Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 698/2014-T
Data da decisão: 2015-08-03  IVA  
Valor do pedido: € 267.853,54
Tema: IVA – Regularizações a favor do sujeito passivo; prova do conhecimento pelo adquirente
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Miguel Patrício e Clotilde Celorico Palma, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 29 de Novembro de 2014, A... B.V., com sede em …, Holanda, registada em Portugal para efeitos de IVA com o número de identificação fiscal …, doravante também designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de IVA, referentes ao ano de 2009:

 

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

                                                              i.      Que a AT veio restringir, por via administrativa, os meios legais de prova para efeitos do cumprimento dos requisitos previstos no artigo 78.º do CIVA, tendo, igualmente, violado o princípio do inquisitório, decorrente dos artigos 55.º e 58.º da LGT e 5.º e 6.º do RCPIT, bem como do dever de proporcionalidade na actuação; e

                                                            ii.      Que possui documentos idóneos a realizar a prova exigida pelo artigo 78.º, n.º 5 do CIVA, pelo que pode realizar regularizações efectuadas a seu favor nos períodos de tributação em apreço.

 

  1. No dia 01-10-2014, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 18-11-2014, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 03-12-2014.

 

  1. No dia 26-01-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Após vicissitudes várias relacionadas com a escolha e nomeação de intérprete, no dia 26-05-2015, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT foi, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, prorrogado.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente é uma sociedade de direito holandês, registada, à data dos actos tributários objecto da presente acção arbitral, e desde 1 de Janeiro de 2002, junto do 3.º Serviço de Finanças de Lisboa, como um sujeito passivo não residente sem estabelecimento estável no território nacional, para o exercício da actividade de comércio a retalho de artigos de desporto, campismo e afins, a que corresponde o CAE 47640.

2-      Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2010…, foi a Requerente sujeita a procedimento de inspecção tributária externo e de âmbito parcial, iniciado a 9 de Outubro de 2014, visando a análise do IVA referente ao ano de 2009.

3-      No âmbito do referido procedimento inspectivo a AT verificou que a Requerente desenvolve uma actividade comercial de venda de artigos de desporto da marca “...”, sob a forma de venda por grosso ou em regime de franchising.

4-      No âmbito do mesmo procedimento, foram realizadas as seguintes diligências instrutórias:

a.       Internamente:

                                                              i.            Circularização de alguns clientes;

                                                            ii.            Notificação pessoal do sujeito passivo, na pessoa do seu mandatário, solicitando esclarecimentos e disponibilização de documentos, bem como outros esclarecimentos documentos via email, ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária;

b.      Externamente (no domicílio fiscal do mandatário e no gabinete de contabilidade "B..., Ld.ª");

                                                              i.            Recolha e análise dos mapas resumo de apoio ao preenchimento das declarações periódicas, elaborados pelo Técnico Oficial de Contas;

                                                            ii.            Recolha e análise dos ficheiros informáticos contendo todas as notas de crédito cujo imposto foi regularizado pelo sujeito passivo no exercício de 2009, por período de imposto;

                                                          iii.            Recolha da prova em como os clientes tomaram conhecimento das rectificações efectuadas pela A... (no campo 40 da respectiva declaração periódica);

                                                          iv.            Consulta e análise desses elementos fornecidos, designadamente, cópias das notas de crédito por retorno, avisos de recepção, notas de débito do cliente "C...", bem como cópias das facturas que deram origem aos créditos.

5-      Na sequência das diligências descritas, apurou a AT que para dar cumprimento ao estipulado no nº 5 do artigo 78.º do CIVA, a Requerente adoptou, por regra, os seguintes procedimentos:

                                                              i.            Notas de crédito "'confirmadas pelos clientes": regularização das notas de crédito confirmadas (assinadas e carimbadas) pelos seus clientes, no respectivo período de imposto em que são recepcionadas, independentemente da data em que os documentos foram emitidos;

                                                            ii.            Notas de crédito ''confirmadas pelos clientes, mas não localizadas": regularização das notas de crédito, independentemente de ter recebido, de volta, o respectivo documento assinado e carimbado, utilizando como documento de suporte à regularização, os avisos de recepção assinados e devolvidos pelos clientes, nos quais estão indicados os números das notas de crédito a que se referem, designando-as por "confirmadas mas não localizadas".

