Decisão Arbitral
1. Relatório
1.1 A sociedade “ A…, Lda.”, NIF …, com sede na …, doravante também designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a “Requerida”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).
O Requerente pretende a declaração da ilegalidade e correspondente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, notificada através do Oficio n.º …, de 24-06-2014, emitida pela Direcção de Finanças de Coimbra-Divisão de Justiça Tributária e a consequente anulação da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e correspondentes juros compensatórios com o n.º 2013 ....
1.2 Como fundamento do seu pedido, a Requerente alega em síntese que:
(a) Quanto à ilegalidade do procedimento inspectivo:
i. A indevida notificação, através de despacho fundamentado da alteração dos fins e do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo, pela entidade que o ordenou, seja porque a Requerente “não se recorda, em momento algum, de tomar conhecimento dessa alteração”, seja porque “a existir tal comunicação, a mesma deveria ter sido devidamente fundamentada”;
ii. A AT actuou, portanto, com falta de legitimidade para a prática dos actos inspectivos, preterindo assim uma formalidade essencial;
iii. A alteração do âmbito da acção inspectiva, sem que tenha sido, mediante despacho fundamentado e devidamente notificado ao sujeito passivo, ofende os princípios constitucionais (1) da legalidade, ao alterar discricionariamente, sem qualquer fundamento o âmbito do procedimento inspectivo, (2) da proporcionalidade e da necessidade, ao causar transtornos superiores aos que a realização do direito à tributação implicava, (3) da imparcialidade, na aplicação do princípio da proporcionalidade e (4) da garantia do sujeito passivo em ser constrangido a um procedimento inspectivo confinado aos limites fixados na lei.
(b) Quanto às correcções meramente aritméticas:
i. As despesas são indispensáveis para a realização dos proveitos da Requerente, não podendo prevalecer a invocação da sua indispensabilidade, tal como defende a AT;
ii. Os pagamentos efectuados pela Requerente são normais e imprescindíveis à manutenção da fonte produtora dada a comprovada adequação e conveniência à actividade e tutela da Requerente;
iii. As despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação;
iv. A Requerente demonstrou através dos vários elementos disponibilizados e alguns deles entregues à AT que permitiam à AT comprovar a inexistência dessas omissões e que tais operações se encontravam devidamente contabilizadas e documentadas;
(c) Quanto à ilegalidade das liquidações por falta de fundamentação, quer das alterações ao âmbito inspectivo, quer das próprias liquidações:
i. A AT baseia-se tão somente em meras suposições fundadas em meras coincidências e em meros indícios sem qualquer base de sustentação para as conclusões que daí se conjecturam;
ii. Para que o acto em apreço cumprisse o dever de fundamentação formal, não bastava que contivesse qualquer declaração fundamentada, antes tal declaração devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão administrativa;
iii. A fundamentação do acto em apreço está esvaída em termos claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante do acto por remissão para o Relatório da Inspecção Tributária, pois analisando os elementos de suporte deste Relatório, verifica-se que a fundamentação nele contida não é clara, congruente e não permite ao Requerente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido peça AT;
iv. A fundamentação aí contida é confusa, dubitativa, obscura e ambígua, tendo por base meros indícios, meras coincidências, em suma toda a fundamentação se baseia em meras suposições do acto inspectivo, sem quaisquer elementos factuais que possam sustentar as conclusões que daí advém;
(d) Concluindo que as presentes “liquidações adicionais de IRC para o ano de 2009 forma determinadas de forma ilegal, o que terá como consequência a sua anulação”.
(e) Quanto à excepção invocada pela AT, por intempestividade do pedido de pronuncia arbitral, a 1 de Junho de 2015, a Requerente, discordando do entendimento da AT, alegou em síntese que “tendo em conta que o prazo de 90 dias estabelecido por lei, designadamente, na al. a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT, se suspende nos termos do disposto no art. 17.º-A do RJAT, o prazo de 90 dias termina somente a 7 de Novembro de 2014”.
1.3 A AT contestou alegando em síntese, por excepção, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, uma vez este terá sido efectuado 1 (um) dia depois do terminus do prazo de 90 dias a que alude a alínea a) do n.º1 do artigo 10.º do RJAT.
1.4 Sem conceder, a AT alegou ainda, por impugnação, em síntese que:
(a) A liquidação nos autos mostra-se determinada por duas correções, uma, no valor de 400.00€, decorrente de correções à matéria tributável, e outra, no valor de 22.072,14€, resultante de correções a tributações autónomas, nos termos do n.º 1 do artigo 81º do CIRC (na redação da Lei n.º 67-A/2007 de 31-12) nesse valor;
(b) A impugnação consubstanciada no presente pedido arbitral dirige-se, em exclusivo, à correcção e aos valores que foram sujeitos a tributação autónoma, pelo que, este Tribunal não pode tomar conhecimento da correcção à matéria colectável no valor de € 400,00, por se tratar de matéria não impugnada;
(c) Não corresponde à verdade que a AT tenha apoiado as suas correcções com base no argumento da não indispensabilidade dos custos suportados pela empresa, pois que o Relatório de Inspecção Tributária (OI2013...) junto ao processo administrativo instrutor não consta qualquer correcção à matéria tributável da Requerente, que seja subsumível ao artigo 23.º do CIRC e justificada com base na não dedutibilidade de custos.
