Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 648/2014-T
Data da decisão: 2017-05-22  IMT  
Valor do pedido: € 27.000,53
Tema: IMT- Benefícios Fiscais; Empreendimentos turísticos; art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro
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Na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 27 de Abril de 2017, já transitado em julgado, que declarou a anulação da decisão proferida nos presentes autos em 2 de Abril de 2015, impõe-se a pronúncia de nova decisão arbitral.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

IMT- benefícios fiscais utilidade turística

I - RELATÓRIO

 

1. Em 1 de Setembro de 2014, A…, com o NIF…, doravante designado por Requerente, residente em …, …, … …, …, Hong Kong, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) e 2.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da Ordem de Pagamento de IMT no montante de € 27.000,53 (vinte e sete mil e seis euros e cinquenta e três euros), constante do Ofício n.º…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ... … (…), e da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa, identificada com o n.º…2014…, referente à mencionada Ordem de Pagamento.

2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 13 de Novembro de 2014, de acordo com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. Em 11 de Dezembro de 2014, a Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) veio apresentar Resposta e juntar o processo administrativo, requerendo dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT assim como da apresentação de alegações.

6. A Requerente anuiu na dispensa da reunião mas não na apresentação de alegações pelo que foi proferido despacho arbitral no sentido da respectiva apresentação no prazo de 15 dias, a  decorrer sucessivamente, e indicada a data de 28 de Março de 2015 para prolação da decisão arbitral.

7. Já após apresentação das alegações, veio a Requerente requerer junção de um Acórdão do TCAS, o que foi aceite alterando-se a data da emissão da decisão para 2 de Abril de 2015; notificada a Requerida para eventual pronúncia, veio responder em 31 de Março de 2015.

 

8. Pedido de pronúncia arbitral 

O Requerente invoca, em síntese (da nossa responsabilidade), que:

-          Em 19 de Junho de 2006, adquiriu à sociedade B…, S.A., a fracção autónoma designada pelas letras “BY”, correspondente à fracção imobiliária nº…, no piso…, Corpo…, identificado como F, onze, do prédio urbano situado em …, freguesia de …, concelho de ..., que integra o Conjunto Turístico “C…”, ao qual foi atribuída Licença de Utilização Turística n.º …/05, emitida pela Câmara Municipal de ..., em 30 de Setembro de 2005.

-          O Conjunto Turístico “C…” é constituído por sete blocos e 95 apartamentos turísticos constituídos em fracções autónomas, correspondendo a um empreendimento turístico em propriedade plural, nos termos do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, situação já prevista no anterior regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho.

-          Aquando da celebração da escritura de compra e venda foram apresentados o despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 2 de Junho de 2005 de atribuição de utilidade turística a título prévio ao empreendimento turístico e a licença de utilização turística n.º …/05, de 30 de Setembro de 2005, emitida pela Câmara Municipal de ..., relativa ao prédio na sua totalidade, tendo sido inserido pela Notária o seguinte texto: “Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei número 423/83, de 5 de Dezembro”.

-          Por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 23 de Maio de 2007, “foi confirmada a utilidade turística, atribuída a título prévio, ao Conjunto Turístico C…”, nos termos dos Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro e Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro valendo pelo prazo de sete anos, contado a partir da data de emissão da licença de utilização turística pela Câmara Municipal de ... em 30 de Setembro de 2005.

-          Em 4 de Dezembro de 2013, o Autor foi notificado por ofício do Chefe do Serviço de Finanças de ... … (…), para “solicitar guias neste serviço de finanças para pagamento do valor de € 27.006,53 de IMT, devido ao facto de ter adquirido a fracção BY do prédio urbano…, da freguesia de…, em 2006-06-19, com benefício da utilidade turística indevidamente reconhecido, conforme relatório elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro”.

-          Em 2 de Abril de 2014, apresentou Reclamação Graciosa da liquidação invocando caducidade do direito de revisão do acto tributário de reconhecimento de isenção e do direito a promover liquidação adicional nos termos do n.º 3 do artigo 31.º do CIMT e ilegalidade do ofício e do procedimento tributário por violação do dever de fundamentação exigível nos termos dos artigos 123.º, n.º 1, 124.º, n.º 1, alínea c) e 125.º do CPA, assim como por erro de direito quanto à não verificação do direito à isenção de imposto previsto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

-          Recebido projecto de decisão de indeferimento, exerceu o direito de audição prévia, por carta registada enviada em 16 de Junho de 2014, a que a AT respondeu deficientemente, mantendo a sua posição de indeferimento da reclamação, reiterando a legalidade da liquidação.

-          Não se conformando com tal decisão, requereu a constituição de tribunal arbitral, mantendo os fundamentos da anterior reclamação.

-          Quanto à caducidade do direito à liquidação, terá que se ter em conta que a liquidação do imposto IMT relativa à aquisição da fracção BY do prédio urbano…, ocorrida em 19/06/2006, já tinha sido efectuada no momento da celebração da escritura de compra, porque a operação de reconhecimento da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, realizada pela Notária, na escritura de compra e venda, enquadra-se no procedimento de liquidação previsto nos artigos 69º a 80º da LGT.

-          Tendo o acto tributário, relativo à liquidação do imposto, ocorrido no dia 19 de Junho de 2006, apenas poderia ser revisto até 19 de Junho de 2010, porque ao caso não se aplica o prazo de caducidade de oito anos previsto no artigo 35.º do CIMT mas sim o prazo do artigo 78.º da LGT.

-          Do facto de actualmente as situações de isenção exigirem intervenção dos serviços de finanças, com emissão de uma guia a zeros (artigo 10.º do CIMT), não pode, sob pena de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da legalidade, decorrer um tratamento diferente para situações iguais de acordo com a conveniência da AT, porque em 2006, o reconhecimento e a operação de liquidação era da competência da Notária, sendo, em vez da emissão de uma guia a zeros (como actualmente), colocada na escritura a menção à aplicação da isenção ao caso concreto.

-          Verifica-se a caducidade do direito de revisão dos actos tributários e da possibilidade de efectuar a liquidação adicional nos termos dos artigos 78.º da LGT e 31.º do CIMT, pelo que a liquidação do imposto, no valor de € 27.006,53, que constitui uma liquidação adicional, apenas poderia ser efectuada no prazo de quatro anos posteriores à liquidação (artigo 31.º, nº 3, do CIMT).

-          Não se aplica o artigo 35º do CIMT porque o fundamento da liquidação adicional de IMT não se baseia na verificação de um facto acessório do qual a isenção ficasse dependente (condição resolutiva) nem a Inspecção Tributária invocou quaisquer factos novos que não fossem conhecidos no momento da celebração da escritura de compra e venda do imóvel.

-          O procedimento tributário é ainda ilegal (art. 123º, nº 1, do CPA e al. c) do nº 1 do art. 124º do CPA e n.º 3 do artigo 268.º da CRP) por falta de fundamentação dos ofícios recebidos pelo Requerente relativamente às conclusões da inspecção e fundamentação da liquidação, não se alcançando saber qual é o momento em que, no entender da AT, se devem considerar “instalados” os empreendimentos turísticos - se na data da atribuição de licença de utilização turística, se na data em que as fracções são disponibilizadas ao público ou em qualquer outra data - não localizando esse momento na factualidade em causa, o que torna a decisão anulável (art. 135º do CPA).

-          Ainda que fosse fundamentada, a decisão viola o direito do Requerente porque não tem razão quanto ao alcance do benefício fiscal em causa, ao considerar que o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não é aplicável a prédios ou fracções autónomas que integrem um empreendimento turístico já construído e instalado.

-          O nº 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, regula uma isenção objectiva, nada referindo quanto aos sujeitos desta isenção que segundo a AT apenas poderiam o construtor do empreendimento, o promotor imobiliário ou uma entidade que licenciasse e/ou explorasse o empreendimento.

-          O que resulta do preceito é que o adquirente do prédio ou fracção beneficiará da isenção sem ter que praticar todos os actos tendentes à instalação desde que afecte jurídica e economicamente o imóvel que adquiriu de forma a possibilitar a completa instalação de um empreendimento turístico, sendo fundamental identificar o conceito de instalar.

-          Resulta da escritura de compra e venda que a fracção autónoma constitui um apartamento turístico do Conjunto Turístico “C…”, sujeito ao Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (artigo 14.º, nº 1), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março (RJIEFE), de propriedade plural (artigo 52.º do RJIEFE), regime diferente do da compropriedade (artigo 1043.º, nº 1, do Código Civil (CC), porque estabelece uma relação jurídica e deveres específicos entre os proprietários e a entidade exploradora do empreendimento (arts. 45.º e 46.º e dos 52.º a 64.º do RJIEFE), com imposição aos proprietários de deveres restritivos do seu direito de propriedade, passando a apenas poder utilizar a fracção de acordo com o conteúdo do contrato de exploração e de proceder ao pagamento de uma prestação periódica devida à entidade exploradora,

-          A fase de instalação do aldeamento turístico, segundo o RJIEFE, só termina quando se possa iniciar a exploração e o funcionamento do empreendimento, i.e., quando o imóvel esteja apto à exploração turística, o que só acontece no momento em que a fracção é entregue para exploração turística, o que significa que, neste caso de não coincidência entre o promotor do empreendimento turístico e a pessoa vendedora da fracção, esta só passou a estar afecta à exploração turística após aquisição pelo Autor, assim verdadeiro promotor de um empreendimento turístico plural.

-          A aquisição da fracção (unidade de alojamento) pelo Autor marca o momento relevante para a determinação da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, porque é nessa altura que os apartamentos turísticos ficam aptos a desenvolver a exploração turística, que só então pode funcionar e ser aberta ao público enquanto parte integrante do Conjunto Turístico, que se vai instalando à medida que as fracções autónomas sejam adquiridas por investidores, como o Autor.

-          No caso dos autos, verifica-se um erro de direito por parte da AT na medida em que não reconheceu a aplicabilidade da isenção automática prevista no artigo 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, e negou o direito de isenção ao Requerente.

-          Pelo que deve ser declarada a Ilegalidade da Ordem de Pagamento de IMT constante do Ofício n.º…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ...… (…), e da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada, referente à mencionada Ordem de Pagamento.

 

8. A Resposta da Requerida

A Requerida respondeu, em síntese (também da nossa responsabilidade), que:   

-          A prova feita nos presentes autos (relatório final da inspecção tributária) de que a licença de utilização turística foi emitida pela CM de ... em 30/09/2005, leva a concluir que à data da aquisição da fracção o empreendimento turístico em causa já se encontrava instalado e em fase de funcionamento.

-          Mas quanto ao âmbito de aplicação da isenção de IMT, é indiferente se a aquisição ocorreu antes ou depois de o empreendimento já estar instalado e em funcionamento, importando sim, para efeitos da referida isenção, se a aquisição da fracção se destinou à instalação de um empreendimento turístico ou à mera exploração.

-          Quanto ao prazo de caducidade do direito à liquidação de IMT, não se aceita a tese do Requerente de que o prazo de caducidade aplicável à liquidação de IMT ora controvertida é o prazo de 4 anos previsto no nº 3 do art. 31º do CIMT a contar da escritura de compra e venda (altura em que terá ocorrido emissão de uma “liquidação a zeros”).

-          O prazo de caducidade aplicável à situação nos autos é o prazo de 8 anos a contar da verificação dos pressupostos de isenção (n.º1 do art. 35º do CIMT) tendo o IMT sido liquidado de harmonia com o disposto no n.º1 art.º 18.º, conjugado com a al. d) do n.º do art.º 17.º, ambos do Código do IMT.

-          O nº 3 do art. 31º do CIMT dispõe que o direito a liquidar imposto só pode exercer-se até decorridos 4 anos a contar da liquidação a corrigir, excepto se a liquidação adicional tiver por fundamento omissão de bens ou valores, caso em que a liquidação adicional pode fazer-se depois daqueles quatro anos mas sem ultrapassar os 8 anos a contar do facto tributário.

-          A liquidação agora notificada apenas seria uma liquidação adicional se tivesse ocorrido uma liquidação na data da transmissão; contudo, o benefício fiscal de isenção de IMT previsto no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 é um benefício de natureza automática, que decorre directa e imediatamente da lei, ou seja, opera por efeito da lei sem carecer da prática de qualquer acto administrativo, não tendo existido emissão de qualquer liquidação aquando da celebração da escritura de compra e venda do imóvel.

-          Esta situação enquadra-se no n.º 8 do artigo 10º do CIMT, não podendo o Requerente ficcionar a existência de uma liquidação apenas com o propósito de a liquidação visada poder assumir natureza de liquidação adicional, com aplicação do prazo de quatro anos estabelecido no artigo 31º nº 3 do CIMT.

-          Como o Requerente reconhece, à data da escritura de compra e venda não eram os serviços de finanças a fazer a verificação da isenção, não tendo existido uma liquidação no momento da transmissão do imóvel.

-          Neste sentido, pode verificar-se jurisprudência do STA (Proc. 0294/11 de 14-09-2011), reconhecendo que “a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes». e (...) pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou rectificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexactidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido”.

-          No caso dos autos a AT não estava impedida de liquidar o imposto face ao teor do art. 45º, nº 1 in fine da LGT, conjugado com o nº 1 do art. 35º do CIMT, verificando-se que o direito à liquidação do imposto em falta só caducaria se o mesmo não fosse validamente notificado ao Requerente no prazo de 8 anos a contar da aludida transmissão.

-          Quanto à falta de fundamentação dos ofícios, não assiste razão ao Requerente porque como se pode comprovar pelos documentos juntos no PA, as notificações que lhe foram efectuadas cumprem todos os pressupostos constantes do artigo 77º da LGT.

-          Do conteúdo do seu Requerimento de pronúncia arbitral retira-se que compreendeu as razões e fundamentos invocados pela AT, acontecendo é que o Requerente não concorda com a decisão notificada e por isso a refuta especificadamente, o que não sucederia se não tivesse compreendido integralmente os fundamentos do acto em causa.

-          O Requerente não pode afirmar que não conhece o “iter cognoscitivo” e valorativo subjacente à liquidação aqui visada quando confirma e admite que foi notificado do Relatório de Inspecção, e por essa via também foi, dos elementos essenciais da liquidação, tudo isto nos termos da lei.

-          Quanto ao âmbito de aplicação do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, está em causa a determinação do sentido e alcance do art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao inciso “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”.

-          A questão consiste em saber se daquela norma apenas beneficiam as aquisições de prédios ou de fracções autónomas, por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou também as aquisições de fracções autónomas (unidades de alojamento), pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração.

-          A aquisição efectuada pelo Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destina-se à exploração comercial.

-          É habitual os adquirentes de fracções em empreendimentos turísticos em propriedade plural celebrarem contratos de exploração turística destinados a garantir a unidade e continuidade da exploração pela entidade exploradora do empreendimento turístico, bem como a permanente afectação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõe o empreendimento.

-          As restrições e obrigações associadas à aquisição da fracção autónoma correspondem a um novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos em propriedade plural.

-          Como se pode ler no Acórdão do STA proferido em 23/01/2013 no proc. nº 0968/12:  “Em suma, da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas, como refere a Fazenda Pública, os actos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.

-          A razão de ser e finalidade do nº 1 do art. 20º do citado Decreto-Lei nº 423/83 de 05/01 é a de beneficiar com a isenção de IMT os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos ou readaptar e remodelar fracções existentes, “e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento”

-          Na verdade, quando os particulares adquirem as fracções fazem-no como consumidores de um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor tendo em vista a exploração.

-          O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.

-          Que o legislador apenas quis abranger com aquela norma as aquisições destinadas à “instalação” de empreendimentos resulta do elemento literal da interpretação pois se o legislador quisesse abranger a actividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria sido tão claro quanto o foi no art. 16º do mesmo diploma, cujo normativo pretendeu beneficiar tanto empresas proprietárias como exploradoras, à semelhança do que acontece com o nº 2 do art. 20º.

-          Quando o legislador, no nº 2 do art. 20º do mesmo diploma, alarga excepcionalmente a isenção prevista no nº 1 às aquisições a favor de empresa exploradora, nas circunstâncias restritivas que descreve, é claro em excluir daquele benefício todas as restantes transmissões.

-          A distinção entre, por um lado, os conceitos de “instalação” e de “funcionamento” e “exploração”, por outro, encontra-se bem patente no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008.

-          A aquisição em apreço não beneficia da isenção de IMT prevista no nº 1 do art. 20º do citado Decreto-Lei 423/83, remetendo-se nos termos do Acórdão supra referido cuja jurisprudência é reiterada em outros Acórdãos do STA e diversa jurisprudência dos Tribunais Arbitrais, pelo que deve ser a acção julgada improcedente, absolvendo a entidade Requerida do pedido.

 

9. Questões a decidir

As questões sobre que o tribunal deve pronunciar-se são:

a)      Qual o prazo de caducidade do direito à liquidação aplicável no caso dos autos: o prazo geral de 4 anos, nos termos dos artigos 45º da LGT e 31º, nº 3, do CMIT ou o prazo de oito anos, previsto no art. 35º, nº 1, do CIMT.

b)      Verificação de vício de forma, por falta de fundamentação, dos procedimentos relativos à liquidação e cobrança do imposto.

c)      Se a atribuição de diferentes efeitos à intervenção notarial no reconhecimento de isenções (em 2006) face aos efeitos atribuídos à actual intervenção dos serviços de finanças, com emissão de uma guia a zeros (artigo 10.º do CIMT) constitui violação dos princípios constitucionais da igualdade e da legalidade.

d)      Determinação do sentido e alcance do art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao segmento de norma “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”, de forma a decidir se a aquisição pelos Requerentes de fracções autónomas seguida de outorga de contrato de exploração com uma outra entidade que faz a exploração do conjunto ainda se configura como “instalação”.

 

10. Saneamento

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

Pelo que se passa à decisão de mérito.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

11. Factos provados  

11.1. Em 19/06/2006, o Requerente adquiriu à sociedade B… S.A., pessoa colectiva n.º…, pelo preço de € 415.485,00 (quatrocentos e quinze mil quatrocentos e oitenta e cinco euros), a fracção autónoma designada pelas letras BY, correspondente à fracção imobiliária n.º…, no piso…, Corpo…, identificado como F, onze, do prédio urbano situado em…, freguesia de ..., concelho de ..., designado por Lote…, I.P.P…, zona…, subzona…, inscrito sob o artigo…, da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º…, conforme documento n.º 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido (artigo 2º do pedido de pronúncia, nºs 3 e 6 da Resposta, escritura constante do doc. nº 1, junto com o Pedido de pronúncia e que se dá como reproduzido).

11.2. O imóvel referido no número anterior integra o conjunto turístico “C…”, sito na Avenida do …, concelho de ..., ao qual foi atribuída, em 30/09/2005, a licença de utilização turística, nº …/05, emitida pela Câmara Municipal de ... (art. 3º do Pedido e art. 3º da Resposta).

11.3. O estatuto de utilidade pública para o empreendimento turístico referido no número anterior, requerido pela “B…, C…” S.A., foi objecto de reconhecimento prévio por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 02/06/2005 (DR nº…, …, de 15/06/2005), e posteriormente confirmado por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 07/05/2007 (DR nº…, …, de 11/06/2007), com validade de sete anos a partir da atribuição (artigos 6 e 8º do Pedido e Documentos nºs 2 e 3 juntos com o Pedido).

11.4. Na escritura de compra e venda, outorgada em 19/06/2006, a Notária inseriu no texto: “Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto no artigo 20° do Decreto-Lei n° 423/83 de 5 de Dezembro (art. 7º do Pedido e Doc. nº 1 - escritura de compra e venda - junto aos autos com o Pedido).

11.5. Em 25 de Julho de 2013, e em cumprimento do despacho nº DI2013…, a Divisão de Inspecção Tributária …, da Direcção de Finanças de Faro, notificou o Requerente de que verificara que na escritura realizada em 19 de Junho de 2006, de compra e venda da fracção BY (acima identificada) tinha sido declarado que a aquisição estava isenta nos termos do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, pelo que, manifestando discordância, solicitava informação sobre os comprovativos da liquidação de IMT, ou justificação para a sua não liquidação, no caso de o contribuinte entender que não é devido (PA, reclamação graciosa parte 3, fls. 27).

11.6. Uma acção inspectiva interna, parcial no âmbito do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), incidente sobre o exercício de 2006, executada em cumprimento da Ordem de serviço interna nºOI2013…, de 12/08/2012 e realizada em 12 de Setembro de 2013, concluiu que o Requerente tinha beneficiado indevidamente da isenção prevista no artigo 20º do DL 423/83, de 5/12, sendo elaborado um projecto de relatório, notificado ao requerente em 16/09/2013, onde se concluía estar em falta o pagamento de IMT referente a essa aquisição, no montante de € 27.006,53, por aplicação da taxa de 6,5% ao valor de € 415.485,000 (ofício nº…, e projecto de relatório PA – reclamação graciosa parte 3, fls. 28 e ss).

11.7. O Requerente não se pronunciou sobre o teor do projecto de Relatório de Inspecção efectuado ao abrigo da OI 2013… que lhe foi notificado através de carta registada, na morada do seu representante fiscal, em 16 de Setembro de 2013, para efeitos de audição prévia (PA, informação de 27/11/2014).

11.8. O projecto de Relatório da Inspecção Tributária foi, por despacho do Director de Finanças de 10/10/2013, convolado em Relatório definitivo, mantendo a correcção da matéria colectável no valor de € 415.485,000 e de cálculo da colecta de IMT em falta, por aplicação da taxa de 6,5% ao valor de € 27.006,53, com fundamento em o sujeito passivo ter indevidamente beneficiado de isenção prevista no art. 20º do DL 423/83, de 5/12 (PA -reclamação graciosa - parte 4).

11.9. O Relatório da Inspecção Tributária foi enviado ao SF de ... … por ofício nº DFF/…/2013, datado de 11/10/2013 (PA- reclamação graciosa parte 4, fls. 38).

11.10. O Serviço de Finanças de ... … (…), enviou ao Requerente através do ofício n.º…, datado de 28 de Novembro de 2013 e recebido em 4 de Dezembro de 2013, notificação de que deveria “no prazo de trinta dias solicitar guias naquele Serviço de finanças para pagamento do valor de € 27.006,53 de IMT, devido ao facto de ter adquirido a fracção BY do prédio urbano…, da freguesia de…, em 2006-06-19, com benefício da utilidade turística indevidamente reconhecido, conforme relatório elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro” e que findo esse prazo, sem que se mostrasse efectuado o pagamento, seria extraída certidão para cobrança coerciva, começando a contar-se juros de mora, nos termos do nº 3 do art.º 38º do CIMT), informando ainda que da referida liquidação poderia o requerente deduzir reclamação graciosas ou impugnação judicial nos termos das normas aplicáveis do CPPT (Doc. n.º 4 junto com o Pedido e Processo administrativo, informação de 27 de Novembro de 2014 do SF de ... …).

11.11. O Requerente apresentou no Serviço de Finanças de ...… Reclamação Graciosa da liquidação referida no número anterior, através de carta registada em 2 de Abril de 2014 (Doc. n.º 5 junto com o Pedido) que deu origem ao processo administrativo de reclamação graciosa nº …2014… (PA, reclamação graciosa - parte 1 e parte 2).

11.12. Através do ofício nº…, datado de 27/05/2014, o Requerente foi notificado de projecto de decisão da reclamação e para exercer direito de audição (PA- reclamação graciosa parte 6 e doc. nº 6 junto com o Pedido), que exerceu por carta registada em 16/06/2014 (Doc. nº 7 junto com o Pedido).

11.13. A decisão definitiva de indeferimento da Reclamação Graciosa foi proferida em 25 de Junho de 2014 e notificada ao Requerente em 27 de Junho de 2014, através do ofício n.º … de (doc. 8 junto com o pedido e PA - reclamação graciosa parte 7).

 

12. Não provado

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

13. Fundamentação da prova

A fixação da factualidade fez-se com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, incluindo o processo administrativo.

 

14. Aplicação do direito

14.1. Questão prévia – o objecto do presente pedido de pronúncia

O Requerente pede ao tribunal arbitral a “declaração de ilegalidade da Ordem de Pagamento de IMT constante do Ofício n.º…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ... … (…) e da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada, identificada com o n.º …2014…, referente à mencionada Ordem de Pagamento”.

 

De acordo com o artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, a competência dos tribunais arbitrais compreende as seguintes pretensões: “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (redacção dada pela lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, artigo 160º) [1].

 

Apesar da ambiguidade da formulação utilizada em vários passos do pedido de pronúncia, quando identifica como objecto do mesmo a ilegalidade da ordem de pagamento, parece, contudo, que o Requerente visa a apreciação da legalidade da liquidação.

 

Isso ressalta em diversos pontos do articulado do Pedido, onde o Requerente se refere à anterior “apresentação de Reclamação Graciosa da liquidação” (artigo 10º), admite que “AT apresentou ao Autor a liquidação do imposto supostamente devido, vindo, agora, efectuar a sua cobrança (art. 18º) e afirma “Assim sendo, verificando-se que teve lugar a liquidação do imposto, o valor de € 27.006,53 que a AT vem agora exigir foi apurado através de um acto de revisão de actos tributários consubstanciado numa liquidação adicional” (art. 48º).

 

E, apesar da formulação também imprecisa utilizada na reclamação graciosa, o então reclamante afirmava no ponto 14º do respectivo articulado: “As Finanças apresentaram ao reclamante a liquidação do imposto supostamente devido, vindo agora efectuar a sua cobrança” e no exercício da audição prévia afirmou (art. 1º): “O Reclamante apresentou reclamação graciosa relativa à liquidação de IMT pela aquisição da fracção BY do prédio urbano…, da freguesia de …, em 19 de Junho de 2006”.

 

E, sem dúvida, a decisão da reclamação graciosa apreciou a legalidade da liquidação rejeitando os argumentos do reclamante relativos a caducidade do direito à liquidação, falta de fundamentação e negação de aplicação do benefício fiscal previsto no art. 20º do Decreto-lei nº 423/83. 

 

Assim, entende-se que quando o Requerente requer no Pedido de pronúncia a apreciação “da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa” visa a apreciação de uma decisão que apreciou a legalidade do acto de liquidação.

 

De resto, apenas com esse objectivo seria possível aceitar o presente Pedido já que aos tribunais arbitrais cabe a apreciação não da legalidade das decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, mas da legalidade do acto de liquidação objecto de reclamação graciosa.[2]

 

Assim, e porque se considera que o Requerente, ainda que de forma por vezes ambígua, visou a apreciação da legalidade da liquidação[3], o tribunal arbitral considera-se competente para decidir o Pedido, passando a analisar as três questões identificadas como causa de invalidade do acto de liquidação: a caducidade do direito à liquidação, a insuficiência de fundamentação notificada e a errada interpretação do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.

 

14.2. Caducidade do direito à liquidação

14.2.1. Direito aplicável

O Requerente considera que houve, no dia 19 de Junho de 2006, com a realização da escritura de compra e venda, uma primeira liquidação – a zeros - devido ao reconhecimento pela Notária da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, pelo que a revisão dessa primeira liquidação só poderia efectuar-se até 19 de Junho de 2010, por aplicação do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto nos artigos 78.º da LGT e 31.º do CIMT, não sendo invocável o prazo de oito anos previsto no artigo 35.º do CIMT.

 

A Requerida defende que o prazo de caducidade aplicável à situação nos autos é o prazo de 8 anos a contar da verificação dos pressupostos de isenção n.º1 do art. 35º do CIMT, tendo o IMT sido liquidado de harmonia com o disposto no n.º1 art.º 18.º, conjugado com a al. d) do n.º 1 do art.º 17.º, ambos do Código do IMT.

 

O nº 3 do art. 31º do CIMT define, como regra geral em caso de liquidação adicional, o prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir mas, no presente caso, foi considerada aplicável a isenção de IMT prevista no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, benefício de natureza automática, não tendo existido emissão de qualquer liquidação aquando da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, pelo que por aplicação do art. 45º, nº 1, in fine da LGT, conjugado com o nº 1 do art. 35º do CIMT, o direito à liquidação do imposto em falta só caducaria se o mesmo não fosse validamente notificado ao Requerente no prazo de 8 anos a contar da aludida transmissão.

 

Sobre esta questão o tribunal considera que deve prevalecer a posição da Requerida.

 

Quando na transacção sujeita a tributação não é aplicado o imposto, com fundamento em isenção, não se verifica qualquer liquidação. E, não existindo uma liquidação na transmissão, não pode qualificar-se como adicional a liquidação que venha a ocorrer posteriormente, já que a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior deficiente em consequência de erros ou omissões.

 

Para além do Acórdão do STA, referido pela Requerida, proferido em 14 de Setembro de 2011, no proc. 294/2011, poderão citar-se outras decisões jurisprudenciais, designadamente os acórdãos mencionados naquele mesmo aresto.

 

No Acórdão de 17 de Janeiro de 2007 (proc. 909/06) afirma-se que “a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes”. Considerando que no caso aí sub judice fora celebrado um contrato sem que houvesse liquidação de imposto de sisa mas em que estavam reunidos os pressupostos para que à data da celebração do negócio se procedesse à liquidação de imposto, concluiu-se que não tendo havido qualquer liquidação anterior à liquidação ora em causa esta não poderá ser qualificada como adicional [4].

 

Também no Acórdão proferido em 14 de Setembro de 2011, no proc. 0153/11, o STA concluiu que “A liquidação de sisa efectuada em consequência de inspecção levada a cabo a sujeito passivo que no acto de transmissão dos bens se mostrava isento desse imposto não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação” (ponto II do sumário) [5].

Apesar de o facto tributário ter ocorrido anteriormente, não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação da qual não teria resultado imposto a pagar por dele estar o recorrente isento mas, pelo contrário, que por força dessa isenção não se procedeu, então, a qualquer liquidação de sisa. A liquidação posteriormente efectuada em consequência da inspecção levada a cabo ao recorrente não é, assim, uma liquidação adicional porque não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Daí que não se aplicasse nesse caso o prazo de caducidade previsto no artigo 111.º, § 3.º do CIMSISSD mas o prazo de caducidade de oito anos previsto no artigo 92.º do mesmo Código.

No caso em apreciação nos autos, o facto de a Notária interveniente na escritura ter aí declarado a aplicação de uma isenção não constitui pressuposto diferente dos existentes nos acórdãos citados. 

Porque da conjugação de diversas normas do CIMT[6] não é possível concluir que a não exigência pelo Notário, no momento de outorga de uma escritura notarial, da liquidação prévia do imposto, por aceitar a interpretação de que se aplicava um benefício fiscal, constitui a prática de um acto tributário.

 

O CIMT é muito claro ao qualificar a intervenção do Notário e de outras autoridades públicas como “cooperação” com a Administração Tributária – trata-se de verificar (fiscalizar) se houve pagamento de imposto ou se são invocados os pressupostos previstos nas normas de isenção.

