Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A sociedade A..., Lda., (doravante designada por “Requerente”), contribuinte com o número de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede na Avenida ..., em Lisboa, com o capital social de € 5.000, apresentou, no dia 29 de Julho de 2014, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral de forma a serem declaradas ilegais as liquidações referentes a Imposto do Selo (“IS”), respeitantes ao exercício de 2013 (tal como infra se demonstra), no montante total de € 3.346,84, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “ATA”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 16 de Setembro de 2014.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, e mediante comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 6 de Outubro de 2014.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS previamente mencionadas, no montante total de € 3.346,84.
5. As aludidas liquidações dizem respeito a um prédio situado na Rua …, inscrito na matriz predial da freguesia da ... sob o artigo ..., concelho de Lisboa, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ... – ....
6. A ATA apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que os actos tributários em análise, por não violarem qualquer preceito legal ou constitucional, fossem mantidos na ordem jurídica.
7. Por despacho proferido no dia 14 de Fevereiro de 2015, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e no seguimento do requerido pela ATA, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.
8. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o dia 27 de Março de 2015.
9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas excepções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
11. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a seguinte: por referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões susceptíveis de utilização independente (e com afectação habitacional), qual é o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) relevante para efeitos do apuramento do IS a pagar nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).
12. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, o montante a considerar é o VPT atribuído, individualmente, a cada uma das partes susceptíveis de utilização autónoma, ou, ao invés, o valor total resultante do somatório dos VPTs daquelas fracções autónomas, como sugere a Requerida.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
13. Examinada a prova documental produzida, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é proprietária de um prédio urbano, inscrito na matriz predial da freguesia da ... sob o artigo ..., concelho de Lisboa, e, bem assim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ... – ..., constituído em regime de propriedade total e por fracções susceptíveis de utilização independente (tendo parte destas afectação habitacional).
II. O VPT individual de cada uma das fracções autónomas, relevantes para a presente pronúncia arbitral, é o seguinte:
III. A Requerente, por respeito ao exercício de 2013 (e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS), recebeu as notas de liquidação da ATA, mencionadas supra, referentes à primeira prestação de IS, no montante total de € 3.346,84.
14. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
15. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
16. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.
17. A sujeição a IS dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
18. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
19. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).
20. Primeiramente, atente-se ao artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
21. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
22. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se, nos casos em que a propriedade horizontal de um prédio urbano com diversas fracções autónomas não se encontra constituída, o VPT, para efeitos da Verba n.º 28 da TGIS, é calculado, individualmente, i.e. por fracção susceptível de ser utilizada autonomamente, ou, alternativamente, apurado mediante o somatório dos VPTs daquelas fracções.
B) Argumentos das partes
23. A este respeito, a Requerente no seu pedido alegou, em síntese, o seguinte:
24. Tendo sido “notificado para pagar as quantias (…) referentes ao imposto de selo de cada um dos pisos do prédio, o qual nunca foi constituído nem autonomizado em regime de propriedade horizontal”, a Requerente sublinhou que o VPT das fracções que, nos termos supra, foram sujeitas a IS, foi apurado individualmente, tal como decorre do Código do IMI.
25. Desta forma, no entendimento da Requerente, ficou claro que “nenhuma das partes avaliadas independentemente têm valor superior a 1.000.000,00 euros)”.
26. Pelo que, na opinião da mesma, “o artigo 28 nº 1 da tabela de imposto de selo não pode aplicar a partes dos prédios susceptíveis de utilização independente”, como terá sido efectuado na presente situação.
27. De facto, entende a Requerente que, a tributação das aludidas fracções, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, constitui uma violação daquela norma, porque, apesar de possuírem uma afectação habitacional, as fracções anteriormente mencionadas não têm, individualmente, “o valor de um milhão de euros”.
28. Desta forma, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade “da liquidação do imposto de selo sobre património imobiliário, constante da verba 28 nº1 da tabela geral do imposto de selo”, e, bem assim, a anulação das liquidações elencadas supra.
29. Paralelamente, a Requerente solicitou ainda que fosse admitida a “prestar caução por depósito em dinheiro”, de forma a possibilitar a suspensão dos processos de execução fiscal, presentemente em curso, até ao proferimento da presente decisão arbitral.
30. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:
31. A Requerente suporta o seu pedido de pronúncia arbitral no facto de que o critério para a tributação das partes autónomas dos prédios em propriedade vertical ter de assentar nos mesmos moldes que a tributação dos prédios em propriedade horizontal.
