Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 688/2014-T
Data da decisão: 2016-05-02  IUC  
Valor do pedido: € 16.695,27
Tema: IUC - Incidência Subjetiva; presunções legais
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Decisão Arbitral

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A…, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, lote …, …, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2.º, n.º 1, a) e 10.º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL n.º 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 e 2014, no valor global de 16.695,27 €, respeitantes a 161 veículos, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

2.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

       As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 24-11-2014.

 

3.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.

 

4.    Foi realizada a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, tendo nessa ocasião sido inquiridas as testemunhas arroladas pela requerente, tendo, de seguida, sido concedido às partes, como requereram, prazo para apresentação de alegações escritas.

 

5.    As partes apresentaram alegações.

 

6.    Tendo sido proferida decisão arbitral, a requerida impugnou a decisão junto do Tribunal Central Administrativo Sul que, dando procedência à impugnação, a anulou, por entender existir omissão de pronúncia.

 

* * *

 

7.    Pretende a requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação dos actos de liquidação do Imposto Único de Circulação das liquidações oficiosas de Imposto IUC e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 e 2014, respeitantes a 161 veículos, com a consequente restituição do imposto pago, juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios, alegando em síntese:

 

       a)  Tem como objecto social o comércio de automóveis, respectivas peças e acessórios, no âmbito do qual importa, em exclusivo, todos os veículos automóveis da marca B… para o mercado nacional.

       b)  Uma vez importados, todos os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca, alguns deles integrantes do mesmo grupo económico, que por sua vez os vendem aos clientes finais - os quais serão os utilizadores dos veículos e em cujo interesse entram em circulação rodoviária.

       c)  Todas as viaturas importadas são-no mediante prévio pedido dos concessionários, apresentado por via informática directamente junto da fábrica.

       d) As viaturas, uma vez importadas, são de imediato vendidas e facturadas aos concessionários.

       e)  Conquanto do ponto de vista estritamente formal a matrícula e registo das viaturas seja feito inicialmente em nome do importador (a Requerente), é o concessionário quem solicita as matrículas das viaturas.

       f)  As vendas da requerente aos concessionários ocorrem precisamente na data da emissão das facturas pela Requerente aos concessionários.

       g)  É o contribuinte poluidor que deve suportar o imposto (IUC) na medida dos custos que provoca às infra-estruturas viárias e ao ambiente, o que não sucede com a requerente na medida em que, como mera importadora, não produz qualquer “custo ambiental e viário” ou “desgaste de bens públicos”.

       h)  Os veículos em questão não eram propriedade da requerente nas datas das respectivas matrículas, por já os haver vendido a terceiros.

       i)   Embora o IUC seja devido pelos proprietários dos veículos – no caso, à data da matrícula, por se tratar do IUC relativo ao ano da matrícula - as pessoas em nome de quem os veículos estejam matriculados ou registados podem ilidir a (mera) presunção legal de propriedade que decorre dessa matrícula ou registo automóvel.

       j)   O registo tem efeitos meramente declarativos, de oponibilidade do direito relativamente a terceiros, mas nunca efeitos constitutivos do direito - daí decorrendo que o registo não constitui condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

       k)  Ao contrário do direito e processo civil, que se baseia no princípio do dispositivo, o direito e processo tributário baseia-se no princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, o qual foi violado pela AT.

       l)   As liquidações impugnadas não estão suficientemente fundamentadas, pois não explicitam os valores de IUC concretamente exigidos relativamente a cada veículo.

       m) A exigência de juros compensatórios, antes mesmo de decorrido o prazo para pagamento voluntário, no caso concreto do IUC, padece de vício de violação de lei, além de que para a liquidação de tais juros compensatórios exigir-se-ia sempre um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto.

 

8.    Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a)  A requerente não demonstra a existência de uma relação de concessão comercial entre si e as entidades que constam das faturas, nem as “vendas imediatas” aos concessionários.

       b)  Também não demonstra quando e por que meio ocorreram as entregas aos concessionários.

       c)  No âmbito do artigo 17.º do Código do Imposto sobre Veículos, a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos, constituindo tal emissão o facto gerador do imposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5.º do CISV.

       d) Nos termos do disposto no artigo 117.º do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao IMTT pela entidade que proceder à admissão ou introdução no consumo.

       e)  O momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (confronte-se o disposto no n.º 2 do artigo 4.º e no n.º 3 do artigo 6.º, ambos do CIUC, no n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no artigo 24.º do Regulamento do registo de Automóveis).

       f)  Do que resulta que o registo inicial de propriedade de veículos admitidos (como é o caso dos autos), tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo.

       g)  A emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da requerente e o pagamento do correspondente imposto ISV e origina automaticamente o registo da propriedade do veículo ao abrigo do artigo 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à sua importação do veículo e pedido de matrícula, ou seja, a requerente.

       h)  O primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso da requerente.

       i)   Tendo a requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a requerente sujeito passivo do imposto.

       j)   À luz das normas legais é manifestamente irrelevante a venda aos seus concessionários antes da atribuição da matrícula.

       k)  A veicular-se o entendimento sufragado pela requerente estaria encontrada a fórmula para afastar a tributação em sede de IUC no caso em que o certificado de matrícula fosse atribuído num determinado ano – emergindo nesse ano o facto gerador e a exigibilidade do imposto – e apenas objecto de registo em nome de outro proprietário no ano seguinte.