 

No caso dos autos, à data da escritura, o nº 3 do art. 49º previa, em alternativa, duas situações de isenção: enquanto nas situações dependentes de reconhecimento prévio o Notário tinha que exigir o documento comprovativo desse reconhecimento (pelos serviços competentes, da administração tributária, é evidente) que arquivava, nos casos de isenção automática, dizia-se “as entidades referidas no n.º 1 devem verificar e averbar a isenção”.

 

Mas isso não constituía qualquer atribuição aos notários de competência para interpretar e aplicar as normas fiscais, em todos os casos em que o gozo de um benefício fiscal não dependesse (caso do art. 20º, nº 1, do DL 423/83) de reconhecimento oficial prévio.  

 

Ao tempo dizia também o artigo 10º do CIMT, no nº 1 que: “As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar” mas nos números seguintes distinguia várias situações, correspondentes às isenções previstas nos artigos 6º a 9º, umas sobre a intervenção de diversas entidades no procedimento e outras de reconhecimento automático[7].

 

Com a redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (que aprovou o OE para 2009), o artigo 10º distingue de forma mais desenvolvida casos de isenções de reconhecimento prévio e de reconhecimento automático, incluindo no nº 8, as isenções constantes de legislação extravagante ao presente código, como isenções de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º.

 

E o artigo 43º passou a prever (em consonância com o disposto no nº 8 do artigo 10º) que havendo lugar a isenção, as entidades referidas no n.º 1 devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam[8].

 

A isenção de IMT prevista no art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 é, precisamente, um caso previsto em legislação extravagante mantida em vigor após a aprovação da Reforma da Tributação do Património [9].

 

Da conjugação das normas referidas, e apesar da redacção inicial do artigo 10º, em vigor ao tempo da escritura no caso dos autos, não mencionar expressamente a forma de actuação no caso de isenções previstas em leis extravagantes, não resultava a atribuição ao Notário de competência para a prática de actos tributários de reconhecimento de isenção.

 

A interpretação mais consentânea com as restantes normas do sistema jurídico (art. 9º do Código Civil) é a de que, cabendo ao Notário a verificação dos pressupostos da aplicação da norma de isenção, deveria recolher os elementos necessários à qualificação da situação, aceitando as declarações e a caracterização feita pelos intervenientes no negócio [10]. A revelar-se uma situação mais complexa, dependente de interpretação das normas fiscais deveria o Notário, na ausência de competência específica em matéria tributária, pedir esclarecimento prévio da situação aos serviços competentes ou evidenciar adequadamente os casos na lista enviada posteriormente à Administração Tributária.

 

Não se apercebendo, nem a autoridade interveniente, nem as partes, de uma errada caracterização jurídica, ficam os contribuintes sujeitos a uma possível detecção do indevido tratamento como isenção, sendo a situação objecto de uma posterior liquidação.

 

Foi o que aconteceu: a AT, detectando através de acção inspectiva que a transmissão de imóvel correspondia a uma aquisição de fracção num empreendimento turístico, cuja promoção pertencera à empresa vendedora, entendeu que à situação tributária correspondia não uma isenção mas sim liquidação de IMT, tendo considerado aplicável o disposto no art. 45º, nº 1 in fine da LGT, conjugado com o nº 1 do art. 35º do CIMT, usando o direito de liquidação do imposto no prazo de 8 anos a contar da aludida transmissão, ocorrida essa sem qualquer liquidação de imposto.

 

Refira-se que a decisão jurisprudencial junta recentemente aos autos pelo Requerente - Acórdão de 15/10/2002, proferido pelo TCAS no proc. 1653/99 - em nada reforça a tese do Requerente quanto ao conceito de liquidação e à caducidade do exercício do seu direito (pensa-se que terá sido esse o objectivo) até porque a situação aí apreciada é bastante diferente da que é objecto do presente processo. 

No caso dos autos, não existiu qualquer liquidação de IMT no momento da escritura porque foi aceite pela Notária interveniente que, face aos elementos juntos pelo comprador, este estava abrangido por uma norma de isenção, mas, como defendemos acima, não houve uma liquidação de imposto.

Já no caso decidido pelo Acórdão do TCAS, estava em causa uma liquidação de IRS: o contribuinte fez, em 1997, a sua declaração de englobamento de rendimentos, considerando parte do rendimento auferido em 1996 abrangido por um benefício fiscal, o que foi desde logo rejeitado pelos serviços centrais que convidaram o contribuinte a apresentar declaração de substituição e, de seguida, procederam a uma liquidação.

Tendo continuado a pretender discutir o caso, sem impugnar a liquidação, e tendo recorrido apenas de um posterior acto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em 1998, viu o recurso ser rejeitado por irrecorribilidade, já que o acto recorrido se configurava como acto meramente confirmativo.  [11]

 

Assim, improcede o fundamento de caducidade do direito à liquidação.

 

14.2.2. Sobre a constitucionalidade da interpretação acolhida

E também não colhe a invocação pelo Requerente de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade tributária, comparando a intervenção da Notária em 2006 com uma liquidação a zeros pelos serviços de finanças (solução introduzida em 2010).

 

Desde logo, não parece curial invocar tratamento violador da igualdade quando se compara, como o próprio Requerente expõe, regimes que se sucederam no tempo, eventualmente correspondentes a vontades legislativas diversas.

 

Mas, no caso dos autos, apesar das alterações legislativas ocorridas entre 2006 e 2010, o que é relevante é a qualificação da situação do Requerente, em qualquer das datas referidas, como isenção de reconhecimento automático.

 

Nesses casos, “os benefícios não são concedidos pela administração fiscal, mas estabelecidos directamente na lei, nascendo o direito subjectivo ao benefício correspondente, da simples verificação histórica dos respectivos pressupostos”, havendo, nesta medida, que preparar os Serviços no sentido de um desejável controlo desses benefícios fiscais automáticos, dando efectiva execução à parte final do nº 4 do art. 2º do EBF [12].

 

Nesse tipo de benefícios os sujeitos passivos cumprem certos procedimentos, objectos de controlo pela administração, sem deixar de pretender alcançar-se uma crescente desburocratização e simplificação administrativa. Assim a liquidação do imposto sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT, como antes a sisa, e também o Imposto do Selo devido) é da iniciativa dos interessados, obrigados a apresentar, em qualquer serviço de finanças uma declaração devidamente preenchida[13].

 

A já referida alteração (Lei nº 64-A/2008, de 31/12, que aprovou o OE para 2009), do artigo 10º do CIMT mantém a distinção entre isenções de reconhecimento prévio e de reconhecimento automático, e o artigo 43º do mesmo Código passou a prever que as entidades referidas no n.º 1 devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam[14]. Contudo, isso não corresponde, verdadeiramente, à criação de um momento de liquidação pelos serviços da AT a pedido dos contribuintes, nem configura um acto de concessão de benefício fiscal, um acto administrativo, de natureza tributária, constitutivo de direitos, sob pena de se apagar a diferença entre os dois tipos de benefícios fiscais (de reconhecimento prévio e de reconhecimento automático)

 

O CIMT era (e continua a ser) muito claro ao qualificar a intervenção do Notário e de outras autoridades públicas como “cooperação” (art. 49º) com a Administração Tributária – trata-se de verificar (fiscalizar) se houve pagamento de imposto ou se são invocados os pressupostos previstos nas normas de isenção. Na redacção original, o nº 3 do art. 49º dispunha “Havendo lugar a isenção automática ou dependente de reconhecimento prévio, as entidades referidas no n.º 1 devem verificar e averbar a isenção ou exigir o documento comprovativo desse reconhecimento, que arquivarão”, distinguindo as duas situações de isenção: enquanto nas situações dependentes de reconhecimento prévio o Notário tinha que exigir o documento comprovativo desse reconhecimento (pelos serviços competentes, da administração tributária, é evidente) que arquivava, nos casos de isenção automática, as entidades referidas no n.º 1 deviam verificar e averbar a isenção.

 

As alterações procedimentais entretanto ocorridas resultaram de reflexões críticas efectuadas, tendo em conta os objectivos simultâneos de controlo e de simplificação administrativa, como resulta de propostas constantes dos relatórios sobre “Simplificação do Sistema Fiscal” (2005)[15] e Competitividade, eficiência e justiça do Sistema Fiscal (2009)[16].

 

A proposta, contida no último relatório citado, de entrega da declaração no serviço de Finanças teria objectivos de controlo quantitativo [17]. E poderá acrescentar-se, também possivelmente, de mais fácil acesso a informação por parte da Administração Tributária. Mas a alteração introduzida não eliminou as diferenças existentes entre benefícios automáticos e benefícios dependentes de reconhecimento, tornando idênticos os respectivos efeitos e uniformizando procedimentos.

 

 No artigo 10º do CIMT cuja epígrafe é “reconhecimento das isenções”, identifica-se tratamento diferente de vários tipos de isenções: as de reconhecimento prévio por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças sobre informação e parecer da Autoridade Tributária e Aduaneira (nº 6); de reconhecimento prévio, por despacho do director-geral dos impostos sobre informação dos serviços competentes (nº 7) e as de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º (nº 8).

 

Verifica-se pela comparação das sucessivas redacções que, possivelmente por razão de desburocratização, tem vindo a aumentar o número de situações incluídas no reconhecimento automático. O nº 8 do artigo 10º classifica como benefícios de reconhecimento automático situações em que o benefício se prende com elementos objectivos, nalguns casos apenas confirmáveis posteriormente (caso de aquisição de bens para determinados fins), e em que o Estado parte do princípio de que a declaração do sujeito passivo é base suficiente para se dar como reunido o pressuposto da isenção[18].

 

O Código do IMT inclui no elenco de isenções de reconhecimento automático o caso de “isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código” (alínea d) do nº 8 do artigo 10º), como é o caso da isenção prevista no artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83.

 

Como já exposto supra, os benefícios fiscais “automáticos” (art.º 10º, n.º 8 do CIMT) e os benefícios “dependentes de reconhecimento” não são estruturalmente idênticos, e o que acontece no caso dos autos é que não houve, na altura da realização da escritura, a prática de um acto tributário. Pelo que não existe uma substancial diferença de tratamento da situação dos autos, antes e depois das alterações introduzidas no CIMT em 2010.

 

Em relação à invocação de inconstitucionalidade, este tribunal considera que nem a existência de dois tipos de benefícios fiscais, no que concerne ao procedimento necessário para a respectiva aplicação, viola as normas e princípios constitucionais nem isso acontece com a alteração de procedimentos relativamente aos benefícios de reconhecimento automático, como descrito.

 

 

Não há, designadamente, qualquer violação do princípio da igualdade. A existência dos regimes de reconhecimento distintos, aplicáveis as situações diferentes, previstas expressamente na lei, não constitui (ao contrário do pretendido pelo Requerente ao citar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010, de 14 de Julho de 2010) afronta ao princípio da generalidade, porque nem se traduz em tratamento desigual de situações iguais, nem significa uma discriminação desprovida de racionalidade. Como em nada abala o princípio da igualdade a alteração de procedimento referente ao benefício de reconhecimento automático.

 

Assim se conclui pela inexistência da invocada violação de princípios constitucionais, designadamente o da igualdade tributária. 

 

14. 3. Violação do dever de fundamentação de acto administrativo

O Requerente alega que a decisão é anulável por violação dos artigos 123º, nº 1, do CPA e al. c) do nº 1 do art. 124º do CPA e n.º 3 do artigo 268.º da CRP, invocando que a decisão de liquidação e cobrança do imposto enferma de vício de forma, por falta de fundamentação, inclusivamente por “insuficiência ou contrariedade” (artigos 76º e 72º do Pedido).

 A Requerida contrapõe que se comprova pelos documentos juntos no PA e notificações efectuadas que foram cumpridos todos os pressupostos constantes do artigo 77º da LGT, verificando-se que o Requerente conhece o “iter cognoscitivo” e valorativo subjacente à liquidação, visto ter refutado especificadamente a decisão que lhe foi notificada com o que demonstra conhecer os respectivos fundamentos.

Vejamos.

 

O Requerente oscila ao longo do Pedido entre falar da falta de fundamentação de “um ofício” e “falta de fundamentação dos ofícios” (título que precede o artigo 60º do Pedido).

 

No art. 60º do Pedido, imputa o vício de insuficiência de fundamentação expressamente ao ofício n.º…, de 27 de Maio de 2014, junto como documento n.º 6. Trata-se de um ofício a notificar a procuradora do contribuinte de que lhe é enviado um projecto de decisão no processo de reclamação graciosa nº …2014…, cuja cópia é anexada.

 

Na reclamação graciosa, que termina a pedir (designadamente por falta de fundamentação) a revogação do ofício nº…, de 28 de Novembro de 2013, são identificados no artigo 43º do articulado, sob o título “falta de fundamentação dos ofícios”, os Ofícios nº…, de 25/07/2013 [19] e nº…, de 13/09/2013[20].

 

O Reclamante insurgia-se então (art. 44º do articulado) porque: “não alcança qual é o momento em que, no entender da AT, se devem considerar “instalados” os empreendimentos turísticos, se na data da atribuição de licença de utilização turística, se na data em que as fracções são disponibilizadas ao público ou em qualquer outra data, não localizando esse momento na factualidade em causa”.

 

E é com base nessa dificuldade de entendimento que considera não terem sido cumpridos os requisitos exigidos no CPA para a fundamentação adequada dos actos administrativos.

 

Crê-se que o Requerente terá confundido “falta de fundamentação” do acto com a ausência da fundamentação que consideraria correcta – ou seja, não estamos realmente perante a imputação de um vício de forma, de falta de fundamentação, mas perante a imputação de violação de lei, por errada interpretação da lei aplicável.

 

Com efeito, analisado o processo administrativo parecem ter sido cumpridos os preceitos do RCPIT referentes a notificações (arts 37º a 43º) [21] e fundamentação do relatório da acção de inspecção tributária e dos actos tributários que nele se baseiam (arts. 62º e 63º).

 

Pelo que o tribunal considera improcedente a invocação do vício de falta de fundamentação susceptível de conduzir à anulabilidade de actos tributários praticados no processo. 

 

14.4. Aplicação do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro

14.4.1 O conceito de instalação

As posições das Partes nos autos são divergentes quanto à aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05/12, no que se refere à interpretação de “instalação" de empreendimentos declarados de utilidade turística, entendendo a Requerente que aí se inclui a aquisição de fracções autónomas integradas em empreendimentos turísticos em regime de propriedade plural, e a Requerida considerando que esse tipo de aquisição, situada em momento posterior ao da emissão de licença de utilização do empreendimento, não se integra no processo de instalação, tendo como destino a exploração comercial.

 

14.4.2. A interpretação do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro – uniformização de jurisprudência

Na apreciação e decisão de um caso como o que é objecto dos presentes autos, não pode deixar de se ter em conta o elevado número de Acórdãos já proferidos pela Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, com realce para a existência de uma decisão proferida em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, em 23 de Janeiro de 2013, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 4 de Março de 2013.

 

Tratava-se de um caso de aquisição de fracção integrada em regime de propriedade plural num empreendimento turístico a que fora reconhecido o estatuto de  “utilidade turística”.

 

O referido aresto procedeu à interpretação literal do art. 20º, nº 1, do DL 423/83, em conjugação com outras normas do mesmo diploma (maxime artigos 16º, nº 2, e 20º, nº 2), analisou legislação anterior e posterior ao DL 423/83 (quer normas relativas ao exercício da actividade turística quer de cariz especificamente fiscal), tendo, quanto à questão do conceito de "instalação" [22], decidido por maioria dos Juízes Conselheiros em exercício na Secção, que «O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»»[23].

