Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 696/2014-T
Data da decisão: 2015-05-20  Selo  
Valor do pedido: € 10.668,60
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS - Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral

 

 

PROCESSO N.º 696/2014-T

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, em representação da herança aberta por morte de …, contribuinte n.º …, notificada que foi das liquidações de imposto do selo do ano de 2013 e a que correspondem os números, ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... apresentou, em 25/09/2014, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tal imposto, no montante total de € 10 668,60.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 18/11/2014 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 03/12/2014 ficou constituído o tribunal.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do RJAT foi a Administração Tributária (AT), em 05/12/2014 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

1.5.Em 21/01/2015 a AT apresentou a sua resposta e nesta solicitou a dispensa da realização da reunião arbitral do art. 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações.

1.6.O tribunal, no dia 01/04/2015, indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal com os fundamentos descritos em tal despacho. Concomitantemente, ordenou a notificação da Requerente para dizer se pretendia a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.

1.7.A Requerente em 10/04/2015 apresentou requerimento, no qual advoga que nada tem a opor quanto à dispensa de realização da reunião, bem como de apresentação de alegações e requereu a junção aos autos de certidão a comprovar a realização dos pagamentos voluntários das liquidações de imposto do selo em crise.

1.8.O tribunal em 21/04/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, a apresentação de alegações finais e agendou a data de 29/04/2015 para a prolação da decisão final, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT. Como também determinou que os autos aguardassem até ao 24/04/2015 pela junção da certidão a que se alude em 1.7 da presente.

1.9.A Requerente em 28/04/2015 veio peticionar a junção da certidão na qual se atesta o pagamento dos valores das liquidações de imposto do selo de 2013 e procedeu ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

1.10.        O tribunal em 29/04/2015 admitiu a junção de tal certidão aos autos.

1.11.        Consequentemente, adiou a decisão para o dia 20/05/2015.

 

2.      SANEAMENTO

A cumulação de pedidos subjacentes ao de pronúncia arbitral é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e porque a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

3. POSIÇÕES DAS PARTES

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.

Sintetizando, a Requerente entende que:

a)      “Nos termos do disposto na verba n.º 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo, acima, transcrita, a referida tributação em sede de imposto do selo, é determinada pela conjugação dos seguintes factos: a propriedade, o valor patrimonial tributário constante da matriz é igual ou superior a € 1 000 000, 00, e a afectação habitacional do prédio.”;

 

b)      “Ora, a questão essencial que aqui nos ocupa é a de saber qual o critério para a determinação da incidência do imposto do selo nos prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, e afectação habitacional, isto é, qual o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência objectiva deste tributo: o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, pelo contrário, o valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos andares ou divisões habitacionais…”;

 

c)      “A Lei n.º 55-A/2012 não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente do conceito de prédio com afectação habitacional.”;

 

d)      “Contudo, e para o efeito, a própria lei introduziu o critério enunciado no artigo 67.º n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela mencionada Lei n.º 55-A/2012, o qual dispõe que:... às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI…”;

 

e)      “Considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.”;

 

f)        “Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.”;

 

g)      “Acresce ainda ao supra exposto, o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o imposto do selo incide sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1 000 000,00 – «sobre o valor patrimonial utilizado para efeito de IMI»...”:

 

h)      “ …Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor patrimonial tributário global do prédio em causa não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, atenta a remissão do já citado art. 67.º, n. 2 do CIS…”:

 

i)        “Assim, não pode a Administração Tributária considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que respeita à verba n.º 28 da TGIS.”;

 

j)        “O critério da oportunidade adoptado pela Administração Tributária, o de considerar o valor do somatório dos valores patrimoniais tributários atribuídos aos andares com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não tem sustentação legal, e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de Imposto do Selo, e como tal, ilegal.”;

 

k)      “Claramente que o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação - seja ela “casa”, “fracção autónoma”, “parte do prédio com utilização independente”,   “unidade autónoma” -, traduz uma capacidade contributiva acima da média  e, nessa medida, se justifica a realização de um esforço contributivo adicional, o qual garante  a justa repartição do esforço fiscal, sendo certo que  esta lógica em nada faria sentido se, pelo contrário, se desconsiderasse os apuramentos “unidade a unidade” quando só através do somatório dos valores patrimoniais tributários das mesmas(porque detidas pelo mesmo indivíduo) é que se  superaria o milhão de euros.”;

 

l)        “Se assim não fosse, a verdade é que, a diferenciação de tratamento levaria a resultados incompreensíveis do um ponto de vista jurídico, e portanto, violadores da intenção legislativa ao aditar a verba  n.º 28….”;

