Processo n.º 630/2014-T
Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (designado por acordo dos outros Árbitros), Dr. Fernando Carreira Araújo e Dr.ª Maria Manuela Roseiro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-11-2014, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Av. …, n.º …, Lisboa, doravante designada por “A… SGPS” ou “Requerente”, sociedade dominante de grupo (o Grupo B) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), que inclui a C…, S.A., pessoa colectiva n.º … (doravante designada por “C… S.A.º), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC (e derrama municipal consequente) do grupo fiscal B relativa ao exercício de 2010, no que respeita ao montante de € 1.572.924,69, com a sua consequente anulação nesta parte.
É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente procedeu à designação de árbitro, Dr. Fernando Carreira Araújo, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6 e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13º do mesmo diploma, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitra a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.
Os árbitros designados designaram o terceiro árbitro, Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa, nos termos do artigo 11.º, n.º 4 do RJAT.
Os signatários designados para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo aceitaram as designações, nos termos legalmente previstos.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 27-10-2014.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 20-11-2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por despacho de 09-01-2015, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é questionada a sua competência material para apreciar os pedidos.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas mais excepções.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente A…, SGPS, SA, NIPC …, é a sociedade dominante do grupo económico em que se encontra inserida;
b) A Requerente é uma sociedade comercial que exerce a actividade de "Gestão de Participações Sociais", …, sendo considerada "contribuinte de elevada relevância económica e fiscal" na acepção prevista no artigo 68º B da LGT;
c) A Requerente está sujeita a IRC com enquadramento no regime especial de tributação dos grupos de sociedades;
d) Em 31-05-2011, a Requerente apresentou a declaração de IRC modelo 22 relativa ao grupo de sociedades, referente ao ano de 2010 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que, além do mais, indicou uma matéria colectável de € 316.040.582,91 e o imposto a pagar de € 61.659.304,18, que a Requerente pagou em 31-05-2011 (€ 61.640.423,60) e em 16-06-2011 (€ 18.880,58) (documentos n.ºs 29 e 30 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
e) Em 31-12-2013, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa relativo à autoliquidação de IRC relativa ao ano de 2010 (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) Uma das sociedades que integrava o grupo em 2010 é a C…, S.A., NIPC …, cujo lucro tributável foi de € 206.791.147,12 (documento n.º 2, junto com o pedido de revisão oficiosa, cujo teor se dá como reproduzido, que consta do documento designado «PA19.pdf»);
g) Para efeitos do apuramento daquele lucro tributável, a C… S.A. efectuou diversos ajustamentos fiscais ao lucro contabilístico por si apurado em 2010 (no montante de € 64.848.506,68), entre os quais o acréscimo, no campo 720 do quadro 07, do montante de € 7.467.736,06, referente a 40% do aumento das depreciações dos activos fixos tangíveis em resultado de reavaliações feitas ao abrigo de diplomas legais (documento n.º 2, junto com o pedido de revisão oficiosa, cujo teor se dá como reproduzido, que consta do documento designado «PA19.pdf»);
h) Aquele montante inclui uma parcela, correspondente a € 7.254.488,02, a qual resulta de reavaliações reflectidas no mapa fiscal de modelo oficial 33.12E, (Documento n.º 3 junto com o pedido de revisão oficiosa, cujo teor se dá como reproduzido);
i) A Requerente entendeu que aquele montante não reflecte, na íntegra, o impacto fiscal associado às reavaliações efectuadas ao abrigo de diplomas legais, em particular ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, e, na qualidade de sociedade dominante do grupo de sociedades sujeito ao RETGS do qual a C… faz parte integrante, submeteu à Administração Tributária um pedido de revisão oficiosa, mediante a qual pretende:
– efectuar um ajustamento ao lucro tributável da C…, em seu favor, no montante de € 2.154.567,63, nos termos no n.º 4 do artigo 35.º do Código do IRC;
– efectuar um ajustamento ao lucro tributável da C…, em seu favor, no montante de €4.136.754,37, decorrente da transição para o novo normativo fiscal aprovado pelo Decreto-Lei aº 159/2009, de 13 de Julho;
j) Em consequência daqueles ajustamentos, a Requerente pretendeu igualmente corrigir o montante acrescido pela C… no campo 720 do quadro 07, efectuando uma correcção a favor do Estado no montante de € 861.827,04, passando assim o valor a ajustar naquele campo a ascendera€ 8.329.563,10;
k) Os ajustamentos pretendidos terão um impacto negativo no lucro tributável da C… no montante de €5.429.494,95, que passará a ascender a €201.361.652,17, o qual se reflectirá numa correcção do mesmo montante no lucro tributável apurado pela Requerente, enquanto sociedade dominante do grupo de sociedades sujeito à aplicação do RETGS, o qual passará assim a ascender a € 310.611.087,96;
l) Relativamente ao pedido de revisão oficiosa foi emitida na Unidade dos Grandes Contribuintes a Informação n.º …-…/2014, cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais, o seguinte:
4. Constitui objecto do presente pedido a revisão da autoliquidação do IRC referente ao período de tributação de 2010, consubstanciada na solicitação à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de fazer repercutir no resultado fiscal do grupo um ajustamento negativo calculado para efeitos da determinação do lucro tributável da empresa "C…, SA", NIPC …, no valor de € 5 429 494,96, inerente ao impacto fiscal das várias reavaliações de activos realizadas ao abrigo de diversos diplomas legais, designadamente, do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de Fevereiro, a que se reporta a Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, na sequência do processo de privatização a que foi sujeita a empresa "D…", que deu origem ao grupo E…, do qual resultou o grupo B….
5. As alegações da requerente que constam da petição apresentada e que aqui se dão, por brevidade de exposição, por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, assentam, em síntese, nos factos que a seguir se expõem, extraídos dos autos e considerados relevantes para a análise do pedido'
– A reestruturação do sector energético, Iniciado com a alteração da natureza jurídica da empresa "D…", de empresa pública para sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, prosseguindo com um plano de cisões, originando a constituição de várias sociedades, entre as quais a C…., SA, e, com um processo de reprivatização do Grupo que se desenrolou entre 1997 e 2011;
– No âmbito das operações de cisão e de acordo com o legalmente regulado, o capital social das novas sociedades foi realizado em espécie e pelos valores patrimoniais resultantes das avaliações, sujeitas à aprovação pelo Ministro das Finanças, efectuadas por entidades independentes, escolhidas e previamente qualificadas para o efeito pelo Ministério das Finanças,
– A autonomização do Grupo "B…" face ao Grupo "E…" ocorreu por força do Decreto Lei nº 198/2000, de 24 de agosto, que veio a estabelecer a separação jurídica das empresas responsáveis pela gestão da rede de transporte, das empresas com a actividade de produção ou distribuição de electricidade, passando o capital social da empresa C…., SA a ser detido em 70% por entidades públicas e em 30% pela "D…",
– Em 2006, a empresa "C…" passou a integrar as infra-estruturas de transporte de electricidade e gás natural, através da aquisição de activos de gás natural detidos pela F… SGPS, SA e da celebração de um contrato de concessão com o Estado português por um prazo de 40 anos para o exercício de actividades reguladas no sector do gás natural, incluindo transporte, armazenamento e recepção,
– A separação da actividade de electricidade da do gás natural levou à constituição em 2006 da sociedade G…, SA, a qual viu, em 2007, aumentado o seu capital social através da transferência de activos e passivos associados à concessão de exploração da rede de transporte de electricidade;
– A transferência dos activos da "D…" para a C…, S.A. e desta para a então G… foi efectuada sem qualquer alteração no valor contabilístico e fiscal, sendo o seu valor o que resultou da avaliação feita no seio da "D…" por entidades independentes, no âmbito do processo de reprivatização a que foi sujeita;
6. Na sequência das realidades descritas conclui a requerente que, não tendo as reavaliações (positivas e negativas) sido consideradas fiscalmente relevantes na esfera da "D…", e tendo em consideração que uma parte dos activos que sofreram as mesmas foram, na sequência de diversos diplomas legais, transferidos para a C…, deverá ser avaliado o respectivo enquadramento fiscal justificativo do ajustamento requerido, respeitante ao decréscimo das depreciações resultantes de desvalorizações ocorridas em resultado das reavaliações efectuadas ao abrigo de legislação fiscal
7. Para o efeito, a requerente faz o enquadramento fiscal que na sua perspectiva é o ajustável à situação em apreço e completa o pedido com a especificação da composição e do cálculo do valor global que pretende ver reconhecido fiscalmente no período de tributação de 2010 (€ 5 429 494,96), e que no seu entender deve corresponder, grosso modo, à soma algébrica dos seguintes ajustamentos
• Ajustamento derivado das depreciações que deixaram de ser praticadas em resultado das reavaliações negativas, equivalendo
• A um ajustamento, nos termos do n.º 4 do artigo 35.º do Código do IRC, correspondente à diferença entre a depreciação que seria praticada sobre o valor de aquisição dos activos e a que foi efectivamente praticada no exercício de 2010 Incidente sobre o valor depreciado em resultado da reavaliação, originando uma diminuição ao lucro tributável da empresa "C…, SA ", no montante de € 2 154 567,63 20,
• A um ajustamento visando o reconhecimento fiscal dos montantes que não puderam ser recuperados até ao exercício de 2009, Inclusive, pelo facto de o regime fiscal em vigor até àquela data não permitir a recuperação da perda por imparidade reconhecida em exercícios anteriores, derivando uma diminuição ao lucro tributável do lucro da empresa "C…, SA", no montante de € 4.136.754,3722,
• Acréscimo ao lucro tributável da empresa C…, SA", no montante de € 861 827,04, para, na sequência dos dois ajustamentos anteriores, rectificar a correcção efectuada ao resultado líquido do exercício relativa à não aceitação para efeitos fiscais de 40% do aumento das reintegrações resultantes da reavaliaçã0, que se encontra influenciada pelo decréscimo das depreciações associadas aos elementos do activo cujas reavaliações legais originaram uma redução do seu valor.
§ III. DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
8. Compulsados os presentes autos, constata-se que
• A Requerente dispõe de personalidade e capacidade tributária, nos termos do preceituado nos artigos 15.º e 16º da Lei Geral Tributária, bem como no artigo 3º do CPPT, conjugados com o disposto no artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais.
• Por se tratar de "contribuinte de elevada relevância económica e fiscal", na acepção prevista no artigo 68º-B da LGT, a competência para efeitos de prolação da decisão do presente pedido de revisão oficiosa cabe ao Exmo. Sr Director desta Unidade dos Grandes Contribuintes,
• A Requerente é parte interessada no procedimento, tendo legitimidade para a respectiva interposição, ao abrigo do disposto no artigo 18.º da LGT e do n.º 1 do artigo 9.º do CPPT,
• O presente procedimento administrativo é apresentado ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 78º da LGT,
• O requerimento no qual se consubstancia o pedido de revisão oficiosa do acto tributário de autoliquidação do período de tributação de 2010 foi entregue em 31 de dezembro de 2013,
• A liquidação nº … proveniente da autoliquidação efectuada pela requerente foi emitida em 04/07/2011;
• A declaração periódica de rendimentos, modelo 22, relativa à autoliquidação do IRC relativa a 2010 foi apresentada em 31-05-2011.
