nº1, al f) do Código do IRC, vigente à data dos factos, apenas exige o preenchimento de um mapa de controlo interno, sem requisitos de forma, cujo conteúdo deve permitir à empresa o controlo das deslocações e pagamentos, mapa esse que foi oportunamente enviado para o serviço de inspecção em resposta a uma notificação da AT que contém todos os elementos exigidos pelo artigo 45º do Código do IRC, tendo sido junta ao processo administrativo mais detalhe e prova da maioria das situações de deslocação ocorridas, e que deram lugar ao pagamento das ajudas de custo em questão.

-          No mapa em causa estão sistematizados os dias de deslocação, países, obras e locais encontrando-se indicada na coluna 9 a ajuda de custo atribuída - trata-se de um montante fixo ou forfetário, estabelecido em função das condições acordadas com o trabalhador.

-          Trata-se apenas de uma indemnização parcial das despesas que o trabalhador teve por se encontrar em situação de deslocação, não tendo os serviços de fiscalização entendido a natureza da actividade em questão.

-          As ajudas de custo efectivamente pagas situaram-se muito abaixo do respectivo limite legal (coluna 10 do mapa), tendo em conta os dias e locais de deslocação (58% do máximo admissível) porque entre a ajuda de custo total atribuída no exercício de 2010 de 21,504.00 € (vinte e um mil, quinhentos e quatro euros) e o respectivo limite máximo não tributável de 37,339.98 € (trinta e sete mil, trezentos e trinta e nove euros e noventa e oito cêntimos) existe uma diferença de 15,835,98 € (quinze mil oitocentos e trinta e cinco euros e noventa e oito cêntimos).

-          Ao contrário dos funcionários, que pertencem a um serviço com funções pré-definidas, no caso dos autos, o regime de saídas é incompatível com a exigência de preenchimento de impressos do tipo boletins itinerários com descrição das obras, tempo de duração da intervenção, motivo da deslocação, assim como elaboração de relatórios administrativos.

-          Segundo os princípios da LGT (artigo 5º, nº 2, e 11º, nº 3) deve atender-se à realidade material, neste caso a dificuldade de processamento de salários numa actividade complexa do tipo da realizada na empresa do Requerente.

-          Estas empresas, pela necessidade de criar mecanismos de normalização que reduzam o número de variáveis do processamento de salários, efectuam por exemplo o pagamento de ajudas de custo por valores fixos mensais, mas quando os montantes atribuídos excedem a indemnização necessária para os trabalhadores deslocados fazerem face às despesas com alimentação e transporte (aferindo-se tal excesso pela ultrapassagem dos limites legais das ajudas de custo) consideram que há uma retribuição ou vantagem patrimonial sujeita a IRS e Segurança Social, sempre em obediência ao referido princípio da justiça material, ou primado da substância sobre a forma.

-          Esta interpretação é acolhida pela jurisprudência: quanto à desnecessidade dos trabalhadores do sector privado prepararem boletim itinerário com os detalhes da deslocação (Acórdão 272/06 de 08/05/2008, do TCAN); quanto ao pagamento das ajudas de custo por um valor fixo e não casuístico (Acórdão STJ 79-B/1994.L1.S1 de 19/02/2013; Acórdão STA 0146/13, de 22/05/2013, Acórdão STA 01065/07 de 12/03/2008).

-          Desta jurisprudência é possível concluir que: a) As ajudas de custo podem ser pagas previamente por montantes fixos; b) Só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os limites legais; c) O ónus da prova do excesso cabe à AT.

-          Quanto ao conceito de local a considerar, para efeitos da definição da distância mínima da deslocação que qualifica para atribuição das ajudas de custo, deve entender-se (Acórdão do STA de 20/06/2013, proc. 0981/13) que o centro da actividade funcional dentro do município é o serviço onde o trabalhador tem que comparecer; a AT nunca invoca o excesso nem faz prova do mesmo, e tal excesso nunca existiu, como se prova pelo mapa junto aos autos (no caso da obra …. – …., a AT vai ao ponto de negar, sem prova, a própria situação de deslocação do trabalhador).

-          As ajudas pagas no ano de 2010, no montante de € 21.504,00, destinaram-se a fazer face a despesas de deslocação do primeiro requerente ao serviço da empresa (do mapa junto ao processo constam os elementos exigidos pelo artigo 45, nº1, al. f) do CIRC vigente à data - esse montante é inferior ao limite legal de ajudas de custo não tributáveis, no valor de € 37,339.98, e ainda que se aceitasse apenas as ajudas de custo de que foram juntas ao processo administrativo provas inequívocas da deslocação, o limite de ajudas de custo não tributáveis seria de € 24,367.91).

-          O pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente e declarada a ilegalidade, com consequente anulação, das liquidações de IRS e juros compensatórios, no montante de € 4,737.59, com todas as consequências legais.

 

8. A Resposta

A Requerida responde, em síntese:

-          Ao contrário do que o Requerente sustenta, a administração fiscal não está obrigada a aceitar os montantes declarados como ajudas de custo pelo facto de serem inferiores aos limites legais.

-          Resulta do artigo 23º- A do CIRC (correspondente ao artigo 45º, f) do CIRC, em vigor à data) que a entidade patronal só pode deduzir os encargos com ajudas de custo se possuir um mapa de controlo desse tipo de encargos e esse mapa não foi disponibilizado aos serviços de inspecção da administração tributária.

-          A folha Excel entregue não contém os extractos que contabilizem as despesas referentes ao trabalhador e que justifiquem que os valores pagos o foram a título de ajudas de custo servindo para pagar as despesas daquela deslocação em concreto.

-          Os próprios Recorrentes confessam que o pagamento das ajudas de custo é feito por um valor fixo mensal e que esse valor não corresponde às despesas em que o trabalhador incorreu.

-          Não é aceitável a justificação de que a empresa não controla os encargos com as ajudas de custo (obrigação imposta pelo artigo 23º-A do CIRC) devido à dimensão da empresa, que tem muitos trabalhadores, e pela necessidade de poupar obrigações aos trabalhadores.

-          O contrato celebrado entre o requerente e a C… é um contrato de trabalho por conta de outrem, a termo incerto, de duração correspondente ao da empreitada no mesmo identificada, abrangido pela Convenção Colectiva de trabalho entre a AECOPS e a FETESE (BTE, 1.a Série, n° 13 de 08.04.2005), pelo qual se presume constituir retribuição toda e qualquer outra prestação do empregador ao trabalhador, em que se incluem as supostas ajudas de custo pagas na construção civil, recaindo sobre o contribuinte o ónus de a contrariar (art. 350º, n.° 1 e 2 do CCivil).

-          A entidade patronal, solicitada para o efeito pela inspecção tributária (ofício n.º … de 2014-02-19), não enviou elementos adicionais sobre a necessidade de deslocação em serviço e em que datas, bem como o extracto das contas onde se encontram contabilizadas todas as despesas referentes ao trabalhador em causa, pelo que se conclui pela sua inexistência.

-          O mapa enviado é admissível enquanto apresentação das deslocações mas não constitui, por si só, uma prova de legalidade da atribuição de ajuda de custo, estando em causa saber se as deslocações apresentadas têm enquadramento normativo que as submeta ao âmbito das ajudas de custo, ou caso contrário, se configuram uma mera remuneração de trabalho prestado, atribuído sob a forma de ajuda de custo.

-          De acordo com o regime previsto no Decreto-Lei n.º106/98, as ajudas de custo têm que respeitar os limites diários, não havendo lugar a acumulações ou reportes de “saldos” para contabilização anual, como acontece no mapa junto.

-          Ainda que o mapa seja considerado válido, não quer dizer que fundamente a atribuição das ajudas de custo porque não foram prestados esclarecimentos quanto à regularidade das ajudas de custo (em todos os meses foi pago um valor de ajudas de custo de 1.536€ e o correspondente vencimento de base de 800€), e os valores pagos nos meses de Julho e Novembro, como subsídios de férias e de natal respectivamente, englobam igual valor de ajudas de custo.

-          Há que ter em conta a diferenciação doutrinal, fundamental para distinguir remunerações de ajudas de custo, entre as vantagens patrimoniais concedidas aos trabalhadores e as indemnizações/compensações devidas a estes por custos incorridos no âmbito dos serviços prestados pelo funcionário à entidade patronal.

-          Verifica-se no mapa, designadamente, que: o contribuinte auferiu 3.072,00€ no mês de Julho de 2010 (mês de pagamento de subsídio de férias) e várias incoerências (datas de deslocação em Espanha; pagamento de ajudas de custo nos meses de férias e de Natal; imputação do custo das viagens de avião à sede da entidade patronal; etc.).

-          As ajudas de custo seguem um padrão: no mapa e nos recibos mensais de vencimento são atribuídas todos os meses do ano, pelo mesmo valor, independentemente do número de dias em que supostamente existe deslocação do trabalhador, independentemente da duração, distância e carácter nacional ou internacional das deslocações.

-          Os princípios da verdade material da tributação (artigo 5º, nº 2 da LGT) e da prevalência da substancia sobre a forma na interpretação das normas tributárias – (artigo 11º, nº 3 da LGT) não podem fundamentar a violação do princípio da legalidade.

-          A jurisprudência invocada não tem aplicação na situação factual dos presentes autos – neste caso trata-se de pagamento de um valor fixo de ajudas de custo, o que indicia que as quantias recebidas constituem mero complemento da remuneração, e em que os Requerentes confirmam que «se tratou apenas de uma indemnização parcial das despesas que o trabalhador teve por se encontrar em situação de deslocação.»

-          No caso decidido pelo Acórdão do TCA Sul de 30/09/2003 (proc. 0700/03), num caso idêntico ao dos autos, considerou-se que o carácter de regularidade e periodicidade dos montantes pagos, retiram-lhe a natureza de ajudas de custo.

-          Dos documentos juntos aos autos não se retira que os referidos montantes se destinaram ao pagamento de ajudas de custo, pelo que presume-se que as quantias auferidas pelo Requerente integram o conceito de remuneração.

-          Não se vislumbra qualquer ilegalidade no acto de liquidação ora impugnado, pelo que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral por não provado e consequente manutenção do acto impugnado na ordem jurídica.

 

9. Alegações

Na sequência da produção de prova testemunhal, foram apresentadas alegações escritas.

Das alegações finais da Requerente retém-se, em síntese:

-          O Requerente é trabalhador da sociedade C…, auferindo os seus rendimentos em Portugal não obstante encontrar-se quase de forma permanente deslocado em serviço fora do país.

-          O Requerente é um servente experiente, com vastos conhecimentos na colocação e montagem de “pipelines”, com capacidade de liderar equipas locais para a realização de obra, independentemente da localização da mesma

-          É uma necessidade premente da empresa a deslocação dos trabalhadores para diferentes locais do mundo, imposta em prol da eficiência e qualidade dos serviços prestados, entregando-lhes a título de ajudas de custo, um montante pecuniário mensal para fazer face às inerentes despesas de alojamento e alimentação realizadas em virtude dessas constantes deslocações.

-          O trabalhador foi contratado pela C… conforme contrato de trabalho junto com Pedido de Pronúncia Arbitral para realização de uma obra na Costa da Caparica permanecendo ao serviço da empresa desde então, deslocando-se em 2010 de acordo com mapa junto aos autos (deslocações ao Brasil em Janeiro e Fevereiro, Outubro e Novembro e Dezembro em duas obras distintas – obras 09-… e 10-…, em Espanha – Coruña, Cádiz e Xago – e no Algarve). Existem provas de deslocação e estadia referentes ao Brasil e também relativamente a Espanha e ao Algarve.

-          Existe prova documental de que o Requerente incorreu em diversas despesas de alimentação e alojamento sendo por este facto atribuído ao mesmo um montante a título de ajudas de custo.

-          Esse montante (constante dos recibos de remuneração e do “Mapa”) é fixo, de €1.536,00, pago mensalmente ao trabalhador, em resultado de um acordo, entre Requerente e entidade patronal, de estimativa do valor aproximado das despesas incorridas em deslocação laboral.

-          Não se trata de um acordo formal e assinado entre as partes mas de um cálculo de estimativa (média) de despesas que pode ser ultrapassada, por isso o Pedido referiu constituir uma indemnização parcial do trabalhador.

-          O Requerente foi contratado pela C… em 2009, ao abrigo de um Contrato de Trabalho a Termo Incerto para realização de uma obra na Costa da Caparica, e tem vindo a realizar de forma ininterrupta, trabalhos em diversas obras em múltiplos locais, inexistindo qualquer outro contrato de trabalho ou acordo para além do documento apresentado com o Pedido e que indica o valor da remuneração base do trabalhador na Cláusula Sétima de € 800, valor que se mantém nos recibos de vencimento.

-          Em 2010, o trabalhador encontrou-se deslocado por um total de 282 dias (228 no estrangeiro e 54 em Portugal), tendo-lhe sido entregue mensalmente o valor de € 1.536,00 a título de ajudas de custo mas a AT, não obstante lhe pertencer o ónus da prova (art. 7º da LGT) como decorre de diversa jurisprudência, não logrou provar que os montantes não se reportam a ajudas de custo.

-          Ao não fazer a prova adequada, a AT nunca cumpriu o dever de fundamentação na qualificação de tais montantes como possuindo natureza remuneratória, violando o princípio constitucional constante do número 3 do artigo 268º da CRP.

-          A AT não demonstrou que o sujeito passivo não realizou as deslocações, ou que, deslocado, não o fez ao serviço da sua entidade patronal e que os valores recebidos não eram para fins de compensação de despesas incorridas em deslocação.

-          O montante de €21.504,00 pago como ajudas de custo ao trabalhador situa-se dentro dos limites legais possíveis cujo valor máximo, em função do número de dias que se encontrou deslocado, é de € 37.339,98, atendendo ao facto do trabalhador se encontrar deslocado durante 282 dias do ano, e ponderadas as despesas inerentes de uma deslocação, nomeadamente despesas de alimentação (no mínimo 3 vezes por dia) e de alojamento, a AT não poderá invocar que os montantes pagos ao trabalhador não revestiam um carácter indemnizatório por despesas suportadas ao serviço da entidade patronal, em virtude de deslocações em serviço da mesma.

-          A AT apenas poderia tributar o montante excedente dos limites anuais legalmente estipulados, mas eles não foram ultrapassados e a Requerida não logrou demonstrar que os montantes recebidos não o eram a título de ajudas de custo, limitando-se a sustentar que os montantes em causa constituem retribuição pela sua natureza regular de atribuição.

-          “O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo” (TCAN, proc. nº 237/06)

-          Os montantes colocados à disposição do Requerente têm como intuito único a compensação de custos que este suportou ao serviço da sua entidade patronal, nomeadamente custos com alimentação e alojamento, pelo que nunca poderão representar um acréscimo patrimonial na esfera do Requerente.

-          A fixação dos mesmos deve-se à incerteza sobre a próxima deslocação de cada um dos trabalhadores, as partes fixaram um montante para compensação dos custos presumidos devido à grande dificuldade de determinação concreta dos custos e/ou a sua comprovação.

-          O montante fixado entre as partes nunca excedeu o limite legalmente imposto para a não tributação de ajudas de custo, nem a AT veio invocar ou alegar tal facto, pelo que não há lugar à tributação das ajudas de custo na parte que não exceda o limite legal imposto.

-          A AT não recolheu indícios objectivos demonstrativos do facto de que as ajudas de custo pagas ao requerente no ano de 2010 não corresponderam ao efectivo reembolso de despesas incorridas pelo trabalhador ao serviço da sua entidade patronal por força das deslocações, nem que foram ultrapassados os limites legais quantitativos previstos no Código do IRS, não conseguindo atacar a credibilidade da declaração do Requerente.

 

A AT alegou, em síntese :

-          O facto de o Requerente ter estado deslocado no Estrangeiro, ao serviço da entidade patronal, não comprova que o montante acordado de 1.536,00 Euros corresponda efectivamente a pagamento de ajudas de custo.

-          Não foi comprovado o pagamento das despesas de deslocação (existem bilhetes de avião emitidos em nome da empresa empregadora, e talões de combustível com o n.º de contribuinte da mesma empresa) nem explicado o facto de o valor de ajudas de custo ser constante (independentemente do lugar da prestação de serviços ser em Portugal, Brasil ou Espanha) 

-          Tendo a AT invocado estarem reunidos os pressupostos de tributação pelo facto de a atribuição daquele montante não ter carácter de ajudas de custo e sim função de remuneração, cabia ao Requerente fazer a prova de que incorreu em despesas naquele montante cada vez que esteve deslocado, e não o fez.

-          O facto de o Requerente desempenhar funções de muito maior responsabilidade do que aquelas para as quais foi contratado, como servente com remuneração de € 800 Euro, demonstra que é um trabalhador com qualidades e capacidade de liderança, pago muito aquém das funções que efectivamente desempenha, e permite concluir quanto ao carácter periódico, de remuneração, do montante atribuído a título de ajudas de custo, em conjunto com o subsídio de férias e com o subsídio de Natal.

-          A AT cumpriu o seu ónus probatório, pois os factos invocados são notórios (art. 412º do CPC) resultam do conhecimento e da prática de vida comum.

-          A prova constante dos autos resulta de um raciocínio lógico - conhecimentos de experiência geral e comum levam à conclusão de que o Requerente está a receber remuneração muito inferior às capacidades que detém e às responsabilidades que lhe são exigidas, tendo toda a credibilidade a constatação de que, pelo seu carácter regular e periódico, o montante atribuído mensalmente ao Requerente no valor de 1.536,00 Euros é um complemento de remuneração.

-          As importâncias em causa não correspondem a ajudas de custo, tanto mais que se encontra provado nos autos que foi a entidade empregadora que pagou, pelo menos, os hotéis e as deslocações do Requerente.

-          Se a AT aceitasse os argumentos de que se trata de uma forma de pagamento, pela empresa empregadora, de mais fácil concretização, violaria o princípio da legalidade.