 

Para lá da desenvolvida fundamentação contida no Acórdão em causa, retenhamos as conclusões sintetizadas no respectivo "sumário":  "I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º e segs.). III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos. IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação». V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo. VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento. VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural). VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83. IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa. X – Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante". 

 

Este tribunal adere à fundamentação do AUJ nº 3/2013, e respectivas conclusões. De resto, entende que, dada a uniformização existente na jurisprudência e de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil [24], sempre se imporia solução idêntica no caso sub judice.

 

O Requerente não trouxe novos fundamentos ao presente processo, tendo dirigido muita da argumentação e produção de prova a tentar demonstrar que a fundamentação da AT fora obscura e insuficiente relativamente ao conceito de instalação, omitindo que as justificações apresentadas eram uma síntese e reflexo de um debate jurídico enquadrado pela posição uniformizadora jurisprudencial definida no AUJ nº 3/2013 do STA.

 

Limita-se a invocar a natureza objectiva da isenção prevista no nº 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, repetindo que esta não se restringe ao construtor do empreendimento, promotor imobiliário ou entidade que licencie e/ou explore o empreendimento, antes abrangendo os adquirentes do prédio ou fracções ainda que não tenham praticado os actos tendentes à instalação, desde que afectem jurídica e economicamente o imóvel à instalação de um empreendimento turístico, de forma a possibilitar a sua completa instalação, nisso de mostrando relevante o conceito de instalar.

 

Mas como já dito, essa tese é contrariada pela interpretação do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, feita pelo Acórdão do STA de 23/01/2013 no proc. nº 0968/12: “(…) da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas (...) os actos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.

 

Como analisado exaustivamente nesse Acórdão, o legislador, ao estabelecer a isenção no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, abstraiu das modalidades de financiamento adoptadas pelos promotores que, para a construção dos empreendimentos, tanto podem utilizar apenas capitais próprios como socorrer-se do produto da venda das futuras fracções, através da celebração de contratos promessa de compra e venda. 

 

Neste último caso, os adquirentes das fracções não se tornam co-financiadores do empreendimento, com responsabilidade da instalação, uma vez que estão a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial como qualquer consumidor final, quer a aquisição seja concretizada em planta quer depois de instalado/construído o empreendimento. “Na verdade, quando os particulares adquirem as fracções fazem-no como consumidores de um produto turístico. O objectivo que move os particulares é a realização do seu próprio investimento, podendo ainda optar por serem utentes do empreendimento [25] ou cederem a exploração, participando nos resultados da mesma (cfr. nº 4 do art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008). Pois embora se considere que as fracções ficam afectas à exploração, nada impede que as mesmas sejam ocupadas exclusivamente pelos respectivos proprietários e por tempo indeterminado, como deriva, de forma clara, de disposições legais, tais como, as constantes dos arts. 45º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008”.

 

“Os promotores dos empreendimentos são únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias a torná-los aptos ao funcionamento e exploração. O benefício fiscal só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.”

 

Com efeito, o Requerente configura a típica situação de proprietários rentistas que optam por um investimento num empreendimento turístico. Ainda que a forma de financiamento escolhida pela empresa promotora tenha assentado na comercialização muito antecipada das fracções e que, posteriormente, a exploração do prédio seja feita de forma integrada, não se assiste a uma transformação de proprietários imobiliários em investidores/promotores de empreendimentos qualificados de utilidade turística, abrangidos pelos benefícios fiscais previstos no nº 1 do art. 20º do DL 423/83.

 

Pelas razões expostas, o pedido também não merece provimento quanto à invocada abrangência pela norma de isenção contida no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.

 

III. DECISÃO

 

15. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IMT no montante de € 27.000,53, subjacente à Ordem de Pagamento constante do ofício nº…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ... …, considerando que a liquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não violaram nem o direito ordinário aplicável ao caso nem qualquer norma ou princípio constitucional;

b)      Condenar o Requerente a pagar as custas do presente processo.

 

16. Valor do processo e custas

Fixa-se o valor do processo em € 27.000,53 (vinte e sete mil e seis euros e cinquenta e três euros) nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, a cargo do Requerente e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Maio de 2017.

 

A Árbitro

 

 

Maria Manuela Roseiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral substituída pela decisão de 22 de maio de 2017.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. Em 1 de Setembro de 2014, A…, com o NIF…, doravante designado por Requerente, residente em …, …, …, …, Hong Kong, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) e 2.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da Ordem de Pagamento de IMT no montante de € 27.000,53 (vinte e sete mil e seis euros e cinquenta e três euros), constante do Ofício n.º…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ... … (…), e da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa, identificada com o n.º…2014…, referente à mencionada Ordem de Pagamento.

2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 13 de Novembro de 2014, de acordo com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. Em 11 de Dezembro de 2014, a Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) veio apresentar Resposta e juntar o processo administrativo, requerendo dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT assim como da apresentação de alegações.

6. A Requerente anuiu na dispensa da reunião mas não na apresentação de alegações pelo que foi proferido despacho arbitral no sentido da respectiva apresentação no prazo de 15 dias, a  decorrer sucessivamente, e indicada a data de 28 de Março de 2015 para prolação da decisão arbitral.

7. Já após apresentação das alegações, veio a Requerente requerer junção de um Acórdão do TCAS, o que foi aceite alterando-se a data da emissão da decisão para 2 de Abril de 2015; notificada a Requerida para eventual pronúncia, veio responder em 31 de Março de 2015.

 

8. Pedido de pronúncia arbitral 

O Requerente invoca, em síntese (da nossa responsabilidade), que:

-          Em 19 de Junho de 2006, adquiriu à sociedade B…, S.A., a fracção autónoma designada pelas letras “BY”, correspondente à fracção imobiliária nº…, no piso…, Corpo…, identificado como F, onze, do prédio urbano situado em …, freguesia de …, concelho de ..., que integra o Conjunto Turístico “C…”, ao qual foi atribuída Licença de Utilização Turística n.º …/05, emitida pela Câmara Municipal de ..., em 30 de Setembro de 2005.

-          O Conjunto Turístico “C…” é constituído por sete blocos e 95 apartamentos turísticos constituídos em fracções autónomas, correspondendo a um empreendimento turístico em propriedade plural, nos termos do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, situação já prevista no anterior regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho.

-          Aquando da celebração da escritura de compra e venda foram apresentados o despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 2 de Junho de 2005 de atribuição de utilidade turística a título prévio ao empreendimento turístico e a licença de utilização turística n.º …/05, de 30 de Setembro de 2005, emitida pela Câmara Municipal de ..., relativa ao prédio na sua totalidade, tendo sido inserido pela Notária o seguinte texto: “Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei número 423/83, de 5 de Dezembro”.

-          Por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 23 de Maio de 2007, “foi confirmada a utilidade turística, atribuída a título prévio, ao Conjunto Turístico C…”, nos termos dos Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro e Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro valendo pelo prazo de sete anos, contado a partir da data de emissão da licença de utilização turística pela Câmara Municipal de ... em 30 de Setembro de 2005.

-          Em 4 de Dezembro de 2013, o Autor foi notificado por ofício do Chefe do Serviço de Finanças de ... … (…), para “solicitar guias neste serviço de finanças para pagamento do valor de € 27.006,53 de IMT, devido ao facto de ter adquirido a fracção BY do prédio urbano …, da freguesia de…, em 2006-06-19, com benefício da utilidade turística indevidamente reconhecido, conforme relatório elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro”.

-          Em 2 de Abril de 2014, apresentou Reclamação Graciosa da liquidação invocando caducidade do direito de revisão do acto tributário de reconhecimento de isenção e do direito a promover liquidação adicional nos termos do n.º 3 do artigo 31.º do CIMT e ilegalidade do ofício e do procedimento tributário por violação do dever de fundamentação exigível nos termos dos artigos 123.º, n.º 1, 124.º, n.º 1, alínea c) e 125.º do CPA, assim como por erro de direito quanto à não verificação do direito à isenção de imposto previsto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

-          Recebido projecto de decisão de indeferimento, exerceu o direito de audição prévia, por carta registada enviada em 16 de Junho de 2014, a que a AT respondeu deficientemente, mantendo a sua posição de indeferimento da reclamação, reiterando a legalidade da liquidação.

-          Não se conformando com tal decisão, requereu a constituição de tribunal arbitral, mantendo os fundamentos da anterior reclamação.

-          Quanto à caducidade do direito à liquidação, terá que se ter em conta que a liquidação do imposto IMT relativa à aquisição da fracção BY do prédio urbano…, ocorrida em 19/06/2006, já tinha sido efectuada no momento da celebração da escritura de compra, porque a operação de reconhecimento da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, realizada pela Notária, na escritura de compra e venda, enquadra-se no procedimento de liquidação previsto nos artigos 69º a 80º da LGT.

-          Tendo o acto tributário, relativo à liquidação do imposto, ocorrido no dia 19 de Junho de 2006, apenas poderia ser revisto até 19 de Junho de 2010, porque ao caso não se aplica o prazo de caducidade de oito anos previsto no artigo 35.º do CIMT mas sim o prazo do artigo 78.º da LGT.

-          Do facto de actualmente as situações de isenção exigirem intervenção dos serviços de finanças, com emissão de uma guia a zeros (artigo 10.º do CIMT), não pode, sob pena de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da legalidade, decorrer um tratamento diferente para situações iguais de acordo com a conveniência da AT, porque em 2006, o reconhecimento e a operação de liquidação era da competência da Notária, sendo, ao invés de uma guia a zeros, colocada na escritura a menção à aplicação da isenção ao caso concreto.

-          Verifica-se a caducidade do direito de revisão dos actos tributários e da possibilidade de efectuar a liquidação adicional nos termos dos artigos 78.º da LGT e 31.º do CIMT, pelo que a liquidação do imposto, no valor de € 27.006,53, que constitui uma liquidação adicional, apenas poderia ser efectuada no prazo de quatro anos posteriores à liquidação (artigo 31.º, nº 3, do CIMT).

-          Não se aplica o artigo 35º do CIMT porque o fundamento da liquidação adicional de IMT não se baseia na verificação de um facto acessório do qual a isenção ficasse dependente (condição resolutiva) nem a Inspecção Tributária invocou quaisquer factos novos que não fossem conhecidos no momento da celebração da escritura de compra e venda do imóvel.

-          O procedimento tributário é ainda ilegal (art. 123º, nº 1, do CPA e al. c) do nº 1 do art. 124º do CPA e n.º 3 do artigo 268.º da CRP) por falta de fundamentação dos ofícios recebidos pelo Requerente relativamente às conclusões da inspecção e fundamentação da liquidação, não se alcançando saber qual é o momento em que, no entender da AT, se devem considerar “instalados” os empreendimentos turísticos - se na data da atribuição de licença de utilização turística, se na data em que as fracções são disponibilizadas ao público ou em qualquer outra data - não localizando esse momento na factualidade em causa, o que torna a decisão anulável (art. 135º do CPA).

-          Ainda que fosse fundamentada, a decisão viola o direito do Requerente porque não tem razão quanto ao alcance do benefício fiscal em causa, ao considerar que o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não é aplicável a prédios ou fracções autónomas que integrem um empreendimento turístico já construído e instalado.

-          O nº 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, regula uma isenção objectiva, nada referindo quanto aos sujeitos desta isenção que segundo a AT apenas poderiam o construtor do empreendimento, o promotor imobiliário ou uma entidade que licenciasse e/ou explorasse o empreendimento.

-          O que resulta do preceito é que o adquirente do prédio ou fracção beneficiará da isenção sem ter que praticar todos os actos tendentes à instalação desde que afecte jurídica e economicamente o imóvel que adquiriu de forma a possibilitar a completa instalação de um empreendimento turístico, sendo fundamental identificar o conceito de instalar.

-          Resulta da escritura de compra e venda que a fracção autónoma constitui um apartamento turístico do Conjunto Turístico “C…”, sujeito ao Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (artigo 14.º, nº 1), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março (RJIEFE), de propriedade plural (artigo 52.º do RJIEFE), regime diferente do da compropriedade (artigo 1043.º, nº 1, do Código Civil (CC), porque estabelece uma relação jurídica e deveres específicos entre os proprietários e a entidade exploradora do empreendimento (arts. 45.º e 46.º e dos 52.º a 64.º do RJIEFE), com imposição aos proprietários de deveres restritivos do seu direito de propriedade, passando a apenas poder utilizar a fracção de acordo com o conteúdo do contrato de exploração e de proceder ao pagamento de uma prestação periódica devida à entidade exploradora,

-          A fase de instalação do aldeamento turístico, segundo o RJIEFE, só termina quando se possa iniciar a exploração e o funcionamento do empreendimento, i.e., quando o imóvel esteja apto à exploração turística, o que só acontece no momento em que a fracção é entregue para exploração turística, o que significa que, neste  caso de não coincidência entre o promotor do empreendimento turístico e a pessoa vendedora da fracção, esta só passou a estar afecta à exploração turística após aquisição pelo Autor, assim verdadeiro promotor de um empreendimento turístico plural.

-          A aquisição da fracção (unidade de alojamento) pelo Autor marca o momento relevante para a determinação da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, porque é nessa altura que os apartamentos turísticos ficam aptos a desenvolver a exploração turística, que só então pode funcionar e ser aberta ao público enquanto parte integrante do Conjunto Turístico, que se vai instalando à medida que as fracções autónomas sejam adquiridas por investidores, como o Autor.

-          No caso dos autos, verifica-se um erro de direito por parte da AT na medida em que não reconheceu a aplicabilidade da isenção automática prevista no artigo 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, e negou o direito de isenção ao Requerente.

-          Pelo que deve ser declarada a Ilegalidade da Ordem de Pagamento de IMT constante do Ofício n.º…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ... … (…), e da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada, referente à mencionada Ordem de Pagamento.

 

8. A Resposta da Requerida

A Requerida respondeu, em síntese (também da nossa responsabilidade), que:   

-          A prova feita nos presentes autos (relatório final da inspecção tributária) de que a licença de utilização turística foi emitida pela CM de ... em 30/09/2005, leva a concluir que à data da aquisição da fracção o empreendimento turístico em causa já se encontrava instalado e em fase de funcionamento.

-          Mas quanto ao âmbito de aplicação da isenção de IMT, é indiferente se a aquisição ocorreu antes ou depois de o empreendimento já estar instalado e em funcionamento, importando sim, para efeitos da referida isenção, se a aquisição da fracção se destinou à instalação de um empreendimento turístico ou à mera exploração.

-          Quanto ao prazo de caducidade do direito à liquidação de IMT, não se aceita a tese do Requerente de que o prazo de caducidade aplicável à liquidação de IMT ora controvertida é o prazo de 4 anos previsto no nº 3 do art. 31º do CIMT a contar da escritura de compra e venda (altura em que terá ocorrido emissão de uma “liquidação a zeros”).

-          O prazo de caducidade aplicável à situação nos autos é o prazo de 8 anos a contar da verificação dos pressupostos de isenção (n.º1 do art. 35º do CIMT) tendo o IMT sido liquidado de harmonia com o disposto no n.º1 art.º 18.º, conjugado com a al. d) do n.º  do art.º 17.º, ambos do Código do IMT.