(d) A Requerente nunca esclareceu a natureza, a finalidade, a origem e os beneficiários das saídas de dinheiro registadas na conta do caixa, ao longo do período de 2009, que foram alvo de correcção a título de tributações autónomas;
(e) Desconhecendo-se os verdadeiros beneficiários dos dinheiros saídos das disponibilidades da Requerente, bem como não existindo elementos que permitissem esclarecer a natureza, a origem e a finalidade daquelas despesas, outra solução não restava aos serviços de inspecção da Requerida senão a de as qualificar como despesas confidenciais e sujeita-las à taxa de 50% de tributação autónoma;
(f) No que toca à alegação da Requerente de não ter sido informado da alteração dos fins do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo, sempre se dirá que em 20-02-2013 o TOC da empresa assinou a Ordem de Serviço OI2013..., de 14-02-2013, que, à altura, era de natureza parcial, somente abrangendo o IRC, tendo mais tarde, em 10-05-2013, o sócio-gerente da Requerente, o Sr. B..., assinado a Ordem de Serviço OI2013..., precisamente pelo facto de a natureza da inspecção se ter alterado de parcial para geral, que passava agora a ter por objecto a situação tributária global da contribuinte;
(g) Quanto ao outro argumento da Requerente - de que a omissão de emissão de despacho fundamentado pelos serviços de inspecção da Requerida a alterar o âmbito, os fins e a extensão do procedimento inspectivo e respectiva omissão de notificação à Requerente geram a anulabilidade do procedimento inspectivo e a nulidade do acto de liquidação, nos termos do artigo 133.º, n.º 2 do CPA -, terá que se concluir que, a existir violação de alguma formalidade do procedimento, a mesma se degradou em não essencial, atenta a conduta da ora Impugnante;
(h) A Requerente limita-se a preencher esta sua alegação com citações produzidas por algumas sumidades nacionais na matéria, mas que, salvo o devido respeito, em nada a ajudam a suportar os vícios de fundamentação que assaca ao texto do Relatório de Inspecção;
(i) No caso concreto, analisando o Relatório de Inspecção, conclui-se que foi descrita com clareza a factualidade que permitiu subsumir as despesas saídas da conta de caixa da empresa à previsão do artigo 81.º, n.º 1 do CIRC, por outro lado, analisando a reclamação graciosa ou o requerimento arbitral, conclui-se que a Requerente percebeu os motivos subjacentes aos actos de liquidação notificados, ficando assim demonstrado que a Requerente teve plena consciência da natureza das correcções de que foi alvo face ao período de 2009, o que também resulta evidenciado pelas cerca de 19 páginas do requerimento arbitral que destinou às correcções meramente aritméticas a título de tributações autónomas
1.5 Em 1 de Junho de 2015, a Requerente pronunciou-se sobre a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral arguida pela AT, tendo igualmente prescindido da inquirição da testemunha indicada. Ambas as Partes prescindiram de efectuar alegações.
1.6 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostraram-se legítimas, a Requerente está regularmente representada por Advogado, cumpre, pois, apreciar e decidir.
2. Matéria de Facto
2.1. Factos que se consideram provados
Com interesse para a presente decisão arbitral foi considerado provado que:
(a) A Requerente foi validamente notificada do acto de indeferimento da reclamação graciosa contestando a liquidação de IRC n.º 2013 ..., a 25 de Junho de 2014;
(b) O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 24 de Setembro de 2014;
(c) A 10/05/2013, a Ordem de Serviço OI2013..., alterando o âmbito da inspecção de parcial para geral, foi assinada por representante do Requerente;
2.2 Factos que não se consideram provados e respectiva fundamentação
Não há factos relevantes para a decisão que se consideram não provados.
2.3 Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e correspondência não foram questionadas.
3. Matéria de Direito
3.1 A Excepção por intempestividade do pedido de pronúncia arbitral
Constitui questão prévia a decidir a da excepção arguida pela AT quanto à intempestividade do pedido de constituição e de pronúncia arbitral.
De harmonia com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
Na situação sub judice é, pois, aplicável por remissão do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (à data ainda em vigor), que institui como critério temporal determinante para a contagem do mencionado prazo de 90 dias a notificação de indeferimento de reclamação graciosa.
A Requerente foi notificada do acto de indeferimento da reclamação graciosa contestando a liquidação de IRC n.º 2013 ..., a 25 de Junho de 2014.
O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 24 de Setembro de 2014, ou seja, decorridos mais de 90 dias após notificação do acto de indeferimento da reclamação graciosa.
Não tem razão a Requerente quando invoca a suspensão deste prazo de 90 dias, nos termos do artigo 17.º-A do RJAT.
No que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, tal como previsto no art. 10.º do RJAT, sendo anterior ao procedimento arbitral, e, obviamente, também anterior ao processo arbitral, não se aplicará o art.3.º-A, nem o 17.º-A, ambos do RJAT, aplicando-se, antes sim, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do art. 20.º, n.º 1 do CPPT, o regime do art. 279.º do Código Civil.
Nestes termos, considerando o normativo supra referido, procede a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a absolvição da Requerida.
Considerando-se procedente a excepção invocada, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nos autos.
4. Decisão
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronuncia arbitral invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, absolve a Requerida da instância;
b) Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento da questão de mérito
5. Valor do Processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 24.944,55.
6. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 25 de Agosto de 2015
O Arbitro,
André Gonçalves