-          Nem a jurisprudência invocada tem aplicação na situação factual dos presentes autos porque: a AT demonstrou que o valor fixo das ajudas de custo constitui um indício de que as quantias recebidas constituem mero complemento da remuneração e os próprios Requerentes, ao dizerem que se trata de uma indemnização parcial das despesas em situação de deslocação, admitem que se trata de complemento da remuneração.

-          Tal como decidido nos Acórdãos do TCAS nos processos 700/03 e 1037/03, trata-se de ajudas previstas em contrato, processadas regular e periodicamente, nos recibos de remuneração e em valores muito superiores àquela, sem documentos de suporte que evidenciem as despesas efectuadas, sua natureza, locais e datas, pelo que não assumem natureza compensatória mas remuneratória. 

 

10. Objecto do pedido

A questão jurídica fundamental a decidir consiste em saber se as importâncias pagas ao Requerente a título de ajudas de custo ao longo do ano de 2010 merecem essa qualificação ou se são remunerações sujeitas a incidência de imposto, sobre o rendimento do trabalho (categoria A do IRS), segundo as regras do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

 

11. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II Fundamentação

 

12. Factos provados

Com base nas peças juntas pela Requerente (Pedido de pronúncia arbitral, documentos juntos com o Pedido e Documentos juntos na sequência de pedido do tribunal na 1ª reunião realizada nos termos do art. 18º do RJAT) e Requerida (Resposta e Processo administrativo junto aos autos).

12.1. D… A/S, sociedade dinamarquesa, é uma empresa que realiza trabalhos sobre solos em áreas marítimas e costeiras em defesa da costa, reforço de areias em praias, dragagem de leitos de rio e fundos marinhos e actua em Portugal através de uma sucursal, a “C… A/S, Sucursal em Portugal”, com NIF …., instalada na …. – …., Apartado …- …-…, … (Pedido de pronúncia, art. 2º e depoimento testemunhal). 

12.2. Em documento datado de 28 de Julho de 2009, o primeiro Requerente, A..., residente em Rua das …, nº …, …, …, celebrou com a C…, Sucursal em Portugal, sediada no … “…”, lote …/…, … (….), um “contrato de trabalho a termo incerto” para exercício da função de servente na Empreitada de Dragagens em Portugal na Alimentação Artificial das Praias da Costa da Caparica e S. João da Caparica (Doc. nº 2, junto com o Pedido de pronúncia).

12.3. O contrato referido no número anterior, celebrado “nos termos do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro”, caracterizava-se como sendo contrato a termo, de duração incerta, caducando na data de conclusão da Empreitada de Dragagens em Portugal na Alimentação Artificial das praias da Costa da Caparica e S. João da Caparica (Doc. nº 2 junto com o pedido, cláusulas 2ª e 3ª).

12.4. O contrato de trabalho referido nos números anteriores previa uma remuneração base mensal de € 800, sujeita aos descontos legais devidos, e o direito a férias e subsídio de férias calculado nos termos do Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro e em disposições subsidiárias e que “as demais condições de trabalho não expressamente previstas no clausulado que antecede serão reguladas pelas disposições legais aplicáveis e pela Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AECOPS – Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e outras e a FETESE-Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, aplicável bem como pelas práticas correntes e regulamentos internos da entidade empregadora”. (Cláusulas sétima, oitava e décima sexta do contrato de trabalho constante do doc. nº. 2 junto com o pedido)

12.5. No decorrer do ano 2010, a declaração de rendimentos de rendimentos de IRS dos Requerentes incluiu o montante de € 11.200 euros de rendimento bruto de categoria A, em resultado do trabalho prestado pelo primeiro Requerente à sociedade C… Sucursal Portugal A/S (PA, Anexo I).

12.6. Em resultado da troca de informações automáticas entre Portugal e a Dinamarca para prevenção da dupla tributação internacional e evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, foi a Direcção de Finanças de Coimbra informada pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais de que o S.P. tinha auferido rendimentos provenientes do estrangeiro (Dinamarca), no valor de 264.322 Coroas Dinamarquesas (sensivelmente equivalentes a 35.456,15 Euros) (PA, Relatório da Inspecção Tributária, p. 2, e anexos III e V).

12.7. Por ofício nº …, de 20 de Agosto de 2013, da DF de Coimbra, foi o Requerente solicitado a regularizar a falta de englobamento na sua declaração de IRS de um montante de € 35.456,15 de rendimentos obtidos na Dinamarca (PA, anexo VII)

12.8. O Requerente esclareceu, em 5 de Setembro de 2013, que não era trabalhador da D… na Dinamarca nem auferira quaisquer rendimentos naquele país mas apenas rendimentos pagos pela sociedade C… A/S Sucursal Portugal, por actividade profissional desenvolvida em Portugal e declarados na modelo 3 de IRS, (PA, anexo I).

12.9. Em 6 e 7 de Outubro de 2013 (por e-mail e correio) o Requerente juntou declaração da D…, A/S, confirmando que A... tinha em 2010 sido trabalhador da sucursal portuguesa da empresa que lhe pagava o salário e juntando recibos de “remunerações” dos quais constam um ordenado base de € 800 e ajudas de custo de € 1536,00 (PA, anexos I e  II).

12.10. No dia 14 de Outubro de 2013 a Direcção de Finanças de Coimbra recebeu uma declaração da Autoridade Tributária Dinamarquesa esclarecendo que a comunicação anterior nos ternos do CDT referente a importância recebida em 2010, por A..., se referia não a honorários mas a salário pago pela sucursal Portuguesa da D…, e que não se tratava de um pagamento em duplicado mas de um procedimento de refacturação para a sucursal portuguesa da D… e (PA, RIT p. 2 e Anexo III).

12.11. Por ofício nº …, de 19 de Fevereiro de 2014, a AT solicitou envio de “mapa correspondente às ajudas de custo e respectivas localidades onde foram prestados os serviços e extrato das contas onde se encontram contabilizadas todas as despesas referentes ao trabalhador em causa” (PA, Anexo VI).

12.12. A D… A/S respondeu (e-Mail e fax) enviando uma folha de Excel, onde se refere ter havido deslocações ao exterior em diversos dias dos meses de Janeiro a Dezembro do ano de 2010, e fotocópia do passaporte, com registo de entradas do Requerente no Brasil ao longo do mesmo ano (Doc. nº 6 junto aos autos em Março).

12.13. Todos os recibos de vencimento pagos pela D…… A/S ao primeiro Requerente, em 2010, contém mensalmente um valor certo de “remunerações”, abrangendo nessa designação “ordenado base” (€ 800,00) e “ajudas de custo” (€1536,00), sendo os dois tipos de pagamento efectuados em duplicado nos meses de Julho e de Novembro (PA, anexo II).

12.14. A empresa declarou que, durante o ano de 2010, o Requerente esteve a trabalhar em Portugal entre 6 de Junho e 31 de Julho, na obra …-…(…) e no tempo restante esteve ausente de Portugal, a prestar serviço em diversas obras localizadas em Brasil e Espanha: na obra …, no Brasil, entre 1 de Janeiro e 25 de Fevereiro; na obra …, em Espanha, entre 20 de Março e 5 de Junho; na obra …., em Espanha, entre 1 de Agosto e 5 de Outubro e 25 e 28 de Novembro; e na obra …, no Brasil, entre 25 de Outubro e 8 de Novembro e, de novo, entre 1 e 22 de Dezembro (Doc. 3 junto com o Pedido e Doc. nº 1 junto aos autos posteriormente).

12.15. Relativamente às estadias assinaladas no mapa referido no número anterior, comprova-se emissão de passagens de avião em nome de A… quanto a itinerários Lisboa/Brasil/Lisboa, em 8 de Dezembro de 2009 e 25 de Fevereiro (Docs. 2 e 3 juntos aos autos em Março p.p.); Lisboa/Fortaleza/Lisboa, em 25 de Outubro e 8 de Novembro e 1 de Dezembro e 22 de Dezembro assim como registo de entradas no Brasil (Docs. 6 e 8 junto aos autos em Março p.p.) .

12.16. Relativamente às viagens Lisboa-Fortaleza (26/10) e Fortaleza-Lisboa (09/11) foi emitida uma factura pela LuftHansa em nome de D... … mencionando como passageiro A… (p. 3 do Documento nº 6 junto aos autos em Março p.p.)

12.17. A C… apresentou à Segurança Social um requerimento, datado de 19/08/2010, de emissão de um Formulário E101 relativo ao trabalhador A... comprovativo de que o mesmo se encontraria sujeito à legislação portuguesa durante o período de destacamento, entre os dias 15/08/2010 e 15/10/2010, na empresa E…, SA para exercer por conta da C… um reforço de areia nas praias de Cadiz, Espanha (PA, p. 8 do RIT e doc. nº 4 junto com o Pedido de pronúncia).   