6-      No que diz respeito ao cliente C..., o procedimento adoptado pela Requerente foi o seguinte: sempre que ocorreu uma rectificação, o próprio cliente (C...) emitiu notas de débito que, na medida em que fossem confirmadas pelos serviços da ... AA... – Sucursal Portugal (nos termos do contrato de marketing agency celebrado entre esta e a Requerente), deram origem à emissão de notas de crédito por parte da Requerente, considerando esta a emissão dessas notas de débito, pelo cliente, como prova da respetiva tomada de conhecimento.

7-      As notas de débito da C..., referidas no número anterior incluíam, também, sendo caso disso, outras notas de crédito emitidas anteriormente pela Requerente à cliente C....

8-      Face às diligências realizadas entendeu a AT que a Requerente efectuou regularizações de IVA, derivadas de rectificações para menos, ao valor tributável ou facturado de operações, sem que, no entender da AT, possuísse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, nos termos do artigo 78.º, n.º 5, do CIVA, pelo que foram propostas correcções aritméticas no valor total de €255.546,90.

9-      Notificada do projecto de relatório de inspecção, a Requerente veio exercer o seu direito de audição, no qual juntou notas de crédito carimbadas, assinadas e devolvidas ao sujeito passivo pelo respectivo cliente, relativamente a um segmento das correcções, pelo que foi retirado ao valor da correcção proposta o montante de €16.799,89.

10-  Subsequentemente, foi a Requerente notificada do relatório de inspecção tributária, no qual se concluiu por correcções aritméticas de IVA no valor de €238,747,012, as quais, por sua vez, vieram a dar origem às liquidações ora controvertidas.

11-  Entre as correcções ora sindicadas encontram-se os seguintes tipos de situações, no total de €224.902,87:

                                                              i.            EUR 208.221,66 - Notas de crédito emitidas ao cliente C..., nos termos supra-referidos em 6;

                                                            ii.            EUR 8.380,88 - Notas de crédito emitidas ao cliente C... reportadas a devolução de mercadorias; e

                                                          iii.            EUR 8.300,33 - Notas de crédito identificadas com o símbolo “#”.

12-  Em 2009, a Requerente procedeu, nos termos supra-referidos em 6, à regularização do IVA constante das notas de crédito emitidas ao cliente C..., ascendendo o valor total de IVA regularizado, em questão nos presentes autos, a EUR 208.221,66, conforme abaixo discriminado:

 

13-  As correcções relativas a notas de crédito emitidas ao cliente C... por devolução de mercadorias, correspondem aos seguintes documentos:

 

 

 

14-  A Requerente não dispunha de qualquer documento que atestasse a tomada de conhecimento por parte do cliente das notas de crédito a que se refere o número anterior, sendo que a única documentação que dispunha corresponde ao ficheiro enviado pela empresa transportadora relativo à devolução da mercadoria à Requerente, através da identificação do número da "packing list' objeto de devolução, número este que é também referido pela Requerente ao emitir a respetiva nota de crédito.

15-  Com o seu requerimento inicial, a Requerente apresentou cópias das seguintes notas de débito da C...: 2153/0, de  3223/0, 2076/0, 2085/0, 2450/0, 2070/0, 2152/0, 2068/0 e 2075/0, que aqui se dão por integralmente reproduzidas[1].

16-  As notas de crédito identificadas com o símbolo “#” foram contabilizadas nos períodos de Fevereiro (valor - €44.561,00 [inc. €7.426,83 de IVA]; data do documento – 21/10/2008) e Março de 2009 (valor - €5.241,00 [inc. €873,50 de IVA]; data do documento – 19/11/2008).

17-  As notas de crédito n.º 75004063 e n.º  75004141 nunca foram exibidas durante a realização dos actos de inspecção, tendo sido apresentadas aquando do direito de audição.

18-  Em resultado das correções acima referidas, a ora Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios objecto do presente processo.

19-  O prazo de pagamento voluntário dos actos tributários acima referidos terminou no dia 30 de Junho de 2014.

20-  A 25 de Junho de 2014, a Requerente efectuou o pagamento integral dos actos tributários acima referidos.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

1-      As notas de crédito identificadas com o símbolo “#”, correspondem às notas de crédito n.º 75004063 e n.º 75004141.