32. Contudo, para a Requerida, a tese defendida pela Requerente falece de sustentação legal, “pois muito embora a liquidação de IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações”.
33. Com efeito, na opinião da Requerida, “o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto, é assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que susceptíveis de utilização independente.
Como vem a ser o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, pois, muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, para efeitos de IS, revela o prédio na sua totalidade pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal (…)”.
34. Pelo que, na perspectiva desta, não se vislumbra como é que as presentes liquidações possam ter violado o teor literal da Verba n.º 28 da TGIS.
35. Paralelamente, no entendimento da Requerida, a unidade de determinado prédio urbano, constituído em propriedade vertical, não é posta em causa quando o mesmo é composto por andares ou divisões com possibilidade de terem uma utilização económica independente.
36. De facto, citando a Requerida, “tal prédio não deixa, de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”.
37. Na opinião do presente tribunal, fica claro que, para a Requerida, os institutos da propriedade horizontal e da propriedade vertical são realidades autónomas e distintas.
38. Com efeito, nas palavras da Requerida, “a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.
São realidades distintas valoradas pelo legislador de forma diferente e com efeitos necessariamente diferentes, não sendo de concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade”.
39. A Requerida termina a sua resposta afirmando que “a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação da lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.
40. No que respeita ao pedido executivo solicitado pela Requerente, nos termos explanados supra, entende a Requerida que, “estando a competência dos tribunais definida, nos termos do art.º 2.º n.º 1 do RJAT, como uma competência de controlo de legalidade, exclui-se da mesma pretensões executivas”.
41. Afirmando, desta forma, que, na sua opinião, o presente tribunal é incompetente para apreciar o aludido pedido executivo.
C) Apreciação do tribunal
42. No entendimento do presente tribunal, e tendo em consideração o quadro jurídico previamente apresentado, a proposição normativa essencial a ter em consideração para a decisão do caso é a que resulta da Verba n.º 28 da TGIS.
43. Refira-se, igualmente, que, aos olhos do tribunal arbitral, a questão decidenda prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeitos da aplicação da aludida verba, como se apura o VPT relevante.
44. Em primeiro lugar, esclareça-se que é claro, à letra da lei, que o VPT a considerar, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, só pode ser o que é apurado no âmbito do Código do IMI.
45. É, aliás, isto que nos diz, ipsis verbis, a referida verba “(…) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00” (sublinhado nosso).
46. Assim sendo, atente-se, uma vez mais, ao que decorre do artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
47. Reforçado, não obstante, pelo artigo 12.º, n.º 3 do mesmo Código, o qual estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
48. Conclui-se, assim, que, para efeitos do cálculo do IMI a pagar, o VPT é considerado, individualmente, para cada andar ou parte susceptível de utilização independente.
49. E se este é o método de apuramento seguido para o IMI, terá necessariamente que ser o modelo igualmente aplicado no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, nos termos que supra se explanaram.
50. Não obstante, e caso as dúvidas suscitadas ainda subsistam, o presente tribunal apoia-se em algumas decisões arbitrais previamente proferidas, que abordaram o assunto em análise.
51. Assim, primeiramente, atentemos na decisão n.º 50/2013-T, de 29 de Outubro, que dispõe o seguinte.
52. “A Lei n.º 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de «prédio com afectação habitacional». No entanto o artigo 67.º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».
A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…)
Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
(…)
Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente»” (sublinhado nosso).
53. Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, ao presente tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.
54. Neste contexto, se a lei exige, relativamente à liquidação do IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
55. Pelo que, o IS, no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, só poderia incidir em determinada fracção se esta, eventualmente, tivesse um VPT superior a €1.000.000,00.
56. E, mais se diga, que foi esse inclusive o entendimento adoptado pela ATA.
57. Com efeito, esta (ATA) também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada um das fracções susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas fracções, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si.
58. Todavia, olvidou a ATA que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPTs individuais das fracções previamente mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.
59. Isto quando o próprio legislador estabeleceu uma regra diferente no âmbito do Código do IMI que, tal como previamente referido, é o código aplicável às matérias não reguladas no Código do IS, no que se refere à Verba n.º 28 da TGIS.
60. Resumindo, o critério estabelecido pela ATA de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de que o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, aos olhos do presente tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de IS.
61. Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela ATA viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, e, bem assim, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
62. Paralelamente, note-se que o artigo 12º, n.º 3 do Código do IMI não efectua qualquer distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical.