12.18. A acção inspectiva realizada pela Direcção de Finanças de Coimbra (Ordem de Serviço n.° 0I…) considerou que os pagamentos efectuados pela C… a título de ajudas de custo não se destinavam a compensar, indemnizar ou reembolsar o trabalhador por despesas por si efectuadas em serviço e a favor da entidade patronal, relativamente a deslocações do trabalhador enquanto tal e que tenham como ponto de partida o seu local habitual de trabalho, contratualmente definido, concluindo que o Requerente, na declaração de rendimentos, mod. 3, referente a 2010, omitiu rendimentos da categoria A, no montante de € 21.504,00, (1.536,00 x 14 meses) provenientes de rendimentos titulados como ajudas de custo, que assumem a natureza de retribuição — categoria A, conforme o estipulado na Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto e na Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro (Código do Trabalho) e também na alínea a) do n.° 1 do art.° 2.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), descritos nos recibos, que não foram sujeitos a retenção na fonte, nem englobados na declaração de IRS —mod. 3. (PA, relatório IT).

12.19. O projecto de relatório de Inspecção, propondo correcção aos rendimentos da categoria A do primeiro requerente foi enviado através do ofício nº … de 18 de Março de 2014, para efeitos de exercício de direito de audição (PA, p. 4 do RIT).

12.20. O Requerente exerceu o direito de audição através de documento entrado na Direcção de Finanças de Coimbra em 7 de Abril de 2014 (PA, p. 4 do RIT).

12.21. As provas e argumentos juntos pelos Requerentes na audição prévia foram considerados improcedentes (informação de 16 de Abril de 2014) e o projecto de relatório de inspecção foi convertido em definitivo por despacho do Director de Finanças de 17 de Abril de 2014. (PA, Relatório da IT).

12.22. Os Requerentes foram notificados do documento de liquidação n.° 2014…, datado de 3 de Junho de 2014, para pagamento de IRS e juros compensatórios, no montante total de € 4.737,59 até 9 de Julho de 2014 (Pedido, introdução e ponto VII; Resposta, art. 1º e documento de cobrança introduzido junto com Pedido).

12.23. O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pelos Requerentes em 3 de Outubro de 2014.

 

13. Factos não provados

Não ficou provado:

13.1. Qual o tipo e conteúdo do contrato de trabalho em vigor, no exercício de 2010, entre o Requerente e a C…, Sucursal em Portugal.

13.2. Que o Requerente e a entidade patronal tenham assinado qualquer acordo escrito acerca de remunerações acessórias e/ou forma de cálculo de ajudas de custo.

13.3. Que o Requerente nas suas deslocações e estadias para trabalhar em obras no estrangeiro (Brasil e Espanha) durante o exercício de 2010, ao serviço da D… A/S, tenha suportado todas as despesas com deslocações e estadias (alojamento e alimentação).

13.4. Que as despesas referidas no número anterior tenham sido integralmente custeadas pela entidade patronal.  

13.5. Qual a situação fiscal da C… em Portugal em 2010, nomeadamente se esteve sujeita a tributação em IRC por lucros realizados em Portugal.

 

14. Fundamentação dos factos provados e não provados

A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida - os documentos referidos em 11, a matéria assente por acordo expresso ou tácito, e os depoimentos das testemunhas, com destaque para as seguintes informações:

A testemunha F…, apresentado pelos Requerentes, encarregado de obra marítima, a trabalhar há 13 anos na C… em dragagens e manutenção de portos zonas portuárias e alimentação de praias artificiais disse conhecer o Requerente de quem é chefe sempre que trabalham na mesma obra. Não sabe qual o regime contratual aplicável ao Requerente e informou que a obra da Caparica terminou em 2010. Disse que pensava que o Requerente, em 2010, andou no Brasil e em Espanha, insistindo que “andava sempre fora”. Considera o Requerente um trabalhador especialista na montagem de pipe-lines, que é sempre escolhido quando vão para Espanha. Declarou nada saber sobre o pagamento de salário base de € 800,00 e de € 1536,00 a título de ajudas de custo, mas disse que era costume haver um pagamento combinado mensal para despesas (hotéis, viagens, etc) porque os trabalhadores da C… Sucursal em Portugal (10 ou 12) andam sempre por fora. Não respondeu sobre o tipo de acordo existente quanto a pagamento de ajudas limitando-se a afirmar que a empresa definia um valor porque os trabalhadores “estão sempre fora”.

 

A testemunha apresentada pela Requerida, G…, chefe de equipa que realizou a inspecção tributária, explicou que o caso foi desencadeado pela aplicação da CDT, Convenção para evitar a Dupla tributação entre o Reino da Dinamarca e Portugal (informação chegada à Direcção de Finanças de Coimbra, através da Direcção de Serviços das Relações Internacionais) e que o entendimento da administração dinamarquesa era que os montantes pagos estariam, na totalidade, sujeitos a pagamento de imposto sobre o rendimento. Mas houve um engano porque, afinal, era a sucursal e não a sede da C… que efectuava os pagamentos ao trabalhador. Os serviços da Direcção de Finanças de Coimbra intervieram por se tratar da área de residência do Requerente, desconhecendo a situação fiscal da entidade patronal sobre a qual não incidiu a acção inspectiva. Lamentou ter sido muito difícil obter a colaboração da empresa no envio de elementos, não tendo sido enviados, ao contrário do que acontece em casos semelhantes, nem o acordo adicional referente a pagamento de ajudas de custo, nem os comprovativos da realização efectiva das obras onde era declarado ter estado deslocado o Requerente.  

 

15. Aplicação do direito

15.1. Rendimento do trabalho dependente e sua tributação

15.1.1. O rendimento de trabalho segundo a lei laboral

O presente litígio tem como objecto a qualificação de uma parte dos pagamentos feitos ao Requerente pela C… mas as Partes estão de acordo quanto à existência de uma relação de trabalho dependente entre o Requerente e a referida empresa, invocando o Requerente a aplicação de um contrato de trabalho junto aos autos.

 

Segundo o Código do Trabalho em vigor, aprovado pela  Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro[1], “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” (ar. 11º) e “considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”, compreendendo “a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”, presumindo-se “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (artigo 258º, nºs 1 a 3). O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição (art. 263º, nº 1) e direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias (art. 264º, nº 2).

 

Com interesse para o caso em apreciação, dispõe ainda o nº 1 do artigo 260º que “Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”[2].

 

Os conceitos acima referidos não constituem qualquer ruptura com a legislação antecedente[3] pelo que se pode reproduzir, por merecerem concordância deste tribunal, as considerações e citações doutrinais feitas no Acórdão proferido pelo TCAS, em 5 de Junho de 2003, proc. nº 05036/01 (Relatora Dulce Neto), designadamente :

-          A retribuição surge como um conjunto de valores, expressos ou não em moeda, a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade patronal, integrando todos os benefícios outorgados dela entidade patronal que se destinem a integrar o orçamento normal do trabalhador conferindo-lhe a justa expectativa do seu recebimento dada a sua regularidade e continuidade periódicas;

-          Da retribuição excluem-se apenas as prestações que, embora sendo devidas, têm um carácter meramente ocasional (v.g., a remuneração por trabalho suplementar - art. 86° da LCT) e as que se traduzem em simples compensações ou reembolsos por despesas do trabalhador feitas em serviço da entidade patronal - art. 87° da LCT);

-          As ajudas de custo (e demais prestações então enumeradas no art. 87° da LCT) visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo um correspectivo da prestação do trabalhador, característica da retribuição;

-          A doutrina acentua que característica essencial destas prestações é o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e instalações que teve de efectuar em serviço, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho (cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in "Colectânea de Leis do Trabalho"; pág. 89 e segs.; Menezes Cordeiro, in ”Manual de Direito do Trabalho”; págs. 721 e segs. e Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”; vol. I, 8ª edição, págs. 361 e segs.).

-          Assim, as importâncias pagas a título de ajudas de custo tanto podem, como não podem, considerar-se parte da remuneração, consoante a realidade que lhes subjaz (sublinhado nosso)

 

Esta última conclusão, cuja relevância se acentua, será retomada adiante. 


15.1.2. A tributação dos rendimentos de trabalho dependente em IRS

O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares inclui na sua base de incidência os rendimentos do trabalho dependente (categoria A), todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes, designadamente, de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado e de trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante (alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do CIRS).

 

Segundo o nº 2 do artigo 2º do CIRS, as remunerações referidas no nº 1 “compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não”.

 

As normas do CIRS [4] ao abrangerem os rendimentos obtidos no quadro de relações de trabalho subordinado ou em situações equivalentes, remetem para o direito do trabalho, mas a lei fiscal efectua uma tipificação muito ampla, com o propósito de “uma inclusão esgotante, na incidência do imposto de todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente”[5].

 

Assim, o nº 3 do artigo 2º procede a uma enumeração exaustiva de pagamentos considerados rendimentos de trabalho dependente, embora em muitos deles os considere apenas parcialmente, ou com exclusão se preenchidos certos pressupostos.

 

A alínea d) do nº 3 do art. 2º dispõe que se consideram rendimentos do trabalho dependente “As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.