§ IV. DA ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
9. A apreciação do mérito do presente pedido está dependente da aferição da validade do meio legal utilizado pela Requerente para ver reflectidas para efeitos fiscais no período de tributação de 2010 perdas de valor ocorridas em activos imobilizados, decorrentes de operações de reavaliação realizadas pela empresa "D…", da qual nasceu o Grupo "E…" e posteriormente o Grupo B…, cuja autonomização datada de 2000 foi resultado, conforme já se referiu, do disposto no Decreto-Lei nº 198/2000, de 24 de agosto.
10. De facto,
11. Como anteriormente se deixou explicitado, pretende a Requerente ver fiscalmente reconhecida no período de tributação de 2010 uma imparidade decorrente do decréscimo de depreciações relativas a activos cujos valores foram reduzidos em resultado da avaliação efectuada pela então "D…", ao abrigo da Lei n.º 36/91, de 27 de julho e do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro, no âmbito do processo de reprivatização de que foi objecto
12. Conforme expressa na petição, a Requerente considera que a reavaliação dos activos no âmbito do processo de reprivatização do Grupo E…, que resultou numa redução do seu valor escriturado, traduz uma perda por imparidade, a qual não foi considerada fiscalmente relevante no momento em que foi reconhecida na esfera da D…
13. E, isso, por entender que, nos termos do n.º 2 do artigo 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, em vigor à data em que a reavaliação foi promovida (1994), apenas eram fiscalmente relevantes as desvalorizações excepcionais "provocadas por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excepcionalmente rápidas", situação que não sendo a que estava em causa não permitiu, à data dos factos, a solicitação da dedutibilidade fiscal, justificando, assim, nos termos do n.º 4 do artigo 35.º do Código do IRC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, que a perda por imparidade reconhecida no exercício de 1994, seja aceite fiscalmente, em partes iguais, durante o período de vida útil restante dos activos que a originaram.
14. Ora,
15. Importa aqui deixar claro que a questão relativa à possibilidade de as importâncias escrituradas relativas a imobilizados serem superiores ao seu efectivo valor já tinha relevo no âmbito das regras contabilísticas que precederam a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC)
16. O Plano Oficial de Contabilidade (POC) no Capítulo 5 dedicado aos "Critérios de Valorimetria" preconizava no ponto 5.4.4 quanto às desvalorizações excepcionais dos elementos do activo designados como imobilizados corpóreos e incorpóreos que:
"Quando, à data do balanço, os elementos do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo, seja ou não limitada a sua vida útil, tiverem um valor inferior ao registado na contabilidade, devem ser objecto de amortização correspondente à diferença se for de prever que a redução desse valor seja permanente. Aquela amortização extraordinária não deve ser mantida se deixarem de existir os motivos que a originaram".
17. Por sua vez, no Capítulo 8, referente ao Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados (ABDR), na nota 3, determinava a divulgação nesta peça dos critérios valorimétricos utilizados relativamente às várias rubricas do balanço e da demonstração dos resultados, bem como dos métodos de cálculo respeitantes aos ajustamentos de valor, designadamente amortizações e provisões, destacando na nota 10 os tipos de mapas reveladores dos movimentos ocorridos nas rubricas do activo imobilizado constantes do balanço e nas respectivas amortizações e ajustamentos.
18. Quanto ao tratamento fiscal das desvalorizações excepcionais, fazia-se depender o seu reconhecimento como custo da aceitação como tal pela Direcção Geral dos Impostos através de exposição devidamente fundamentada, como previam o artigo 28.º e os números 3 e 5 do artigo 29º do Código do IRC, bem como o artigo 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeir0, que concretizava, designadamente, os prazos para o efeito.
• O artigo 28º do Código do IRC preconizava que eram «( ) aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas..»
• Estabelecia o n.º 3 do artigo 29º do mesmo diploma que «Podem, ainda, ser utilizados métodos de reintegração e amortização diferentes dos indicados nos números anteriores quando a natureza do deperecimento ou a actividade económica da empresa o justifiquem, após reconhecimento prévio da Direcção-Geral dos Impostos»
• Na alínea b) do n.º 5 do mesmo artigo estipulava-se a possibilidade de serem considerados «(...) como custos quotas de reintegração ou amortização superiores devido à superveniência de desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, aceites pela Direcção-Geral dos Impostos»
• Segundo o artigo 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, o regime fiscal definido para as desvalorizações dos elementos do activo imobilizado aplicava-se, designadamente, às desvalorizações excepcionais provocadas por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excepcionalmente rápidas, devendo «(...) o contribuinte obter a aceitação da Direcção-Geral dos Impostos através de exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao da ocorrência do facto que determinou a desvalorização excepcional, salvo em casos comprovadamente justificados, e como tal reconhecidos por despacho do Ministro das Finanças, em que essa exposição poderá ser entregue até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais»
19. Desta forma, contrariamente ao afirmado pela Requerente, conclui-se que até finais de 2009 as perdas derivadas de desvalorizações ocorridas em activos imobilizados corpóreos tinham o devido tratamento quer no plano contabilístico quer do ponto de vista fiscal, pelo que a sua análise sempre deveria ter sido suscitada em sede e momento próprios.
20. Ou seja,
21. A matéria das desvalorizações de bens do activo encontrava-se, à data dos factos, devidamente regulada quer no POC, quer no Código do IRC e no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, para o qual remetia o próprio Decreto-Lei n.º 22/92 de 14 de Fevereiro, que estabeleceu a reavaliação de carácter fiscal em causa.
22. Não consta dos autos que a "C…" ou as empresas de que é originária, tenham requerido, em momento algum, ao abrigo das disposições que então vigoravam, qualquer autorização à Administração Fiscal relativamente à aplicação dos efeitos da reavaliação de bens permitida.
23. Em face do enquadramento legal que atrás citamos, entendemos, pois, que a dedução fiscal das desvalorizações de bens provocadas pela reavaliação efectuada deveria ter sido em momento próprio requerida à Administração Fiscal.
24. Não se poderá aceitar, assim, a posição da requerente no sentido de vir através do pedido de revisão, previsto no artigo 78.º da LGT e com fundamento em erro imputável aos serviços, aproveitando para o efeito o prazo de quatro anos, solicitar a dedutibilidade fiscal das perdas resultantes da desvalorização de elementos do activo imobilizado ocorrida na esfera da "D…" em resultado do processo de privatização a que foi sujeita.
25. A utilização da revisão oficiosa não pode prejudicar as especificidades do imposto no tocante à previsão de mecanismos próprios para a validação pela Administração das perdas de valor dos imobilizados requeridas pelos sujeitos passivos.
26. A revisão oficiosa não pode ser admitida sob pena de as normas reguladoras do regime fiscal das amortizações e reintegrações ficarem desprovidas de qualquer eficácia.
27. Não poderá, de forma nenhuma, ser imputada à Administração Tributária a obrigação de proceder à revisão do acto tributário, mediante solicitação do sujeito passivo, apresentada dentro do prazo de 4 anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, considerando como tal, para o efeito, o erro na autoliquidação.
28. No acto tributário de autoliquidação de 2010 não foi cometido qualquer erro que justifique a sua revisão, e, muito menos, um erro imputável aos serviços.
29. Face aos contornos do caso em apreço, que atrás se deixaram devidamente explicitados, a revisão oficiosa requerida não é meio próprio.
30. E, ainda que assim não fosse entendido, a possibilidade de utilização do n.º 1 do artigo 78º da LGT na parte em que prevê a revisão oficiosa do acto tributário no prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos serviços estava perfeitamente vedada.
31. Não há na falta atempada de apresentação do pedido de autorização de consideração fiscal das perdas decorrentes de desvalorizações a ocorrência de um erro imputável aos serviços que possa fundamentar legalmente a revisão.
32. Nos presentes autos estamos perante a utilização indevida da revisão oficiosa como meio administrativo de reconhecimento fiscal das desvalorizações ocorridas em activos imobilizados corpóreos.
33. O pedido de revisão oficiosa a que se reporta o artigo 78.º da LGT não é o meio administrativo próprio para o pedido de consideração fiscal das perdas decorrentes de desvalorizações ocorridas num conjunto de bens.
34. Face a tudo quanto se deixou dito entendemos que o presente pedido de revisão oficiosa deve ser rejeitado.
§ V. DA CONCLUSÃO
Analisados os devidos pressupostos legais, somos, nos termos expostos, a entender pela rejeição liminar do pedido de revisão, promovendo-se, em consequência, o arquivamento do mesmo, disso se notificando a Contribuinte, ora Requerente, através de ofício a remeter sob registo, nos termos do previsto nos artigos 35.º a 41.º do CPPT, não cabendo aqui a faculdade estabelecida na norma inserta no artigo 60.º da LGT, conforme, a contrario, se infere do n.º 1 do artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativ0
m) Em 26-05-2014, o Senhor Director Unidade dos Grandes Contribuintes proferiu o despacho que consta de fls. 193 do processo administrativo («PA24.pdf»), em que refere o seguinte:
1. Concordo com as conclusões da informação, pelo que indefiro a reclamação graciosa.
2. Notifique-se o contribuinte.
n) Na sequência do processo de reprivatização, H…E.P. foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com a firma C…, S. A. (doravante “C…”) e o seu património repartido por várias sociedades, entre as quais a Requerente;
o) Em 1994, a C… procedeu a uma reavaliação do seu património nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro, para efeitos de destaque por cisão para criação da C…, SA, nos termos do Decreto-Lei n.º 131/94, de 19 de Maio (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Diário da República, III série de 30-11-1994, reproduzido no documento n.º 9);
p) Entre reavaliações para menos (negativas) e reavaliações para mais (positivas), gerou-se um aumento líquido do valor contabilístico dos activos reavaliados em 31.666.263.000$00 (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
q) No que concerne aos activos relativamente aos quais na reavaliação foram determinados valores inferiores ao seu custo de aquisição líquida das amortizações contabilísticas e fiscais já realizadas foi registada contabilisticamente uma amortização extraordinária (artigo 21.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não é questionada);
r) O resultado das referidas reavaliações não foi tido em conta no apuramento do lucro tributável da D… do ano de 1994 (Documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
s) Estas reavaliações foram efectuadas por entidades escolhidas de entre as previamente qualificadas pelo Ministério das Finanças, ficaram sujeitas à aprovação do Ministro das Finanças e tiveram carácter fiscal nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, e do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de Fevereiro;
t) Os critérios utilizados nestas reavaliações foram os preconizados à data pela Directriz Contabilística n.º 13 (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
u) A cisão que operou em 1994 a transmissão dos activos que aqui estão em causa da D… para a C…. S.A., foi sujeita ao regime de neutralidade fiscal;
v) Este acervo patrimonial transferido para a C…S.A. correspondia aos activos respeitantes à J… referidos no Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março;
w) Em 2006, foi determinado que a C…, S.A. passasse a ter por objecto único a gestão de participações sociais e adoptasse a denominação A…, SGPS, S. A. (a Requerente), procedendo à constituição da G… S.A., que depois passou a denominar-se C…, S.A. (documentos n.ºs 15, 16 e 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2006, publicada no Diário da República de 30-06-2006);
x) No início de 2007, ocorreu a transmissão dos activos aqui em causa, agora da A… SGPS para a C… S.A.: a primeira passou nessa data a ser uma SGPS (ponto 5 da RCM n.º …/2006), e ficou esvaziada de todos os seus activos operacionais, entre os quais os activos da J…., transferidos para a recentemente criada C… S.A. (cfr. o ponto 3, alínea c), da RCM -…/2006);
y) Esta segunda e última transmissão dos activos aqui em causa ficou sujeita ao regime de neutralidade fiscal da “entrada de activos” (escritura de aumento de capital – entrada de activos – que consta do Documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
z) Os activos aqui em causa – imobilizado corpóreo / activos fixos tangíveis, que sofreram reavaliações negativas – estão hoje com a C…S.A. na sequência de duas transmissões sujeitas ao regime de neutralidade fiscal, e as amortizações extraordinárias (desvalorizações) sobre eles contabilizadas em consequência das reavaliações de 1994 não foram directamente reconhecidas para efeitos fiscais, sendo-o apenas indirectamente quanto a 40% de uma parcela (Documentos n.ºs 19 e 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e artigo 43.º do pedido de pronúncia arbitral);
aa) Em 23-05-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o pedido de revisão oficiosa que consta do processo administrativo, documentos esses cuja correspondência à realidade não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de direito
3.1. Questão da incompetência material do tribunal arbitral decorrente da
circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
No caso em apreço, é pedida a anulação do acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010, bem como a anulação do acto de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa.
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.
Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )
A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.
Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.
Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto».( [2] )
A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.
Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
3.2. Questão da incompetência material decorrente da circunstância de a decisão da revisão oficiosa ter indeferido liminarmente o pedido
No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».
Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ( [4] ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.
Assim, aquele acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «acto administrativo em matéria tributária».
Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [5] )
Eventualmente, como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ( [6] ) Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. ( [7] )
Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial.
À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ( [8] )
Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido» (art. 145.º, n.º 3, do CPPT).
Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes actos.
A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.
Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, depende da análise deste acto.
No caso em apreço, o motivo invocado para o indeferimento da revisão oficiosa foi o entendimento de que existem «especificidades do imposto no tocante à previsão de mecanismos próprios para a validação pela Administração das perdas de valor dos imobilizados requeridas pelos sujeitos passivos», pelo que «a revisão oficiosa não pode ser admitida sob pena de as normas reguladoras do regime fiscal das amortizações e reintegrações ficarem desprovidas de qualquer eficácia» (pontos 25 e 26 da Informação) em que se baseou o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, reproduzido na matéria de facto fixada).
E, fundamentando tal conclusão sobe a inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa, refere-se naquela Informação:
23. Em face do enquadramento legal que atrás citamos, entendemos, pois, que a dedução fiscal das desvalorizações de bens provocadas pela reavaliação efectuada deveria ter sido em momento próprio requerida à Administração Fiscal.
24. Não se poderá aceitar, assim, a posição da requerente no sentido de vir através do pedido de revisão, previsto no artigo 78.º da LGT e com fundamento em erro imputável aos serviços, aproveitando para o efeito o prazo de quatro anos, solicitar a dedutibilidade fiscal das perdas resultantes da desvalorização de elementos do activo imobilizado ocorrida na esfera da "D…" em resultado do processo de privatização a que foi sujeita.
(...)
27. Não poderá, de forma nenhuma, ser imputada à Administração Tributária a obrigação de proceder à revisão do acto tributário, mediante solicitação do sujeito passivo, apresentada dentro do prazo de 4 anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, considerando como tal, para o efeito, o erro na autoliquidaçã0.
28. No acto tributário de autoliquidação de 2010 não foi cometido qualquer erro que justifique a sua revisão, e, muito menos, um erro imputável aos serviços.
É manifesto que há aqui uma apreciação da legalidade da autoliquidação, entendendo-se que ela não, enferma de qualquer erro imputável aos serviços, por a dedução fiscal das desvalorizações de bens provocadas pela reavaliação dever ser efectuada em momento anterior ao ano de 2010.
À face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto que decide o procedimento comporte essa apreciação, o que, neste contexto, significa que no acto decisório se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão.
Ora, no caso em apreço, para além de a indicação do regime de reavaliação do activo imobilizado que se expõe na Informação consubstanciar uma definição de qual é a «legalidade» aplicável, há na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa um juízo expresso sobre a legalidade da autoliquidação de IRC de 2010, entendendo-se que nela «não foi cometido qualquer erro que justifique a sua revisão, e, muito menos, um erro imputável aos serviços». ( [9] )
Por isso, não exigindo a expressão «comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação», utilizada na alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, que tal apreciação seja fundamento da decisão, deverá entender-se que se está perante um acto enquadrável naquela norma para cuja impugnação nos tribunais tributários seria adequado o processo de impugnação judicial.
Sendo assim, não se pode concluir pela incompetência deste Tribunal Arbitral, pelo que improcede a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Questão da relevação fiscal em 2010 da parcela das imparidades imputável de acordo com a nova regra fiscal sobre imparidades (que entrou em vigor em 2010) ao exercício (aqui) em causa de 2010
4.1. Factos essenciais e posições das Partes
No âmbito do processo de privatização da empresa pública H…, E. P. foi criada a D…, S. A. (Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro).
Parte do seu património foi destacado para criação da C…. S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 131/94, de 19 de Maio, que, em 2006, passou a ser ter por objecto único a gestão de participações sociais e adoptou a denominação A…, SGPS, S. A. (a Requerente), procedendo à constituição da G… S.A., que depois passou a denominar-se C…, S.A. (Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2006, de 30 de Junho).
Como se refere na matéria de facto fixada, todas as transmissões de activos foram feitas ao abrigo do regime de neutralidade fiscal.
A Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, estabeleceu, no seu artigo 4.º que «as empresas objecto de privatização podem considerar o valor dos elementos do activo imobilizado resultante das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização como válido para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IRC, ouvidas as respectivas autoridades de controlo, no caso das instituições financeiras».
O DL n.º 22/92, de 14 de Fevereiro, veio regulamentar os termos das reavaliações dos elementos do seu activo imobilizado corpóreo ao serviço da empresa na data a que se reporta a reavaliação e existentes na data em que a mesma se efectua.
Em 1994, ocorreram reavaliações negativas de bens do activo imobilizado corpóreo da D… inicial que estão actualmente no património da C…S.A., que integra o grupo de que a Requerente é sociedade dominante.
As amortizações extraordinárias (desvalorizações) contabilizadas na sequência das reavaliações de 1994 não foram directamente reconhecidas para efeitos fiscais, sendo-o apenas indirectamente quanto a 40% de uma parcela.
A Requerente defende, em suma, que o regime de IRC vigente antes de 2010, ano em que entraram em vigor as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, não lhe permitia deduzir fiscalmente as amortizações extraordinárias derivadas das desvalorizações resultantes da reavaliação de activos levada a cabo em 1994 pelas empresas que a antecederam, no âmbito do processo de privatização da D…, que ainda não foram reconhecidas fiscalmente.
Com a entrada em vigor das alterações ao CIRC introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a Requerente entende que deveria ter sido aplicado àquelas desvalorizações, em relação ao exercício de 2010, o regime do n.º 4 do artigo 35.º, na redacção do CIRC introduzida por aquele diploma, que estabelece que:
As perdas por imparidade de activos depreciáveis ou amortizáveis que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais são consideradas como gastos, em partes iguais, durante o período de vida útil restante desse activo ou, sem prejuízo do disposto nos artigos 38.º e 46.º, até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar a transmissão, abate físico, abandono, desmantelamento ou inutilização do mesmo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao apreciar o pedido de revisão oficiosa da autoliquidação efectuada pela Requerente relativa ao ano de 2010, entendeu, em suma:
– que «contrariamente ao afirmado pela Requerente, conclui-se que até finais de 2009 as perdas derivadas de desvalorizações ocorridas em activos imobilizados corpóreos tinham o devido tratamento quer no plano contabilístico quer do ponto de vista fiscal, pelo que a sua análise sempre deveria ter sido suscitada em sede e momento próprios»;
– que «no acto tributário de autoliquidação de 2010 não foi cometido qualquer erro que justifique a sua revisão, e, muito menos, um erro imputável aos serviços»;
– «face aos contornos do caso em apreço, que atrás se deixaram devidamente explicitados, a revisão oficiosa requerida não é meio próprio»;
– «e, ainda que assim não fosse entendido, a possibilidade de utilização do n.º 1 do artigo 78º da LGT na parte em que prevê a revisão oficiosa do acto tributário no prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos serviços estava perfeitamente vedada»;
– «não há na falta atempada de apresentação do pedido de autorização de consideração fiscal das perdas decorrentes de desvalorizações a ocorrência de um erro imputável aos serviços que possa fundamentar legalmente a revisão».
4.2. Questão da aplicação do artigo 78.º da LGT
No que concerne à impropriedade do procedimento de revisão oficiosa, invocada na Informação em que se baseou o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão, pois a existir um erro na autoliquidação, a situação enquadra-se perfeitamente no âmbito do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, na parte em que permite a revisão «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
Com efeito o pedido foi apresentado dentro do prazo de quatro anos a contar da autoliquidação e, por força do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, «considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação».
Por isso, é manifesto que podem ser formulados pedidos de revisão oficiosa de autoliquidações e que os seus erros se consideram, para estes efeitos de possibilidade de revisão, como imputáveis aos serviços.
Assim, este invocado fundamento de indeferimento não procede.
4.3. Regime de reintegrações e amortizações vigente entre 1994 e 2010
Os bens que constituem o activo imobilizado corpóreo (activos fixos tangíveis, na terminologia do Sistema de Normalização Contabilística) têm carácter duradouro, esperando-se que possam ser utilizados em condições de funcionamento económico durante uma certo período de tempo, que é a sua vida útil ou vida económica. Na determinação deste período, é de atender ao período de tempo em que o elemento do activo está em normais condições de funcionamento, mas ainda a perda de valor resultante de inovações tecnológicas ou obsolescência. São estas as razões determinantes de uma vida económica, em geral, mais curta que a vida física. ( [10] )
«Em qualquer dos casos, os activos fixos não se «consomem» num só período económico. mas sim e em princípio no número de anos previsto para a sua vida económica. Desta forma, não parece razoável imputar o custo total ao período no qual se faz a sua aquisição. Por outro lado, à medida que vai sendo «usado» a sua utilidade diminui, até se chegar teoricamente a uma utilidade (valor) nula. Em resumo, os bens ao serem utilizados nos sucessivos períodos vão-se depreciando, ou seja, vão perdendo valor».
A operação contabilística que visa simultaneamente a imputação do custo da utilização dos activos fixos pelos diversos períodos económicos e a actualização (depreciação) desses mesmos bens chama-se depreciação ou amortização». ( [11] )
Para efeitos fiscais, o CIRC estabeleceu a regra de que «são aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas» (artigo 27.º, n.º 1, na redacção inicial, a que correspondem o artigo 28.º na redacção do DL n.º 198/2001, de 3 de Julho, e o artigo 29.º na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).
No entanto, o conceito de vida económica útil que a contabilidade consciente das suas limitações apenas estima, obrigando inclusive à sua revisão anual ( [12] ), não tem idêntica relevância no direito fiscal, pois, atendendo aos interesses próprios da fiscalidade - designadamente a estabilidade da receita fiscal - o período de vida é fixado (ou presumido) pelo Código do IRC com base nas taxas de amortização definidas no decreto regulamentar das amortizações (artigo 28.º n.ºs 1 e 4 ,do CIRC na redacção inicial, a que correspondem o artigo 29.º na redacção do DL n.º 198/2001 e o artigo 30.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009), pelo que há uma (quase) indiferença da fiscalidade em relação à efectiva depreciação económica de um activo.
Na verdade, para efeitos fiscais, o deperecimento dos activos decorrente do seu uso ou meramente do “envelhecimento temporal dos investimentos” ( [13] ), contanto tenham entrado em funcionamento ou utilização, é fixado fiscalmente entre um período mínimo de vida útil (o que, entre 1994 e 2009, resultava das taxas previstas no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro) e um período máximo de vida (o que resulta de metade das taxas previstas no mesmo Decreto Regulamentar) e tinha as seguintes consequências:
- não são aceites amortizações anuais superiores às máximas prevista nas tabelas anexas ao decreto-regulamentar (as que resultem do período legal de vida mínimo);
- não são recuperáveis amortizações inferiores às mínimas (as que resultam do período legal de vida máximo) (artigo 28.º, n.º 5, do CIRC na redacção inicial, a que correspondem o artigo 29.º na redacção de 2001 e o artigo 30.º na redacção de 2009).
Mas, a regra que se extrai do CIRC, afastada nalguns casos especiais, é a de que a globalidade das perdas de valor dos bens do activo imobilizado (activos fixos tangíveis na terminologia actual) é relevante fiscalmente, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional que a tributação das empresas incide fundamentalmente com base no seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).
Por isso, o que está em causa, em regra, em matéria de reintegrações e amortizações, para efeitos fiscais, não é saber se o valor dos bens pode relevar como custo (hoje gasto), mas sim saber qual a parte do respectivo valor que deve relevar como tal em cada um dos exercícios.
Esta conclusão encontra suporte explícito no artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, que estabelece o «regime da regularização de reintegrações e amortizações tributadas» dizendo que «as reintegrações e amortizações que não sejam consideradas como custos ou perdas do exercício em que foram contabilizadas por excederem as importâncias máximas admitidas poderão ser tomadas como custos ou perdas de exercícios seguintes, com observância das demais disposições deste decreto regulamentar, desde que se efectue a adequada regularização contabilística».
Até 2010, as amortizações em excesso, i.e. amortizações do exercício superiores às máximas poderiam resultar de duas origens distintas:
- adopção de vidas úteis inferiores ao período mínimo definido na lei;
- amortizações excepcionais, que correspondem à soma da quota de amortização do período com o valor correspondente a uma perda duradoura no valor do activo em causa, conceito que hoje designamos de imparidade e que tem desde a adopção do SNC/IFRS um tratamento contabilístico distinto).
Assim as depreciações que excediam as quotas máximas previstas no código do IRC não eram totalmente aceites e o excesso tinha que ser acrescido para efeitos de determinação do resultado tributável.
Mas, esta diferença entre resultado tributável e o resultado contabilístico resultava apenas numa perda fiscal temporária, pois o valor não aceite fiscalmente poderia ser deduzido para efeitos de determinação do resultado tributável nos exercícios seguintes, em harmonia com o preceituado no referido artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90 e tal como se evidencia no preenchimento da declaração modelo 22 de IRC do exercício.
Assim, o imposto perdido na depreciação acima da quota máxima até 2010, seria passível de recuperação num exercício seguinte (desde que não para além do período máximo de vida útil), por via da aplicação do artigo 21.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, aplicável quer no caso das desvalorizações excepcionais, quer no caso de adopção de períodos de vida útil inferiores ao mínimo legal, contanto que a quota de depreciação praticada antes da regularização prevista no artigo 21.º do Decreto Regulamentar fosse inferior à quota máxima plasmada no mesmo diploma ou por via da alienação.
De resto só assim se dava efectivo cumprimento ao disposto no artigo 29.º, n.º 1, do CIRC na redacção inicial (a que corresponde o artigo 30.º na redacção de 2001 e o artigo 31.º na redacção de 2009), pois a lei não prevê outra quota de depreciação (isto é outro gasto do exercício) que não a resultante da aplicação da taxa de amortização (que pode variar entre a mínima e a máxima) ao custo de aquisição ou de produção (i.e. antes da desvalorização excepcional) ou ao valor resultante para mais de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal, pois antes de 2010 não existia a regra então introduzida pela nova redacção do artigo 35.º, n.º4.
4.4. Questão da possibilidade de ter sido requerida a aplicação do regime das «desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais» relativamente às desvalorizações resultantes da reavaliação de 1994
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as desvalorizações derivadas da referida reavaliação realizada em 1994 podiam e deviam tê-lo sido antes do ano de 2010: «a dedução fiscal das desvalorizações de bens provocadas pela reavaliação efectuada deveria ter sido em momento próprio requerida à Administração Fiscal» e «não há na falta atempada de apresentação do pedido de autorização de consideração fiscal das perdas decorrentes de desvalorizações a ocorrência de um erro imputável aos serviços que possa fundamentar legalmente a revisão».
O regime legal que, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, impunha que fosse requerida a dedução fiscal era o seguinte:
• O artigo 28º do Código do IRC preconizava que eram «( ) aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas..»;
• Estabelecia o n.º 3 do artigo 29º do mesmo diploma que «Podem, ainda, ser utilizados métodos de reintegração e amortização diferentes dos indicados nos números anteriores quando a natureza do deperecimento ou a actividade económica da empresa o justifiquem, após reconhecimento prévio da Direcção-Geral dos Impostos»;
• Na alínea b) do n.º 5 do mesmo artigo estipulava-se a possibilidade de serem considerados «(...) como custos quotas de reintegração ou amortização superiores devido à superveniência de desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, aceites pela Direcção-Geral dos Impostos»;
• Segundo o artigo 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, o regime fiscal definido para as desvalorizações dos elementos do activo imobilizado aplicava-se, designadamente, às desvalorizações excepcionais provocadas por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excepcionalmente rápidas, devendo «(...) o contribuinte obter a aceitação da Direcção-Geral dos Impostos através de exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao da ocorrência do facto que determinou a desvalorização excepcional, salvo em casos comprovadamente justificados, e como tal reconhecidos por despacho do Ministro das Finanças, em que essa exposição poderá ser entregue até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais.
À face desta fundamentação, a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira assenta no pressuposto de que as desvalorizações derivadas da reavaliação são qualificáveis entre as «desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas» a que se refere a alínea b) do n.º 5 do artigo 29.º do CIRC, na redacção do Decreto-lei n.º DL 198/2001, 3 de Julho, a que corresponde anteriormente a alínea b) do n.º 5 do artigo 28.º do CIRC, na redacção inicial.
A regulamentação do regime de relevância fiscal destas desvalorizações excepcionais, constava do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro ([14]), que estabelecia o seguinte, na redacção do Decreto Regulamentar n.º 16/94, de 12 de Julho, vigente a partir de 17-07-1994 e até Dezembro de 2005:
10.º
Desvalorizações excepcionais de elementos do activo imobilizado
1 - No caso de se verificarem em elementos do activo imobilizado desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, poderá ser aceite como custo ou perda do exercício em que aquelas ocorrem uma quota de reintegração ou amortização superior à que resulta da aplicação dos métodos referidos no artigo 4.º.
2 - O regime estabelecido no número anterior aplica-se, designadamente, às desvalorizações excepcionais provocadas por desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excepcionalmente rápidas.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 deverá o contribuinte obter a aceitação da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos através de exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao da ocorrência do facto que determinou a desvalorização excepcional, salvo em casos comprovadamente justificados, e como tal reconhecidos por despacho do Ministro das Finanças, em que essa exposição poderá ser entregue até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais. ( [15] )
Como se vê, no que concerne às «desvalorizações excepcionais», previa-se a necessidade de ser obtida a aceitação pela Administração Tributária para utilização de quotas de reintegração ou amortização superiores às que resultavam dos métodos previstos no artigo 4.º do mesmo Decreto Regulamentar e estabeleciam-se momentos adequados para ser requerida tal aceitação, que, no máximo, não podia ser posterior ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais.
Por isso, decorrido esse mês, não era viável obter a aceitação da Administração Tributária para utilização de quotas de reintegração ou amortização superiores às que resultavam dos métodos previstos no artigo 4.º.
Mas, essa inviabilidade por falta de pedido tempestivo apenas impedia que a desvalorização excepcional fosse considerada custo, pela sua totalidade, no exercício em que tinha ocorrido, isto é, apenas impedia a antecipação da sua relevância fiscal. Na verdade, não havia obstáculo na lei fiscal à possibilidade de reintegração e amortização dos bens que tinham sofrido desvalorização excepcional com aplicação das quotas que resultavam do regime que vinha sendo aplicado antes de ela ocorrer, em sintonia com a regra do n.º 4 do artigo 28.º do CIRC na redacção inicial (a que corresponde o artigo 29.º na redacção de 2001 e o artigo 30.º na redacção de 2009) que estabelecia que «salvo em caso situações devidamente justificadas e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, em relação a cada elemento do activo deve ser aplicado o mesmo método de depreciação ou amortização desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até à sua depreciação ou amortização total, transmissão ou inutilização».
Na mesma linha, o artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90 preceituava que «as reintegrações e amortizações que não sejam consideradas como custos ou perdas do exercício em que foram contabilizadas por excederem as importâncias máximas admitidas poderão ser tomadas como custos ou perdas de exercícios seguintes, com observância das demais disposições deste decreto regulamentar, desde que se efectue a adequada regularização contabilística».
Por isso, as desvalorizações referidas não se tornavam irrelevantes, podendo sê-lo posteriormente, no limite quando findasse a vida útil dos bens desvalorizados.
Sendo assim, a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não enfrenta a questão essencial que foi colocada pela ora Requerente.
Na verdade, o que está em causa, quanto a esta primeira questão, não é saber se a Requerente, pelo facto de não ter requerido tempestivamente à Administração Tributária a aceitação da desvalorização derivada da reavaliação como sendo excepcional para efeitos de reintegração do seu valor no período em que ocorreu, perdeu definitivamente o direito a ver-lhe atribuída relevância fiscal, pois já se concluiu que não o perdeu. O que estava em causa era se essa relevância fiscal, em vez de ser concretizada com base nas quotas que vinham sendo praticadas relativamente a cada um dos bens reavaliados, podia ser antecipada, na medida da reavaliação, para o exercício de 2010, por força do novo n.º 4 do artigo 35.º do CIRC, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 159/2009.
E esta questão coloca-se independentemente de a desvalorização derivada da reavaliação ser ou não considerada como excepcional, pois mesmo que o seja, uma vez que não foi requerida a antecipação da sua relevância fiscal para o exercício de 1994, coloca-se identicamente a questão de saber se aquele novo n.º 4 do artigo 35.º permite novamente uma antecipação, desta vez como gasto (nova terminologia que substituiu a anterior «custo») do ano de 2010.
De qualquer modo, para além deste erro de análise, não é correcta a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa sobre a qualificação das desvalorizações em causa como «desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas» para efeitos da alínea b) do n.º 5 do artigo 28.º do CIRC, na redacção inicial [posterior alínea b) do n.º 5 do artigo 29.º do CIRC, na redacção do DL n.º 198/2001] e do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90.
As desvalorizações resultantes de reavaliação imposta ou permitida por lei não são directamente resultantes de «desastres, fenómenos naturais e inovações técnicas excepcionalmente rápidas», que são os exemplos fornecidos pelo n.º 2 do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, para densificar o conceito de «causas anormais» utilizado no referido artigo 28.º, n.º 5, alínea b) do CIRC (posterior artigo 29.º) nem têm qualquer afinidade substancial com fenómenos desse tipo.
Por outro lado, no específico caso das reavaliações efectuadas no âmbito de processos de privatização, é a própria Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, que determina expressamente a sua relevância fiscal, estabelecendo, no n.º 1 do seu artigo 4.º, que «as empresas objecto de privatização podem considerar o valor dos elementos do activo imobilizado resultante das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização como válido para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IRC, ouvidas as respectivas autoridades de controlo, no caso das instituições financeiras».
Este artigo 29.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redacção inicial, vigente à data daquela Lei, estabelecia que «para efeitos de aplicação do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas de reintegração e amortização definidas no decreto regulamentar que estabelecer o respectivo regime aos seguintes valores:» «b) Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal».
Isto é, a relevância fiscal que foi permitida às reavaliações realizadas em processos de privatização, foi apenas esta de considerar o valor resultante da reavaliação «para efeitos de aplicação do método das quotas constantes», relevância que também será extensiva aos casos de bens a que era aplicado o método das quotas degressivas, por força da remissão que no n.º 3 do mesmo artigo 29.º se faz para os valores mencionados no seu n.º 1.
Mas, sendo esta, e apenas esta, a relevância expressamente atribuída aos valores resultantes das reavaliações operadas em processos de privatização, não pode deixar de se concluir que não, se pretendeu legislativamente considerá-las como «desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas», referidas na alínea b) do n.º 5 do artigo 28.º, pois, se tal se assim fosse, a remissão que se teria de fazer naquele artigo 4.º da Lei n.º 36/91 teria incluir uma remissão para a alínea b) deste n.º 5 do artigo 28.º e não apenas para a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º.
Isto não significa que, se ocorresse alguma causa anormal para a desvalorização de algum dos bens reavaliados, não fosse possível requerer a aceitação da sua relevância fiscal como «desvalorização excepcional», mas é manifesto que não se pretendeu legislativamente que, apenas pela circunstância de a desvalorização resultar de uma reavaliação realizada num processo de privatização, lhe fosse atribuído o regime legal das «desvalorizações excepcionais».
Mas, no caso em apreço, a Administração Tributária não demonstrou nem sequer esboçou demonstrar que tivesse ocorrido qualquer causa anormal de desvalorização, limitando-se a considerar como tal a própria reavaliação, como se infere do ponto 22 da Informação em que se baseou o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, ao dizer que «não consta dos autos que a "C…" ou as empresas de que é originária, tenham requerido, em momento algum, ao abrigo das disposições que então vigoravam, qualquer autorização à Administração Fiscal relativamente à aplicação dos efeitos da reavaliação de bens permitida».
E, sendo a Administração Tributária quem invoca que se estava em situação em que podia ter sido requerida autorização relativamente à aplicação dos efeitos da reavaliação de bens permitida, é sobre ela que recai o ónus da prova de que se verificava alguma «causa anormal» relativamente a alguns ou a todos os bens reavaliados que estão em causa nestes autos, como decorre do preceituado no artigo 74.º, n.º 1, da LGT. Para além disso, as dúvidas sobre a ocorrência de causas anormais de desvalorizações excepcionais, num contexto em que a sua existência favorece a tese da Administração Tributária, sempre teria de ser valorada processualmente contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
Por isso, também neste ponto, ao entender que podia ter sido ser requerida a consideração como custo das desvalorizações negativas derivadas da reavaliação a abrigo do regime das «desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais», o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa enferma de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto (inexistência de factos que se enquadrem no conceito de causas anormais de desvalorizações) e por erro sobre os pressupostos de direito [errada interpretação dos artigos 28.º, n.º 5, alínea b), e 29.º, n.º 1, alínea b), do CIRC na redacção original, conjugados com o n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 36/91].
4.5. Questão da possibilidade ou não de aplicação do regime do artigo 35.º, n.º 4, do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009 às desvalorizações provenientes da reavaliação de 1994
4.5.1. Perdas por imparidade e amortizações extraordinárias
O Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, estabeleceu a adopção e a utilização, na então Comunidade Europeia, das normas internacionais de contabilidade - International Accounting Standards (IAS) e International Financial Reporting Standards (IFRS) e interpretações conexas - International Financial Reporting Interpretations Committee (SIC/IFRIC).
Como se refere no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, «o Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/51/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, relativa à modernização das directivas contabilísticas, que alterou as Directivas n.ºs 78/660/CEE, 83/349/CEE, 86/365/CEE e 91/674/CEE, do Conselho, relativas às contas anuais e às contas consolidadas de certas formas de sociedades, bancos e outras instituições financeiras e empresas de seguros visando assegurar a coerência entre a legislação contabilística comunitária e as normas internacionais de contabilidade (NIC), em vigor desde 1 de Maio de 2002. Através deste decreto-lei, o Estado Português exerceu a opção prevista no artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, com respeito à aplicação das normas internacionais de contabilidade».
Com o Decreto-Lei n.º 158/2009 reafirma-se tal opção, agora no quadro do Sistema de Normalização Contabilística, em sintonia com o citado Regulamento (CE) n.º 1606/2002.
À face da IAS 36, sobre a Imparidade de Activos, «um activo é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou da venda do activo. Se este for o caso, o activo é descrito como estando com imparidade e a Norma exige que a entidade reconheça uma perda por imparidade» (parágrafo 1) ( [16] ), segundo as regras contabilísticas.
Assim, na terminologia do Sistema de Normalização Contabilística e das normas internacionais de contabilidade para que remete, uma perda por imparidade é a quantia pela qual o valor escriturado de um activo excede a sua quantia recuperável ( [17] )
O conceito de «perda por imparidade» corresponde essencialmente ao anterior conceito de «amortização extraordinária» a que aludia o ponto 5.4.4 do Capítulo V do POC (Decreto-Lei n.º 410/89, de 31 de Outubro) em que se refere que «Quando, à data do balanço, os elementos do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo, seja ou não limitada a sua vida útil, tiverem um valor inferior ao registado na contabilidade, devem ser objecto de amortização correspondente à diferença se for de prever que a redução desse valor seja permanente. Aquela amortização extraordinária não deve ser mantida se deixarem de existir os motivos que a originaram». Estas amortizações eram debitadas na conta 6961 – Aumentos de amortizações e de provisões – Amortizações, por crédito na conta 48 – Amortizações acumuladas.
Na verdade, como se vê pela parte final daquele ponto 5.4.4., não tem correspondência com a realidade a hipotética diferença de irreversibilidade da amortização extraordinária, alegada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 158.º da sua Resposta. A diferença mais importante entre a amortização extraordinária e a perda por imparidade residirá em a amortização extraordinária só dever ser efectuada «se for de prever que a redução desse valor seja permanente», diferença esta que não é relevante para efeitos da questão que se coloca nestes autos, para cuja resolução basta constatar que a amortização extraordinária foi efectivamente efectuada.
Por outro lado, como se afirma no Parecer do Senhor Prof. Doutor António Martins junto aos autos, perdas por imparidade e amortizações extraordinárias são fenómenos que se revelam económica e contabilisticamente idênticos, tendo ambos o mesmo fundamento, que consiste na desvalorização excepcional de activos.
4.5.2. O novo regime fiscal das perdas por imparidade
O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, refere no seu Preâmbulo:
«Com a aprovação do Sistema de Normalização Contabilística pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, cuja filosofia e estrutura são muito próximas das NIC, estão criadas as condições para alterar o Código do IRC e legislação complementar, por forma a adaptar as regras de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos às NIC.
Considerando que a estrutura actual do Código do IRC se mostra, em geral, adequada ao acolhimento do novo referencial contabilístico, manteve-se a estreita ligação entre contabilidade e fiscalidade, que se afigura como um elemento essencial para a minimização dos custos de contexto que impendem sobre os agentes económicos, procedendo-se apenas às alterações necessárias à adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico, bem como à terminologia que dele decorre.
A manutenção do modelo de dependência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas.»
No âmbito da adaptação do CIRC ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), passou a utilizar-se no Código a nova terminologia contabilística, no que concerne às «perdas por imparidade», cujo regime geral consta dos artigos 35.º e 38.º do CIRC, que na redacção deste Decreto-Lei n.º 159/2009 estabelecem o seguinte, na parte que aqui interessa:
Artigo 35.º
Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis
1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros;
c) As que consistam em desvalorizações excepcionais verificadas em activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento.
(...)
4 - As perdas por imparidade de activos depreciáveis ou amortizáveis que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais são consideradas como gastos, em partes iguais, durante o período de vida útil restante desse activo ou, sem prejuízo do disposto nos artigos 38.º e 46.º, até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar a transmissão, abate físico, abandono, desmantelamento ou inutilização do mesmo.
Artigo 38.º
Desvalorizações excepcionais
1 – Podem ser aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excepcionais referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo deve obter a aceitação da Direcção-Geral dos Impostos, mediante exposição devidamente fundamentada, a apresentar até ao fim do primeiro mês do período de tributação seguinte ao da ocorrência dos factos que determinaram as desvalorizações excepcionais, acompanhada de documentação comprovativa dos mesmos, designadamente da decisão do competente órgão de gestão que confirme aqueles factos, de justificação do respectivo montante, bem como da indicação do destino a dar aos bens, quando o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização destes não ocorram no mesmo período de tributação.
(...)