       l)   O entendimento propugnado pela requerente com vista a afastar a incidência subjectiva e tributação do IUC, em caso de vender o veículo antes da atribuição da matrícula, além de não ter acolhimento legal, viola os princípios constitucionais da legalidade e justiça tributária, da capacidade contributiva, da igualdade, da certeza e da segurança jurídica.

       m) As facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e, a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.

       n)  A fundamentação constante das liquidações é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação.

       o)  Não é pelo facto de o artigo 18.º do CIUC se limitar a consagrar as regras especiais sobre a liquidação que automaticamente se pode concluir, em face da menção expressa, à falta de obrigação de pagamento de juros compensatórios em sede de IUC, os quais serão exigíveis sempre que, por facto imputável ao contribuinte, seja a liquidação de imposto retardada.

       p)  A interpretação veiculada pela requerente mostra-se contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

       q)  Mais defende não estarem reunidos os pressupostos legais que conferem o direito peticionado a juros indemnizatórios.

 

* * *

 

9.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O processo não enferma de nulidades.

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto social o comércio de automóveis, respectivas peças e acessórios, no âmbito do qual importa, em exclusivo, todos os veículos automóveis da marca Renault para o mercado nacional.

b)    Uma vez importados, todos os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca, alguns deles integrantes do mesmo grupo económico, que por sua vez os vendem aos clientes finais.

c)    As viaturas são importadas mediante prévio pedido dos concessionários, apresentado por via informática directamente junto da fábrica.

d)    Chegadas a Portugal, as viaturas são de imediato facturadas pela requerente aos concessionários e imediatamente entregues nas instalações destes.

e)    As facturas de venda não contêm as matrículas, por ainda não terem sido solicitadas, mas apenas os números de chassis dos veículos vendidos aos concessionários.

f)    Após a venda aos concessionários a requerente paga o devido Imposto sobre Veículos, solicita a emissão da matrícula e factura àqueles o imposto suportado, fazendo constar das respectivas facturas as matrículas dos veículos.

g)    As matrículas de todos os veículos objecto do pedido de pronúncia arbitral foram obtidas após a requerente ter emitido as facturas de venda aos concessionários.

h)    A requerente exerceu, no âmbito do procedimento de liquidação oficiosa, direito de audição, tendo aí apresentado cópias das facturas também juntas ao presente processo.

i)     A requerente pagou o imposto objecto das liquidações impugnadas.

j)     A requerente apresentou, em 20-09-2104, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

1.2  Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo pela requerente, cuja autenticidade não foi posta em causa pela requerida, bem como nas declarações das testemunhas arroladas, cujos depoimentos se revelaram isentos e esclarecidos.

 

1.3  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

1.4  O DIREITO

 

A questão de fundo suscitada pela requerente reside no entendimento, que sustenta, da sua indevida qualificação, pela AT, como sujeito passivo de IUC.

 

Para a requerida é determinante, para essa qualificação, o facto de a requerente figurar no registo como proprietária dos veículos o que, aliás, decorre do art. 117.º do Código da Estrada, quando estipula que é a entidade que procede à admissão ou introdução no consumo – a requerente – que solicita ao IMTT a emissão de matrícula.

 

Dispõe o n.º 1 do art. 3.º do CIUC: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Daí decorre que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional (art. 6.º, n.º 1 do mesmo diploma).

 

A questão a dirimir reconduz-se, então, à interpretação a dar ao n.º 1 do art. 3.º do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva, nele contida, estabelece uma presunção legal juris tantum – e, como tal, susceptível de ilisão (como sustenta a requerente) ou, pelo contrário, uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.

 

Com base na redacção daquele preceito, sustenta a requerida - AT - que a base de incidência pessoal, que este define, não comporta hoje qualquer presunção legal, uma vez que aquele transmite de forma expressa e intencional o pensamento do legislador tributário, no sentido de se considerar, de modo irrefutável, como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontrem registados.

 

Acrescenta, em abono da sua tese, que o legislador consagrou expressamente que o facto gerador do imposto consignado no art. 6.º do CIUC é atestado pela emissão da matrícula. Daí decorreria que “pese embora a requerente alegue que na data da atribuição da matrícula já vendeu os veículos aos seus concessionários, tal facto é irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no art. 6.º do CIUC”.

 

Ora, de acordo com o disposto no art. 11.º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.

 

É, pois, dentro deste quadro de interpretação da lei fiscal, no caso o art. 3.º, n.º 1 do CIUC, que teremos de encontrar a resposta ao antagonismo de posições entre a requerente e a AT.

 

Para a AT é decisivo para a determinação do sujeito passivo do IUC o registo de propriedade do veículo automóvel, de modo a que será considerado como tal, de modo irreversível, aquele em nome de quem este está registado, o que, no caso em apreço, seria reforçado pelo facto de a requerente figurar como primeira proprietária enquanto requerente do certificado de matrícula.

 

Relativamente a este ponto há que ter presente que o n.º 1 do art. 3.º do CIUC, enquanto norma de incidência subjectiva, não faz qualquer distinção entre diferentes registos de propriedade automóvel (designadamente entre o registo inicial e os posteriores).

 

O registo de propriedade de veículos é, face ao disposto no art. 5.º, n.º 1, a) e n.º 2 do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, obrigatório, pelo que, qualquer direito de propriedade que incida sobre a viatura está sujeito a registo, com o que se pretende a segurança do comércio jurídico, bem como a publicidade da situação jurídica dos mesmos.

 

Tal registo goza, nos termos do disposto no art. 7.º do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel por força do art. 29.º do referido DL n.º 54/75), da “… presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

Temos, por isso, que a inscrição de registo de propriedade do veículo é, também ela, uma presunção de que o direito de propriedade sobre o mesmo existe nos termos constantes do registo.

 

Quer dizer, o registo de propriedade automóvel não constitui qualquer condição de validade dos contratos a ele sujeitos, à semelhança do que ocorre com o registo predial (cujo regime, como já apontamos, é extensivo ao registo automóvel); o registo tem uma função meramente declarativa.

 

Acontece que o art. 5.º, n.º 1 do Código do Registo Predial, impõe que “os factos sujeitos a registos só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do que parece resultar que tal bastaria para que a AT invocasse a ausência de registo para fazer funcionar de imediato o art. 3.º, n.º 1 do CIUC, exigindo o pagamento do imposto àquele em nome de quem o veículo está registado, por ser o sujeito passivo do imposto.

 

Sucede que o n.º 4 do art. 5.º do Código do Registo Predial restringe tal entendimento, ao determinar que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Donde resulta que, por essa via, nunca a AT estaria habilitada a invocar a falta de registo, na medida em que não preenche o conceito de terceiro.

 

Posto isto em termos gerais, há que apurar se, pese embora o que vem de referir-se, o n.º 1 do art. 3.º do CIUC contém, ou não, uma presunção legal.

 

Tudo está, em suma, em determinar se a expressão “considerando-se”, ali utilizada, tem a natureza de presunção legal.

 

Diga-se que parece ofensivo à unidade do sistema jurídico-legal – e até, com as devidas adaptações, em oposição aos n.º 2 e 3 do art. 11.º da LGT - que um indivíduo venha a considerar-se como não proprietário de um bem para efeitos civis e tenha de o ser necessariamente para efeitos tributários.

 

Ao que acresce o facto de a AT dever nortear a sua actividade pela observância dos princípios da legalidade, do inquisitório e descoberta da verdade material, insíto ao ditame constitucional da capacidade contributiva. Não se pretendendo com isso dizer que este último tenha o alcance pretendido pela requerente quando preconiza existir conhecimento oficioso da AT das vendas que efectua, por virtude da comunicação que das mesmas faz via SAF-T.

 

Seja como for, parece evidente que, quer do ponto de vista sistemático, quer teleológico, a expressão “considerando-se”, adoptada no n.º 1 do art. 3.º do CIUC contempla uma verdadeira presunção, a isso não se opondo a aparente literalidade da expressão, nem o ordenamento tributário.

 

A este propósito, referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação ao art. 73.º, pag. 651: “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão “presume-se” ou semelhante, como sucede, por exemplo, nos n.º 1 a 5 do art. 6º, na alínea a) do n.º 3 do art. 10º, no art. 19º e 40º, n.º 1, do CIRS. No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real …”, enumerando-se depois um conjunto de exemplos.

 

Entendemos que é precisamente esse o caso que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC contempla: uma presunção implícita. Presunção, aliás, que sempre existiu no domínio do imposto de circulação automóvel, pese embora anteriormente definido de forma explícita.

 

Por outro lado, em cumprimento dos princípios - com consagração no nosso ordenamento comunitário - do poluidor-pagador e da equivalência, o CIUC importa preocupações de ordem ambiental e energética, pretendendo que os custos decorrentes dos danos ambientais provocados pela utilização dos veículos automóveis sejam suportados pelos reais proprietários (e não pelos presumidos proprietários).

 

É, pois, forçoso concluir que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção de incidência subjectiva.

 

Ora, o n.º 2 do art. 350.º do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos expressamente previstos na lei.

 

E, no que respeita à ilisão das presunções, temos por boa a doutrina a que o STJ recorreu na fundamentação do Assento n.º 1/91 de 03-04-1991 (DR n.º 114, de 18 de Maio) - para classificar como juris tantum uma presunção estabelecida num diploma laboral - defendida por Vaz Serra [Provas (direito probatório material), BMJ 110-112, pag. 35], bem como por Mário de Brito (Código Civil Anotado, pag. 466) e Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pag. 429): “… as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções jure er de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado”.

 

Por seu turno, no âmbito do direito tributário, o art. 73.º da LGT dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. O que significa que todas as presunções em matéria de incidência tributária, como a que o n.º 1 do art. 3.º do CIUC consagra, são juris tantum e, como tal, ilidíveis.

 

da alegada inconstitucionalidade

 

Sustenta a requerida que tai interpretação violaria os princípios constitucionais da legalidade e justiça tributária, da capacidade contributiva, da igualdade, da certeza e da segurança jurídicas.

 

Avançamos, desde já, que não vislumbramos no articulado da requerida sustentação minimamente consistente para alicerçar tal invocação.