 

Os casos de não sujeição das ajudas de custo são justificados por não se tratar de um rendimento efectivo mas de um reembolso ou adiantamento relativo a despesas suportadas pelo trabalhador no interesse da entidade patronal. A não sujeição é condicionada de forma a evitar práticas abusivas[6]. Desde logo quanto ao valor, já que o Código não exclui a tributação sobre os montantes de ajudas de custo superiores aos limites legais fixados anualmente para os servidores do Estado (nº 3, d), e nº 14 do art. 2º, na redacção vigente em 2010).

 

Também se supõe serem no interesse da entidade patronal e de excluir da tributação em IRS [7], as despesas com deslocações, viagens, representação efectuadas pelo trabalhador e suportadas pela entidade patronal sempre que aquele preste delas contas até ao termo do exercício, por exemplo entregando a correspondente documentação comprovativa (art. 2º, 3, d)[8].

 

15.2. A jurisprudência

Existem numerosas decisões jurisprudenciais das secções de contencioso tributário dos tribunais fiscais superiores (TCAS, TCAN e STA[9]), não existindo sempre uniformidade na doutrina adoptada quanto a todas as questões relevantes para solução dos casos controvertidos.

 

15.2.1. As remunerações sujeitas a IRS

Pode-se dizer que existe uniformidade nas decisões jurisprudenciais quanto às conclusões de que:

- a remuneração sujeita a incidência de IRS é um conceito amplo que abrange de forma bastante exaustiva os montantes pagos pela entidade patronal aos trabalhadores;

- são, desde que observados os pressupostos legais, excluídas de tributação as importâncias pagas aos trabalhadores que se destinam a compensar despesas efectuadas por aqueles no interesse da entidade patronal.

 

Já surgem diferenças de entendimento, designadamente, quanto à exigência de prova da natureza dos pagamentos, à relevância da condição de observância pelas ajudas de custo “dos limites legais”, forma de cálculo das ajudas de custo, distribuição do ónus da prova. Vejamos algumas situações.

 

15.2.2. A distribuição do ónus da prova (artigos 74º da LGT e 100º do CPPT, antes art. 121º CPT)

Acerca da distribuição do ónus da prova quanto à matéria, este tribunal subscreve a análise do Acórdão proferido pelo TCAS, em 3 de Abril de 2004, no proc. nº 69/03: «Como é sabido, no nosso sistema fiscal vigora o princípio da tributação segundo o método declarativo, ou seja, por princípio, a AT ao diligenciar no sentido de obter aquele objectivo, tem de ater-se ao que os cidadãos contribuintes declararam como rendimentos tributáveis. Este princípio, pela sua própria natureza, impõe, por um lado, um dever de cooperação acrescida dos contribuintes, no sentido de facultarem, com aderência à realidade, à AT, os seus rendimentos sujeitos a tributação e, por inerência, os necessários elementos de controlo do declarado, enquanto, por outro lado, à última, obriga a fiscalização e controlo daquelas declarações no sentido de acautelarem, tanto quanto possível, que os rendimentos a tributar correspondem, de facto, à realidade. Em resultado do que se vem de referir, na medida em que a AF não aceite a declaração apresentada pelo contribuinte e se lhe substitua no apuramento da matéria colectável, cabe-lhe a ela o ónus entendido no sentido substancial e não meramente formal, de que as diligências probatórias, desde que surgidas como relevantes no decurso da instrução do processo, na sequência do articulado pelas partes, incumbem tanto a estas, como ao próprio Tribunal, sem embargo de, a dúvida dos mesmos se revelar desfavorecedora da parte que com tal ónus se encontrava vinculada, de demonstrar os requisitos factuais legitimadores de uma tal conduta que se configura como agressiva dos interesses do destinatário».

 

Ter-se-á, então, que ter em conta o resultado do esforço probatório da AT no sentido de demonstrar a existência de facto tributário e do contribuinte em sentido contrário, verificando, a final, quais as certezas e dúvidas resultantes.

 

A este propósito, e tendo em conta o tema dos autos, cita-se jurisprudência diversa.

 

O Acórdão do TCAS de 13/05/2003, proc. 6910/02 (Relator Francisco Rothes), considerou que no caso de a AT se basear em factos-índice que, apreciados à luz das regras da experiência comum, permitem a conclusão de que os montantes auferidos pelo trabalhador da sua entidade patronal a título de ajudas de custo não tinham carácter compensatório, satisfaz o dever de investigação que sobre ela impende em sede de procedimento administrativo-tributário e fica legitimada a efectuar correcção dos rendimentos declarados (nos quais se omitiu tais montantes) e a consequente liquidação adicional de IRS. Compete, nesse caso, ao contribuinte demonstrar que os rendimentos em causa têm carácter compensatório de despesas por ele efectuadas em favor da sua entidade patronal e, se não conseguir tal objectivo, a liquidação não merece censura, não sendo aplicável a regra do art. 121.º do CPT (correspondente ao art. 100º do CPPT).

 

No Acórdão do TCAS de 21/11/2006, proc. 264/04 (Relatora Ivone Martins), concluiu-se que “A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se «fundada», na ausência ou na inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário». Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida”. (II do sumário).[10]

 

No Acórdão do TCAS de 6 de Maio de 2003, proc. 5036/01 (Relatora Dulce Neto)[11], estando em causa a caracterização de verbas incluídas nos recibos de vencimento como prémios, foi considerado que, dada a natureza normal e permanente (embora com uma periodicidade distinta da remuneração-base), apesar de ter sido alegado pelo impugnante que os prémios apenas visavam reembolsá-lo das despesas que ele próprio teve de suportar na sequência de deslocações ao serviço e em favor da entidade patronal, o impugnante não fizera essa prova, não tendo sequer alegado que essas importâncias tinham sido pagas ao abrigo de qualquer contrato ou convenção colectiva de trabalho ou acordadas e pagas em substituição do pagamento de despesas à factura.

 

E assim, foi confirmada a sentença da 1ª instância que considerara que cabia ao impugnante provar que tais pagamentos constituíam ajudas de custas, pela demonstração de que correspondiam a determinadas despesas por si suportadas nas viagens ao estrangeiro a reembolsar pela entidade patronal.

 

E em tal entendimento não existiria “contradição com a fundada dúvida do art. 121º do CPT” por este não ter aplicação ao caso, dado que “o ónus nele consagrado se refere exclusivamente às situações em que é a AF a afirmar e a quantificar um facto tributário e não às situações em que está apenas em causa a natureza ou qualificação de determinado rendimento cujo recebimento e quantificação não vêm questionados”.

 

Pronunciando-se sobre um caso idêntico (natureza do mesmo tipo de subsídio) [12], o Acórdão do STA de 5 de Julho de 2012 (Proc. 0764/10) também considerou que apurar se às quantias pagas a título de subsídio deve ser atribuída natureza compensatória ou remuneratória implica um trabalho de “qualificação do facto tributário” que não tem hoje expressão no artº 100º do CPPT.

 

Mas nesse caso, o STA, apesar de ter em conta que “existe uma presunção de que toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador constitui retribuição, pelo que, nos termos dos artigos 344º e 350º do Código Civil tem a Administração Fiscal (…) uma presunção a seu favor o que determina que não tem de fazer prova do facto que invoca, sendo contudo elidível esta presunção (…) pelo impugnante (...)”, entendeu também que “o carácter de permanência ou regularidade dos reembolsos das despesas não permite, por si só, a conclusão de deixaram de constituir uma compensação, ou seja, não permite, por si só, descaracterizar a sua qualidade de ajuda de custo. E para que assim não seja, torna-se necessário que se demonstre que existiu uma vantagem patrimonial retirada pelo beneficiário”.

 

Assim, quanto à natureza jurídica dos montantes pagos pela então recorrida a título de prémios ou ajudas de custo o STA veio a decidir que o probatório fixado permitia ilidir a presunção de que se tratava de retribuição por ser facto público e notório que ocorria um maior gasto nas viagens no estrangeiro e que deveria ser reconhecido aos trabalhadores em causa sem atentar no número de viagens efectuadas por cada um, por previsíveis e compreensíveis facilidades de contabilidade[13] e que a administração fiscal não demonstrara que a dimensão dos pagamentos excedera os limites legais anuais admissíveis.

 

As decisões acima referidas, embora com oscilações de fundamentação, assentam em que: a lei presume que todos os pagamentos feitos aos trabalhadores constituem retribuição, base de incidência de IRS; são excluídas da incidência, até certo montante, as ajudas de custo que correspondam a verbas atribuídas para compensação de despesas feitas ao serviço da entidade patronal; no caso de serem declarados pagamentos de ajudas de custo, a Administração poderá por em causa essa natureza, cabendo ao contribuinte provar a reunião dos respectivos pressupostos; o tribunal deverá avaliar os argumentos em presença (importância dos elementos indiciários reunidos pela Administração Tributária, valor da prova e argumentos invocados pelo contribuinte).

 

Relevante ainda é que a dúvida sobre a qualificação jurídica dos factos é da responsabilidade do tribunal, no exercício do dever de julgar (art. 8º do Cód. Civil). E que, nesse aspecto, o artigo 100º do CPPT não contém nenhuma regra de decisão a favor do contribuinte[14] mas apenas em caso de dúvida sobre a existência de facto tributário ou a quantificação do facto tributário [15].