-          O nº 3 do art. 31º do CIMT dispõe que o direito a liquidar imposto só pode exercer-se até decorridos 4 anos a contar da liquidação a corrigir, excepto se a liquidação adicional tiver por fundamento omissão de bens ou valores, caso em que a liquidação adicional pode fazer-se depois daqueles quatro anos mas sem ultrapassar os 8 anos a contar do facto tributário.

-          A liquidação agora notificada apenas seria uma liquidação adicional se tivesse ocorrido uma liquidação na data da transmissão; contudo, o benefício fiscal de isenção de IMT previsto no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 é um benefício de natureza automática, que decorre directa e imediatamente da lei, ou seja, opera por efeito da lei sem carecer da prática de qualquer acto administrativo, não tendo existido emissão de qualquer liquidação aquando da celebração da escritura de compra e venda do imóvel.

-          Esta situação enquadra-se no n.º 8 do artigo 10º do CIMT, não podendo o Requerente ficcionar a existência de uma liquidação apenas com o propósito de a liquidação visada poder assumir natureza de liquidação adicional, com aplicação do prazo de quatro anos estabelecido no artigo 31º nº 3 do CIMT.

-          Como o Requerente reconhece, à data da escritura de compra e venda não eram os serviços de finanças a fazer a verificação da isenção, não tendo existido uma liquidação no momento da transmissão do imóvel.

-          Neste sentido, pode verificar-se jurisprudência do STA (Proc. 0294/11 de 14-09-2011), reconhecendo que “a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes». e (...) pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou rectificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexactidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido”.

-          No caso dos autos a AT não estava impedida de liquidar o imposto face ao teor do art. 45º, nº 1 in fine da LGT, conjugado com o nº 1 do art. 35º do CIMT, verificando-se que o direito à liquidação do imposto em falta só caducaria se o mesmo não fosse validamente notificado ao Requerente no prazo de 8 anos a contar da aludida transmissão.

-          Quanto à falta de fundamentação dos ofícios, não assiste razão ao Requerente porque como se pode comprovar pelos documentos juntos no PA, as notificações que lhe foram efectuadas cumprem todos os pressupostos constantes do artigo 77º da LGT.

-          Do conteúdo do seu Requerimento de pronúncia arbitral retira-se que compreendeu as razões e fundamentos invocados pela AT, acontecendo é que o Requerente não concorda com a decisão notificada e por isso a refuta especificadamente, o que não sucederia se não tivesse compreendido integralmente os fundamentos do acto em causa.

-          O Requerente não pode afirmar que não conhece o “iter cognoscitivo” e valorativo subjacente à liquidação aqui visada quando confirma e admite que foi notificado do Relatório de Inspecção, e por essa via também foi, dos elementos essenciais da liquidação, tudo isto nos termos da lei.

-          Quanto ao âmbito de aplicação do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, está em causa a determinação do sentido e alcance do art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao inciso “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”.

-          A questão consiste em saber se daquela norma apenas beneficiam as aquisições de prédios ou de fracções autónomas, por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou também as aquisições de fracções autónomas (unidades de alojamento), pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração.

-          A aquisição efectuada pelo Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destina-se à exploração comercial.

-          É habitual os adquirentes de fracções em empreendimentos turísticos em propriedade plural celebrarem contratos de exploração turística destinados a garantir a unidade e continuidade da exploração pela entidade exploradora do empreendimento turístico, bem como a permanente afectação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõe o empreendimento.

-          As restrições e obrigações associadas à aquisição da fracção autónoma correspondem a um novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos em propriedade plural.

-          Como se pode ler no Acórdão do STA proferido em 23/01/2013 no proc. nº 0968/12:  “Em suma, da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas, como refere a Fazenda Pública, os actos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.

-          A razão de ser e finalidade do nº 1 do art. 20º do citado Decreto-Lei nº 423/83 de 05/01 é a de beneficiar com a isenção de IMT os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos ou readaptar e remodelar fracções existentes, “e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento”

-          Na verdade, quando os particulares adquirem as fracções fazem-no como consumidores de um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor tendo em vista a exploração.

-          O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.

-          Que o legislador apenas quis abranger com aquela norma as aquisições destinadas à “instalação” de empreendimentos resulta do elemento literal da interpretação pois se o legislador quisesse abranger a actividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria sido tão claro quanto o foi no art. 16º do mesmo diploma, cujo normativo pretendeu beneficiar tanto empresas proprietárias como exploradoras, à semelhança do que acontece com o nº 2 do art. 20º.

-          Quando o legislador, no nº 2 do art. 20º do mesmo diploma, alarga excepcionalmente a isenção prevista no nº 1 às aquisições a favor de empresa exploradora, nas circunstâncias restritivas que descreve, é claro em excluir daquele benefício todas as restantes transmissões.

-          A distinção entre, por um lado, os conceitos de “instalação” e de “funcionamento” e “exploração”, por outro, encontra-se bem patente no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008.

-          A aquisição em apreço não beneficia da isenção de IMT prevista no nº 1 do art. 20º do citado Decreto-Lei 423/83, remetendo-se nos termos do Acórdão supra referido cuja jurisprudência é reiterada em outros Acórdãos do STA e diversa jurisprudência dos Tribunais Arbitrais, pelo que deve ser a acção julgada improcedente, absolvendo a entidade Requerida do pedido.

 

9. Questões a decidir

As questões sobre que o tribunal deve pronunciar-se são:

-          Qual o prazo de caducidade do direito à liquidação aplicável no caso dos autos: o prazo geral de 4 anos, nos termos dos artigos 45º da LGT e 31º, nº 3, do CMIT ou o prazo de oito anos, previsto no art. 35º, nº 1, do CIMT.

-          Verificação de vício de forma, por falta de fundamentação, dos procedimentos relativos à liquidação e cobrança do imposto.

-          Determinação do sentido e alcance do art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao segmento de norma “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”, de forma a decidir se a aquisição pelos Requerentes de fracções autónomas seguidas de outorga de contrato de exploração com uma outra entidade que faz a exploração do conjunto ainda se configura como “instalação”.

 

10. Saneamento

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

Pelo que se passa à decisão de mérito.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

11. Factos provados  

11.1. Em 19/06/2006, o Requerente adquiriu à sociedade B… S.A., pessoa colectiva n.º…, pelo preço de € 415.485,00 (quatrocentos e quinze mil quatrocentos e oitenta e cinco euros), a fracção autónoma designada pelas letras BY, correspondente à fracção imobiliária n.º…, no piso…, Corpo…, identificado como F, onze, do prédio urbano situado em…, freguesia de …, concelho de ..., designado por Lote…, I.P.P..., zona…, subzona…, inscrito sob o artigo…, da freguesia de…, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, conforme documento n.º 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido (artigo 2º do pedido de pronúncia, nºs 3 e 6 da Resposta, escritura constante do doc. nº 1, junto com o Pedido de pronúncia e que se dá como reproduzido).

11.2. O imóvel referido no número anterior integra o conjunto turístico “C…”, sito na Avenida do …, concelho de ..., ao qual foi atribuída, em 30/09/2005, a licença de utilização turística, nº …/05, emitida pela Câmara Municipal de ... (art. 3º do Pedido e art. 3º da Resposta).

11.3. O estatuto de utilidade pública para o empreendimento turístico referido no número anterior, requerido pela B…, “C…” S.A., foi objecto de reconhecimento prévio por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 02/06/2005 (DR nº…, …, de 15/06/2005), e posteriormente confirmado por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 07/05/2007 (DR nº…, …, de 11/06/2007), com validade de sete anos a partir da atribuição (artigos 6 e 8º do Pedido e Documentos nºs 2 e 3 juntos com o Pedido).

11.4. Na escritura de compra e venda, outorgada em 19/06/2006, a Notária inseriu no texto: “Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto no artigo 20° do Decreto-Lei n° 423/83 de 5 de Dezembro (art. 7º do Pedido e Doc. nº 1 - escritura de compra e venda - junto aos autos com o Pedido).

11.5. Em 25 de Julho de 2013, e em cumprimento do despacho nº DI2013…, a Divisão de Inspecção Tributária …, da Direcção de Finanças de Faro, notificou o Requerente de que verificara que na escritura realizada em 19 de Junho de 2006, de compra e venda da fracção BY (acima identificada) tinha sido declarado que a aquisição estava isenta nos termos do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, pelo que, manifestando discordância, solicitava informação sobre os comprovativos da liquidação de IMT, ou justificação para a sua não liquidação, no caso de o contribuinte entender que não é devido (PA, reclamação graciosa parte 3, fls. 27).

11.6. Uma acção inspectiva interna, parcial no âmbito do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), incidente sobre o exercício de 2006, executada em cumprimento da Ordem de serviço interna nºOI2013…, de 12/08/2012 e realizada em 12 de Setembro de 2013, concluiu que o Requerente tinha beneficiado indevidamente da isenção prevista no artigo 20º do DL 423/83, de 5/12, sendo elaborado um projecto de relatório, notificado ao requerente em 16/09/2013, onde se concluía estar em falta o pagamento de IMT referente a essa aquisição, no montante de € 27.006,53, por aplicação da taxa de 6,5% ao valor de € 415.485,000 (ofício nº…, e projecto de relatório PA – reclamação graciosa parte 3, fls. 28 e ss).

11.7. O Requerente não se pronunciou sobre o teor do projecto de Relatório de Inspecção efectuado ao abrigo da OI 2013… que lhe foi notificado através de carta registada, na morada do seu representante fiscal, em 16 de Setembro de 2013, para efeitos de audição prévia (PA, informação de 27/11/2014).

11.8. O projecto de Relatório da Inspecção Tributária foi, por despacho do Director de Finanças de 10/10/2013, convolado em Relatório definitivo, mantendo a correcção da matéria colectável no valor de € 415.485,000 e de cálculo da colecta de IMT em falta, por aplicação da taxa de 6,5% ao valor de € 27.006,53, com fundamento em o sujeito passivo ter indevidamente beneficiado de isenção prevista no art. 20º do DL 423/83, de 5/12 (PA -reclamação graciosa - parte 4).

11.9. O Relatório da Inspecção Tributária foi enviado ao SF de ... … por ofício nº DFF/…/2013, datado de 11/10/2013 (PA- reclamação graciosa parte 4, fls. 38).

11.10. O Serviço de Finanças de ... … (…), enviou ao Requerente através do ofício n.º…, datado de 28 de Novembro de 2013 e recebido em 4 de Dezembro de 2013, notificação de que deveria “no prazo de trinta dias solicitar guias naquele Serviço de finanças para pagamento do valor de € 27.006,53 de IMT, devido ao facto de ter adquirido a fracção BY do prédio urbano…, da freguesia de…, em 2006-06-19, com benefício da utilidade turística indevidamente reconhecido, conforme relatório elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro” e que findo esse prazo, sem que se mostrasse efectuado o pagamento, seria extraída certidão para cobrança coerciva, começando a contar-se juros de mora, nos termos do nº 3 do art.º 38º do CIMT), informando ainda que da referida liquidação poderia o requerente deduzir reclamação graciosas ou impugnação judicial nos termos das normas aplicáveis do CPPT (Doc. n.º 4 junto com o Pedido e Processo administrativo, informação de 27 de Novembro de 2014 do SF de ...…).

11.11. O Requerente apresentou no Serviço de Finanças de ... … Reclamação Graciosa da liquidação referida no número anterior, através de carta registada em 2 de Abril de 2014 (Doc. n.º 5 junto com o Pedido) que deu origem ao processo administrativo de reclamação graciosa nº …2014… (PA, reclamação graciosa - parte 1 e parte 2).

11.12. Através do ofício nº…, datado de 27/05/2014, o Requerente foi notificado de projecto de decisão da reclamação e para exercer direito de audição (PA- reclamação graciosa parte 6 e doc. nº 6 junto com o Pedido), que exerceu por carta registada em 16/06/2014 (Doc. nº 7 junto com o Pedido).

11.13. A decisão definitiva de indeferimento da Reclamação Graciosa foi proferida em 25 de Junho de 2014 e notificada ao Requerente em 27 de Junho de 2014, através do ofício n.º … de (doc. 8 junto com o pedido e PA - reclamação graciosa parte 7).

 

12. Não provado

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

13. Fundamentação da prova

A fixação da factualidade fez-se com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, incluindo o processo administrativo.

 

14. Aplicação do direito

14.1. Questão prévia – o objecto do presente pedido de pronúncia

O Requerente pede ao tribunal arbitral a “declaração de ilegalidade da Ordem de Pagamento de IMT constante do Ofício n.º…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ... … (…) e da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada, identificada com o n.º …2014…, referente à mencionada Ordem de Pagamento”.

 

De acordo com o artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, a competência dos tribunais arbitrais compreende as seguintes pretensões : “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (redacção dada pela lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, artigo 160º) [26].

 

Apesar da ambiguidade da formulação utilizada em vários passos do pedido de pronúncia, quando identifica como objecto do mesmo a ilegalidade da ordem de pagamento, parece, contudo, que o Requerente visa a apreciação da legalidade da liquidação.

 

Isso ressalta em diversos pontos do articulado do Pedido, onde o Requerente se refere à anterior “apresentação de Reclamação Graciosa da liquidação” (artigo 10º), admite que “AT apresentou ao Autor a liquidação do imposto supostamente devido, vindo, agora, efectuar a sua cobrança (art. 18º) e afirma “Assim sendo, verificando-se que teve lugar a liquidação do imposto, o valor de € 27.006,53 que a AT vem agora exigir foi apurado através de um acto de revisão de actos tributários consubstanciado numa liquidação adicional” (art. 48º).

 

E, apesar da formulação também imprecisa utilizada na reclamação graciosa, o então reclamante afirmava no ponto 14º do respectivo articulado: “As Finanças apresentaram ao reclamante a liquidação do imposto supostamente devido, vindo agora efectuar a sua cobrança” e no exercício da audição prévia afirmou (art. 1º): “O Reclamante apresentou reclamação graciosa relativa à liquidação de IMT pela aquisição da fracção BY do prédio urbano…, da freguesia de …, em 19 de Junho de 2006”.

 

E, sem dúvida, a decisão da reclamação graciosa apreciou a legalidade da liquidação rejeitando os argumentos do reclamante relativos a caducidade do direito à liquidação, falta de fundamentação e negação de aplicação do benefício fiscal previsto no art. 20º do Decreto-lei nº 423/83. 

 

Assim, entende-se que quando o Requerente requer no Pedido de pronúncia a apreciação “da decisão que recaiu sobre a Reclamação Graciosa” visa a apreciação de uma decisão que apreciou a legalidade do acto de liquidação.

 

De resto, apenas com esse objectivo seria possível aceitar o presente Pedido já que aos tribunais arbitrais cabe a apreciação não da legalidade das decisões de indeferimento de reclamações graciosas em si mesmas, mas da legalidade do acto de liquidação objecto de reclamação graciosa.[27]

 

Assim, e porque se considera que o Requerente, ainda que de forma por vezes ambígua, visou a apreciação da legalidade da liquidação [28], o tribunal arbitral considera-se competente para decidir o Pedido, passando a analisar as três questões identificadas como causa de invalidade do acto de liquidação: a caducidade do direito à liquidação, a insuficiência de fundamentação notificada e a errada interpretação do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.

 

14.2. Caducidade do direito à liquidação

O Requerente considera que houve, no dia 19 de Junho de 2006, com a realização da escritura de compra e venda, uma primeira liquidação – a zeros - devido ao reconhecimento pela Notária da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, pelo que a revisão dessa primeira liquidação só poderia efectuar-se até 19 de Junho de 2010, por aplicação do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto nos artigos 78.º da LGT e 31.º do CIMT, não sendo invocável o prazo de oito anos previsto no artigo 35.º do CIMT.