 

Como expressão do princípio do Estado de Direito democrático, “o princípio da legalidade fiscal tem na base a ideia de autoimposição, autotributação ou de autoconsentimento dos impostos, segundo a qual os impostos devem ser consentidos pelos próprios contribuintes” (Casalta Nabais, Direito Fiscal – 5ª ed., pag. 136) e que, entre nós, se desdobra na reserva de lei formal e na reserva de lei material, que, em suma, se concretiza no princípio da tipicidade, impondo-se a regulação por lei material dos elementos essenciais do imposto.

 

Entende a requerida que “não tendo o legislador tributário expressamente consagrado na lei, o afastamento da incidência subjectiva de tributação em sede de IUC nos casos em que a Requerente aponta é inequívoco que tal entendimento viola frontalmente o princípio da legalidade tributária consignado nos artigos 8.º da LGT e 103.º da CRP”.

 

Não conseguimos vislumbrar em que medida a interpretação dada àquele normativo – no sentido de o mesmo conter uma presunção – possa violar aqueles princípios constitucionais. Com efeito, tal interpretação não macula o princípio da tipicidade, que, enquanto emanação do princípio da legalidade exige que a interpretação da norma e o enquadramento dos factos tributários constitutivos da relação jurídica-tributária se balizem dentro daqueles parâmetros.

 

A interpretação da norma no sentido de se considerar que a mesma contém uma presunção legal, resulta apenas da aplicação coerente do art. 11.º da LGT, ao impor que devem ser observados na interpretação e aplicação das leis fiscais, as regras e princípios gerais aplicáveis às demais leis.

 

O mesmo se diga a propósito da também invocada violação do princípio da capacidade contributiva. É verdade que, como bem diz a AT, o “princípio da capacidade contributiva constitui pressuposto e medida dos impostos constituindo a idoneidade económica para suportar o ónus do tributo”.

 

Conclusão que está manifestamente presente na consagração de presunção do aludido n.º 1 do art. 3.º do CIUC. Aliás, como acima se referiu, este imposto importa preocupações de ordem ambiental e energética, pretendendo que os custos decorrentes dos danos ambientais provocados pela utilização dos veículos automóveis sejam suportados pelos reais proprietários (e não pelos presumidos proprietários). Quer dizer, aquele preceito pretende tributar aqueles que são efectivos proprietários dos veículos automóveis e, nessa medida, poluidores do ambiente e não aqueles que apenas presumidamente o são.

 

Do mesmo modo, assim se dá expressão ao princípio da igualdade tributária, na medida em que se tributa de igual forma o que é igual: a tributação uniforme dos efectivos proprietários – e, nessa qualidade, poluidores do ambiente – de veículos automóveis.

 

A interpretação que acolhemos e é sustentada pela requerente, não contende, assim, com qualquer princípio constitucional.

 

Nada obsta, por isso, bem pelo contrário, a que se considere que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal de incidência subjectiva.

 

da ilisão da presunção

 

Dos elementos probatórios trazidos aos autos pela requerente, resulta que esta não era a proprietária dos veículos a que a respeitam as liquidações objecto do presente pedido arbitral, nas datas limite dos respectivos pagamentos.

 

Neste ponto, a requerida põe em causa que facturas titulando contratos de compra e venda sejam aptas a comprovar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos.

 

Não questiona, todavia, a veracidade dos documentos juntos. Sendo certo que em matéria tributária vigora a presunção de verdade dos elementos constantes da contabilidade do contribuinte, como é o caso das facturas, ao que acresce que as testemunhas arroladas pela requerente, em depoimentos esclarecidos, confirmaram a existência dos negócios consubstanciadas nas facturas juntas ao processo.

 

A propósito do pagamento das referidas facturas, as mesmas testemunhas esclareceram que o pagamento das mesmas é efectuado no dia seguinte ao do seu envio aos concessionários por uma entidade financeira, a C… Sucursal Portugal. 

 

É, para o caso, irrelevante que o pagamento seja efectuado por uma terceira entidade, não colidindo tal circunstância com a transmissão do direito de propriedade.

 

Temos por isso como assente, não ter sido colocado em causa que os negócios, traduzidos nas facturas juntas pela requerente, tenham sido concretizados, sendo certo que o contrato de compra e venda é consensual, não se lhe exigindo qualquer forma especial.

 

Desse modo, tem-se por provada a transmissão de propriedade, sendo certo que a AT não tem legitimidade para opôr a ausência de registo, por não ser, para tais efeitos, tida como terceiro.

 

Sucede, todavia, como bem sustenta a requerida, que, face ao disposto nos art. 24.º e 42.º do Reg. Registo Automóvel, é o importador que deve proceder ao registo do veículo automóvel, no caso, no prazo máximo de sessenta dias a contar da atribuição da matrícula.

 

No seu entendimento, é decisivo, para esta questão, a imposição resultante do referido art. 24.º de que o “importador figura no registo como primeiro proprietário de veículo”, donde decorrerá, face ao disposto nos art. 3.º e 6.º do CIUC, de forma inelutável, a sua qualidade de sujeito passivo do imposto.

 

Daí decorre que o primeiro registo de um veículo novo há-de, necessariamente, ser efectuado em nome do importador.