 

15.2. 3 - A qualificação como ajudas de custo – elementos probatórios

Tem sido acentuado por um conjunto apreciável de decisões judiciais que “não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova”, em conformidade com o preceituado no art. 134º do CPT (depois art. 72º da LGT e 115º do CPPT)[16].

 

Mas várias decisões, ainda que adoptando a mesma perspectiva, valorizaram a necessidade de essa prova ser feita pelo trabalhador/impugnante, exemplificando fundamentos susceptíveis de, conjugadamente uns com os outros, justificarem a correcção pela administração tributária da qualificação de rendimentos.

 

Exemplos de fundamentos relevantes, quando conjugados, são: existência de pagamentos de valor superior às remunerações; processamento de ajudas de custo (ou subsídios de deslocação) nos meses de férias e subsídios de Natal; ausência de documentos justificativos das ajudas de custo, designadamente qualquer documento individual onde se encontre discriminado a hora de saída, local da realização do trabalho, hora de chegada e motivo da deslocação.

 

Muito significativo é, por exemplo, o Acórdão do TCAS de 13 de Maio de 2003 (proc. 06910/02), que com base em indícios dos acima indicados considerou: “Na verdade, estes factos-índice, apreciados à luz das regras da experiência comum e conjugados uns com os outros, permitem a conclusão, com um grau de certeza que ultrapassa o da mera verosimilhança ou probabilidade, de que os montantes abonados a título de ajudas de custo não se destinam a compensar os trabalhadores de quaisquer despesas efectuadas por estes em favor da sua entidade patronal, sendo antes um complemento da remuneração”.[17]

 

Mas a valoração destes indícios e da sua coexistência varia bastante de acordo com a situação concreta, dando origem a decisões variáveis, resultantes do balanço efectuado pelo tribunal em cada caso particular. 

 

Por exemplo, relativamente a trabalho prestado no estrangeiro, poder-se-á dizer que surge como relevante a forma como é acordada a execução de tal prestação.

 

No caso de existir um contrato pelo qual o local principal de trabalho é em Portugal mas foi acordada uma deslocação temporária, um número elevado de decisões aceitou a qualificação de pagamentos certos, efectuados conjuntamente com os salários, como ajudas de custo (cf. acórdãos proferidos pelo STA nos processos 1042/07, 1043/07, 1044/07, 1055/07, 1063/07, 1065/07, 764/10, 146/13, 901/14 e pelo TCAN nos processos 237/06, 272/06, e 209/08).

 

Já tratando-se de situações em que o local de prestação de trabalho foi fixado no contrato de trabalho como situado no estrangeiro, os montantes previstos como pagamento de ajudas de custo, para mais tratando-se de quantias certas e pagas regularmente, foram decididos, em vários casos, como configurando complemento de retribuição (cf. Acórdãos do TCAN, de 8 de Novembro de 2007 (proc. 1006/04) [18] e do TCAS de 3 de Abril de 2003 (proc. 69/03), de 30 de Setembro de 2003 (proc. 700/03) e de 11 de Novembro de 2003 (proc. 598/03)[19].

 

15.3. A qualificação da situação de facto à luz da prova produzida e do direito aplicável

Pelos dados existentes no processo administrativo e recolhidos nos autos, conclui-se que o Requerente é um trabalhador que realiza uma função que exige especialização e trabalho árduo e encontra-se numa situação contratual em que, embora mantendo a residência (e família) em Portugal, é deslocado pela entidade empregadora, C…, para diferentes locais de empreitadas no estrangeiro, por vezes muito longínquos. Para além da qualidade do seu trabalho, é notório que poderá apresentar, para a empresa multinacional dinamarquesa, uma vantagem, por razões linguísticas, de facilidade de contacto com os trabalhadores locais em países como Brasil e Espanha.

 

Segundo a factualidade fixada, concluiu-se que o contrato junto aos autos se encontra caducado, não sendo junto o contrato actualmente vigente ao abrigo do qual o Requerente se encontra “quase de forma permanente deslocado em serviço fora do país” (cf. testemunha F… e alegações), não sendo sequer possível confirmar  documentalmente se o local acordado efectivo de prestação de trabalho é em Portugal, no estrangeiro ou se é indeterminado (onde houver obras em que os serviços do Requerente sejam necessários). 

 

Também não foi junto qualquer acordo escrito entre a entidade patronal e o Requerente sobre condições de prestação de trabalho quando há deslocação ou, como é invocado, sobre como se chegou ao cálculo de uma importância fixa por conta das múltiplas deslocações.[20]

 

Resulta de elementos juntos aos autos que pelo menos algumas das despesas com viagem terão sido suportadas pela entidade patronal e não foram adequadamente comprovadas as despesas feitas pelo requerente com a sua estadia (alojamento e alimentação), sendo até de admitir que o Requerente poderá ter usufruído de alojamento em estaleiro e alimentação em cantinas da empresa.

 

A AT não levantou dúvidas sobre o contrato actualmente vigente mas terá instado a empresa a dar detalhes sobre as obras e trabalhos realizados, que não terão sido enviados.

 

Embora, como já referido, tudo indique que o contrato de trabalho – escrito ou não – vigente em 2010 tivesse um conteúdo diferente do junto aos autos, não se pode concluir que o local acordado como local de trabalho seja um território localizado fora do território português. Antes se poderá considerar (cf. factos provados - 11.18., e prova testemunhal) que o local de trabalho é, contratualmente, em Portugal, embora admitindo o trabalhador ser deslocado para onde a entidade patronal considerar necessário. 

 

Ou seja, o caso dos autos situa-se numa zona fluida, em que a realidade subjacente tanto pode configurar as importâncias em questão como ajudas de custo ou remuneração (Acórdão TCAS, proc. 5036/01).

 

Aparentemente, a C… Sucursal em Portugal recruta em Portugal trabalhadores qualificados para se deslocarem quando necessário a locais onde tem obras (eventualmente subempreitadas), nalguns casos bastante distantes, mesmo noutros continentes, a quem paga salários base, de montante reduzido para a relevância do trabalho, acrescidos de importâncias superiores, pagas a título de ajudas de custo. A sua regularidade e forma de pagamento (inclusivamente com subsídio de férias e de Natal) tornam justificável a desconfiança de que se trata de um complemento de salário [21] que, pago desta forma, apresentaria poupanças de imposto e contribuições para a segurança social para trabalhador e entidade patronal  (embora com outras desvantagens para o trabalhador).

 

Contudo, verifica-se também que nos autos não ficou provado que os gastos com estadia – habitação e alimentação - no estrangeiro tenham corrido por conta da entidade patronal, não havendo prova de que a AT tenha realizado diligências no sentido de esclarecer essa situação junto da empresa, quer relativamente a este trabalhador quer outros.

 

E tais diligências seriam justificáveis – trata-se de uma sucursal a funcionar em Portugal sujeita a IRC nos termos do art. 2º, 1, c) e 3º, 1, c) – de molde a compreender o tipo de relacionamento existente com o Requerente, sendo certo que a entidade patronal tem intervenção na eventual incorrecta aplicação da lei por errada qualificação dos pagamentos efectuados ao trabalhador já que é responsável pela retenção e pagamento de IRS nos termos do art. 99º do CIRS, das regras do Decreto-lei nº 42/91, de 12/01, e artigo 28º, nº2 da LGT.

 

Assim, apesar de o pagamento de importâncias qualificadas como ajudas de custo em montante superior ao do ordenado base, de forma regular, inclusivamente conjuntamente com o subsídios de férias e 14º mês, constituir um forte indício de que se trata de um complemento de salário e não de ajudas de custo[22], permanece, igualmente, forte dúvida sobre a medida em que o trabalhador suportou, por sua conta, custos com dormida e alimentação durante as deslocações em obras fora de Portugal que, tudo indica, são um objectivo fundamental da sua contratação.

 

Ou seja, é possível que, numa situação destas, o trabalhador tenha acordado em receber uma quantia certa distribuída em prestações, por conta do que havia de vir a suportar com gastos em deslocações, uma espécie de cálculo forfetário, por razões de simplificação, como vem invocado. 

 

É certo que tal situação – convenção, por razões de alegada dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação, de atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos – ao deixar para o trabalhador a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar, pode gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efetivamente suportados, e qualificáveis como remuneração acessória (parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS), como admitiu o Acórdão do TCAN, de 13/02/2014, proc. 00237/06.

 

Mas, tal como nesse acórdão, o presente tribunal, reconhece que “a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objetivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais”. (ibidem)

 

Trata-se também de saber se neste processo a prova produzida (ou não produzida) e as dúvidas remanescentes são de molde a poder aplicar-se o disposto no artigo 100.°, n.º 1 do CPPT, segundo o qual sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado, ou de algum outro modo, considerar-se que foi elidida pelo Requerente a presunção esgrimida pela Administração Tributária, baseada em indícios, de que os pagamentos efectuados como ajudas de custo não constituíam compensação de gastos a cargo do trabalhador em deslocações ao serviço da empresa mas complemento de retribuição.

