DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1 – A..., NIF ..., residente na Avª …, Lisboa, apresentou em 30/07/2014 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[1], sendo requerida a AT[2], com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[3], referentes ao ano de 2013 incidente sobre um prédio com andares e divisões com utilização independente sito na ..., Lote 10 ,inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o nº ... do qual a requerente é comproprietária com a quota –parte (1/2) sendo a outra de B....
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT em 30/07/2014.
3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 01/10/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[5] que incidiram sobre o VPT[6] das divisões com utilização independente afectas à habitação do imóvel em questão do qual é comproprietária.
6- Invoca, em síntese, para o efeito o seguinte:
6.1- O prédio em questão tem afectação mista uma vez que das vinte divisões susceptíveis de utilização independente, só dezoito têm afectação habitacional, com um VPT global de € 1 065 510,00 e o legislador ao criar a verba 28 da TGIS, pretendeu tributar não o património imobiliário mas o património imobiliário de luxo, daí que a tributação incide apenas sobre os prédios com afectação habitacional e não sobre os prédios de afectação mista.
6.2 – Tal valor foi apurado separadamente, conforme dispõe o nº 2 alínea b) do artigo 7º do CIMI[7], e nenhum dos andares ou divisões com utilização independente e afectação habitacional tem VPT igual ou superior a€ 1000 000,00.
6.3 – O IS contestado foi apurado sobre o VPT de cada um dos andares ou divisões independentes com afectação habitacional individualmente conforme liquidações constantes dos documentos juntos, 1 a 18, os quais, em seu entender, enfermam de ilegalidade na medida em que nenhum dos andares individualmente considerados tem VPT igual ou superior a € 1000 000,00.
6.4 - Um prédio em propriedade vertical ou horizontal não poderá, por si só, ser indiciador de capacidade contributiva, decorrendo da lei uma igualdade de tratamento fiscal e assim, se um prédio em propriedade horizontal só pagaria IS pelas fracções que tivessem valor patrimonial igual ou superior a € 1000 000,00, o mesmo deverá acontecer para os prédios em propriedade vertical com andares ou divisões com utilização independente.
6.5 – É pois evidente a ilegalidade das liquidações por não se verificar o pressuposto legal da incidência do IS previsto na verba 28 da TGIS.
7 – Por sua vez a AT, em síntese, entende:
7.1- Que não assiste razão à requerente uma vez que, para efeitos de IS, releva o prédio na sua totalidade, apesar do IMI[8] ou do IS, ser liquidado a cada andar ou divisão susceptível de utilização independente;
7.2- Refere ainda a AT que, um imóvel em propriedade total e um imóvel em propriedade horizontal, têm diferente valoração e tributação donde decorre diferentes efeitos jurídicos; enquanto na propriedade horizontal há uma divisão da propriedade total e autonomia de cada uma das fracções, no prédio em propriedade total há uma única realidade jurídica;
7.3 - Cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, possuindo uma descrição do prédio na sua totalidade;
7-4 – Conclui que os actos tributários aqui postos em crise são legais e deverão ser mantidos, devendo absolver-se a AT do pedido.
II – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Na sua resposta a AT solicitou a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e que se passasse directamente à decisão da causa, caso a requerente não se opusesse.
Notificada a requerente, em 03/11/2014, desta pretensão, veio em 04/11/2014 manifestar a sua adesão à posição da AT quanto à aludida dispensa, pelo que o tribunal considerou estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:
a) Saber se um prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, deverá ser tributado em IS o VPT correspondente ao somatório de cada uma das partes ou divisões independentes com afectação habitacional quando igual ou superior a € 1000 000,00, concluindo-se pela legalidade das liquidações aqui postas em crise.
b) Ou se apenas o IS deverá incidir sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões independentes quando, unitariamente considerado, seja igual ou superior a € 1000 000,00 e concluir pela ilegalidade das aludidas liquidações.
2 – Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A requerente é comproprietária (1/2) de um prédio urbano em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia da ..., concelho de Lisboa.
b) O imóvel em questão tem dezoito partes ou divisões susceptíveis de utilização independente afectas à habitação e as restantes afectas a comércio.
c) O IS impugnado foi calculado individualmente a cada parte susceptível de utilização independente com afectação habitacional, embora nenhuma delas tenha VPT igual ou superior a € 1 000 000,00.
d) O somatório do VPT das partes ou divisões com afectação habitacional é de € 1 065 510,00.
e) A AT emitiu as notas de liquidação do IS calculado a cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional uma vez que o somatório do VPT de cada uma delas é igual ou superior a € 1 000 000,00.
3 – Do Direito
a) A questão de direito a resolver é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a € 1000 000,00.
b) Tendo em conta que o CIS[9] remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão.
c) O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos.
d) O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
e) No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e outras com afectação comercial.
f) Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa singular ou colectiva, no caso concreto singular em compropriedade;
g) Nos termos do nº 4 do artigo 2º do CIMI cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio, mas não existe nada na lei que permita fazer a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical relativamente à sua identificação como prédios urbanos habitacionais;
h) A AT ao fazer a tributação em IS fez o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global e verificando ser superior a € 1000 000,00,somou os valores de IS apurado unitariamente;
i) Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artigo 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1000 000,00, requisito exigível para haver tributação em IS;
j) Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, a legislação aplicável é a mesma;
k) O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fracção habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1000 000,00, igualmente um andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afectação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1000 000,00;
l) Como já se disse o andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no Código do IMI, tal como as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal.
m) Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a € 1000 000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS;
n) Acompanhamos a conclusão do Professor Miguel Patrício no processo 132/2013 ao considerar a interpretação feita pela AT, desconforme com a Lei e a CRP[10].
o) E nem se diga que o procedimento da AT se justificará pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal na perspectiva do legislador.
p) Este, ao introduzir na TGIS a verba 28, visou sujeitar a imposto quem tivesse mais capacidade contributiva exteriorizada através de prédios de luxo com afectação habitacional.
q) Como se sabe, imóveis como o do caso concreto, são já bem antigos, com rendas, a maioria das vezes, bem abaixo do mercado, já possuidores de acentuada degradação e que de forma alguma poderiam estar na “mens legislatóris”.
IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, considerando ilegais as notas de liquidação de IS aqui impugnadas, a sua anulação com todas as consequências legais daí advindas.
b) Valor do processo € 2 663,83, tendo em vista as disposições contidas no artigo 299º nº1 do CPC[11], 97-A do CPPT[12] e artigo 3º nº2 do RCPAT[13].
c) Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22 do RJAT, fixando-se o seu montante em € 612,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.
Notifique
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2015
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.
O árbitro singular,
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[2] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[3] Acrónimo de imposto do Selo
[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[5] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[6] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[8] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis
[9] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[10] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa
[11] Acrónimo de Código de Processo Civil
[12] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária