Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 572/2014-T
Data da decisão: 2015-04-02  Selo  
Valor do pedido: € 26.425,00
Tema: IS – Incidência da verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 572/2014-T

 

Autor/Requerente: Herança de A...

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Herança de A..., contribuinte fiscal n.º …, aqui representada por B..., na qualidade de Cabeça de Casal, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua … n.º …, 4º esquerdo, Porto, doravante designada por Requerente, submeteu a 29-07-2014, ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), o pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à anulação de atos tributários de liquidação de imposto de selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, devolução dos tributos pagos e respectivos juros indemnizatórios, relativos a um terreno de construção urbana, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, concelho do Porto, a saber,

i.          Liquidação n.º 2014…, no valor de € 8.808,34, referente à 1ª prestação relativa ao ano de 2013, a pagar em Abril de 2014;

ii.         Liquidação n.º 2014…, no valor de € 8.808,33, referente à 2ª prestação relativa ao ano de 2013, a pagar em Julho de 2014;

iii.        Liquidação n.º 2014…, no valor de € 8.808,33, referente à 1ª prestação relativa ao ano de 2013, a pagar em Novembro de 2014;

A Requerente pede a anulação dos supra referidos atos de liquidação do Imposto de Selo.

A Requerente alega, para tanto, que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo, cuja legalidade se discute, é um terreno destinado a construção urbana e não um prédio com afectação habitacional, não se verificando, na sua perspetiva, o pressuposto legal de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Foi designado como árbitro único, em 16-09-2014, Ricardo Marques Candeias. Em conformidade com o previsto no art. 11.º, 1, c), RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 02-10-2014.

Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta a 04-11-2014. Esgrima que o conceito de prédios com afectação habitacional para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, propugnando pela improcedência do pedido de anulação.

Apesar de notificada para junção de PA, a requerida informou que não existe PA referente às liquidações em causa nos autos.

O tribunal arbitral entendeu, por despacho datado de 16-03-2015, compulsados os autos, e verificando-se que a discussão se circunscreve a matéria de direito, não ser necessária a inquirição de testemunhas, a realização da reunião prevista no art. 18.º RJAT, e a produção de alegações.

Consequentemente, em 26-03-2015 foi fixado para prolação da decisão o dia 02-04-2015.

A 31-03-2015 a requerente juntou aos autos requerimento a informar do pagamento da nota de liquidação n.º 2014…, referente à terceira prestação do imposto, tendo anexado o comprovativo de pagamento no montante de € 8.808,33.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, 1, 2, RJAT, e art. 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias que cumpra apreciar.

 

2. Dos factos

Analisada a prova documental produzida pela requerente, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

a)      O terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, concelho do Porto, faz parte do acervo da herança ora requerente;

 

b)      A AT liquidou a 17-03-2014 o Imposto de Selo relativo ao ano de 2013, referente ao terreno referido em a), no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário, da seguinte forma:

i.                    Liquidação n.º 2014…, no valor de € 8.808,34, referente à 1ª prestação relativa ao ano de 2013, a pagar em Abril de 2014;

 

ii.                  Liquidação n.º 2014…, no valor de € 8.808,33, referente à 2ª prestação relativa ao ano de 2013, a pagar em Julho de 2014;

 

iii.                Liquidação n.º 2014…, no valor de € 8.808,33, referente à 1ª prestação relativa ao ano de 2013, a pagar em Novembro de 2014;

c)    O valor patrimonial total do prédio é de € 2.642.500,00.

f)    A requente foi notificada para proceder ao pagamento das referidas notas de liquidação no valor total de € 26.425,00.

g)    A requerente procedeu nos dias 12-05-2014, 02-07-2014 e 27-11-2014, ao pagamento das liquidações n.ºs 2014…, 2014…, e 2014… referentes, respectivamente à primeira, segunda e terceira prestações, no valor total de € 26.425,00.

A convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, concretamente, os pontos a) e c) resultam do teor da caderneta predial junta aos autos, os pontos b) e f) resultam das notas de liquidação do imposto, e o ponto g) resulta dos comprovativos de pagamento juntos pela requerida com a petição inicial e com o requerimento da requerente de 31-03-2015.

 

Para a decisão da causa não se provaram outros factos com relevância.

 

 

3.         Do Direito

São estes os factos que importa apreciar. Vejamos então.

A requerente vem alegar na sua petição inicial que “as liquidações de IS aqui impugnadas são ilegais”.

Argumenta a requerente que “Os terrenos destinados a construção não estavam compreendidos na letra da lei aplicável a 2013. A verba 28 da TGIS anexa ao CIS tinha a seguinte redacção em 2013: “28-Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre imoveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%; 28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam, residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%. Ora, é mais do que evidente que os terrenos destinados a construção não constituem “prédios com afectação habitacional”

Defende a requerente que “Um terreno destinado a construção tem como afectação precisamente a construção urbana – a qual tanto pode residir na construção de edificações destinadas a habitação, como na construção de edificações destinadas a industria, comércio ou serviços (escritórios) – podendo inclusivamente ter várias afectações em simultâneo (habitação, comércio e serviços, por exemplo), conforme sucede inúmeras vezes”.

Afirma ainda que “Embora um terreno destinado a construção, nos termos do artigo 6º, n.º 1 c) do CIMI, seja considerado para efeitos de IMI como um “prédio urbano”, à luz do mesmo preceito legal não é considerado um prédio urbano com afectação habitacional – tal como resulta do disposto no artigo 6º a contrario do CIMI”.

Conclui, a este conspecto particular, a requerente, que “Assim, é manifesto que os terrenos para construção não são prédios urbanos habitacionais”.

Reforça ainda a requerente o seguinte: “E a verba 28 da TGIS não faz qualquer menção à incidência do IS sobre terrenos destinados à construção – outrossim a “prédios com afectação habitacional”, i.é. a prédios que já comportam uma efectiva afectação habitacional de per si (…) um terreno para construção, como a própria designação indica, destina-se à construção – e não a qualquer afectação habitacional”

Acrescentando à argumentação aduzida, refere a requerente que: “Ainda que o terreno se destine à construção de prédios afectos à habitação, e essa afectação só se verifica após a conclusão da construção do prédio, como é por demais óbvio. E após a conclusão da construção do prédio verifica-se a inscrição na matriz de um novo artigo matricial, correspondente à nova realidade física do imóvel, com a consequente eliminação matricial da realidade física anteriormente existente – o terreno destinado a construção (cfr. Artigo 106º h) do CIMI).”

Espraia ainda a requerente que a posição da AT atenta contra “o principio da unidade do sistema jurídico”, porquanto, a AT considera que “os terrenos para construção são prédios para habitação, para efeitos de incidência de IS, mas que já não o são para o efeito dos benefícios fiscais (…)“.

A requerente esgrima ainda, numa outra linha de argumentação, que: “na génese desta tributação esteve o propósito do legislador de tributar as moradias de luxo, de valor superior a 1 milhão de euros. (…) Ora, como é clarividente, os terrenos destinados a construção não são moradias de luxo nem se destinam necessariamente à construção de moradias de luxo. (…) Por conseguinte, a tributação em IS de terrenos para construção de valor superior a 1 Milhão de euros, para além de não respeitar a letra da lei e a unidade do sistema jurídico (…) extravasa completamente os intentos do legislador (a ratio legis) tendo em conta o contexto histórico e circunstancial (occasio legis) da elaboração da lei ”.

A requerente defende ainda que a AT violou o princípio da legalidade, porquanto “ao aplicar a verba 28.1 da TGIS aos terrenos destinados a construção, realidade que o legislador não incluiu naquela norma de incidência tributária, a AT incorre em violação do sobredito princípio da legalidade.”, bem como o princípio da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva pois que: “(…) o terreno é objecto de imposto de selo, mas o prédio resultante da construção nele entretanto erigida, “incorporando” económica e fisicamente o terreno subjacente, fica fora do imposto, o que é um total contra-senso”.

Pugna a requerente pela inconstitucionalidade material da liquidação pois “(…) a verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS padece mesmo de inconstitucionalidade material por violação do principio constitucional da igualdade (e consequente principio da capacidade contributiva) consagrado nos artigos 13º, 266º n.º 2 e 104º n.º 3 da CRP”.

A requerente estriba a sua argumentação na tese da nulidade das liquidações por falta de assinatura, já que “As liquidações aqui impugnadas não estão assinadas. Nos termos do artigo 133º n.º 1 do CPA” são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.”.

Pugna também a requerente pelo vício de fundamentação das liquidações e violação do direito de audição prévia ao sublinhar “que as liquidações de IS sempre padeceriam de vício de forma por insuficiente fundamentação, em violação dos artigos 77º da LGT e 268º n.º 3 da CRP – equivalente a falta de fundamentação, nos termos do artigo 125º n.º 2 do CPA.”; “as liquidações ora impugnadas deveriam ter sido precedidas da concessão ao contribuinte da oportunidade desde exercer o seu direito de audição prévia, o que não sucedeu. Pelo que, para além do sobredito vício formal da insuficiência de fundamentação, padecem também do vício de forma decorrente da violação do direito de audição prévia consagrado nos artigos 60º n.º 1 a) e n.º 5 da LGT e 267º n.º 5 da CRP”.

E defende ainda que o terreno, objecto das liquidações em crise nos presentes autos, está isento de IMI por força do art. 7.º, 6, CIS.

 

A requerente conclui a sua fundamentação propugnando pela procedência do pedido e, por via dela, peticiona:

“a) Anulação ou declaração de nulidade das liquidações de IS aqui impugnadas, com a consequente devolução dos tributos indevidamente pagos;

b) O reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios a liquidar nos termos legais, por erro de facto e de Direito da AT na emissão das liquidações aqui impugnadas; e

c) A condenação da Requerida no pagamento das despesas da presente lide.

Por seu lado a AT vem contrapor a posição da requerente, fundamentando a sua pretensão no facto de o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, englobar quer prédios edificados quer terrenos para construção.

No entendimento da AT “o prédio sobre o qual recai cada uma das liquidações impugnadas, tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos, por consubstanciarem correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.”

Argumenta a AT que “A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28. Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00. O imposto do selo incidiria assim sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2 do CIS na redacção dada pela Lei n.º 55- A/2012, de 29/10. Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba n.º 28.º da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.”

De acordo com a AT, “A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação. Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI.”

Apelando ao teor normativo defende a AT “que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional” - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI.”

Mais acrescentando que “A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art.45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.”

De acordo com a AT “(…) muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.”

Quanto à inconstitucionalidade da norma “Entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional. A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel. Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.”

Refere a AT que a tributação em sede de imposto de selo obedece aos critérios de adequação, pelo que não viola o princípio da proporcionalidade.

Além disso, “No que concerne ao alegado vício de falta de fundamentação da liquidação ora impugnada, a AT terá de discordar com tal entendimento, isto porque como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra. (…) A fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objetivos essenciais a prosseguir.”

Mais acrescenta, com respeito ao conspecto em apreço “a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admite –, cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT”.” Concluindo pela suficiência e clareza da fundamentação.

A AT toma ainda posição a respeito dos peticionados juros indemnizatórios, referindo que “o peticionado deverá improceder, desde logo porque a actuação da Autoridade Tributária pautou-se pela estrita observância dos preceitos legais a que se encontra vinculada.”.

Conclui toda a fundamentação produzida em sede de resposta no sentido de que “as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”

Posta uma breve descrição da palete argumentativa tecida pelas partes, vejamos então.

A questão decidenda prende-se com a de saber se a regra de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) é aplicável a terrenos para construção.

Esta questão já foi objecto de vários acórdãos do CAAD, nomeadamente, os proferidos nos processos 180/2013-T; 202/2014-T e 369/2014-T, que seguiremos de perto.

 

A verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro. Ela estabelece o seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do art. 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1, TGIS, e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contêm um conceito inovador em toda a legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

O CIMI estabelece no n.º 1, do art. 2.º, o conceito de prédio, definindo-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

Já o art. 4.º, CIMI, estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

Por sua vez, o art. 6.º, ibidem, procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1 do referido artigo, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”.

No n.º 2 do mesmo artigo encontramos o critério utilizado para essa distinção: “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Da análise do artigo supra transcrito resulta que a noção mais aproximada de “prédio com afectação habitacional” é a de “prédios habitacionais”, definida pelo art. 6.º, 2, CIMI. Não obstante, estamos em crer que se o legislador tivesse entendido aplicar o mesmo conceito a uma e outra definição teria utilizado a mesma expressão para ambos.

Conforme se lê no Acórdão do CAAD proferido no Processo 180/2013-T,“A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T: “em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim”.

Assim, “é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

Efetivamente, a expressão “com afectação habitacional” tem subjacente a ideia de uma potencialidade real, efetiva e presente. Não se nos afigura possível interpretar o art. 6.º, 1, a), CIMI, no sentido de o mesmo contemplar outras realidades para além das que têm correspondência com a letra da lei, pois caso tal fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia previsto expressamente na letra da lei. Uma interpretação extensiva do preceito violaria os princípios estatuídos no art. 9.º, CCivil, e art. 11.º, LGT.

E mesmo quanto aos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, não é razoável que, lançando mão de uma interpretação extensiva da norma, a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” tenham cabimento na denominada “afectação habitacional”.

Para além do elemento literal da norma, o elemento histórico também concorre para o entendimento ora manifestado.

Efetivamente, a verba 28.1, TGIS, foi alterada com a Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro - Lei do Orçamento de Estado para 2014 -, de forma a incluir, a partir de 01-01-2014, os prédios para construção.

De acordo com art. 194.º da citada lei, "Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação ..."

A inovação introduzida pela lei em referência permite inferir que tais prédios não eram abrangidos pela redação vigente até 31-12-2013. Esse entendimento terá de se aplicar às liquidações em crise nos presentes autos, pois elas reportam-se ao ano de 2013.

Ademais, o imposto estabelecido pela verba 28 da TGIS pretende harmonizar a repartição do esforço fiscal dos contribuintes, fazendo incidir este imposto sobre os titulares de propriedades de elevado valor (que excedam € 1.000.000,00) destinadas a habitação.

Com efeito, determinando o princípio da igualdade fiscal que se deve tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, não se justifica o tratamento diferenciado, para efeitos de tributação, dos terrenos para construção.

À luz do que antecede, as liquidações em causa enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito. Tal entendimento sustenta e justifica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

A requerente estribou também a sua argumentação na tese da nulidade das liquidações por falta de assinatura por vício de fundamentação e violação do direito de audição prévia, e suscitou ainda a inconstitucionalidade da liquidação por violação do princípio da igualdade.

Considerando a fundamentação supra aduzida, sendo a decisão no sentido de declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício de violação de lei e por erro nos pressupostos de direito, fica prejudicado o conhecimento dos vícios invocados e da inconstitucionalidade suscitada, a título subsidiário, pela requerente.

O prédio em causa é um terreno para construção, não tendo qualquer afectação habitacional. Observamos, assim, a não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da TGIS.

Em consequência do exposto, concluímos pela ilegalidade das liquidações de imposto de selo impugnadas pela requerente.

Deu-se como provado que a ora Requerente pagou nos dias 12-05-2014, 02-07-2014 e 27-11-2015, as primeira, segunda e terceira prestações relativas a imposto resultante das liquidações em discussão tendo peticionado o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

Dispõem os arts. 24.º, 1, b), RJAT, e 100.º, LGT, que, tendo sido pago o imposto e posteriormente, sendo anulada a liquidação que suportava esse imposto, tem o contribuinte direito ao reembolso dos montantes indevidamente pagos.

O art. 43.º, LGT, prevê que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, segundo jurisprudência uniforme do STA (vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09) sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral 218/2013-T).

Por conseguinte, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 43.º, 1, LGT, e 61.º, 2 , 5, CPPT.

Sendo assim, deve a AT restituir o valor de € 26.425,00 acrescido de juros à taxa legal de 4%, desde a data dos referidos pagamentos até à restituição integral dos valores por parte da AT.

A requerente peticionou a condenação da requerida no pagamento das despesas da presente lide, não especificando quais as despesas que entende serem devidas.

A este respeito, de acordo com o disposto nos arts. 12.º, 2, e 22.º, 4, ambos do RJAT, e art. 4.º 3, da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas do presente processo ficam a cargo da requerida.

 

4. Decisão

Perante o supra descrito, decide-se julgar totalmente procedente o pedido formulado pela requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.ºs 2014…, 2014…, 2014… devendo as mesmas considerar-se nulas, com as necessárias consequências legais.

Ainda se condena a ora requerida a devolver à requerente o total de € 26.425,00, a título de capital, que esta indevidamente pagou, acrescido de juros à taxa legal de 4%, desde os dias 12-05-2014, 02-07-2014 e 27-11-2015, respetivamente, relativas às primeira, segunda e terceira prestações, até à restituição integral do valor em causa.

A requerida ainda é condenada no pagamento das custas nos termos supra e infra referidos.

 

Valor do processo:

De acordo com o disposto nos arts. 306.º, 2, CPC, e 97.º-A, 1, a), CPPT, e 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da ação em € 26.425,00.

 

Custas:

Nos termos do art. 22.º, 4, RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 765,00, devidas pela Autoridade Tributária.

 

Notifique.

 

Lisboa, 02 de abril de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do art. 131.º, 5, CPC, aplicável por remissão do art. 29.º,1, e), RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

Ricardo Marques Candeias