5 – A aceitação referida no n.º 2 é da competência do director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou do director dos Serviços de Inspecção Tributária, tratando-se de empresas incluídas no âmbito das suas atribuições.
(...)
Como se referiu, não se demonstrou que a Requerente ou as empresas que a antecederam na detenção dos bens do activo imobilizado que foram reavaliados tivessem podido obter, antes de 2010, a antecipação da reintegração dos valores das desvalorizações resultantes da reavaliação efectuada em 1994, que foram registados como amortização extraordinária.
Com este pressuposto, a Requerente defendeu, no pedido de revisão oficiosa, que, em 2010, deveria ter sido considerado como gasto uma imparidade decorrente do decréscimo de depreciações relativas a activos cujos valores foram reduzidos em resultado da reavaliação efectuada pela então "D…”.
A Requerente considerou que a reavaliação dos activos no âmbito do processo de reprivatização do E…, que resultou numa redução do seu valor escriturado, traduz uma perda por imparidade, a qual não foi considerada fiscalmente relevante no momento em que foi reconhecida na esfera da D….
Como também já se referiu, pelo facto de não ter sido requerida em 1994 a relevância fiscal das desvalorizações resultantes da reavaliação não se extinguiu o direito de a Requerente obter essa relevância como custos nos exercícios seguintes, o que era permitido pelo artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, desde que fosse efectuada a adequada regularização contabilística, com observância das regras desse diploma sobre os limites das quotas de reintegração.
A esta luz, a pretendida aplicação do regime do artigo 35.º, n.º 4, não significa o renascimento de um direito que tivesse sido perdido anteriormente, mas apenas a utilização dos valores das desvalorizações para depreciação (nova terminologia para o termo «reintegração») de cada um dos bens em causa, no ano de 2010 e anos subsequentes, em partes iguais, durante o respectivo período de vida útil, depreciação esta cumulável com a que resulta da quota anual aplicável nos termos do artigo 31.º. Isto é, o que está em causa, substancialmente, é uma antecipação das depreciações em relação às que devem ocorrer com aplicação dos métodos previstos no artigo 31.º, relativamente a cada um dos bens que foram reavaliados.
A aplicação dos artigos 35.º e 38.º do CIRC, na redacção de 2010, à referida amortização extraordinária não envolve retroactividade.
Na verdade, deve ter-se presente a distinção magistralmente ensinada por BAPTISTA MACHADO entre retroactividade e retroconexão:
O ponto está todo em manter clara a distinção entre "âmbito de competência" e "âmbito de aplicação" de uma lei. Uma vez fixada a lei competente, cabe a esta definir livremente o seu "campo de aplicação". E pode fazê-lo reportando-se a factos anteriores que, concretamente, se verificaram antes do seu início de vigência desde que não atribua a tais factos um valor constitutivo mas os utilize apenas como pontos de referência para a definição do regime de direito material da situação jurídica criada ou a criar na sua vigência. Neste caso poderá dizer-se, com H. G. LESER ( [18] ), que existirá "retroconexão" (Ruckanknupfung), mas não "retroactividade". A essa retroconexão" demos noutro lugar o nome de "referência pressuponente". ( [19] )
A esta luz, a norma do artigo 35.º, n.º 4, não será aplicada retroactivamente se o for apenas para fixar os efeitos de factos passados que se produzem no seu domínio de aplicação, que são os exercícios a partir de 2010, inclusive.
E, sendo assim, não haverá aplicação retroactiva do novo artigo 35.º, n.º 4, ao caso dos autos, pois o que está em causa é apenas a determinação da matéria tributável do ano de 2010, matéria que, inquestionavelmente, tem de ser regulada pela redacção do CIRC que nesse ano vigorava que é a introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009 e não pela redacção inicial desse Código ou pela introduzida pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, cujas vigências já cessaram.
Assim, a decisão desta questão assenta apenas na interpretação do n.º 4 do artigo 35.º do CIRC.
É manifesto que a pretensão da Requerente se enquadra literalmente na hipótese normativa do n.º 4 do artigo 35.º do CIRC.
Na verdade, a amortização extraordinária efectuada em 1994 e não revertida nem constitui perda por imparidade que não é aceite fiscalmente como desvalorização excepcional, pois o artigo 38.º, n.º 1, na nova redacção, apenas permite aceitar como tal «as desvalorizações excepcionais referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excepcionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal» e, como já se referiu a propósito do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, as desvalorizações resultantes de reavaliações não se enquadram neste conceito de «desvalorizações excepcionais».
Por outro lado, não há neste artigo 35.º, n.º 4, nem nas disposições transitórias do Decreto-Lei n.º 159/2009 qualquer referência a uma hipotética restrição do seu campo de aplicação a perdas por imparidade que venham a ser registadas a partir de 2010 nem se compreenderia que fosse efectuada uma restrição desse tipo. Com efeito, a intenção legislativa subjacente ao artigo 35.º, n.º 4, é manifestamente aumentar a sintonia entre o regime fiscal e as regras contabilísticas, o que se harmoniza com a directriz global que presidiu à reforma do CIRC operada pelo DL n.º 159/2009, afirmada no seu Preâmbulo de «adaptar as regras de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos às NIC».
Para além disso, há interdependência entre o n.º 4 do artigo 35.º e a alínea c) do seu n.º 1, em que se estabelece que «podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores» «as que consistam em desvalorizações excepcionais verificadas em activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento».
Na verdade, é clara a intenção legislativa de estabelecer os regimes legais aplicáveis a todas as perdas por imparidade, sendo o n.º 4 uma norma com campo de aplicação definido de forma residual, que a torna potencialmente aplicável a todas as perdas por imparidade que não sejam aceites como «desvalorizações excepcionais», nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º, conjugado com o artigo 38.º.
Sendo clara, assim, uma preocupação legislativa em dar relevância fiscal a todas as perdas por imparidade, nos casos em que não haja norma especial que afaste tal relevância., será potencialmente aplicável a norma do n.º 4 do artigo 35.º.
Por outro lado, referindo-se o n.º 1 do artigo 35., ao referir a possibilidade de dedução para efeitos fiscais das perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, o n.º 4 do mesmo artigo, interpretado como reportando-se a todas as perdas por imparidade que não sejam aceites como desvalorizações excepcionais, será potencialmente aplicável também a perdas de imparidade contabilizadas em períodos de tributação anteriores.
Diga-se, finalmente, que o n.º 4 do artigo 35.º até revela uma preocupação legislativa acrescida em dar relevância fiscal às perdas de imparidade, aproximando o tratamento contabilístico do tratamento fiscal, ao utilizar uma expressão de alcance não facultativo («...são consideradas gastos...») para declarar a sua estatuição, que contrasta com a as expressões reveladoras de natureza facultativa que são utilizadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 35.º e no n.º1 do artigo 38.º («Podem ser deduzidas...»).
Esta mesma constatação permite concluir que a autoliquidação efectuada pela Requerente relativamente ao ano de 2010, enferma de erro ao não incluir referência às perdas por imparidade contabilizadas em exercícios anteriores resultantes da reavaliação, e, consequentemente, o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, ao entender que a autoliquidação não contém erro, enferma ela própria de erro sobre os pressupostos de direito.
4.6. Questão da relevação fiscal em 2010 de 1/5 da parcela das imparidades imputável, de acordo com regra de imputação da nova regra fiscal (de 2010), aos exercícios decorridos até 2009, ao abrigo do princípio ínsito no regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 3 de Julho, e dos princípios da justiça e da igualdade
A Requerente defende, em suma, o seguinte (artigos 145.º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral):
– «Em termos de justiça e de princípio da igualdade percebe-se muito mal que aquele que teve o azar de registar contabilisticamente a imparidade em 2009, ou em 1994, fique para sempre privado da dedução fiscal do custo acumulado até 2009 que a essa data se encontra ainda por deduzir fiscalmente, ficando para sempre remetido, no que concerne à relevação fiscal dessa parte do custo do bem, para o momento eventual (e radical) da venda do bem»;
– «Há um efeito/desigualdade que é inevitável, que é o resultante do efeito financeiro: quem teve de reconhecer imparidades em anos anteriores a 2010, não a pôde deduzir fiscalmente nos anos que se seguiram a esse reconhecimento, e essa perda financeira (vantagem do menor imposto a pagar nesses anos seguintes) é ineliminável»;
– «Mas o que já não parece ser aceitável, por constituir a continuação e aprofundamento injustificado e arbitrário daquela inevitável desigualdade à partida, é que aquele contribuinte não equalize finalmente a sua situação a partir de 2010, deduzindo a partir dessa data (que não antes) o custo (por deduzir) acumulado até então»;
– «Sob pena de violação de um modo excessivamente intenso e flagrante, do princípio da igualdade e da justiça, ou do tratamento equitativo: ao ineliminável custo do efeito financeiro da dedução fiscal tardia à face do novo referencial, junta-se o afastamento em absoluto da dedução fiscal dessa amortização acumulada tornada dedutível pelo novo referencial»;
– «Não se pretende, pois, desfazer o que ficou para trás (exercícios até 2009), que isso fique claro. Pretende-se apenas que a partir de 2010 também o acumulado que ainda está por deduzir fiscalmente seja a partir dessa data deduzido. Pretende-se apenas justiça e igualdade no seu núcleo irredutível»;
– «E esta necessidade de atender ao princípio da igualdade e da justiça é bem entendido por todos, a começar pelo legislador. Este, com efeito, na transição para o novo sistema contabilístico de 2010 (o SNC) prescreveu que em termos de fiscalidade os efeitos acumulados do passado tornados relevantes pelo novo referencial contabilístico (relembra-se que o IRC se apoia como base de partida na contabilidade), seriam reconhecidos ao longo de 5 exercícios, a começar no primeiro exercício de aplicação do novo referencial (o exercício de 2010) – cfr. artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho»;
– «Ou seja, em 2010 mudou o referencial fiscal como reflexo de mudança no referencial contabilístico que aquele referencial fiscal faz seu nos termos do artigo 17.º do CIRC, e o legislador logo tratou de não esquecer os efeitos acumulados provindos do passado ainda por relevar fiscalmente, fazendo-os relevar fiscalmente em 2010 e nos quatro exercícios seguintes»;
– «Mas em 2010 o referencial fiscal mudou também com independência relativamente a mudanças no referencial contabilístico, sendo que a necessidade (sobretudo por razões de igualdade e equidade) de acomodar fiscalmente os efeitos acumulados do passado é nesta segunda situação exactamente a mesma»;
– «Ora, nesta situação e noutras que não se encaixam na letra do referido artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, nem por isso a AT deixou de lhes aplicar a regra que daí se retira, atendendo a que, dado o paralelismo com as situações formalmente previstas, os princípios da justiça e da igualdade exigem nessas outras situações exactamente o mesmo».
O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, procedeu à adaptação do CIRC às normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho.
O artigo 5.º daquele primeiro diploma, invocado pela Requerente, estabelece o seguinte:
Artigo 5.º
Regime transitório
1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.