 

A Requerida defende que o prazo de caducidade aplicável à situação nos autos é o prazo de 8 anos a contar da verificação dos pressupostos de isenção n.º1 do art. 35º do CIMT, tendo o IMT sido liquidado de harmonia com o disposto no n.º1 art.º 18.º, conjugado com a al. d) do n.º 1 do art.º 17.º, ambos do Código do IMT.

 

O nº 3 do art. 31º do CIMT define, como regra geral em caso de liquidação adicional, o prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir mas, no presente caso, foi considerada aplicável a isenção de IMT prevista no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, benefício de natureza automática, não tendo existido emissão de qualquer liquidação aquando da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, pelo que por aplicação do art. 45º, nº 1, in fine da LGT, conjugado com o nº 1 do art. 35º do CIMT, o direito à liquidação do imposto em falta só caducaria se o mesmo não fosse validamente notificado ao Requerente no prazo de 8 anos a contar da aludida transmissão.

 

Sobre esta questão o tribunal considera que deve prevalecer a posição da Requerida.

 

Quando na transacção sujeita a tributação não é aplicado o imposto, com fundamento em isenção, não se verifica qualquer liquidação. E, não existindo uma liquidação na transmissão, não pode qualificar-se como adicional a liquidação que venha a ocorrer posteriormente, já que a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior deficiente em consequência de erros ou omissões.

 

Para além do Acórdão do STA, referido pela Requerida, proferido em 14 de Setembro de 2011, no proc. 294/2011, poderão citar-se outras decisões jurisprudenciais, designadamente os acórdãos mencionados naquele mesmo aresto.

 

No Acórdão de 17 de Janeiro de 2007 (proc. 909/06) afirma-se que “a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes”. Considerando que no caso aí sub judice fora celebrado um contrato sem que houvesse liquidação de imposto de sisa mas em que estavam reunidos os pressupostos para que à data da celebração do negócio se procedesse à liquidação de imposto, concluiu-se que não tendo havido qualquer liquidação anterior à liquidação ora em causa esta não poderá ser qualificada como adicional [29].

 

Também no Acórdão proferido em 14 de Setembro de 2011, no proc. 0153/11, o STA concluiu que “A liquidação de sisa efectuada em consequência de inspecção levada a cabo a sujeito passivo que no acto de transmissão dos bens se mostrava isento desse imposto não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação” (ponto II do sumário) [30].

Apesar de o facto tributário ter ocorrido anteriormente, não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação da qual não teria resultado imposto a pagar por dele estar o recorrente isento mas, pelo contrário, que por força dessa isenção não se procedeu, então, a qualquer liquidação de sisa. A liquidação posteriormente efectuada em consequência da inspecção levada a cabo ao recorrente não é, assim, uma liquidação adicional porque não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Daí que não se aplicasse nesse caso o prazo de caducidade previsto no artigo 111.º, § 3.º do CIMSISSD mas o prazo de caducidade de oito anos previsto no artigo 92.º do mesmo Código.

No caso em apreciação nos autos, o facto de a Notária interveniente na escritura ter aí declarado a aplicação de uma isenção não constitui pressuposto diferente dos existentes nos acórdãos citados. 

Porque da conjugação de diversas normas do CIMT[31] não é possível concluir que a não exigência pelo Notário, no momento de outorga de uma escritura notarial, da liquidação prévia do imposto, por aceitar a interpretação de que se aplicava um benefício fiscal, constitui a prática de um acto tributário.

 

O CIMT é muito claro ao qualificar a intervenção do Notário e de outras autoridades públicas como “cooperação” com a Administração Tributária – trata-se de verificar (fiscalizar) se houve pagamento de imposto ou se são invocados os pressupostos previstos nas normas de isenção.

 

No caso dos autos, à data da escritura, o nº 3 do art. 49º previa, em alternativa, duas situações de isenção: enquanto nas situações dependentes de reconhecimento prévio o Notário tinha que exigir o documento comprovativo desse reconhecimento (pelos serviços competentes, da administração tributária, é evidente) que arquivava, nos casos de isenção automática, dizia-se “as entidades referidas no n.º 1 devem verificar e averbar a isenção”.

 

Mas isso não constituía qualquer atribuição aos notários de competência para interpretar e aplicar as normas fiscais, em todos os casos em que o gozo de um benefício fiscal não dependesse (caso do art. 20º, nº 1, do DL 423/83) de reconhecimento oficial prévio.  

 

Ao tempo dizia também o artigo 10º do CIMT, no nº 1 que: “As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar” mas nos números seguintes distinguia várias situações, correspondentes às isenções previstas nos artigos 6º a 9º, umas sobre a intervenção de diversas entidades no procedimento e outras de reconhecimento automático[32].

 

Com a redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (que  aprovou o OE para 2009), o artigo 10º distingue de forma mais desenvolvida casos de isenções de reconhecimento prévio e de reconhecimento automático, incluindo no nº 8, as isenções constantes de legislação extravagante ao presente código, como isenções de reconhecimento automático, competindo a   sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º.

 

E o artigo 43º passou a prever (em consonância com o disposto no nº 8 do artigo 10º) que havendo lugar a isenção, as entidades referidas no n.º 1 devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam[33].

 

A isenção de IMT prevista no art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 é, precisamente, um caso previsto em legislação extravagante mantida em vigor após a aprovação da Reforma da Tributação do Património [34].

 

Da conjugação das normas referidas, e apesar da redacção inicial do artigo 10º, em vigor ao tempo da escritura no caso dos autos, não mencionar expressamente a forma de actuação no caso de isenções previstas em leis extravagantes, não resultava a atribuição ao Notário de competência para a prática de actos tributários de reconhecimento de isenção.

 

A interpretação mais consentânea com as restantes normas do sistema jurídico (art. 9º do Código Civil) é a de que, cabendo ao Notário a verificação dos pressupostos da aplicação da norma de isenção, deveria recolher os elementos necessários à qualificação da situação, aceitando as declarações e a caracterização feita pelos intervenientes no negócio [35]. A revelar-se uma situação mais complexa, dependente de interpretação das normas fiscais deveria o Notário, na ausência de competência específica em matéria tributária, pedir esclarecimento prévio da situação aos serviços competentes ou evidenciar adequadamente os casos na lista enviada posteriormente à Administração Tributária.

 

Não se apercebendo, nem a autoridade interveniente, nem as partes, de uma errada caracterização jurídica, ficam os contribuintes sujeitos a uma possível detecção do indevido tratamento como isenção, sendo a situação objecto de uma posterior liquidação.

 

Foi o que aconteceu: a AT, detectando através de acção inspectiva que a transmissão de imóvel correspondia a uma aquisição de fracção num empreendimento turístico, cuja promoção pertencera à empresa vendedora, entendeu que à situação tributária correspondia não uma isenção mas sim liquidação de IMT, tendo considerado aplicável o disposto no art. 45º, nº 1 in fine da LGT, conjugado com o nº 1 do art. 35º do CIMT, usando o direito de liquidação do imposto no prazo de 8 anos a contar da aludida transmissão, ocorrida essa sem qualquer liquidação de imposto.

 

Refira-se que a decisão jurisprudencial junta recentemente aos autos pelo Requerente - Acórdão de 15/10/202, proferido pelo TCAS no proc. 1653/99 - em nada reforça a tese do Requerente quanto ao conceito de liquidação e à caducidade do exercício do seu direito (pensa-se que terá sido esse o objectivo) até porque a situação aí apreciada é bastante diferente da que é objecto do presente processo. 

No caso dos autos, não existiu qualquer liquidação de IMT no momento da escritura porque foi aceite pela Notária interveniente que, face aos elementos juntos pelo comprador, este estava abrangido por uma norma de isenção, mas, como defendemos acima, não houve uma liquidação de imposto.

Já no caso decidido pelo Acórdão do TCAS, estava em causa uma liquidação de IRS:  o contribuinte fez, em 1997, a sua declaração de englobamento de rendimentos, considerando parte do rendimento auferido em 1996 abrangido por um benefício fiscal, o que foi desde logo rejeitado pelos serviços centrais que convidaram o contribuinte a apresentar declaração de substituição e, de seguida, procederam a uma liquidação.

Tendo continuado a pretender discutir o caso, sem impugnar a liquidação, e tendo recorrido apenas de um posterior acto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em 1998, viu o recurso ser rejeitado por irrecorribilidade, já que o acto recorrido se configurava como acto meramente confirmativo.  [36]

 

Assim, improcede o fundamento de caducidade do direito à liquidação.

 

14. 3. Violação do dever de fundamentação de acto administrativo

O Requerente alega que a decisão é anulável por violação dos artigos 123º, nº 1, do CPA e al. c) do nº 1 do art. 124º do CPA e n.º 3 do artigo 268.º da CRP, invocando que a decisão de liquidação e cobrança do imposto enferma de vício de forma, por falta de fundamentação, inclusivamente por “insuficiência ou contrariedade” (artigos 76º e 72º do Pedido).

 A Requerida contrapõe que se comprova pelos documentos juntos no PA e notificações efectuadas que foram cumpridos todos os pressupostos constantes do artigo 77º da LGT, verificando-se que o Requerente conhece o “iter cognoscitivo” e valorativo subjacente à liquidação, visto ter refutado especificadamente a decisão que lhe foi notificada com o que demonstra conhecer os respectivos fundamentos.

Vejamos.

 

O Requerente oscila ao longo do Pedido entre falar da falta de fundamentação de “um ofício” e “falta de fundamentação dos ofícios” (título que precede o artigo 60º do Pedido).

 

No art. 60º do Pedido, imputa o vício de insuficiência de fundamentação expressamente ao ofício n.º…, de 27 de Maio de 2014, junto como documento n.º 6. Trata-se de um ofício a notificar a procuradora do contribuinte de que lhe é enviado um projecto de decisão no processo de reclamação graciosa nº …2014…, cuja cópia é anexada.

 

Na reclamação graciosa, que termina a pedir (designadamente por falta de fundamentação) a revogação do ofício nº…, de 28 de Novembro de 2013, são identificados no artigo 43º do articulado, sob o título “falta de fundamentação dos ofícios”, os Ofícios nº…, de 25/07/2013 [37] e nº…, de 13/09/2013[38].

 

O Reclamante insurgia-se então (art. 44º do articulado) porque: “não alcança qual é o momento em que, no entender da AT, se devem considerar “instalados” os empreendimentos turísticos, se na data da atribuição de licença de utilização turística, se na data em que as fracções são disponibilizadas ao público ou em qualquer outra data, não localizando esse momento na factualidade em causa”.

 

E é com base nessa dificuldade de entendimento que considera não terem sido cumpridos os requisitos exigidos no CPA para a fundamentação adequada dos actos administrativos.

 

Crê-se que o Requerente terá confundido “falta de fundamentação” do acto com a ausência da fundamentação que consideraria correcta – ou seja, não estamos realmente perante a imputação de um vício de forma, de falta de fundamentação, mas perante a imputação de violação de lei, por errada interpretação da lei aplicável.

 

Com efeito, analisado o processo administrativo parecem ter sido cumpridos os preceitos do RCPIT referentes a notificações (arts 37º a 43º) [39] e fundamentação do relatório da acção de inspecção tributária e dos actos tributários que nele se baseiam (arts. 62º e 63º).

 

Pelo que o tribunal considera improcedente a invocação do vício de falta de fundamentação susceptível de conduzir à anulabilidade de actos tributários praticados no processo. 

 

14.4. Aplicação do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro

14.4.1 O conceito de instalação

As posições das Partes nos autos são divergentes quanto à aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05/12, no que se refere à interpretação de “instalação" de empreendimentos declarados de utilidade turística, entendendo a Requerente que aí se inclui a aquisição de fracções autónomas integradas em empreendimentos turísticos em regime de propriedade plural, e a Requerida considerando que esse tipo de aquisição, situada em momento posterior ao da emissão de licença de utilização do empreendimento, não se integra no processo de instalação, tendo como destino a exploração comercial.

 

14.4.2. A interpretação do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro – uniformização de jurisprudência

Na apreciação e decisão de um caso como o que é objecto dos presentes autos, não pode deixar de se ter em conta o elevado número de Acórdãos já proferidos pela Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, com realce para a existência de uma decisão proferida em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, em 23 de Janeiro de 2013, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 4 de Março de 2013.

 

Tratava-se de um caso de aquisição de fracção integrada em regime de propriedade plural num empreendimento turístico a que fora reconhecido o estatuto de “utilidade turística”.

 

O referido aresto procedeu à interpretação literal do art. 20º, nº 1, do DL 423/83, em conjugação com outras normas do mesmo diploma (maxime artigos 16º, nº 2, e 20º, nº 2), analisou legislação anterior e posterior ao DL 423/83 (quer normas relativas ao exercício da actividade turística quer de cariz especificamente fiscal), tendo, quanto à questão do conceito de "instalação" [40], decidido por maioria dos Juízes Conselheiros em exercício na Secção, que «O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»»[41].

 

Para lá da desenvolvida fundamentação contida no Acórdão em causa, retenhamos as conclusões sintetizadas no respectivo "sumário":  "I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º e segs.). III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos. IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação». V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo. VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento. VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural). VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83. IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa. X – Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante". 

 

Este tribunal adere à fundamentação do AUJ nº 3/2013, e respectivas conclusões. De resto, entende que, dada a uniformização existente na jurisprudência e de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil [42], sempre se imporia solução idêntica no caso sub judice.

 

O Requerente não trouxe novos fundamentos ao presente processo, tendo dirigido muita da argumentação e produção de prova a tentar demonstrar que a fundamentação da AT fora obscura e insuficiente relativamente ao conceito de instalação, omitindo que as justificações apresentadas eram uma síntese e reflexo de um debate jurídico enquadrado pela posição uniformizadora jurisprudencial definida no AUJ nº 3/2013 do STA.

 

Limita-se a invocar a natureza objectiva da isenção prevista no nº 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, repetindo que esta não se restringe ao construtor do empreendimento, promotor imobiliário ou entidade que licencie e/ou explore o empreendimento, antes abrangendo os adquirentes do prédio ou fracções ainda que não tenham praticado os actos tendentes à instalação, desde que afectem jurídica e economicamente o imóvel à instalação de um empreendimento turístico, de forma a possibilitar a sua completa instalação, nisso de mostrando relevante o conceito de instalar.

 

Mas como já dito, essa tese é contrariada pela interpretação do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, feita pelo Acórdão do STA de 23/01/2013 no proc. nº 0968/12: “(…) da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas (...) os actos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.

 

Como analisado exaustivamente nesse Acórdão, o legislador, ao estabelecer a isenção no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, abstraiu das modalidades de financiamento adoptadas pelos promotores que, para a construção dos empreendimentos, tanto podem utilizar apenas capitais próprios como socorrer-se do produto da venda das futuras fracções, através da celebração de contratos promessa de compra e venda. 

 

Neste último caso, os adquirentes das fracções não se tornam co-financiadores do empreendimento, com responsabilidade da instalação, uma vez que estão a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial como qualquer consumidor final, quer a aquisição seja concretizada em planta quer depois de instalado/construído o empreendimento. “Na verdade, quando os particulares adquirem as fracções fazem-no como consumidores de um produto turístico. O objectivo que move os particulares é a realização do seu próprio investimento, podendo ainda optar por serem utentes do empreendimento [43] ou cederem a exploração, participando nos resultados da mesma (cfr. nº 4 do art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008). Pois embora se considere que as fracções ficam afectas à exploração, nada impede que as mesmas sejam ocupadas exclusivamente pelos respectivos proprietários e por tempo indeterminado, como deriva, de forma clara, de disposições legais, tais como, as constantes dos arts. 45º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008”.