2-      Os 2 documentos referidos foram registados com o símbolo “#” pelo único motivo de serem notas de crédito emitidas manualmente e que, como tal, não seguem a numeração sequencial das notas de crédito da Requerente emitidas por meios informáticos.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial: o facto referido sob o ponto 6 contém a menção à conferência das notas de débito emitidas pela C... pela ... AA... – SP, que foi o que resultou da prova testemunhal produzida, sendo que a existência do contrato de marketing agency consta já do RIT; o facto referido no ponto 7 consta, confessoriamente, do artigo 66.º do Requerimento inicial; o facto referido no ponto 14 constava do direito de audição exercido pela Requerente no procedimento de inspecção, foi transcrito na p. 16 do RIT, e consta também do artigo 91.º Requerimento inicial.

Os factos dados como não provados devem-se à ausência de prova que permita, com a segurança necessária, tê-los por assentes.

No que diz respeito, em especial, ao primeiro daqueles factos (não provados), aparte a alegação da Requerente, nada mais aponta, com a devida segurança, no sentido da correspondência em questão, e de que a rectificação em causa tenha ocorrido por alegado lapso, que não é compreensível, desde logo na medida em que as notas de crédito apresentadas como estando na base daquele não contêm qualquer menção a IVA, de onde decorre que o lapso, a ter ocorrido, implicaria o “esforço” de calcular o IVA que correspondia ao montante “bruto” do documento incorrectamente registado, e do qual, a ser este o pretendido pela Requerente, não constava.

Assim, a mera coincidência de datas e valores, confrontada com a tardia, e inexplicada, apresentação dos documentos em causa, não se reputa, no contexto concreto da prova produzida, suficiente para ultrapassar a dúvida razoável, que o ónus da prova exige se supere.

            Por fim, nas suas alegações o Requerente elenca um extenso rol de factos (pontos i. a xxxii.) muitos dos quais não têm qualquer correspondência no seu requerimento inicial, motivo pelo qual, tendo em conta o disposto nos artigos 5.º/1, 522.º/1/a), 572.º, 573.º e 588.º/1 (a contrario), todos do Código de Processo Civil, não constam os mesmos do acervo fáctico fixado.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Não sendo suscitada nenhuma questão de conhecimento prévio ao do mérito da causa, cumpre apreciar directamente este.

            A esse nível, são três as situações que este Tribunal é chamado a apreciar, a saber:

                                                              i.            a relativa às notas de crédito emitidas à C..., de acordo com os procedimentos descritos em 6 e 7 dos factos provados, contendo imposto no valor de €208.221,66;

                                                            ii.            a relativa a notas de crédito emitidas à C... reportadas a devolução de mercadorias, contendo imposto no valor de €8.380,88; e

                                                          iii.            a relativa a notas de crédito identificadas com o símbolo “#”, contendo imposto no valor de €8.300,33.

Vejamos, então.

 

*

Dispõe o artigo 78.º/5 do CIVA, na redacção aplicável, que:

Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.”.

É esta a norma em questão nos presentes autos, tendo as correcções contra as quais a Requerente se insurge sido assentes no entendimento de as deduções efectuadas pela Requerente foram ilegítimas, porquanto aquela não tinha “na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.

É isto que cumpre, portanto, apurar, ou seja, se a Requerente tinha, ou não, na sua posse, prova de que o adquirente dos produtos por si vendidos tomou conhecimento da rectificação, ou de que foi reembolsado do imposto.

 

*

            Antes de mais, e face ao argumentário exposto pelas partes nas respectivas peças processuais, cumprirá deixar claro o conteúdo normativo da exigência probatória em questão.

            Com efeito, a Requerente, ao longo do seu requerimento inicial, e das subsequentes alegações, refere que “o Código do IVA não define quais os meios de prova legalmente admitidos para efeitos de demonstração de que o adquirente tomou conhecimento da retificação da operação”, “pelo que não regulando o artigo 78.º do CIVA sobre quais os concretos meios de prova a apresentar pelos sujeitos passivos, será de aplicar o princípio da livre admissibilidade dos meios de prova, contanto que os mesmos permitam atestar a verificação dos requisitos previstos no número 5 da referida norma legal.”.

            Por sua vez, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nas suas alegações, sustenta o entendimento de que o artigo 78.º/5 do CIVA “exige uma formalidade ad substantiam.”, que “é insuprível por qualquer outro género de prova”.

            Quanto a esta matéria diga-se que a norma em causa não faz referência expressa a qualquer meio de prova, como começa por referir a Requerente. Contudo, uma leitura menos superficial do texto normativo, denota que, efectivamente, o mesmo se reporta à prova documental. Com efeito, ao utilizar-se a expressão “tiver na sua posse prova de que...”, a norma estará, inquestionavelmente, julga-se, a reportar à prova documental, dado que esse será o único meio de prova que, por ser, por natureza, objectivado, é possível de ser tido em posse.

            O que a norma em questão não faz, todavia, é exigir um tipo específico de documento para prova das circunstâncias a que se refere. Ou seja: se, efectivamente, a norma em causa impõe que o sujeito passivo possua prova documental “de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”, já não impõe um tipo de documento específico para essa prova.

            Tendo em conta o teor da norma, em especial ao dispor, expressamente, que na falta de posse da prova em questão “se considera indevida a (...) dedução.”, assim como a matéria por aquela regulada, não se pode deixar de concordar com o Acórdão do TCA-S citado pela AT[2], no sentido de que, sem prejuízo do que infra se verá, a prova em questão terá de ser documental e não poderá ser substituída por qualquer outro meio de prova, designadamente testemunhal.

            Tal exigência, de resto, justificar-se-á, não por uma qualquer devoção formalista do tipo de imposto em causa, ou da respectiva regulamentação, mas pela essencialidade de que a comunicação em causa (ou a devolução material do imposto) se reveste para que se crie na esfera jurídica do adquirente do bem ou serviço vendido pelo sujeito passivo, a obrigação de não deduzir o imposto regularizado por aquele, ou de, tendo-o entretanto deduzido, entregá-lo ao Estado.

            Assim, em suma, a prova que o sujeito passivo que proceda a uma regularização de IVA deve possuir terá de ser documental, podendo, todavia, consistir em qualquer documento idóneo a demonstrar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.

            O que vem de se dizer – relativamente à exclusividade do meio documental como prova do conhecimento, pelo adquirente, da rectificação – não quer dizer que a prova testemunhal seja de todo inadmissível ou irrelevante na matéria em questão. Com efeito, como decorre, desde logo, do artigo 393.º/3 do Código Civil, as regras relativas à prova legal “não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento”.

 

*

            Posto isto, e no que diz respeito ao primeiro grupo de situações a apreciar, verifica-se que a prova documental na posse da Requerente, em ordem a demonstrar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”, é constituída por notas de débito emitidas pelo adquirente (no caso, a C...) e por notas de crédito emitidas por si própria. São estes, tout court, os documentos apresentados pela Requerente.

            Verifica-se, então, que a Requerente tem na sua posse documentos destinados a fazer a prova em questão, restando, portanto, verificar se, face ao quadro factual apurado, tais documentos provam concretamente “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”.

            Esta idoneidade terá, com efeito, de ser aferida em concreto, verificando-se se dos documentos apresentados, e tendo em conta o contexto da respectiva produção, se retira, ou não, “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”, com a segurança necessária a poder afirmar-se que na esfera do adquirente (no caso a C...) do bem ou serviço vendido pelo sujeito passivo, se gerou a supra-referida obrigação de não deduzir o imposto regularizado pela Requerente, ou de, tendo-o entretanto deduzido, entregá-lo ao Estado.

            Analisada contextualmente sobre este prisma, conclui-se que a documentação que a Requerente tem na sua posse, relativamente à sua cliente C..., destinada a demonstrar que esta tomou conhecimento das rectificações por si elaboradas, não efectua, de forma cabal, tal demonstração.

            Com efeito, aquilo que se apura é que o procedimento da Requerente com o cliente referido, onde se produziu a documentação em causa, consistia em aquele elaborar notas de débito dos montantes que, na sua óptica, lhe eram devidos, sendo, subsequentemente, tais notas de débito na medida em que fossem validadas pela AA... – no âmbito de contrato celebrado com a Requerente, que abrangia tais funções – reflectidas nas notas de crédito emitidas pela Requerente.

            Pretende a Requerente que, neste contexto, as notas de débito emitidas pela C... serão prova suficiente de que esta tomou conhecimento das rectificações por si realizadas, a posteriori, por meio das notas de crédito.

            Não se nega que, de um ponto de vista abstracto, a documentação em causa (notas de débito e notas de crédito), pudesse fazer prova suficiente da tomada de conhecimento necessária à legitimidade da rectificação. Contudo, julga-se, para que assim fosse, seria necessário que tal documentação fosse produzida num contexto em que fosse inequívoco, para ambas as partes (sujeito passivo e adquirente), que cada nota de débito tivesse sempre correspondência numa nota de débito. Não se está aqui a postular que a cada nota de débito singular, corresponda a uma nota de crédito singular, mas, unicamente, que no procedimento em causa cada concreto montante debitado transitasse, automática e incondicionalmente, para uma nota de crédito, independentemente de esta abranger só uma, ou várias notas de débito.

            Ora, no caso, não é isso que acontece. Com efeito, as importâncias debitadas pela cliente da Requerente, eram sujeitas a confirmação por (os serviços da AA... contratados por) esta e só eram acolhidas se, e na medida, em que  ela as validava.

            Daí que será meridianamente claro, crê-se, que aquando da emissão da nota de débito a cliente da Requerente não podia ter por certo que a importância debitada seria a subsequentemente creditada, e como tal – ao contrário do pretendido pela Requerente –  não podia tal cliente ter o conhecimento de que a rectificação posteriormente efectuada pela Requerente coincidia com o por si debitado. Poderia é certo, ter a expectativa, e, de algum modo, o conhecimento de que a maioria das importâncias por si debitadas seriam objecto de rectificação, mas não do montante preciso e concreto desta.

            A própria Requerente o reconhece, ao afirmar que “depois de identificar internamente a origem do débito, se o mesmo estiver correto, emite-se a nota de crédito.[3] e que “As notas de crédito são sempre de valor igual ou inferior às notas de débito, e nunca superior”.

            De modo que, no contexto concreto em que estamos a operar, para que se pudesse afirmar, sem qualquer dúvida razoável, que a cliente da Requerente estava devidamente ciente do montante preciso e concreto das rectificações realmente efectuadas por esta, seria necessário que, após o processo de conferência confessadamente efectuado pelos serviços ao dispor da Requerente, fosse por esta transmitida ou a aprovação integral dos débitos, ou o valor corrigido que, a final, acabava por integrar a nota de crédito efectivamente emitida.

            No quadro factual apurado, a verdade é que à cliente da Requerente, se confrontada com tal questão, sempre seria legítimo arguir que na sua esfera jurídica não se gerou a obrigação de não deduzir o imposto regularizado por aquela, ou de, tendo-o entretanto deduzido, entregá-lo ao Estado, uma vez que ao emitir a sua nota de débito não tem, no quadro da concreta relação contratual estabelecida, qualquer garantia de que o montante por si debitado seja o que efectivamente lhe vem a ser creditado.

            Assim, entende-se não ser procedente a alegada violação do artigo 78.º/5 do CIVA, pelos actos tributários em questão, na parte relativa à matéria supra-analisada.

 

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Ainda relativamente a este primeiro grupo de situações, coloca a Requerente a questão da violação pela AT, no decurso do procedimento inspectivo, do princípio do inquisitório, decorrente dos artigos 55.º e 58.º da LGT e 5.º e 6.º do RCPIT, bem como do dever de proporcionalidade na sua actuação.

Esta última alegação (violação do dever de proporcionalidade) não se encontra minimamente consubstanciada, de facto e de direito, nas peças processuais da Requerente, pelo que deverá, sem mais improceder.

No que diz respeito ao princípio do inquisitório, dispõe o artigo 6.º do RCPIT, sob a epígrafe “Princípio da verdade material”, que “O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo.”.

Por outro lado, dispõe o artigo 58.º da LGT, sob a mesma epígrafe, que: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”.

A propósito do princípio em questão, escreveu-se no Ac. do TCA Sul de 07/05/2013, :

“O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.488; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.186 e seg.).”.