 

E, concomitantemente, no caso de veículos sujeitos a primeira matrícula é na data em que esta é obtida que se define o momento da exigibilidade do imposto

 

Acontece que todos os veículos objecto das liquidações em apreciação no presente pedido de pronúncia arbitral foram, como já se concluiu, objecto de transmissão por parte da requerente.

 

Quer dizer, na data em que se procedeu à emissão das matrículas, os veículos já não eram propriedade da requerente.

 

Provada a transmissão de propriedade, conclui-se padecerem as liquidações objecto do presente pedido arbitral de ilegalidade, pelo que se impõe a sua anulação.

 

Resulta, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

juros indemnizatórios

 

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no art. 43.º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no art. 24.º, n.º 5 do RJAT.

 

No caso em apreço, parece-nos ocorrer, de facto, erro imputável à AT nas liquidações em crise.

 

Com efeito, a requerente já havia apresentado, em sede de audição prévia nos procedimentos de liquidação oficiosa, documentação suficiente para a ilisão de presunção que sobre ela recaía.

 

Apesar de assim ser e de a AT se dever nortear, como acima se referiu, pelo princípio do inquisitório, ignorou todos os elementos que tinha ao seu dispor e que deveriam ter obstado à concretização das liquidações impugnadas.

 

Pelo que assiste à requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.

 

***

 

3. DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

                                             a)  julgar procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação dos actos tributários objecto do pedido arbitral correspondentes às liquidações de IUC referentes aos anos de 2013 e 2014 e subsequentes juros compensatórios, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios,

                                             c)  condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;

                                             c)  condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97.º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 16.695,27 € (dezasseis mil seiscentos e noventa e cinco euros e vinte sete cêntimos).

 

CUSTAS: Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 02-05-2016

 

 

            O árbitro

                                                                                                  

            António Alberto Franco

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral[1]

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A…, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, lote …, …, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2.º, n.º 1, a) e 10.º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL n.º 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 e 2014, no valor global de 16.695,27 €, respeitantes a 161 veículos, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

2.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

       As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 24-11-2014.

 

3.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.

 

4.    Foi realizada a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, tendo nessa ocasião sido inquiridas as testemunhas arroladas pela requerente, tendo, de seguida, sido concedido às partes, como requereram, prazo para apresentação de alegações escritas.

 

5.    As partes apresentaram alegações.

 

* * *

 

6.    Pretende a requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação dos actos de liquidação do Imposto Único de Circulação das liquidações oficiosas de Imposto IUC e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 e 2014, respeitantes a 161 veículos, com a consequente restituição do imposto pago, juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios, alegando em síntese:

 

       a)  Tem como objecto social o comércio de automóveis, respectivas peças e acessórios, no âmbito do qual importa, em exclusivo, todos os veículos automóveis da marca … para o mercado nacional.

       b)  Uma vez importados, todos os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca, alguns deles integrantes do mesmo grupo económico, que por sua vez os vendem aos clientes finais - os quais serão os utilizadores dos veículos e em cujo interesse entram em circulação rodoviária.

       c)  Todas as viaturas importadas são-no mediante prévio pedido dos concessionários, apresentado por via informática directamente junto da fábrica.

       d) As viaturas, uma vez importadas, são de imediato vendidas e facturadas aos concessionários.

       e)  Conquanto do ponto de vista estritamente formal a matrícula e registo das viaturas seja feito inicialmente em nome do importador (a Requerente), é o concessionário quem solicita as matrículas das viaturas.

       f)  As vendas da requerente aos concessionários ocorrem precisamente na data da emissão das facturas pela Requerente aos concessionários.

       g)  É o contribuinte poluidor que deve suportar o imposto (IUC) na medida dos custos que provoca às infra-estruturas viárias e ao ambiente, o que não sucede com a requerente na medida em que, como mera importadora, não produz qualquer “custo ambiental e viário” ou “desgaste de bens públicos”.

       h)  Os veículos em questão não eram propriedade da requerente nas datas das respectivas matrículas, por já os haver vendido a terceiros.

       i)   Embora o IUC seja devido pelos proprietários dos veículos – no caso, à data da matrícula, por se tratar do IUC relativo ao ano da matrícula - as pessoas em nome de quem os veículos estejam matriculados ou registados podem ilidir a (mera) presunção legal de propriedade que decorre dessa matrícula ou registo automóvel.

       j)   O registo tem efeitos meramente declarativos, de oponibilidade do direito relativamente a terceiros, mas nunca efeitos constitutivos do direito - daí decorrendo que o registo não constitui condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

       k)  Ao contrário do direito e processo civil, que se baseia no princípio do dispositivo, o direito e processo tributário baseia-se no princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, o qual foi violado pela AT.

       l)   As liquidações impugnadas não estão suficientemente fundamentadas, pois não explicitam os valores de IUC concretamente exigidos relativamente a cada veículo.

       m) A exigência de juros compensatórios, antes mesmo de decorrido o prazo para pagamento voluntário, no caso concreto do IUC, padece de vício de violação de lei, além de que para a liquidação de tais juros compensatórios exigir-se-ia sempre um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto.