 

“Os promotores dos empreendimentos são únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias a torná-los aptos ao funcionamento e exploração. O benefício fiscal só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.”

 

Com efeito, o Requerente configura a típica situação de proprietários rentistas que optam por um investimento num empreendimento turístico. Ainda que a forma de financiamento escolhida pela empresa promotora tenha assentado na comercialização muito antecipada das fracções e que, posteriormente, a exploração do prédio seja feita de forma integrada, não se assiste a uma transformação de proprietários imobiliários em investidores/promotores de empreendimentos qualificados de utilidade turística, abrangidos pelos benefícios fiscais previstos no nº 1 do art. 20º do DL 423/83.

 

Pelas razões expostas, o pedido também não merece provimento quanto à invocada abrangência pela norma de isenção contida no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.

 

III. DECISÃO

 

15. Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido que visa a declaração da ilegalidade da liquidação de IMT no montante de € 27.000,53, subjacente à Ordem de Pagamento constante do ofício nº…, de 28 de Novembro de 2013, do Serviço de Finanças de ...…, considerando legal a liquidação assim como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

b)      Condenar o Requerente a pagar as custas do presente processo.

 

16. Valor do processo e custas

Fixa-se o valor do processo em € 27.000,53 (vinte e sete mil e seis euros e cinquenta e três euros) nos termos do artigo 97º- A, nº 1, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, a) do RJAT e do art. 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, a cargo do Requerente e calculadas de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, tudo nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e art. 4º do RCPAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de Abril de 2015.

 

A Árbitro

 

 

Maria Manuela Roseiro

 

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão, com eventual excepção de citações, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990].

 

 

 

 

 

 



[1] Na redacção inicial do artigo 2º do Decreto-Lei nº 10/2011, a competência dos tribunais arbitrais abrangia “b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior”, mas a Lei nº 64-B/2011 (artigos 160º e 161º) alterou a redacção da alínea b) e revogou a alínea c).

[2] Interposta a reclamação graciosa e sendo esta indeferida, há lugar a pedido de apreciação arbitral no prazo de 90 dias, contados nos termos do artigo 10º do RJAT e 102º do CPPT. Se esse acto de segundo grau (ou até um de terceiro grau) conhecer efectivamente da ilegalidade, poderá ser objecto imediato do pedido de apreciação arbitral, mas, se não conhecer da ilegalidade mas de outra questão, o indeferimento não poderá, em si, ser objecto do pedido, sendo-o apenas o acto tributário primário (sublinhado nosso). Cf. Jorge Lopes de Sousa, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Almedina, 2013, pp. 121 e ss.

[3] Por outro lado, o procedimento de liquidação decorreu com a fixação, no Relatório da Inspecção Tributária, da matéria colectável e cálculo da colecta devida, sendo objecto de notificação pelo Serviço de Finanças competente e recebida pelo Requerente em 4 de Dezembro de 2013 (cf. fixação de factualidade, 11.10). O “assunto” enunciado nessa comunicação era “liquidação de IMT” o contribuinte era notificado de que se não efectuasse o pagamento do IMT em 30 dias, se seguiria a extracção da certidão para cobrança coerciva. Leitura idêntica parece ser adoptada por exemplo, nos Acórdãos do STA, de 17 de Janeiro de 2007, proc. 0909/06 (alínea F) dos factos provados), de 18 de Maio de 2011, proc. 0153/11 (alínea C) dos factos provados), de 14 de Setembro de 2011, proc. 0294/11 (E) e J) dos factos provados).

 

 

[4] Apesar de observar que o Chefe da Repartição errara ao analisar as declarações prestadas (se convenceu que os valores declarados naquele contrato de permuta eram iguais) considerando que não havia que proceder a imediata liquidação, relegando-a para o momento posterior à avaliação prevista no art.º 109.º do CIMSSD, o STA manteve nesta decisão, que “esse erro não autoriza que a impugnada liquidação possa ser qualificada de adicional, pois que a mesma não se destinou a corrigir ou rectificar uma liquidação anterior”.

[5] O recorrente alegara que o facto de a transmissão ter ficado isenta de sisa implica necessariamente que tenha havido uma liquidação, pois o reconhecimento da isenção implica que exista facto tributário e consequente liquidação de imposto que só não deu lugar a pagamento de imposto, por força dessa mesma isenção, e, sendo assim, a liquidação impugnada não era uma liquidação “ex novo”, como foi considerada na decisão recorrida, mas sim uma liquidação adicional.

[6] Ao tempo da escritura de aquisição da fracção, o artigo 49.º do Código do IMT (sob a epígrafe “Obrigações de cooperação dos notários e de outras entidades) dispunha no nº 1: “Quando for devido IMT, os notários e outros funcionários ou entidades que desempenhem funções notariais não podem lavrar as escrituras, quaisquer outros instrumentos notariais ou documentos particulares que operem transmissões de bens imóveis, nem proceder ao reconhecimento de assinaturas nos contratos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, sem que lhe seja apresentada a declaração referida no artigo 19.º acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivarão, disso fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva preceder a transmissão” e no nº 3: “Havendo lugar a isenção automática ou dependente de reconhecimento prévio, as entidades referidas no n.º 1 devem verificar e averbar a isenção ou exigir o documento comprovativo desse reconhecimento, que arquivarão”. E o nº 4 do mesmo artigo previa “Os notários devem enviar à Direcção-Geral dos Impostos, em suporte informático, nos termos e prazos previstos no Código do Notariado, os seguintes elementos: a) Uma relação dos actos ou contratos sujeitos a IMT, ou dele isentos, exarados nos livros de notas no mês antecedente, contendo, relativamente a cada um desses actos, o número, data e importância dos documentos de cobrança ou os motivos da isenção, nomes dos contratantes, artigos matriciais e respectivas freguesias, ou menção dos prédios omissos (…)”. Por outro lado, o artigo 50º (actos relativos a bens imóveis sujeitos a registo) do CIMT dispõe: “Nenhum facto, acto ou negócio jurídico relativo a bens imóveis sujeitos a registo pode ser definitivamente registado sem que se mostre pago o IMT que seja devido”. E o art. 54º (Obrigações de fiscalização das autoridades públicas em geral). “O cumprimento das obrigações impostas por este diploma é fiscalizado, em geral, e dentro dos limites da respectiva competência, por todas as autoridades, autarquias locais, repartições públicas e pessoas colectivas de utilidade pública, e, em especial, pela Direcção-Geral dos Impostos” (nº 1).

[7] Em anotação ao artigo 10º do CIMT, Silvério Mateus e Freitas Corvelo diziam: “Salienta-se que no IMT coexistem benefícios automáticos, cuja eficácia deriva directamente e imediatamente da lei, a par de benefícios dependentes de reconhecimento. Quanto aos primeiros, a verificação dos respectivos pressupostos é da competência da entidade pública ou privada que tiver intervenção no título translativo (…).“Os Impostos Sobre o Património e o Imposto do Selo, anotados e comentados”, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 396.

[8] A mesma Lei nº 64-A/2008, de 31/12/2009, aditou um número ao artigo 49º do CIMT, dispondo que “São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo pelo pagamento do imposto os notários que celebrem escrituras públicas e as pessoas que, por qualquer outra forma, intervenham nos documentos particulares autenticados, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, desde que tenham colaborado na falta de liquidação ou arrecadação do imposto ou, na data daquela intervenção, recepção ou utilização, não tenham exigido o documento comprovativo do pagamento ou da isenção, se for caso disso”.

[9]O nº 6 do art. 31º do DL 287/2003, de 12/11, manteve em vigor “os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º41 969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT”.

[10] Declarações que gozam de presunção de veracidade (art. 75º da LGT).

[11] A decisão concluiu pela irrecorribilidade do despacho proferido pelo SEAF em 24/08/98, entendendo que tratava de um acto opinativo que apenas pretendera fixar uma orientação relativamente a situações que se apresentavam com frequência por forma a que os Serviços dos Benefícios Fiscais tivessem um comportamento uniforme na análise e decisão do (então) art. 46º do EBF, ao mesmo tempo que dava resposta a esclarecimentos pedidos pela Provedoria da Justiça sobre o assunto. O despacho do SEAF seria acto meramente confirmativo de uma decisão anterior, do acto de liquidação do IRS. Neste contexto, o Acórdão explica que inexistiu qualquer processo de reconhecimento autónomo da isenção, por serem os serviços da DGCI os competentes para a liquidação do IRS, o que acontecera através da liquidação adicional de imposto notificada por carta registada em 27/11/97, não impugnada nos termos dos arts. 120º e segs. do CPT ou arts. 99º e segs. do CPPT, firmando-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido. (Estava em causa o tratamento a dar a um contribuinte que integrara durante uns meses de 1996, uma Missão de Cooperação Técnico-Militar e que na declaração anual de IRS entregue em 1997 incluiu os rendimentos auferidos nessa missão no anexo H, ao abrigo do acordo de cooperação. Em 4/09/97, o recorrente recebeu uma notificação dos serviços para apresentar declaração de substituição à aludida declaração de IRS, devido ao facto de os rendimentos englobados no anexo H não preencherem a previsão do art. 46º do Estatuto dos benefícios Fiscais, sendo-lhe sido de seguida fixado pelos serviços rendimento colectável de IRS/96 sem ter em conta aplicação e benefício fiscal à parte auferida pela missão militar, com correspondente liquidação adicional de IRS, notificada em 27/11/97.

[12] Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF nº 359, p. 137.

[13] O artigo 19º, nº1, do CIMT, na sua redacção inicial dispunha: “A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar uma declaração de modelo oficial, devidamente preenchida”. Antes das alterações introduzidas pela Lei nº 64-A/2008, de 31  de Dezembro, o artigo 10º do CIMT dispunha, no nº 1, que: “As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar” e, nos números seguintes, distinguia várias situações, correspondentes às isenções previstas nos artigos 6º a 9º, umas sobre a intervenção de diversas entidades no procedimento e outras de reconhecimento automático. Após as alterações introduzidas no Orçamento de Estado para 2009, o art. 19º, nº 1, do CIMT passou a prever a apresentação da declaração também por meios electrónicos, e no nº 3, então aditado, a obrigação de apresentação de declaração foi estendida às situações de isenção.

[14] A mesma Lei nº 64-A/2008, de 31/12/2009, aditou um número ao artigo 49º do CIMT, dispondo que “São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo pelo pagamento do imposto os notários que celebrem escrituras públicas e as pessoas que, por qualquer outra forma, intervenham nos documentos particulares autenticados, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, desde que tenham colaborado na falta de liquidação ou arrecadação do imposto ou, na data daquela intervenção, recepção ou utilização, não tenham exigido o documento comprovativo do pagamento ou da isenção, se for caso disso”.

[15] Nesse relatório, elaborado pelo Grupo de Trabalho criado para o efeito por despacho de 20 de Abril de 2005, do Ministro de Estado e das Finanças, propunha-se, a propósito do CIMT, que se fosse mais longe nas simplificações introduzidas pelo novo Código designadamente quanto aos procedimentos de liquidação na transmissão onerosa de bens imóveis. Elogiava-se, em especial, o acolhimento na liquidação respeitante aos contratos de compra e venda, da possibilidade de o acto declarativo ser efectuado em front office, dispensando o contribuinte do preenchimento da respectiva declaração, sendo que essa mesma declaração será um out put do próprio sistema. Indo mais longe, o Grupo recomendava a evolução no sentido de as liquidações originárias do pagamento de IMT serem efectuadas nos próprios cartórios notariais evitando a deslocação dos contribuintes a duas instituições, uma para liquidar imposto e outra para efectuar a escritura pública. E atendendo a que todos os elementos que constam da Declaração modelo 1 do IMT constam do DUC, propunha ainda o Grupo de Trabalho, que se encarasse a hipótese de dispensa de apresentação da Modelo 1 do IMT, enquanto out put do próprio sistema e elemento a entregar à entidade que intervém no acto ou contrato[15]. Estas sugestões, feitas em momento em que vigorava a primitiva redacção do CIMT (descrita acima 14.4.2.), não foram, pelo menos inteiramente, reflectidas em alterações introduzidas posteriormente e, agora, as isenções de reconhecimento automático também são objecto de declaração, entregue no serviço de finanças ou por meios electrónicos. 

[16] Nesse Relatório, na análise dos benefícios fiscais em sede de IMI e IMT, observa-se que «quanto à quantificação da despesa fiscal associada aos benefícios fiscais concedidos em sede de IMT, não existem actualmente dados disponíveis. Na verdade, neste imposto existe um conjunto muito alargado de benefícios que operam automaticamente, tendo a sua não exigibilidade sido verificada, até 31 de Dezembro de 2008, pelas entidades que intervinham na realização do instrumento pelo qual se operava a transmissão jurídica, ou seja, a escritura pública. A partir de Janeiro de 2009, todas as transacções de imóveis, ainda que beneficiem de isenção, estão sujeitas à entrega da declaração modelo 1 do IMT antes da sua transmissão jurídica, a qual passa a efectuar-se por escritura pública ou documento particular autenticado. Deste modo, no futuro, passará a ser possível quantificar essa despesa fiscal associada aos benefícios de isenção do IMT, por tipo de isenção, dando-se assim acolhimento a uma das recomendações que nos últimos anos vinha sendo apresentada pelo Tribunal de Contas (Relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Fiscal, Cadernos CTF, nº 209, p. 522).

[17] O nº 4 do artigo 2º do EBF prevê (desde a redacção inicial) que para efeitos de controlo da despesa fiscal inerente aos benefícios fiscais concedidos, pode ser exigida aos interessados a declaração dos rendimentos isentos auferidos, salvo tratando-se de benefícios fiscais genéricos e automáticos, casos em que podem os serviços fiscais obter os elementos necessários ao cálculo global do imposto que seria devido (sublinhado nosso).

[18] Nalguns casos essa confiança parece variar com o valor em causa (por exemplo, alíneas a) e b) do nº 8 do art. 10º do CMIT).

[19] O Ofício nº…, de 25/07/2013 (in PA, reclamação graciosa, parte 3, p. 27), foi enviado ao contribuinte, em cumprimento do despacho DI2013…, antes do início da acção inspectiva interna que deu origem à liquidação, efectuada em 12 de Setembro de 2013. Nesse ofício, tendo em consideração que a empresa construtora requereu a utilidade turística e que quando o ora requerente adquiriu o apartamento do empreendimento este já estava instalado, pede-se informação sobre se foi liquidado o IMT.

[20] O Ofício nº…, de 13/09/2013 (in PA, RG, parte 3, p. 28 e ss), é aquele através do qual a AT comunica que foi elaborado um projecto de correcções constante do relatório enviado em anexo, com vista ao exercício do direito de audição nos termos dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT. O PRIT, enviado em anexo, contém uma fundamentação sucinta da posição da AT : tendo a utilidade turística sido atribuída ao empreendimento a título prévio em Junho de 2005 e confirmada em Maio de 2007, entende-se que quando fora adquirido o empreendimento já estava instalado, no sentido adoptado pelo Acórdão do STA nº 3/2013, de 23/01/2013, no proc 968/12. Cita-se também uma informação vinculativa da DSIMI de 04-01-2013.