O princípio do inquisitório, tal como o correlativo princípio da verdade material, em relação ao qual aquele é instrumental, será uma emanação do princípio mais geral da justiça material, consagrado no artigo 5.º/2 da LGT, na medida em que esta será tão mais perfeitamente realizável quanto mais aproximada à realidade seja a situação de facto procedimental ou processualmente apurada.

 

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Alega a Autoridade Tributária que, no caso, não se porá a questão da violação do princípio do inquisitório, nos termos suscitados pela Requerente, porquanto tratando-se a exigência de prova documental consagrada no artigo 78.º/5 do CIVA de uma formalidade ad probationem, a mesma não poderá ser substituída por qualquer outro meio de prova.

Entende-se, todavia, que não lhe assiste, a final, razão.

            Tem razão a AT quando sugere que, não possuindo o sujeito passivo prova documental de “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”, conforme impõe o n.º 5 do CIVA, não lhe cabe a si, AT, substituir-se ao sujeito passivo nessa prova.

            Sucede que, no caso sub iudice, a Requerente possui prova documental destinada a comprovar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”. Essa prova, todavia, conforme acima se demonstrou, no contexto apurado da respectiva produção, não é concludente, deixando margem a dúvidas legítimas.

            E como também já atrás se apontou, a exigência de prova legal não preclude a possibilidade de serem utilizados outros meios de prova, relativamente “à simples interpretação do contexto do documento”, conforme decorre, para além do mais, do artigo 393.º/3 do Código Civil.

Por outro lado, como também já se teve ensejo de expor anteriormente, o referido artigo 78.º/5 do CIVA, devidamente compreendido, imporá ao sujeito passivo que possua prova documental de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação por aquele efectuada, mas não impõe um tipo específico de documento para essa prova. Como então se sumariou, a prova que o sujeito passivo que proceda a uma regularização de IVA deve possuir terá de ser documental, podendo, todavia, consistir em qualquer documento idóneo a demonstrar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”.

Ora, neste caso, como assinala a Requerente, a AT tinha a possibilidade de, sem dificuldades previsíveis, verificar se, de facto, no quadro documental apresentado pela Requerente, a adquirente dos bens vendidos por esta – ou seja, a C... – teve ou não conhecimento das rectificações efectuadas por aquela.

Com efeito, através da recolha de prova junto da C..., cruzada com informação que a própria AT já disporia, decorrente do cumprimento dos diversos deveres acessórios que sobre aquela impendem, seria apurável com previsível facilidade se, em que medida, é que a C... tomou conhecimento das rectificações levadas a cabo pela Requerente, e ora em questão.

Não se trata aqui, note-se, de a AT se substituir à Requerente em qualquer ónus probatório que lhe assista. Com efeito, como se notou, a Requerente deu resposta a tal ónus, embora de um modo não totalmente conclusivo. As dúvidas que, legitimamente, se suscitam face à documentação na posse da requerente, seriam, contudo, de dissipação fácil – para um lado ou para o outro –  mediante o cruzamento de informação com a situação tributária da C.... E nada se antevê que obstasse ou dificultasse, ao órgão instrutor do procedimento tal diligência que, note-se, está absolutamente fora do alcance da Requerente, por um lado, e, por outro, apenas se revela como necessária face às dúvidas – legítimas, reforça-se – suscitadas pela AT face à documentação na posse da Requerente.

Essa actuação será tanto mais exigível quanto estamos perante um imposto relativamente ao qual a neutralidade fiscal é especialmente prezada e prosseguida pelo legislador, sendo que aquele valor jurídico sairá fortemente penalizado se, em função do défice instrutório perpetrado, e ao arrepio também da justiça material que legislativamente se deseja que presida à tributação, ocorrer um tributação simultânea, não justificada, na esfera da Requerente e na esfera da C....

Acresce ainda que, tendo a Requerente, conforme resulta provado já desde o procedimento de inspecção, a prática de, relativamente a outros clientes, ter as suas notas de crédito confirmadas (assinadas e carimbadas) por eles ou, então, remetê-las por carta registada com aviso de recepção, nos quais estão indicados os números das notas de crédito a que se referem, cumpriria diligenciar complementarmente no sentido de esclarecer a dúvida sobre se o procedimento concretamente seguido, não tinha sido apto a efectivamente assegurar o conhecimento pelo adquirente das correcções efectuadas pela Requerente, o que seria demonstrado pela não dedução do imposto corrigido, ou pela restituição de imposto pago, mas entretanto devolvido.