 

Recorde-se, a este propósito, que o Acórdão do TCAS, de 21/11/2006, in proc. 264/04, considerou improcedente recurso interposto de sentença que decidira que “a dúvida sobre as deslocações não é fundada uma vez que a admitir­-se o depoimento das testemunhas como verdadeiro o mesmo não joga com o facto de as ajudas serem idênticas em todos os meses, respeitarem a 14 meses e a quilometragem creditada não corresponder à percorrida”, e em que “competia ao recorrente fazer a demonstração e esclarecimento destas contradições, o que não foi feito”. [23]

 

Contudo, nesse caso, a situação de pagamento de 14 meses de ajudas de custo referia-se a uma situação de deslocações no território nacional de administradores de empresa, sendo difícil provar as que haviam sido feitas em carro próprio e em carro da empresa. [24]  [25]

 

Já no caso dos presentes autos, ficou provado que o Requerente deslocou-se e esteve ausente durante longos períodos no estrangeiro a trabalhar em empreitadas da entidade que lhe efectua os pagamentos a título de salário e ajudas de custo e não ficou provado quem pagava e como era paga a estadia (dormida e alimentação) durante os períodos em causa em locais, que, no estrangeiro ou no país, sempre se situam longe da residência dos Requerentes. 

 

Atendendo a que se essas despesas tiverem sido efectivamente um custo suportado pelo trabalhador, a desconsideração como ajudas de custos dos montantes pagos em 14 prestações (o que, em si, indiciaria tratar-se de complemento de salário...) constituiria uma injustiça face a casos semelhantes em que se tem generalizado, na construção civil, essa prática de pagamento de despesas suportadas aquando de deslocações em trabalho[26], conclui-se que subsistem fortes dúvidas sobre a quantificação do facto tributário[27], levando a considerar procedente o presente pedido

 

Trata-se, contudo, de uma interpretação a que se chega após balanço das circunstâncias concretas do caso [28], balanço difícil e influenciado pela ausência de elementos que a Administração Tributária poderia ou deveria ter obtido da entidade pagadora acerca das circunstâncias da atribuição de montantes a título de ajudas de custo. A Requerida não conseguiu, designadamente, provar, ou pelo menos encontrar elementos indiciários fortes de que foi a entidade patronal a alojar e alimentar o Requerente na sua deslocalização para trabalhar em diversas obras.

 

Assim, face à prova produzida quanto ao modo como o Requerente exerceu, em 2010, o seu trabalho ao serviço da entidade patronal – sucursal em Portugal de multinacional estrangeira -  acorrendo a obras em diversos locais e permanecendo por longos períodos fora do território nacional, e face à falta de prova de que é a entidade patronal a custear as estadias (alojamento e alimentação) do Requerente ou de que foram excedidos os limites legais previstos para atribuição de ajudas de custo, o tribunal conclui não se encontrarem reunidos os requisitos conducentes à qualificação dos montantes atribuídos a título de ajudas de custo como retribuição sujeita a incidência de IRS.

 

16. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral declarando ilegal a liquidação de IRS relativa ao ano de 2010 (nº 2014…) e dos respectivos juros compensatórios, no montante global de € 4,737.59, com demais consequências legais.

b)      Condenar a AT em custas.

 

17. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.737,59 (quatro mil setecentos e trinta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos).

 

18. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de Junho de 2015.

 

A Árbitro

(Maria Manuela Roseiro)

 



[1] A Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovara o anterior Código do Trabalho, assim como a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, diploma que regulamentou o C.T.

[2] Já o artigo 87º do DL n.º 49.408, de 24/11/69 (referido por jurisprudência adiante citada) dispunha: «Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as despesas normais tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador».

[3] Quanto ao conceito de retribuição, cf. artigos 249º, 254º, 255º, 260º do Código de Trabalho aprovado pela Lei nº nº 99/2003, de 27/8, e artigos 82º e 87º do 49.408, de 24/11/69 (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho) e art.6º, nº 2 do DL 874/76 (retribuição subsídio de férias).

[4] As alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 2º incluem ainda: «Exercício de função, serviço ou cargo públicos» e «Situações de pré-reforma, pré-aposentação ou reserva, com ou sem prestação de trabalho, bem como de prestações atribuídas, não importa a que título, antes de verificados os requisitos exigidos nos regimes obrigatórios de segurança social aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou, mesmo que não subsista o contrato de trabalho, se mostrem subordinadas à condição de serem devidas até que tais requisitos se verifiquem, ainda que, em qualquer dos casos anteriormente previstos, sejam devidas por fundos de pensões ou outras entidades, que se substituam à entidade originariamente devedora».

[5] Cf. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 2014, 3ª ed., p.52. O Autor acrescenta: «O conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral e, eventualmente, que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social». Sobre a diferença de âmbito da lei laboral (tendo em conta os anteriores artigos da LCT, 82º, 86º, 88º e 89º) e o art. 2º, nº 2 do CIRS, Luís Menezes Leitão assinalou como a remuneração por trabalho extraordinário, as gratificações e a participação nos lucros, apesar de excluídas do conceito de retribuição na lei laboral integram, desde que em conexão com a prestação de trabalho, o conceito de remuneração objecto de incidência da categoria A do IRS (in A tributação dos Rendimentos de Trabalho Dependente em IRS, CTF nº 408, p. 17).

[6]Rui Duarte Morais, ob. cit. pp. 52 e 53, observa que o regime fiscal destas despesas visa garantir dois interesses conflituantes: a integral dedutibilidade fiscal das que são instrumento necessário à obtenção de proveitos empresariais e evitar situações de dupla evasão fiscal (em IRC e IRS).

[7] Com exclusão daquelas que aconteçam no interesse directo do trabalhador.

[8] Porém a lei tributa autonomamente este tipo de despesas procurando por via indirecta tributar o rendimento que assim pode ser obtido pelo trabalhador ou por terceiros (Duarte Morais, ibidem, p. 53). Não há contudo lugar a tributação autónoma se as vantagens tiverem sido tributadas na esfera do beneficiário por existir um contrato escrito (art. 2º, nº 3, b), ponto 9) ou relativamente à parte das ajudas de custo que por excederem os limites previstos na lei seja considerada remuneração do trabalhador (Idem, ibidem, p. 174 e nota 372).

[9] Procedeu-se à análise de um conjunto de decisões destes tribunais, identificando-se correntes jurisprudenciais quanto às questões relevantes na decisão da questão objecto do presente processo. Foram tidos em conta, designadamente, os seguintes Acórdãos: do TCAN, proferidos nos processos nºs 1006/04, 245/06, 197/04 (em 16/03/2006); 209/08; 272/06, 209/08; do TCAS, os proferidos os processos nºs 5036/01; 6166/01; 6785/02; 6910/02; 6274/02; 2527/99; 60/03; 466/03; 598/03; 700/03; 1338/03; 734/03; 735/03; 823/03; 1037/03; 246/04; 287/04; 3085/09; 2840/09; 7254/14; do STA, os proferidos nos processos 25481; 832/03; 1099/06; 2690/08; 1043/07; 1043/07; 1044/07; 1082/04; 764/10, 146/13.

[10] Na avaliação da prova produzida o tribunal considerara, designadamente, que: «Embora as testemunhas ouvidas tivessem feito alusão a deslocações do recorrente não precisaram a quantidade das mesmas, não souberam explicar porque as mesmas foram consideradas relativamente a 14 meses, não souberam esclarecer o tribunal sobre a discrepância entre a quilometragem percorrida e debitada à empresa. É certo, como se refere na douta sentença em recurso que parece haver algumas dúvidas nas deslocações invocadas. Mas essas dúvidas não se mostram fundadas face ao que acima se referiu. Efectivamente dispõe o artigo 100.°, nº 1, do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Ora a dúvida sobre as deslocações não é fundada uma vez que a admitir­-se o depoimento das testemunhas como verdadeiro o mesmo não joga com o facto de as ajudas serem idênticas em todos os meses, respeitarem a 14 meses e a quilometragem creditada não corresponder à percorrida».

[11] Já referido por ter considerado que até prova em contrário presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador mas que podem ser excluídas desse conceito as importâncias pagas para compensar ou reembolsar os trabalhadores de despesas por eles feitas com deslocações ao serviço da entidade patronal, cabendo verificar qual a realidade subjacente a cada caso.

[12] Estava em causa a apreciação da legalidade da liquidação de contribuições para a Segurança Social sobre  importâncias pagas a título de ajudas de custo.

[13] É verdade que acrescentando “e atento o pequeno montante da ajuda de custo em causa, sendo certo e decisivo, que não era paga nas férias nem incluída no subsídio de férias ou de Natal” .

[14] Cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, 6ª edição vol. II pag. 134 e 135. O autor considera que isso representaria uma aplicação do critério interpretativo in dubium contra fiscum, rejeitado pela LGT (nº 1 do art. 11º).

[15] Jorge Lopes de Sousa (ob. cit., ibidem) recorda que o nº1 do artº 100º do CPPT fazia inicialmente referência a “dúvidas sobre a qualificação do facto tributário”, mas a Lei nº 3-B/2000 de 4 de Abril substituiu a palavra “qualificação” por “quantificação”, levando a crer que se tratou da correcção de um lapso da redacção inicial.