 

7.    Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a)  A requerente não demonstra a existência de uma relação de concessão comercial entre si e as entidades que constam das faturas, nem as “vendas imediatas” aos concessionários.

       b)  Também não demonstra quando e por que meio ocorreram as entregas aos concessionários.

       c)  No âmbito do artigo 17.º do Código do Imposto sobre Veículos, a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos, constituindo tal emissão o facto gerador do imposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5.º do CISV.

       d) Nos termos do disposto no artigo 117.º do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao IMTT pela entidade que proceder à admissão ou introdução no consumo.

       e)  O momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (confronte-se o disposto no n.º 2 do artigo 4.º e no n.º 3 do artigo 6.º, ambos do CIUC, no n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no artigo 24.º do Regulamento do registo de Automóveis).

       f)  Do que resulta que o registo inicial de propriedade de veículos admitidos (como é o caso dos autos), tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo.

       g)  A emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da requerente e o pagamento do correspondente imposto ISV e origina automaticamente o registo da propriedade do veículo ao abrigo do artigo 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à sua importação do veículo e pedido de matrícula, ou seja, a requerente.

       h)  O primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso da requerente.

       i)   Tendo a requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a requerente sujeito passivo do imposto.

       j)   À luz das normas legais é manifestamente irrelevante a venda aos seus concessionários antes da atribuição da matrícula.

       k)  A veicular-se o entendimento sufragado pela requerente estaria encontrada a fórmula para afastar a tributação em sede de IUC no caso em que o certificado de matrícula fosse atribuído num determinado ano – emergindo nesse ano o facto gerador e a exigibilidade do imposto – e apenas objecto de registo em nome de outro proprietário no ano seguinte.

       l)   O entendimento propugnado pela requerente com vista a afastar a incidência subjectiva e tributação do IUC, em caso de vender o veículo antes da atribuição da matrícula, além de não ter acolhimento legal, viola os princípios constitucionais da legalidade e justiça tributária, da capacidade contributiva, da igualdade, da certeza e da segurança jurídica.

       m) As facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e, a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.

       n)  A fundamentação constante das liquidações é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação.

       o)  Não é pelo facto de o artigo 18.º do CIUC se limitar a consagrar as regras especiais sobre a liquidação que automaticamente se pode concluir, em face da menção expressa, à falta de obrigação de pagamento de juros compensatórios em sede de IUC, os quais serão exigíveis sempre que, por facto imputável ao contribuinte, seja a liquidação de imposto retardada.

       p)  Mais defende não estarem reunidos os pressupostos legais que conferem o direito peticionado a juros indemnizatórios.

 

* * *

 

8.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O processo não enferma de nulidades.

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto social o comércio de automóveis, respectivas peças e acessórios, no âmbito do qual importa, em exclusivo, todos os veículos automóveis da marca … para o mercado nacional.

b)    Uma vez importados, todos os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca, alguns deles integrantes do mesmo grupo económico, que por sua vez os vendem aos clientes finais.

c)    As viaturas são importadas mediante prévio pedido dos concessionários, apresentado por via informática directamente junto da fábrica.

d)    Chegadas a Portugal, as viaturas são de imediato facturadas pela requerente aos concessionários e imediatamente entregues nas instalações destes.

e)    As facturas de venda não contêm as matrículas, por ainda não terem sido solicitadas, mas apenas os números de chassis dos veículos vendidos aos concessionários.

f)    Após a venda aos concessionários a requerente paga o devido Imposto sobre Veículos, solicita a emissão da matrícula e factura àqueles o imposto suportado, fazendo constar das respectivas facturas as matrículas dos veículos.

g)    As matrículas de todos os veículos objecto do pedido de pronúncia arbitral foram obtidas após a requerente ter emitido as facturas de venda aos concessionários.

h)    A requerente exerceu, no âmbito do procedimento de liquidação oficiosa, direito de audição, tendo aí apresentado cópias das facturas também juntas ao presente processo.

i)     A requerente pagou o imposto objecto das liquidações impugnadas.

j)     A requerente apresentou, em 20-09-2104, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

1.2  Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo pela requerente, cuja autenticidade não foi posta em causa pela requerida, bem como nas declarações das testemunhas arroladas, cujos depoimentos se revelaram isentos e esclarecidos.

 

1.3  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

1.4  O DIREITO

 

A questão de fundo suscitada pela requerente reside no entendimento, que sustenta, da sua indevida qualificação, pela AT, como sujeito passivo de IUC.

 

Para a requerida é determinante, para essa qualificação, o facto de a requerente figurar no registo como proprietária dos veículos o que, aliás, decorre do art. 117.º do Código da Estrada, quando estipula que é a entidade que procede à admissão ou introdução no consumo – a requerente – que solicita ao IMTT a emissão de matrícula.

 

Dispõe o n.º 1 do art. 3.º do CIUC: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Daí decorre que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional (art. 6.º, n.º 1 do mesmo diploma).

 

A questão a dirimir reconduz-se, então, à interpretação a dar ao n.º 1 do art. 3.º do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva, nele contida, estabelece uma presunção legal juris tantum – e, como tal, susceptível de ilisão (como sustenta a requerente) ou, pelo contrário, uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.