É que, como se escreveu no Acórdão do STA de 03-09-2014, proferido no processo 0718/14, a AT deve “ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar-lhe esclarecimento de dúvidas e solicitar-lhe elementos de prova adicionais ou complementares.”, desde que por aquele “tenham sido alegados factos e oferecidos meios de prova”, sendo certo que se é exigível à AT que solicite ao próprio contribuinte o esclarecimento de dúvidas, mais premente o será que solicite a terceiros esse esclarecimento, sobretudo nos casos em que o mesmo seja susceptível de resultar do cumprimento de deveres declarativos, ou outros deveres acessórios desses terceiros.

Também no Acórdão do STA de 21-10-2009, proferido no processo 0583/09, se sumariou que:

“III – Porém, e na decorrência do princípio do inquisitório, a AF pode exigir ao contribuinte outras provas e efectuar, face a tal princípio, as diligências tendentes a demonstrar a afectação de tais pagamentos àquela finalidade.

IV – No limite, pode efectuar uma inspecção à escrita do empreiteiro, diligência que está vedada ao contribuinte.

V – O princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus de prova.”

Neste último aresto, escreveu-se que:

“A AF tinha a possibilidade de proceder a uma inspecção da escrita desse destinatário, em ordem a apurar a prova e a causa desses pagamentos.

Possibilidade que estava de todo vedada à recorrente.

Dito isto, é possível concluir que a AF não podia sem mais recusar os comprovativos apresentados (...), sem efectuar outras diligências que comprovadamente só ela AF podia efectuar, não estando na disponibilidade e poder do contribuinte realizar.

E é igualmente de concluir, face à questão que colocamos anteriormente, que a realização de tais diligências não constituiriam um ónus excessivo para a administração.

Mal andou pois a AF em recusar sem mais os comprovativos apresentados (...), sem inquirir o seu destino, nos termos atrás apontados.”.

            Ao omitir injustificadamente as diligências necessárias e exequíveis destinadas a apurar junto do adquirente dos bens da Requerente se aquele, efectivamente, tomou conhecimento das rectificações de imposto encetadas por esta, ora em apreço, como sustenta a Requerente que os documentos por si possuídos revelam, ou não, limitando-se à realização de diligências internas, e no domicílio fiscal do mandatário e no gabinete de contabilidade "B..., Ld.ª", incorreu a AT em preterição de formalidade legal, por violação dos artigos 6.º do RCPIT, e 58.º da LGT, que gera a anulabilidade dos actos tributários finais, na parte ora em questão.

 

*

            No que diz respeito à parte relativa a notas de crédito emitidas à C..., reportadas a devolução de mercadorias, contendo imposto no valor de €8.380,88 (cfr. ponto 13 dos factos provados), a única documentação que se encontrava na posse da Requerente para satisfação do disposto no artigo 78.º/5 do CIVA, corresponde ao ficheiro enviado pela empresa transportadora relativo à devolução da mercadoria à Requerente, através da identificação do número da "packing list" objeto de devolução, número este que é também referido pela Requerente ao emitir a respetiva nota de crédito.

            Relativamente a este grupo de situações, a própria Requerente reconhece confessadamente que “não dispõe por regra de qualquer documento que ateste a tomada de conhecimento por parte do cliente, uma vez que este não recebe os produtos” (cfr. ponto 91 da petição inicial), sendo claro que o ficheiro da empresa transportadora relativo à devolução da mercadoria, no contexto de facto alegado e apurado, não permite – manifestamente – a conclusão de que, subsequentemente à devolução daquela, a adquirente tomou conhecimento de que houve uma regularização de IVA, e quais os seus termos.

            Esta lacuna, é tanto mais imputável à Requerente, quanto ela, por um lado, reconhece a insuficiência dos elementos que possui para atestar a indispensável “tomada de conhecimento por parte do cliente” da regularização, e, por outro, conforme provado e já referido, tinha instituído, relativamente a outros clientes, procedimentos simples e eficazes de dar cumprimento ao disposto no artigo 78.º/5 do CIVA.