[21] E, quanto a uma eventual pretensão de insuficiência da fundamentação constante da notificação dos ofícios referidos, poderia ainda, em 30 dias, “requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha”, nos termos do artigo 37º do CPPT. Não o tendo feito, verificou-se a sanação de eventuais deficiências dos actos de notificação. Cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, ed. Vislis, Lisboa, 1ª edição, p. 227.

 

 

[22] Este Acórdão identificara como questão de direito objecto do processo a de “saber se as aquisições que podem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto de Selo consagradas no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05/12, são as aquisições de prédios ou de fracções autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou as aquisições de fracções autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração. A resposta a esta pergunta remete-nos para o problema de saber o que deve entender-se por «instalação» de empreendimentos turísticos.”(sublinhado nosso). Esta questão é, e bem, considerada como a fundamental pelo Recorrente no caso dos autos, entendendo, contudo, que a AT não a teve devidamente em conta na solução do caso.

[23] Síntese no Acórdão de 26/02/2014 (proc. 01909/13). De realçar que o STA já proferiu um grande número de decisões sobre estes casos (cf. designadamente Acórdãos de : 23 de Janeiro de 2013 (processos nºs 969/12; 1001/12, 1005/12 e 1069/12); 30 de Janeiro de 2013 (processos nºs 970/12, 971/12, 972/12, 999/12, 1003/12, 1193/12 e 1194/12); 6 de Fevereiro de 2013 (processos nºs 1000/12, 1004/12 e 1168/12); 17 de Abril de 2013 (processos nºs 1023/12, 1002/12 e 1070/12); 23 de Abril de 2013 (proc. 1195/12); 11 de Setembro de 2013 (proc. 1049/13); 25 de Setembro de 2013 (proc. 1038/13); 9 de Outubro de 2013 (processos nºs 1050/13, 1040/13 e 1015/13); 16 de Outubro de 2013 (Proc. 1048/13); 30 de Outubro de 2013 (processos nºs 1042/13, 1051/13; 1052/13 e 1053/13); 13 de Novembro de 2013 (proc. 1054/13); 4 de Dezembro de 2013 (proc. 824/13); 29 de Janeiro de 2014 (proc. 1043/13); 5 de Fevereiro de 2014 (processos nºs 1041/13, 1047/13 e 1917/13); 26 de Fevereiro de 2014 (processos nºs 860/13 e 876/13); 2 de Abril de 2014 (proc. 1914/13), 9 de Abril de 2014 (proc. 859/13); 28 de Maio de 2014 (proc. 291/14; 18 de Junho de 2014 (proc. 1527/13); 17 de Setembro de 2014 (proc. 1228/13); 17 de Dezembro de 2014 (processos nºs 1085/13 e  1410/13). No âmbito do CAAD foram já proferidas decisões arbitrais no mesmo sentido (cf. processos nºs 102/2014-T, 103/2014-T, 104/2014-T e 110/2014-T).

[24] Citando mais uma vez o Acórdão do STA proferido no proc. nº 01909/13, que cita por sua vez outros arestos do STA: «tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil - ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão, vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respectivo sumário».

[25] De acordo com o nº 5 do art. 45º, “Os proprietários das unidades de alojamento, quando ocupam as mesmas, usufruem dos serviços obrigatórios da categoria do empreendimento, os quais estão abrangidos pela prestação periódica prevista no artigo 56º”.

 

 

[26] Na redacção inicial do artigo 2º do Decreto-Lei nº 10/2011, a competência dos tribunais arbitrais abrangia “b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior”, mas a Lei nº 64-B/2011 (artigos 160º e 161º) alterou a redacção da alínea b) e revogou a alínea c).

[27] Interposta a reclamação graciosa e sendo esta indeferida, há lugar a pedido de apreciação arbitral no prazo de 90 dias, contados nos termos do artigo 10º do RJAT e 102º do CPPT. Se esse acto de segundo grau (ou até um de terceiro grau) conhecer efectivamente da ilegalidade, poderá ser objecto imediato do pedido de apreciação arbitral, mas, se não conhecer da ilegalidade mas de outra questão, o indeferimento não poderá, em si, ser objecto do pedido, sendo-o apenas o acto tributário primário (sublinhado nosso). Cf. Jorge Lopes de Sousa, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Almedina, 2013, pp. 121 e ss.

[28] Por outro lado, o procedimento de liquidação decorreu com a fixação, no Relatório da Inspecção Tributária, da matéria colectável e cálculo da colecta devida, sendo objecto de notificação pelo Serviço de Finanças competente e recebida pelo Requerente em 4 de Dezembro de 2013 (cf. fixação de factualidade, 11.10). O “assunto” enunciado nessa comunicação era “liquidação de IMT” o contribuinte era notificado de que se não efectuasse o pagamento do IMT em 30 dias, se seguiria a extracção da certidão para cobrança coerciva. Leitura idêntica parece ser adoptada por exemplo, nos Acórdãos do STA, de 17 de Janeiro de 2007, proc. 0909/06 (alínea F) dos factos provados), de 18 de Maio de 2011, proc. 0153/11 (alínea C) dos factos provados), de 14 de Setembro de 2011, proc. 0294/11 (E) e J) dos factos provados).

 

 

[29] Apesar de observar que o Chefe da Repartição errara ao analisar as declarações prestadas (se convenceu que os valores declarados naquele contrato de permuta eram iguais) considerando que não havia que proceder a imediata liquidação, relegando-a para o momento posterior à avaliação prevista no art.º 109.º do CIMSSD, o STA manteve nesta decisão, que “esse erro não autoriza que a impugnada liquidação possa ser qualificada de adicional, pois que a mesma não se destinou a corrigir ou rectificar uma liquidação anterior”.

[30] O recorrente alegara que o facto da transmissão ter ficado isenta de sisa implica necessariamente que tenha havido uma liquidação, pois o reconhecimento da isenção implica que exista facto tributário e consequente liquidação de imposto que só não deu lugar a pagamento de imposto, por força dessa mesma isenção, e, sendo assim, a liquidação impugnada não era uma liquidação “ex novo”, como foi considerada na decisão recorrida, mas sim uma liquidação adicional.

[31] Ao tempo da escritura de aquisição da fracção, o artigo 49.º do Código do IMT (sob a epígrafe “Obrigações de cooperação dos notários e de outras entidades) dispunha no nº 1: “Quando for devido IMT, os notários e outros funcionários ou entidades que desempenhem funções notariais não podem lavrar as escrituras, quaisquer outros instrumentos notariais ou documentos particulares que operem transmissões de bens imóveis, nem proceder ao reconhecimento de assinaturas nos contratos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, sem que lhe seja apresentada a declaração referida no artigo 19.º acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivarão, disso fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva preceder a transmissão” e no nº 3: “Havendo lugar a isenção automática ou dependente de reconhecimento prévio, as entidades referidas no n.º 1 devem verificar e averbar a isenção ou exigir o documento comprovativo desse reconhecimento, que arquivarão”. E o nº 4 do mesmo artigo previa “Os notários devem enviar à Direcção-Geral dos Impostos, em suporte informático, nos termos e prazos previstos no Código do Notariado, os seguintes elementos: a) Uma relação dos actos ou contratos sujeitos a IMT, ou dele isentos, exarados nos livros de notas no mês antecedente, contendo, relativamente a cada um desses actos, o número, data e importância dos documentos de cobrança ou os motivos da isenção, nomes dos contratantes, artigos matriciais e respectivas freguesias, ou menção dos prédios omissos (…)”. Por outro lado, o artigo 50º (actos relativos a bens imóveis sujeitos a registo) do CIMT dispõe: “Nenhum facto, acto ou negócio jurídico relativo a bens imóveis sujeitos a registo pode ser definitivamente registado sem que se mostre pago o IMT que seja devido”. E o art. 54º (Obrigações de fiscalização das autoridades públicas em geral):  “O cumprimento das obrigações impostas por este diploma é fiscalizado, em geral, e dentro dos limites da respectiva competência, por todas as autoridades, autarquias locais, repartições públicas e pessoas colectivas de utilidade pública, e, em especial, pela Direcção-Geral dos Impostos” (nº 1).

[32] Em anotação ao artigo 10º do CIMT, Silvério Mateus e Freitas Corvelo diziam: “Salienta-se que no IMT coexistem benefícios automáticos, cuja eficácia deriva directamente e imediatamente da lei, a par de benefícios dependentes de reconhecimento. Quanto aos primeiros, a verificação dos respectivos pressupostos é da competência da entidade pública ou privada que tiver intervenção no título translativo (…).“Os Impostos Sobre o Património e o Imposto do Selo, anotados e comentados”, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 396.

[33] A mesma Lei nº 64-A/2008, de 31/12/2009, aditou um número ao artigo 49º do CIMT, dispondo que “São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo pelo pagamento do imposto os notários que celebrem escrituras públicas e as pessoas que, por qualquer outra forma, intervenham nos documentos particulares autenticados, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, desde que tenham colaborado na falta de liquidação ou arrecadação do imposto ou, na data daquela intervenção, recepção ou utilização, não tenham exigido o documento comprovativo do pagamento ou da isenção, se for caso disso”.

[34]O nº 6 do art. 31º do DL 287/2003, de 12/11, manteve em vigor “os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º41 969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT”.

[35] Declarações que gozam de presunção de veracidade (art. 75º da LGT).

[36] A decisão concluiu pela irrecorribilidade do despacho proferido pelo SEAF em 24/08/98, entendendo que tratava de um acto opinativo que apenas pretendera fixar uma orientação relativamente a situações que se apresentavam com frequência por forma a que os Serviços dos Benefícios Fiscais tivessem um comportamento uniforme na análise e decisão do (então) art. 46º do EBF, ao mesmo tempo que dava resposta a esclarecimentos pedidos pela Provedoria da Justiça sobre o assunto. O despacho do SEAF seria acto meramente confirmativo de uma decisão anterior, do acto de liquidação do IRS. Neste contexto, o Acórdão explica que inexistiu qualquer processo de reconhecimento autónomo da isenção, por serem os serviços da DGCI os competentes para a liquidação do IRS, o que acontecera através da liquidação adicional de imposto notificada por carta registada em 27/11/97, não impugnada nos termos dos arts. 120º e segs. do CPT ou arts. 99º e segs. do CPPT, firmando-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido. (Estava em causa o tratamento a dar a um contribuinte que integrara durante uns meses de 1996, uma Missão de Cooperação Técnico-Militar e que na declaração anual de IRS entregue em 1997 incluiu os rendimentos auferidos nessa missão no anexo H, ao abrigo do acordo de cooperação. Em 4/09/97, o recorrente recebeu uma notificação dos serviços para apresentar declaração de substituição à aludida declaração de IRS, devido ao facto de os rendimentos englobados no anexo H não preencherem a previsão do art. 46º do Estatuto dos benefícios Fiscais, sendo-lhe sido de seguida fixado pelos serviços rendimento colectável de IRS/96 sem ter em conta aplicação e benefício fiscal à parte auferida pela missão militar, com correspondente liquidação adicional de IRS, notificada em 27/11/97.

 

 

 

 

 

 

[37] O Ofício nº…, de 25/07/2013 (in PA, reclamação graciosa, parte 3, p. 27), foi enviado ao contribuinte, em cumprimento do despacho DI2013…, antes do início da acção inspectiva interna que deu origem à liquidação, efectuada em 12 de Setembro de 2013. Nesse ofício, tendo em consideração que a empresa construtora requereu a utilidade turística e que quando o ora requerente adquiriu o apartamento do empreendimento este já estava instalado, pede-se informação sobre se foi liquidado o IMT.

[38] O Ofício nº…, de 13/09/2013 (in PA, RG, parte 3, p. 28 e ss), é aquele através do qual a AT comunica que foi elaborado um projecto de correcções constante do relatório enviado em anexo, com vista ao exercício do direito de audição nos termos dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT. O PRIT, enviado em anexo, contém uma fundamentação sucinta da posição da AT : tendo a utilidade turística sido atribuída ao empreendimento a título prévio em Junho de 2005 e confirmada em Maio de 2007, entende-se que quando fora adquirido o empreendimento já estava instalado, no sentido adoptado pelo Acórdão do STA nº 3/2013, de 23/01/2013, no proc 968/12. Cita-se também uma informação vinculativa da DSIMI de 04-01-2013.

[39] E, quanto a uma eventual pretensão de insuficiência da fundamentação constante da notificação dos ofícios referidos, poderia ainda, em 30 dias, “requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha”, nos termos do artigo 37º do CPPT. Não o tendo feito, verificou-se a sanação de eventuais deficiências dos actos de notificação. Cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, ed. Vislis, Lisboa, 1ª edição, p. 227.

 

 

[40] Este Acórdão identificara como questão de direito objecto do processo a de “saber se as aquisições que podem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto de Selo consagradas no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05/12, são as aquisições de prédios ou de fracções autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou as aquisições de fracções autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração. A resposta a esta pergunta remete-nos para o problema de saber o que deve entender-se por «instalação» de empreendimentos turísticos.”(sublinhado nosso). Esta questão é, e bem, considerada como a fundamental pelo Recorrente no caso dos autos, entendendo, contudo, que a AT não a teve devidamente em conta na solução do caso.

[41] Síntese no Acórdão de 26/02/2014 (proc. 01909/13). De realçar que o STA já proferiu um grande número de decisões sobre estes casos (cf. designadamente Acórdãos de : 23 de Janeiro de 2013 (processos nºs 969/12; 1001/12, 1005/12 e 1069/12); 30 de Janeiro de 2013 (processos nºs 970/12, 971/12, 972/12, 999/12, 1003/12, 1193/12 e 1194/12); 6 de Fevereiro de 2013 (processos nºs 1000/12, 1004/12 e 1168/12); 17 de Abril de 2013 (processos nºs 1023/12, 1002/12 e 1070/12); 23 de Abril de 2013 (proc. 1195/12); 11 de Setembro de 2013 (proc. 1049/13); 25 de Setembro de 2013 (proc. 1038/13); 9 de Outubro de 2013 (processos nºs 1050/13, 1040/13 e 1015/13); 16 de Outubro de 2013 (Proc. 1048/13); 30 de Outubro de 2013 (processos nºs 1042/13, 1051/13; 1052/13 e 1053/13); 13 de Novembro de 2013 (proc. 1054/13); 4 de Dezembro de 2013 (proc. 824/13); 29 de Janeiro de 2014 (proc. 1043/13); 5 de Fevereiro de 2014 (processos nºs 1041/13, 1047/13 e 1917/13); 26 de Fevereiro de 2014 (processos nºs 860/13 e 876/13); 2 de Abril de 2014 (proc. 1914/13), 9 de Abril de 2014 (proc. 859/13); 28 de Maio de 2014 (proc. 291/14; 18 de Junho de 2014 (proc. 1527/13); 17 de Setembro de 2014 (proc. 1228/13); 17 de Dezembro de 2014 (processos nºs 1085/13 e  1410/13). No âmbito do CAAD foram já proferidas decisões arbitrais no mesmo sentido (cf. processos nºs 102/2014-T, 103/2014-T, 104/2014-T e 110/2014-T).

[42] Citando mais uma vez o Acórdão do STA proferido no proc. nº 01909/13, que cita por sua vez outros arestos do STA: «tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil - ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão, vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respectivo sumário».

[43] De acordo com o nº 5 do art. 45º, “Os proprietários das unidades de alojamento, quando ocupam as mesmas, usufruem dos serviços obrigatórios da categoria do empreendimento, os quais estão abrangidos pela prestação periódica prevista no artigo 56º”.