 

m)    “Assim sendo, as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, não serão objecto de tributação em função do VPT global do prédio, mas sim o VPT que é individualmente atribuído a cada parte, e dado que nenhum dos andares com utilização independente, objecto da presente impugnação, tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00, não está verificado o pressuposto legal de incidência do imposto do selo, previsto na verba n.º 28 da TGIS…”

 

n)      “Salvo o devido respeito, é entendimento da ora requerente que a interpretação normativa da verba n.º 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo, sufragada pela Administração Tributária, relativamente ao critério legal para  a determinação da incidência do imposto do selo, tratando-se de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal – considerar como valor patrimonial tributário de referência para efeitos de tributação, o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão  -, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade fiscal, da legalidade tributária, da capacidade contributiva, da justiça, da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal,  e da proporcionalidade em matéria fiscal, enunciados nos artigos 13.º, 18.º, 81.º, b), 103.º e 104.º, todos  da Constituição da República Portuguesa.”;

 

o)      “Na realidade, o que a Administração Tributária faz é tratar situações iguais de forma diferente – postura expressamente vedada ao legislador fiscal -, ao defender  que prédios urbanos, inscritos na matriz predial de acordo com as mesmas regras jurídicas, serão objecto de tributação de imposto do selo, pela aplicação da verba 28 da TGIS: - tratando-se de um prédio em regime de propriedade horizontal, se o valor patrimonial tributário de uma das suas fracções habitacionais, individualmente considerada, tiver um valor igual ou superior a € 1 000 000,00, - e se, pelo contrário, estivermos perante um prédio não constituído em propriedade horizontal, o valor patrimonial tributário relevante, não será o de cada uma das partes, ou divisões com utilização independente, mas sim aquele que resultar da soma de todas aquelas que compõem o respectivo prédio urbano”;

 

p)      “A distinção criada pela Administração tributária, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e propriedade total é uma “inovação” sem suporte e justificação legal, até porque, nada está previsto quer no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quer em sede de CIMI, e, portanto, é àquela violadora do princípio da legalidade tributária.”;

 

q)      “O critério do somatório dos valores patrimoniais atribuídos a cada parte ou divisão, com utilização independente para efeitos de tributação de imposto do selo, interpretação normativa sufragada pela Autoridade Tributária, desvirtua e viola, por completo, o entendimento constitucional do princípio da capacidade contributiva.”.

 

 

Doutro modo, advoga a AT que:

a)      “Alega a Autora do pedido de pronúncia arbitral que o critério para tributação das partes autónomas dos prédios em propriedade vertical tem de assentar nos mesmos moldes que a tributação dos prédios em propriedade horizontal.”;

 

b)      “ O valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.”;

 

c)      “Não se vislumbra, assim, como a liquidação de IMI impugnada possa ter violado o teor literal da verba 28.1 da Tabela Geral.”;

 

d)      “O prédio urbano em causa nos presentes autos não está em regime de propriedade horizontal, caso em que cada uma das fracções autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao imposto do selo da verba 28.1 da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical.”;

 

e)      “Dispõe, no entanto, como consta da respectiva matriz predial de andares ou divisões independentes, avaliadas nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., que diz que cada andar ou prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.”;

 

 

f)        “Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.”;

 

g)      “Nesse caso, a inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos arts. 37º e seguintes do C.I.M.I:”;

 

h)      “No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto do selo da verba 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.”;

 

i)        “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral.”;

 

j)        Defende ainda que outra interpretação seria inconstitucional pois: “…violaria (…) a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).”;

 

k)      Como também seria ofensiva: “ …do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28. 1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou divisão a divisão”.

 

 

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

4.1.1. A Requerente é proprietária do imóvel a que corresponde a inscrição ..., Urbano, ... (...), Lisboa.

4.1.2. Tal prédio compreende, nomeadamente, 13 andares com utilização independente, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... (...) do seguinte modo:

a) CV126, com um VPT de € 57 690,00, habitação;

b) RC Dto., com um VPT de € 61 080,00, habitação;

c) RC Esq., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

d)1.º Dto., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

e) 1.º Esq., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

f) 2.º Dto., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

g) 2.º Esq., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

h) 3.º Dto., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

i) 3.º Esq., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

j) 4.º Dto., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

l) 4.º Esq., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

m) 5.º Dto., com um VPT de € 86 190,00, habitação;

n )5.º Esq., com um VPT de € 86 190,00, habitação.