2 - No caso dos investimentos que, no momento da transição, estejam a representar provisões técnicas do seguro de vida com participação nos resultados, e dos investimentos relativos a seguros de vida em que o risco de investimento seja suportado pelo tomador de seguro, bem como daqueles que, em exercícios anteriores, tenham estado afectos a essas carteiras de investimento, considera-se que o seu custo de aquisição, para efeitos fiscais, é o que corresponda ao valor contabilístico no momento da transição, ou ao valor de mercado da data da transferência de ou para essas carteiras, respectivamente.
3 - Os ajustamentos a que se referem os números anteriores devem ser devidamente evidenciados no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC, de acordo com a renumeração introduzida.
4 - Às mais-valias ou menos-valias de elementos do activo imobilizado que tenham beneficiado do regime de reinvestimento previsto no anterior artigo 45.º do Código do IRC e cujos valores de realização ainda não tenham sido objecto de reinvestimento é aplicável o disposto na nova redacção deste artigo, mantendo-se, todavia, o prazo original para a concretização desse reinvestimento.
5 - O regime transitório estabelecido nos números anteriores é igualmente aplicável à adopção, pela primeira vez, do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, das Normas de Contabilidade Ajustadas, aprovadas pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2005, ou do Plano de Contas para as Empresas de Seguros, aprovado pela Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, do Instituto de Seguros de Portugal, sem prejuízo de, relativamente às entidades que já vinham aplicando estes novos referenciais contabilísticos, o período referido no n.º 1 se contar a partir do período de tributação em que os mesmos tenham sido adoptados pela primeira vez.
6 - Relativamente às entidades que tenham optado, nos termos do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, por elaborar as respectivas contas individuais em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, os efeitos a que se refere o n.º 1 deste artigo são apurados tomando por referência as contas individuais, organizadas de acordo com a normalização contabilística nacional, previstas no artigo 14.º daquele decreto-lei.
Como resulta do seu próprio texto, o regime transitório previsto neste artigo aplica-se aos «efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho».
Por isso, não sendo alegado em provado que a Requerente tivesse adoptado pela primeira vez, no ano de 2010, as normas internacionais de contabilidade, está afastada a possibilidade de enquadramento da situação na hipótese normativa deste n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009.
De resto, como é referido também pelo Senhor Prof. Doutor António Martins no parecer junto pela Requerente), que o registo nas contas da C… de activos que sofreram desvalorizações excepcionais (que poderão configurar amortizações extraordinárias ou perdas por imparidade) não decorreu da adopção do SNC, mas sim do processo de reavaliação do património do grupo E…, aquando do início das operações de reprivatização.
No entanto, a Requerente, embora reconheça que a sua situação não se enquadra na letra deste artigo 5.º do DL n.º 159/2009 (artigo 153.º do pedido de pronúncia arbitral), defende que este regime transitório implica o reconhecimento de que «os efeitos acumulados do passado tornados relevantes pelo novo referencial contabilístico (...), seriam reconhecidos ao longo de 5 exercícios, a começar no primeiro exercício de aplicação do novo referencial (o exercício de 2010)».
Porém, esta generalização do âmbito de aplicação desta norma, que foi prevista apenas para os casos de adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade, não é viável.
Na verdade, trata-se de uma norma de natureza excepcional, quando confrontada com o princípio da especialização dos exercícios, que regula imputação a cada exercício de custos ou gastos e outras componentes negativas do lucro tributável relevantes para determinação da matéria tributável de IRC (artigo 18.º do CIRC).
Em face desta natureza de norma excepcional que tem o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, ela não pode ser aplicada analogicamente (artigo 11.º do Código Civil).Para além disso, trata-se de norma sobre matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que a sua aplicação analógica também é proibida pelo artigo 11.º, n.º 4, da LGT). ( [20] )
Assim, não pode ser generalizada a aplicação do referido regime excepcional de forma os efeitos acumulados do passado possam ser reconhecidos ao longo de 5 exercícios tendo de limitar-se a sua aplicação aos efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade.
É certo que, como a Requerente defende, a Administração Tributária deve observar na sua actuação os princípios da justiça e da igualdade (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), e tem sido aceite pelos tribunais tributários, designadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, que não é de excluir a aplicação desses princípios no âmbito da actividade da Administração de natureza vinculada, em que é prevalecente princípio da legalidade, que é o primeiro os princípios referidos naquele artigo.
Em face dessa prevalência do princípio da legalidade na actividade da Administração Tributária no exercício de poderes vinculados, só excepcionalmente, em casos em que a aplicação estrita da lei conduz a resultados intoleravelmente injustos, tem sido aceite pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que a ponderação concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conduza a prevalência deste último.
No âmbito do procedimento de revisão dos actos tributários e especificamente no que concerne à fixação da matéria tributável, que é a situação que se encontra configurada nestes autos, a possibilidade de prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da legalidade está expressamente regulada no artigo 78.º n.º 4, da LGT, em que se estabelece que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». O n.º 5 do mesmo artigo esclarece que «apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».
Assim, em face desta especial previsão da prevalência do princípio da justiça, é em consonância com esta norma que há que fazer a sua aplicação, já que num Estado de Direito, assente na soberania popular e no primado da Lei (arts. 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), na sua aplicação aos casos concretos têm de ser acatados os juízos de valor legislativamente formulados, quando não ofendam ocorra ofensa de normas de hierarquia superior nem se demonstre violação de limitações legais de carácter geral, não podendo o intérprete sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.
No caso em apreço, como a própria Requerente reconhece, não está em causa a possibilidade de relevação fiscal da totalidade dos custos dos bens em causa, pois ela sempre estará assegurada, na totalidade, no que a Requerente denomina como «momento eventual (e radical) da venda do bem» (artigo 145.º do pedido de pronúncia arbitral).
Assim, está em causa apenas a determinação dos momentos em que tal relevação pode ocorrer, o que, naturalmente, atenua fortemente as preocupações de justiça.
O mero retardamento da possibilidade de dedução fiscal de variações patrimoniais negativas derivado de uma actuação do sujeito passivo que não deu satisfação aos requisitos legais previstos para a dedução se poder concretizar, não consubstancia uma solução de grave injustiça. Com efeito, é manifesto que seria muito mais grave a inviabilidade definitiva de dedução fiscal de variações patrimoniais negativas em situações em que não houve qualquer actuação negligente do sujeito passivo. Para além disso, o atraso na dedução de fiscal não conduz a uma «tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade», pois não altera a dimensão da tributação, apenas influenciando o seu escalonamento ao longo dos exercícios.
Por isso, tem de se concluir que não se está perante uma situação em que seja permitido sobrepor o princípio da justiça ao princípio da legalidade.
No que concerne ao princípio da igualdade, referido nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º, n.º 1, da LGT, não impõe que se dê tratamento igual a todas as situações, implicando, antes, que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.
No caso em apreço, a Requerente defende que «há um efeito/desigualdade que é inevitável, que é o resultante do efeito financeiro: quem teve de reconhecer imparidades em anos anteriores a 2010, não a pôde deduzir fiscalmente nos anos que se seguiram a esse reconhecimento, e essa perda financeira (vantagem do menor imposto a pagar nesses anos seguintes) é ineliminável».
É manifesto que esta afirmação assenta num pressuposto que não tem necessariamente correspondência com a realidade que é o de que a impossibilidade de dedução fiscal de uma variação patrimonial negativa em determinado ano implicar a perda de uma vantagem do menor imposto a pagar. Com efeito, como é óbvio, nem sempre na sequência da fixação da matéria tributável há imposto a pagar pelo que a hipotética desvantagem apenas poderá ocorrer se «nesses anos seguintes» que a Requerente refere houver imposto a pagar e pode não ter havido nem vir a haver.
Por outro lado, também não se equaciona nos autos, uma situação em que a Requerente (ou sociedades que a antecederam) «teve reconhecer imparidades em anos anteriores a 2010», pois mesmo considerando que o conceito de imparidades, introduzido no CIRC em 2009, corresponda ao anterior conceito fiscal de amortizações extraordinárias, não resultou das leis anteriores que a obrigatoriedade de a Requerente ou essas sociedades reconhecerem variações patrimoniais negativas em virtude da privatização.
Na verdade, o artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 36/91, de 27 de Julho, ao estabelecer que «as empresas objecto de privatização podem considerar o valor dos elementos do activo imobilizado resultante das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização como válido para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IRC, ouvidas as respectivas autoridades de controlo, no caso das instituições financeiras» e o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de Fevereiro, ao dizer que «as empresas já privatizadas, em fase de privatização ou que venham a ser privatizadas podem reavaliar os elementos do seu activo imobilizado corpóreo ao serviço da empresa na data a que se reporta a reavaliação e existentes na data em que a mesma se efectua», revelam, repetidamente, que a reavaliação do activo imobilizado corpóreo que gerou as desvalorizações era facultativa.
Por isso, não se verificam os pressupostos em que a Requerente assenta a sua afirmação de violação do princípio da igualdade.
Por outro lado, nenhuma das situações referidas pela Requerente para pedir tratamento igualitário se reporta a situações de reavaliação facultativa do activo imobilizado.
No que concerne à situação referida pela Requerente, que foi objecto da Circular n.º 8/2010, da Direcção-Geral de Impostos, trata-se de esclarecer o regime da determinação dos resultados de contratos de construção de natureza plurianual, decorrente da inviabilidade de continuar a efectuar as correcções fiscais exigidas pelo art.º 19.º do CIRC e pela Circular n.º 5/90 na Declaração modelo 22, por se ter acolhido no Código do IRC o tratamento contabilístico. Como se refere no Parecer do Senhor Prof. Doutor António Martins junto pela Requerente, «procurou-se consagrar uma situação de neutralidade fiscal entre contribuintes que vinham aplicando – podendo fazê-lo - normas diferentes (art.º 19.º do Código do IRC e Circular n.º 5/90 versus Directriz Contabilística 3/91, art.º 19.º do CIRC e Circular n.º 5/90) na contabilização de contratos de construção. Para os colocar, pós 2010, em igualdade de circunstâncias, foi emitida a dita Circular, que regulou a matéria para uma determinada atividade económica».
No caso da Requerente não se esta perante uma situação do mesmo tipo, nem decorreu da reforma do IRC de 2009 a necessidade de alteração do regime de dedução das perdas por imparidade resultantes de reavaliações negativas de activos.
Quanto à situação referida no documento n.º 27, trata-se de situação relativa a instrumentos financeiros derivados em que se entendeu que existiam «efeitos já concretizados nos capitais próprios (e.g. resultados transitados) da consulente que resultam do registo dos rendimentos e gastos associados à utilização do justo valor através dos resultados, durante os exercícios de 2003 a 2009» e, por isso, poderia «afirmar-se que já se encontram registados nos capitais próprios efeitos inerentes à adaptação do Código do IRC à nova normalização contabilística». Não se está perante uma situação de variações patrimoniais negativas derivadas de reavaliação do activo.