 

Com base na redacção daquele preceito, sustenta a requerida - AT - que a base de incidência pessoal, que este define, não comporta hoje qualquer presunção legal, uma vez que aquele transmite de forma expressa e intencional o pensamento do legislador tributário, no sentido de se considerar, de modo irrefutável, como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontrem registados.

 

Acrescenta, em abono da sua tese, que o legislador consagrou expressamente que o facto gerador do imposto consignado no art. 6.º do CIUC é atestado pela emissão da matrícula. Daí decorreria que “pese embora a requerente alegue que na data da atribuição da matrícula já vendeu os veículos aos seus concessionários, tal facto é irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no art. 6.º do CIUC”.

 

Ora, de acordo com o disposto no art. 11.º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.

 

É, pois, dentro deste quadro de interpretação da lei fiscal, no caso o art. 3.º, n.º 1 do CIUC, que teremos de encontrar a resposta ao antagonismo de posições entre a requerente e a AT.

 

Para a AT é decisivo para a determinação do sujeito passivo do IUC o registo de propriedade do veículo automóvel, de modo a que será considerado como tal, de modo irreversível, aquele em nome de quem este está registado, o que, no caso em apreço, seria reforçado pelo facto de a requerente figurar como primeira proprietária enquanto requerente do certificado de matrícula.

 

Relativamente a este ponto há que ter presente que o n.º 1 do art. 3.º do CIUC, enquanto norma de incidência subjectiva, não faz qualquer distinção entre diferentes registos de propriedade automóvel (designadamente entre o registo inicial e os posteriores).

 

O registo de propriedade de veículos é, face ao disposto no art. 5.º, n.º 1, a) e n.º 2 do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, obrigatório, pelo que, qualquer direito de propriedade que incida sobre a viatura está sujeito a registo, com o que se pretende a segurança do comércio jurídico, bem como a publicidade da situação jurídica dos mesmos.

 

Tal registo goza, nos termos do disposto no art. 7.º do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel por força do art. 29.º do referido DL 54/75), da “… presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

Temos, por isso, que a inscrição de registo de propriedade do veículo é, também ela, uma presunção de que o direito de propriedade sobre o mesmo existe nos termos constantes do registo.

 

Quer dizer, o registo de propriedade automóvel não constitui qualquer condição de validade dos contratos a ele sujeitos, à semelhança do que ocorre com o registo predial (cujo regime, como já apontamos, é extensivo ao registo automóvel); o registo tem uma função meramente declarativa.

 

Acontece que o art. 5.º, n.º 1 do Código do Registo Predial, impõe que “os factos sujeitos a registos só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do que parece resultar que tal bastaria para que a AT invocasse a ausência de registo para fazer funcionar de imediato o art. 3.º, n.º 1 do CIUC, exigindo o pagamento do imposto àquele em nome de quem o veículo está registado, por ser o sujeito passivo do imposto.

 

Sucede que o n.º 4 do art. 5.º do Código do Registo Predial restringe tal entendimento, ao determinar que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Donde resulta que, por essa via, nunca a AT estaria habilitada a invocar a falta de registo, na medida em que não preenche o conceito de terceiro.

 

Posto isto em termos gerais, há que apurar se, pese embora o que vem de referir-se, o n.º 1 do art. 3.º do CIUC contém, ou não, uma presunção legal.

 

Tudo está, em suma, em determinar se a expressão “considerando-se”, ali utilizada, tem a natureza de presunção legal.

 

Como ponto de partida, a resposta parece-nos ser negativa.

 

Parece ofensivo à unidade do sistema jurídico-legal – e até, com as devidas adaptações, em oposição aos n.º 2 e 3 do art. 11.º da LGT - que um indivíduo venha a considerar-se como não proprietário de um bem para efeitos civis e tenha de o ser necessariamente para efeitos tributários.

 

Ao que acresce o facto de a AT dever nortear a sua actividade pela observância dos princípios da legalidade, do inquisitório e descoberta da verdade material, insíto ao ditame constitucional da capacidade contributiva. Não se pretendendo com isso dizer que este último tenha o alcance pretendido pela requerente quando preconiza existir conhecimento oficioso da AT das vendas que efectua, por virtude da comunicação que das mesmas faz via SAF-T.

 

Seja como for, parece evidente que, quer do ponto de vista sistemático, quer teleológico, a expressão “considerando-se”, adoptada no n.º 1 do art. 3.º do CIUC contempla uma verdadeira presunção, a isso não se opondo a aparente literalidade da expressão, nem o ordenamento tributário.

 

A este propósito, referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação ao art. 73.º, pag. 651: “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão “presume-se” ou semelhante, como sucede, por exemplo, nos n.º 1 a 5 do art. 6º, na alínea a) do n.º 3 do art. 10º, no art. 19º e 40º, n.º 1, do CIRS. No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real …”, enumerando-se depois um conjunto de exemplos.

 

Entendemos que é precisamente esse o caso que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC contempla: uma presunção implícita. Presunção, aliás, que sempre existiu no domínio do imposto de circulação automóvel, pese embora anteriormente definido de forma explícita.

 

Por outro lado, em cumprimento dos princípios - com consagração no nosso ordenamento comunitário - do poluidor-pagador e da equivalência, o CIUC importa preocupações de ordem ambiental e energética, pretendendo que os custos decorrentes dos danos ambientais provocados pela utilização dos veículos automóveis sejam suportados pelos reais proprietários (e não pelos presumidos proprietários).