            Já em sede do presente processo arbitral, a Requerente veio juntar cópia das notas de débito com os números 2153/0, de  3223/0, 2076/0, 2085/0, 2450/0, 2070/0, 2152/0, 2068/0 e 2075/0.

            Não são, contudo, tais documentos idóneos a comprovar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação” efectuada pela Requerente, nas suas notas de crédito enumeradas no ponto 13 dos factos dados como provados.

            Com efeito, a mera referência, nas concretas notas de débito agora apresentadas, às mesmas facturas mencionadas, igualmente, nas notas de crédito, não demonstram, por si só e sem mais (sem o enquadramento contextualmente explicativo), o conhecimento integral da rectificação operada nesta última, em termos de, conforme acima mencionado já, com a segurança necessária, se poder afirmar que na esfera da C..., se gerou a obrigação de não deduzir o imposto regularizado pela Requerente, ou de, tendo-o entretanto deduzido, entregá-lo ao Estado.

            Assim, e conforme resulta da exegese da norma do artigo 78.º/5 do CIVA já anteriormente levada a cabo, não dispondo o Requerente, na sua posse, de prova documental que “ateste a tomada de conhecimento por parte do cliente” das regularizações de imposto por aquela efectuadas, terão estas de ser julgadas ilegítimas e, como tal, improceder esta parte do pedido arbitral.

            Não se coloca aqui a questão da violação do princípio do inquisitório pela AT, porquanto – e bem – a Requerente não a suscitou, sendo certo que se o fizesse não seria, nesta parte, transponível o juízo anteriormente efectuado, na medida em que no presente caso, ao contrário do antecedente, a Requerente não dispunha – reconhecidamente – de qualquer documento apresentado à data do procedimento como idóneo a demonstrar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”.

 

*

            Cumpre, por fim, apreciar a questão relativa às notas de crédito identificadas com o símbolo “#”, contendo imposto no valor de €8.300,33.

            Conforme resulta dos factos provados e não provados, não se apurou que as notas de crédito identificadas com o símbolo “#”, correspondessem às notas de crédito n.º 75004063 e n.º  75004141.

            Desfalecendo o fundamento factual em que a Requerente assentava esta sua pretensão, deverá, naturalmente, o pedido arbitral improceder na parte correspondente.

 

*

Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência da notificação das liquidações ora anuladas.

É pressuposto da atribuição de juros indemnizatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável (cfr. artigo 43.º da LGT).

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, na parte do pedido arbitral julgado procedente, pelas razões que se apontaram anteriormente, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

É também claro nos autos que a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto impugnados declarada é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, na sequência de um procedimento tributário em que não observou devidamente as normas legais que a vinculavam.

Assim, a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao imposto por si indevidamente pago.

Os juros indemnizatórios são devidos à Requerentes desde data em que indevidamente efectuou o pagamento da prestação do imposto anulada pela presente decisão, até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anulam-se parcialmente os actos de liquidação objecto dos presentes autos, na medida em que reportam ao IVA contido nas notas de crédito elencadas no ponto 12 dos factos dados como provados, no montante de €208.221,66, e respectivos juros compensatórios;

b)      Condena-se a Requerida à devolução do montante indevidamente pago pela Requerente, por força da parte dos actos de liquidação anulada nos termos do ponto anterior, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data daquele pagamento até à data da sua integral restituição;

c)      Julgam-se improcedentes os restantes pedidos arbitrais formulados;

d)     Condenam-se as partes nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, infra fixada.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €267.853,54, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €4.896,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, fixando-se em €4.270,00 a parte a cargo da Requerida, e em €626,00 a parte a cargo da Requerente.

 

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa

 

3 de Agosto de 2015

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 



[1] Devendo acompanhar todas as notificações legalmente obrigatórias da presente decisão, com excepção das feitas às partes no processo, que têm conhecimento pessoal dos documentos em questão.

[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12- 03-2012, proferido no âmbito do Processo n.º 05275/12, disponível em www.dgsi.pt, tal como toda a restante jurisprudência doravante citada sem menção expressa de proveniência.

[3] Sublinhado nosso.