No que respeita à situação apreciada no documento n.º 28 trata-se de caso em que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu se estava perante «dedução indissociável dos efeitos nos capitais próprios decorrente da adopção, pela primeira vez, das NCRF», o que não sucede no caso dos autos.
O princípio da igualdade, referido nos arts 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT não impõe que se dê tratamento igual a todas as situações, implicando, antes, que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.
No caso em apreço, nenhuma das situações indicadas pela Requerente tem semelhança suficiente com a situação da Requerente para se poder entender que se está perante um tratamento discriminatório.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.
4.7. Pedido de reconhecimento do direito a reembolso
4.7.1. Possibilidade apreciação de pedidos de reembolso de quantias indevidamente pagas e juros indemnizatórios
A Requerente formula um pedido de reembolso do montante de € 1.572.924,69, que pagou, na sequência da autoliquidação, além de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Sendo processualmente viável apreciar o pedido de juros indemnizatórios será necessariamente também possível apreciar o pedido de reembolso da quantia indevidamente paga, cujo montante é factor de determinação do montante dos juros indemnizatórios.
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
4.7.2. Pedido de reembolso da quantia de € 1.572.924,69
Improcedendo a pretensão da Requerente quanto à segunda questão colocada, o montante a reembolsar terá de ser proporcionalmente diminuído, no valor de € 1.198417,74, calculado como conforme artigo 190.º do pedido de pronúncia arbitral.
Procede parcialmente, assim, o pedido de reembolso quanto ao montante de € 374.506,95, indicado no artigo 101.º do pedido de pronúncia arbitral, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira e improcede quanto ao montante de € 1.198.417,74.
4.7.3. Direito a juros indemnizatórios nos casos de pedido de revisão do acto tributário apresentado fora do prazo da reclamação administrativa
A Requerente pede juros indemnizatórios calculados sobre o montante de € 1.572.924,69, contados desde 31-05-2011, até ao integral reembolso do mesmo.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.
Nestes casos, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, neste sentido termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi decidido em menos de seis meses, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios ao abrigo daquela alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
Improcede, assim o pedido de juros indemnizatórios.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedentes as excepções de incompetência suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e de anulação parcial do despacho do Senhor Director Unidade dos Grandes Contribuintes, de 26-05-2014, que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, na parte em que considerou que não enfermava de erro a autoliquidação que foi efectuada sem dedução fiscal relativa às perdas por imparidade que resultaram da reavaliação efectuada em 1994;
c) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à relevação fiscal em 2010 de 1/5 da parcela das imparidades imputável, de acordo com regra de imputação da nova regra fiscal (de 2010), aos exercícios decorridos até 2009, ao abrigo do princípio ínsito no regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 3 de Julho, e dos princípios da justiça e da igualdade, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido;
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso da quantia paga na sequência da autoliquidação, na medida da procedência do pedido da sua anulação parcial e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 374.506,95;
e) Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de reembolso da quantia de € 1.198.417,74, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido;
f) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.572.924,69.
Lisboa, 4 de Março de 2015
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Fernando Carreira Araújo)
(Maria Manuela Roseiro)
(vencida quanto às alíneas b) e d) da decisão final, nos termos da declaração anexa)
Declaração de voto
Discordei parcialmente da presente decisão, votando vencida quanto às alíneas b) e d) da decisão final, com a seguinte fundamentação:
No Relatório “Impacto Fiscal da Adopção das normas Internacionais de Contabilidade”, elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado em 23 de Janeiro de 2006 pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (publicado em Cadernos Ciência e Técnica Fiscal, nº200) apontava-se a necessidade de, relativamente à periodização das depreciações, se proceder à revisão das normas que faziam depender a dedutibilidade fiscal da contabilização como custo no mesmo exercício, suprimindo-se a exigência de correspondência prevista no nº 1 do art. 3º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro e de regularização contabilística prevista no art. 21º do mesmo diploma.
Propunha-se a manutenção do regime de desvalorizações excepcionais, com previsão explícita da sua aplicação a situações específicas de perda por imparidade, sujeitando a aplicação a autorização prévia da Administração Fiscal, com indicação das razões e montante. Quanto à aceitação fiscal generalizada das perdas por imparidade, o Relatório dava conta de reservas surgidas quanto a tal aceitação com fundamento na dificuldade de controlo, pela Administração fiscal, da razoabilidade da decisão de reconhecimento da imparidade e quantificação, mas contrapunha o facto de a IAS 36 impor procedimentos de fundamentação acrescidos, que possibilitariam o referido controlo (p. 43 a 45, 51 a 56 e 137 e 138, caderno CTF nº 100.
De realçar ainda a recomendação, atendendo às dificuldades apontadas, de não permissão de dedução de perdas por imparidade relativas a activos, cujo preço de venda líquido não seja comprovadamente determinável e de perdas por imparidade de “unidades geradoras de caixa” (ibidem, p. 56). Estas considerações indicam que na consagração de uma maior convergência entre contabilidade e fiscalidade, as alterações fiscais a adoptar deveriam ter pressupostos e exigências que permitissem, globalmente, a manutenção de certo equilíbrio e controlo.
Os nºs 1 e 4 do artigo 35º do CIRC (redacção aprovada pelo Decreto-Lei nº 159/2009, vigente em 2010) vieram reconhecer, respectivamente, imparidades por causas especificamente elencadas (entre elas as “desvalorizações excepcionais”, alínea c) do nº 1 do artigo 35º e art. 38º) e outras imparidades (nº 4).
Se tivermos em conta as referidas (cuidadosas) recomendações do Grupo de Trabalho, quanto a aceitação genérica de perdas por imparidade, compreende-se o reconhecimento actual como gastos fiscais ao longo do período de vida útil de perdas que antes eram apenas contabilísticas, mas tendo em conta os actuais pressupostos e procedimentos de avaliação dessas perdas.
Assim, ainda que o nº 4 do artigo 35º do CIRC (actual nº 7 do art. 31º-B) não contenha “qualquer referência a uma hipotética restrição do seu campo de aplicação a perdas por imparidade que venham a ser registadas a partir de 2010”, não creio que se possa concluir que a intenção legislativa subjacente seja manifestamente aumentar, neste aspecto, a sintonia entre o regime fiscal e as regras contabilísticas.
Atendendo aos receios e cautelas expressos nos trabalhos preparatórios legislativos, não subscrevo a leitura do n.º 4 do artigo 35º como “uma norma com campo de aplicação definido de forma residual, que a torna potencialmente aplicável a todas as perdas por imparidade que não sejam aceites como «desvalorizações excepcionais», devendo por isso comungar da expressão utilizada pelo nº 1 do artigo 35.º, abarcando efeitos fiscais de perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores (deduzindo desta referência a “períodos de tributação anteriores” a aplicação do nº 4 a desvalorizações resultantes de avaliações de bens efectuadas na vigência do regime anterior, agora qualificadas como imparidades).
Assim, atendendo à fundamentação exposta, decidiria que não sofrem de qualquer ilegalidade nem a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2010, derivada da não inclusão de perdas por imparidade resultantes de processo de avaliação ocorrido em 1994, anterior ao destaque dos bens para a empresa criada por cisão, antecessora da Requerente, nem o despacho da administração tributária que rejeitou a revisão oficiosa, pelo que consideraria o pedido de pronúncia totalmente improcedente.
4 de Março de 2015
Manuela Roseiro
[1] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.
[2] BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.
[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.
[4] Embora no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.
A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);
– n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, página 421 (especialmente, páginas 423-424);
– n.º 205/87, de 17-6-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º volume, página 209 (especialmente páginas 221-222);
– n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente página 197);
– n.º 321/89, de 29-3-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente página 281).
O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99. processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81).
[5] No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).
[6] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.
[7] Exemplo de uma situação deste tipo é a do art. 22.º, n.º 13, do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar actos de indeferimento de pedidos de reembolso.
[8] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08.
Adoptando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de actos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.
[9] Esta afirmação, podendo ter correspondência factual com a realidade, não tem rigor jurídico, pois, para efeitos de revisão do acto tributário, o erro de facto ou de direito de autoliquidações, considera-se, por ficção legal, como sendo imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 2, da LGT).
De qualquer modo, para este efeito de apurar se a decisão do pedido de revisão oficiosa comporta a apreciação da legalidade da autoliquidação, basta a constatação de que nela se afirma que «no acto tributário de autoliquidação de 2010 não foi cometido qualquer erro».
[10] Essencialmente neste sentido, António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, “Elementos de Contabilidade Geral”, Áreas, 25.ª Edição, 2010, páginas 696-697.
[11] Obra e local citados.
[12] Conforme parágrafos 6 e 51 da Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 7 – Activos Fixos Tangíveis.
[13] Conforme os autores citados.
[14] Alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 24/92, de 9 de Outubro, pelo Decreto Regulamentar n.º 16/94, de 12 de Julho, pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, pelo Decreto Regulamentar n.º 28/98, de 26 de Novembro, pelo Decreto Regulamentar n.º 22/99, de 6 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto, pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de Dezembro.
[15] A redacção inicial deste n.º 3 era a seguinte:
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 deverá o contribuinte obter a aceitação da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos através de exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais.
[16] Jornal Oficial da União Europeia de 31-12-2004.
[17] DOMINGOS CRAVO, CARLOS GRENHA, LUÍS BATISTA e SÉRGIO PONTES, Sistema de Normalização Contabilística Comentado, página 154.
Expressando a mesma ideia com diferente terminologia ANTÓNIO BORGES, AZEVEDO RODRIGUES e ROGÉRIO RODRIGUES, “Elementos de Contabilidade Geral”, Áreas, 25.ª Edição, 2010, páginas 1142 definem «perda por imparidade» como «o excedente da quantia escriturada de activo ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável».
[18] HANS G. LESER, Der Rücktritt vom Vertrag, Tübigen 1975, páginas 194 e seguintes.
[19] Com alcance semelhante, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, fala de «retroactividade inautêntica» ou «retrospectividade», que é «caracterizada pela aplicação imediata de uma lei a situações de facto nascidas no passado mas que continuam a existir no presente» páginas 257 e 428.
Também no mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30-11-2010, proferido no processo n.º 0565/10, e de 28-06-2011, proferido no processo n.º 0779/10.
[20] O artigo 11.º, n.º 4, da LGT estabelece que «as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica».
A reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República abrange as normas de «incidência» (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) em cujo conceito lato se incluem anos normas sobre determinação da matéria tributável (neste sentido, podem ver-se SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126, e NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56).
É também esta a perspectiva do Tribunal Constitucional ao entender que «a fixação da matéria colectável constitui, por sua vez, um momento central de determinação do montante dos impostos, repercutindo-se no seu apuramento e, consequentemente, na vertente garantística dos cidadãos enquanto contribuintes» (Acórdão do TC n.º 211/02, de 28-4-2003, publicado no Diário da República, II Série, de 21-6-2003, citando JORGE BACELAR GOUVEIA, A Evasão Fiscal na Determinação e Integração da Lei Fiscal, em CTF, n.º 373, pág. 28).