[16] Cf. Acórdão do STA de 15/11/2000, p. 025481; Acórdãos do TCAS de 19/03/2002 (p. 6166/01), de 5/11/2002 (p. 6785/02), de 13/05/2003 (p. 6910/02), 7/10/2003 (p. 466/03), de 6/2/2009 (p. 3085/09).

[17] Cf. tb. Acórdãos do TCAS proferidos nos processos 1037/03, 264/04 e 237/06 (neste caso, sem reunião dos diversos indicadores).

[18] Cf. conclusões (sumário): «I -Provado que esteja que o recorrido foi contratado para trabalhar num país estrangeiro, sendo aí o seu local de trabalho, e que não houve mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações e novas instalações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual ou por força da transferência das instalações da sua entidade patronal, não pode deixar de se concluir que as prestações auferidas pelo contribuinte a título de ajudas de custo integravam a respectiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta,I.1-tal é tanto mais assim quanto mais a situação se mostra reforçada pelo facto de terem sido logo estipuladas contratualmente, com natureza fixa, regular e permanente, por cada dia de trabalho efectivo, independentemente da existência de quaisquer deslocações ocasionais efectuadas em serviço e a favor da entidade patronal. II -Não é pelo facto de o trabalho ser prestado no estrangeiro, sem mais, que a entidade patronal pode suportar, a título de ajudas de custo, as despesas de alojamento e alimentação do trabalhador.II.1-Relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efectuadas ao serviço e a favor desta».

[19]Um outro Acórdão TCA no mesmo sentido (em 17/03/2004, proc. 6585/01) veio a ser revogado pelo Pleno da Secção de CT do STA (Ac de 8/11/2006, proc. 1082/04). Contudo, parece duvidoso que esta decisão do Pleno represente uma clara corrente jurisprudencial em sentido oposto à referida já que, na qualificação dos montantes pagos, apenas deu relevância à observância do limite legal fixado para os servidores do Estado e não a “verificação da falta de pressupostos da própria atribuição das ajudas de custo”, como acontece na generalidade das decisões (cf. acórdão posterior do mesmo relator, de 12 de Março de 2008, proc. 1042/07).

 

[20] De realçar que em diversos casos objecto da jurisprudência aqui analisada e citada, os contribuintes citaram regras constantes do CCT para o sector da construção civil e obras públicas, designadamente no sentido de as deslocações para fora do continente serem sempre objecto de acordo escrito entre o trabalhador e a entidade patronal, podendo acordar-se o pagamento de ajudas de custo.


 

 

[21] Cf. jurisprudência já citada (incluindo os Acórdãos TCAS nos processos 700/03 e 1037/03 invocados pela requerida), no sentido de um conjunto de elementos indiciários poderem legitimar tal juízo.

[22] O Acórdão proferido em 5/7/2012, pelo STA (proc.764/10), aceitou a qualificação como ajudas de custo de determinados subsídios, apesar de pagos regularmente, considerando decisivo o facto de não serem pagos nas férias e Natal: «É de aceitar, também, a sua consideração genérica a todos os camionistas com idas ao estrangeiro sem atentar no número de viagens efectuadas por cada um, por previsíveis e compreensíveis facilidades de contabilidade e atento o pequeno montante da ajuda de custo em causa, sendo certo e decisivo, que não era paga nas férias nem incluída no subsídio de férias ou de Natal.»


 

 

[23] Nesse caso, embora admitindo que «o impugnante efectuou deslocações, em períodos e distâncias que não foi possível apurar com exactidão, talvez fosse mais equitativo, e justo, fixar uma determinada e razoável quantia a esse título que, não sendo coincidente com os valores recebidos, ainda assim subtrairia uma parcela destes à tributação», o tribunal, porque «não pode resolver a questão segundo a equidade (art.º 4 Cód. Civ.)», confirmara as liquidações.

[24]Terminava assim o referido Acórdão: «Ou seja, o que resulta dos depoimentos é que o Recorrente embora fizesse deslocações ao serviço da empresa, pelo menos grande parte delas eram feitas no carro da empresa, com motorista inclusive, e, quanto às restantes, desconhece-se quais os kms feitos e quais os dias em que as deslocações tiveram lugar, tal como se desconhece qual o “serviço” efectuado em tais deslocações. A certeza que se tem é que os valores recebidos e respeitantes aos memorandos juntos pelo Recorrente, não correspondem às deslocações que o mesmo alega ter feito, pelo que cabia ao Recorrente alegar e provar quais as deslocações que fez, no seu próprio carro, ou emprestado, identificando essas deslocações e os tempos gastos nas mesmas deslocações. Não o tendo feito, face à prova documental e testemunhal produzida nos autos, entendemos que não se verifica a fundada dúvida necessária para que a dúvida reverta a favor do Recorrente e, como tal, não devem ser anulados os actos tributários, assim improcedendo todas as conclusões e se negando provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.»

[25] Situação semelhante se nos depara no caso dos Acórdãos proferidos pelo TCAS em 3/2/2003, p. 735/03 (Relator Gomes Correia), em que se afirma que «não é concebivel haver deslocações (e correspondentes despesas e ajudas de custo) por parte dos trabalhadores ao serviço da empresa no período de férias e relativamente a um subsidio de Natal», mas numa situação em que estavam em causa “despesas com refeições, alojamento e quilómetros em viatura própria”, efectuadas por administrador de um conjunto de empresas, alegando-se que “No âmbito da sua actividade, o impugnante presta serviços às empresas do grupo, participando em reuniões, discutindo, negociando e fechando contratos, deslocando-se a vários pontos do pais e estrangeiro, em serviço (...), negociando contratos, créditos e financiamentos, resolvendo conflitos, participando em concursos públicos, entre outras tarefas”. O tribunal concluiu que «Com base em tais elementos objectivos de prova e operando com as regras da experiência comum, num juízo de normalidade, temos então de concluir que as referidas verbas estão sujeitas a IRS, de acordo com o disposto no artº 2º do CIRS, não havendo sequer lugar à aplicação do disposto no artº 2º nº 3 e) do mesmo diploma (tributação das ajudas de custo apenas na parte que excedam os limites legais), por estar totalmente afastada a natureza de ajudas de custo das referidas verbas, ou seja, as questionadas verbas não assumem natureza compensatória de ajudas de custo mas sim a natureza remuneratória». Cf. decisão idêntica, Ac. TCAS de 30/3/2004, p. 1037/03.

[26] Ganham assim especial realce as decisões referentes a trabalho prestado no estrangeiro, sendo possível identificar uma forte corrente jurisprudencial que tende, no caso de construtoras com obras em vários países a identificar o local de trabalho da relação de trabalho como sendo em Portugal, dando origem a pagamento de ajudas de custo por deslocalização do trabalhador para custear as despesas, incertas, com estadia (alojamento e alimentação) admitindo-se o pagamento de quantia certa, conjuntamente com o salário, para gestão pelo trabalhador. Sendo muito discutível teoricamente esta caracterização, não deixam de ser atendíveis argumentos como os de que é extremamente incerto o ambiente em que os trabalhadores terão que encontrar a satisfação das suas necessidades, enfrentando mesmo situações de economia clandestina, com dificuldade de produção de prova de custos incorridos (ver acórdãos TCAN processos 1006/04 e 272/06; TCAS proc. 598/03; STA, para além dos atrás referidos no texto, proc 146/13 de 22 de Maio de 2013)

[27] Como visto atrás, nos Acórdãos proferidos pelo TCAS (proc. 5036/01) e STA (proc. 764/10) considerou-se que o art. 100º do CPPT (anteriormente 121º do CPT) apenas se refere aos casos em que a quantificação é afirmada pela AT. No presente caso, poderá dizer-se que a dúvida é igualmente sobre o quantitativo da despesa que o contribuinte terá assumido com as suas deslocações.  

[28] Esforço que nos parece semelhante ao empreendido (embora sem se alcançar a unanimidade) no Acórdão proferido pelo TCAS, em 2/6/2009, proc. 3085/09 (Relator Gomes Correia). Apesar de ter sido dado como provado que o impugnante recebia juntamente com o seu ordenado, mensalmente, uma importância constante a título de ajudas de custo de valor, conforme resolução da entidade patronal para simplificar o processamento das folhas de salários e nos termos de acordo com o trabalhador, tendo em conta a respectiva função, vencimento e estimativa de saídas ao longo do ano, concluiu-se que “no vertente caso, da matéria de facto provada nem resulta provada a falta de finalidade compensatória do referido montante nem, por outro lado, que o mesmo exceda os limites consagrados na Portaria 29-A/98, de 16/1, não pode esse mesmo montante configurar-se como um rendimento de trabalho dependente, tributável em sede de IRS”, e decidiu-se que “no caso, a AF não fez a indispensável demonstração de que as quantias que estão na base das impugnadas liquidações, foram pagos a titulo remuneratório, falecendo, por isso, o pressuposto essencial à realização daqueles actos tributários”.