 

É, pois, forçoso concluir que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção de incidência subjectiva.

 

Ora, o n.º 2 do art. 350.º do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos expressamente previstos na lei.

 

E, no que respeita à ilisão das presunções, temos por boa a doutrina a que o STJ recorreu na fundamentação do Assento n.º 1/91 de 03-04-1991 (DR n.º 114, de 18 de Maio) - para classificar como juris tantum uma presunção estabelecida num diploma laboral - defendida por Vaz Serra [Provas (direito probatório material), BMJ 110-112, pag. 35], bem como por Mário de Brito (Código Civil Anotado, pag. 466) e Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pag. 429): “… as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções jure er de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado”.

 

Por seu turno, no âmbito do direito tributário, o art. 73º da LGT dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. O que significa que todas as presunções em matéria de incidência tributária, como a que o n.º 1 do art. 3.º do CIUC consagra, são juris tantum e, como tal, ilidíveis.

 

Dos elementos probatórios trazidos aos autos pela requerente, resulta que não era a proprietária dos veículos a que a respeitam as liquidações objecto do presente pedido arbitral, nas datas limite dos respectivos pagamentos.

 

Neste ponto, a requerida põe em causa que facturas titulando contratos de compra e venda sejam aptas a comprovar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos.

 

Não questiona, todavia, a veracidade dos documentos juntos. Sendo certo que em matéria tributária vigora a presunção de verdade dos elementos constantes da contabilidade do contribuinte, como é o caso das facturas, ao que acresce que as testemunhas arroladas pela requerente, em depoimentos esclarecidos, confirmaram a existência dos negócios consubstanciadas nas facturas juntas ao processo.

 

A propósito do pagamento das referidas facturas, as mesmas testemunhas esclareceram que o pagamento das mesmas é efectuado no dia seguinte ao do seu envio aos concessionários por uma entidade financeira, a B…. 

 

É, para o caso, irrelevante que o pagamento seja efectuado por uma terceira entidade, não colidindo tal circunstância com a transmissão do direito de propriedade.

 

Temos por isso como assente, não ter sido colocado em causa que os negócios, traduzidos nas facturas juntas pela requerente, tenham sido concretizados, sendo certo que o contrato de compra e venda é consensual, não se lhe exigindo qualquer forma especial.

 

Desse modo, tem-se por provada a transmissão de propriedade, sendo certo que a AT não tem legitimidade para opôr a ausência de registo, por não ser, para tais efeitos, tida como terceiro.

 

Sucede, todavia, como bem sustenta a requerida, que, face ao disposto nos art. 24.º e 42.º do Reg. Registo Automóvel, é o importador que deve proceder ao registo do veículo automóvel, no caso, no prazo máximo de sessenta dias a contar da atribuição da matrícula.

 

No seu entendimento, é decisivo, para esta questão, a imposição resultante do referido art. 24º de que o “importador figura no registo como primeiro proprietário de veículo”, donde decorrerá, face ao disposto nos art. 3.º e 6.º do CIUC, de forma inelutável, a sua qualidade de sujeito passivo do imposto.

 

Daí decorre que o primeiro registo de um veículo novo há-de, necessariamente, ser efectuado em nome do importador.

 

E, concomitantemente, no caso de veículos sujeitos a primeira matrícula é na data em que esta é obtida que se define o momento da exigibilidade do imposto

 

Acontece que todos os veículos objecto das liquidações em apreciação no presente pedido de pronúncia arbitral foram, como já se concluiu, objecto de transmissão por parte da requerente.

 

Quer dizer, na data em que se procedeu à emissão das matrículas, os veículos já não eram propriedade da requerente.

 

Provada a transmissão de propriedade, conclui-se padecerem as liquidações objecto do presente pedido arbitral de ilegalidade, pelo que se impõe a sua anulação.

 

Resulta, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

juros indemnizatórios

 

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no art. 43.º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no art. 24.º, n.º 5 do RJAT.

 

No caso em apreço, parece-nos ocorrer, de facto, erro imputável à AT nas liquidações em crise.

 

Com efeito, a requerente já havia apresentado, em sede de audição prévia nos procedimentos de liquidação oficiosa, documentação suficiente para a ilisão de presunção que sobre ela recaía.

 

Apesar de assim ser e de a AT se dever nortear, como acima se referiu, pelo princípio do inquisitório, ignorou todos os elementos que tinha ao seu dispor e que deveriam ter obstado à concretização das liquidações impugnadas.

 

Pelo que assiste à requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.

 

***

 

3. DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

                                             a)  julgar procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação dos actos tributários objecto do pedido arbitral correspondentes às liquidações de IUC referentes aos anos de 2013 e 2014, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios,

                                             c)  condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;

                                             c)  condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97.º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 16.695,27 € (dezasseis mil seiscentos e noventa e cinco euros e vinte sete cêntimos).

 

CUSTAS: Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20-05-2015

 

 

 

            O árbitro

                                                                                                  

            António Alberto Franco



[1] Decisão Arbitral anulada pelo acórdão do TCA-Sul proferido no âmbito do Processo n.º 08799/15, de 19-11-2015.