4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de imposto do selo relativas ao ano de 2013, em relação a cada uma de tais inscrições matriciais, no montante global de € € 10 668,60 e que se decompõem do seguinte modo:

a) CV126, documento ..., no montante de € 576,90;

b) RC Dto., documento ..., no montante de € 610,80;

c) RC Esq., documento ..., no montante de € 861,90;

d) 1.º Dto., documento ..., no montante de € 861,90;

e) 1.º Esq., documento ..., no montante de € 861,90;

f) 2.º Dto., documento ..., no montante de € 861,90;

g) 2.º Esq., documento  ..., no montante de € 861,90;

h) 3.º Dto., documento ..., no montante de € 861,90;

i)3.º Esq., documento ..., no montante de € 861,90;

j) 4.º Dto., documento …, no montante de € 861,90;

l) 4.º Esq., documento ..., no montante de € 861,90;

m) 5.º Dto., documento ..., no montante de € 861,90;

n) 5.º Esq., documento ..., no montante de € 861,90.

4.1.4. O imóvel identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2013.

4.1.5. A Requerente pagou voluntariamente € 10 668,60.

4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA

            A matéria de facto dada como provada têm génese nos documentos utilizados para cada um factos dos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa. De igual modo, também se deram como assentes os factos não impugnados.

 

5. O DIREITO

5.1. ILEGALIDADE DO ACTOS DE LIQUIDAÇÃO EM CRISE

            Em primeiro lugar, são duas as questões que o tribunal tem de decidir, apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das partes, andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou, se pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais partes. E, em segundo lugar, determinar se a interpretação que conclui que só há incidência de Imposto do Selo quando o VPT de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente é superior a € 1 000 000, viola o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.

Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.

Assim, o art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), dispõem que se encontram sujeitos a tributação: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional -  1 %...”[1].

Em primeiro lugar é necessário perscrutar o conceito de “prédio com afectação habitacional” a que alude a norma em interpretação e o de “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do CIS necessário aplicar as normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

 3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

            Ora, o conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O imposto do selo., Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.

No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com divisões ou andares susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como “prédio com afectação habitacional”. Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma em propriedade horizontal à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[2].

Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT bem demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3 todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada parte, divisão ou andar objecto de utilização separada.

Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 13 andares/divisões do imóvel com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, 31 de Dezembro de 2013, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que os mesmos devem ser classificados como “prédio com afectação habitacional” de natureza urbana.

Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba de CIS em interpretação, isto é, o “valor patrimonial tributário para efeito de IMI”.

A este respeito, como já se descreveu acima, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado “…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado) …” e o documento de cobrança deve conter a “…discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da colecta…”, tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto da inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como “prédio com afectação habitacional” de partes, andares ou divisões com utilização independente.

Ora, se nenhum dos andares da Requerente com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade.

Defende ainda a AT que seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, a interpretação da verba 28.1 da TGIS diversa daquela que conclui que o VPT relevante para tal norma de incidência tem de ser o valor patrimonial tributário global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes. Se assim fosse, não se compreenderia a referência expressa ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. E esse, dúvidas não existem, é objecto de autonomização em relação a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente. De igual modo, também não encontraríamos argumento para a emissão de notas de liquidação autónomas. Acresce ainda que, perante a remissão expressa do art. 67.º, n.º 2 do CIS para o CIMI, no que concerne às matérias não reguladas, as partes, andares ou divisões com autonomia são enquadráveis nos prédios classificados como urbanos e habitacionais, cfr. art. 2.º, 3.º e 6.º, todos do CIMI. Deste modo, entende-se que a referida interpretação não padece de inconstitucionalidade.

 Finalmente, se o tribunal acolheu o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, prejudicado fica o conhecimento dos restantes vícios por esta imputados, cfr. art. 124.º do CPPT, aplicável por força do previsto no art. 29.º, n.º 1 do RJAT. Neste sentido afirma a doutrina: “O estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios, tem como pressuposto que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem de conhecimento. “, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, Volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 340.

 

5.2. JUROS INDEMNIZATÓRIOS E MORATÓRIOS

 

O art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “São devidos juros indemnizatórios, quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) Existência de um erro em acto de liquidação do imposto imputável aos serviços; ii) Determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e iii) Pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Conhecendo a questão, a ilegalidade da liquidação é imputável à AT perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, incidentes sobre o valor do imposto a restituir, contados à taxa apurada, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso, revestindo os juros natureza moratória após o decurso do prazo para execução espontânea do julgado.

 

6. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação na ordem jurídica dos actos objecto de pronúncia, com todas as consequências legais.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 10 668,60 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia) nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

8. CUSTAS

Custas a cargo da AT, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Maio de 2015

 

O árbitro,

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] Na redacção em vigor à data do facto tributário.

[2] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013.