63. Como tal, e uma vez que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, a ATA não pode tratar situações materialmente iguais de forma diferente.
64. A este respeito, veja-se aquilo que foi dito a propósito deste tema na Decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 132/2013-T, de 16 de Dezembro, entendimento que o presente tribunal acolhe.
“Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma «inovação» sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação.
Note-se, exemplarmente, o que diz o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.
O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00.
Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS.
(…)
Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objectivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. A título exemplificativo, suponha-se a seguinte hipótese, que parece plausível à luz da interpretação que foi feita pela ora requerida: um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação, sendo o valor global das unidades autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, sujeita-se a uma tributação anual de 1% desse valor (como sucedeu na situação em análise); já um outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas exactas características do anterior mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, sendo, igualmente, o valor global das fracções autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, não será sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28.
Por outro lado, poder-se-ia perguntar: se tais fracções têm o mesmo proprietário, por que é que não faz sentido agregar, para efeitos de tributação, os respectivos VPTs? A resposta pode ser ilustrada através de uma outra hipótese: um cidadão que é proprietário de um prédio em propriedade horizontal, em que cada uma das suas 20 fracções possui um VPT inferior a €1.000.000,00, seria sujeito a tributação se – caso se admitisse tal agregação – o VPT global ultrapassasse aquele valor; já um outro cidadão com idênticas 20 fracções distribuídas por 5, 10 ou 20 prédios não estaria sujeito a qualquer tributação nos termos da referida verba n.º 28.
Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das fracções de prédios em propriedade horizontal –, não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.
Observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afectação habitacional variam entre (…), pelo que qualquer um deles é inferior a €1.000.000,00.
Daqui se conclui, em resultado do que foi referido, que sobre os mesmos não pode incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação impugnados pelo requerente" (sublinhado nosso).
65. Um último ponto que interessa destacar (não obstante o prévio enquadramento ser bastante para reconhecer a ilegalidade dos actos de liquidação praticados pela ATA), assenta no entendimento preconizado, quer pelo legislador quer pelo próprio governo, aquando do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS.
66. A este respeito, foquemo-nos agora na decisão arbitral proferida no âmbito do processo
n.º 48/2013-T, de 9 de Outubro, que analisa, de forma extensiva, o objectivos subjacentes ao aditamento da aludida verba.
67. “A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.
Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, «estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa».
Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.
Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:
«O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.
No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.
Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.
Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.
Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.
Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa.
Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.
Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013»”.
68. De seguida, cumpre reunir as conclusões que permitam, sem margem para dúvidas, decidir sobre o tema em discussão (ou seja se, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nos casos em que um prédio com várias fracções autónomas, susceptíveis de utilização independente, não se encontre constituído em propriedade horizontal, o VPT relevante é apurado mediante o somatório dos VPTs individuais, ou, alternativamente, é individualmente considerado).
69. Neste sentido, refira-se, em primeiro lugar que a presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, nº 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
70. Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.
71. Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
72. Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.
73. Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
74. Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.
75. Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.
76. Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a
€ 1.000.000,00.
77. Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio (i.e., o somatório de todas as fracções com afectação habitacional), quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).
78. Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.
79. De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
80. No caso em apreço, o prédio em causa encontra-se constituído em propriedade vertical, composto por fracções com utilização independente (das quais 5 têm afectação habitacional), como ficou provado supra.
81. Dado que nenhuma dessas fracções, individualmente consideradas, tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.
82. Adicionalmente, e no que respeita ao pedido de prestação de caução por depósito em dinheiro, solicitado pela Requerente, com o objectivo de suspender as execuções fiscais presentemente em curso (tal como previamente se referiu), o presente tribunal entende que, tal decisão, caí fora do seu espectro de actuação.
83. De facto, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais
está limitada ao controlo de legalidade dos actos administrativos, mormente os de natureza tributária, excluindo-se, neste contexto, o tema anteriormente referido.
84. Desta forma, o presente tribunal abstém-se de apreciar o pedido executivo elaborado pela Requerente.
IV. Decisão
85. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular as liquidações de IS supra mencionadas, por referência a 2013, das quais resultou imposto a pagar no montante de € 3.346,84, respeitante à tributação de prédios urbanos com VPT igual ou superior a €1.000.000, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;
B) Não se pronunciar sobre o pedido executivo realizado pela Requerente;
C) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. Valor do processo
86. Fixa-se o valor do processo em € 3.346,84, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VI. Custas
87. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 24 de Março de 2015
O Árbitro
(Sérgio Santos Pereira)