Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 317/2014-T
Data da decisão: 2014-11-26  IMT  
Valor do pedido: € 27.625,00
Tema: IMT - Benefícios fiscais relativos a empreendimento turístico; princípio da
segurança jurídica
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 317/2014-T

Tema: IMT - Benefícios fiscais relativos a empreendimento turístico; Princípio da segurança jurídica.

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 3.04.2014, o Requerente, A…, contribuinte número …, com domicílio na Urbanização …, em …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, de 18.02.2014, no valor de 27.625,00 €, a que se refere o documento….

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 11.06.2014.

 

3. A Requerida devidamente notificada, apresentou resposta e juntou o processo administrativo, nos termos do artigo 17º do RJAT.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

a) Que a compra da fração autónoma pelo Requerente beneficia de isenção de IMT, ao abrigo do art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, uma vez que, no seu entender, da correta interpretação desta norma decorre que se incluem no seu âmbito as transmissões efetuadas para os adquirentes das frações aquando da primeira transmissão destas, beneficiando os adquirentes do mesmo estatuto que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário, uma vez que as frações, enquanto elementos funcionais do empreendimento no seu todo, se enquadram ainda no processo de instalação do mesmo.

 b) Que a liquidação sub judice é violadora dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da boa-fé, por a mesma desconsiderar o controlo prévio da legalidade da isenção por parte do Notário e do Conservador do Registo Predial e, também, porquanto a AT, sabendo e não podendo desconhecer a concessão da isenção, só agora venha exigir o pagamento do imposto que alega ter sido omitido.

c) Que a liquidação consubstancia a revogação ilegal dum benefício fiscal constituído na esfera jurídica do Requerente porquanto se constituiu um direito na esfera jurídica deste que, por não ter sido contestado ou revogado em devido tempo se consolidou, sendo o ato tributário sub judice violador dos artigos 140º e 141º do Código de Procedimento Administrativo.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, sustentando, em resumo, o seguinte:

a) A aquisição efetuada pelo Requerente não se integra na instalação de empreendimento, uma vez que este emerge como um procedimento que compreende os atos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para a finalidade turística, destinando-se a aquisição efetuada pelo Requerente, ao invés, à exploração comercial do empreendimento, não beneficiando, pois, da isenção estabelecida na norma legal em questão.

b) Ao contrário do sustentado pelo Requerente, a liquidação sub judice não é violadora dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da boa-fé, uma vez que o Notário e o Conservador são autoridades públicas incumbidas de um dever de fiscalização em geral, mas sem competências que lhes permita apurar a situação jurídico-tributária do contribuinte, substituindo-se à AT pelo que, o entendimento do Notário segundo o qual a transação estaria isenta de IMT, não se afigura suscetível de investir o Requerente de um direito ou legítima expetativa.

c) Que a liquidação não consubstancia a revogação ilegal dum benefício fiscal pois que a isenção fiscal previsto nº nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei 423/83 é de natureza automática, decorrendo diretamente da lei sendo, por conseguinte, insuscetível de ser concedido por ato administrativo e, ainda menos, por entidade sem poderes para o efeito, como é o caso do Notário, não sendo os artigos 140º e 141º aplicáveis à situação em apreço.

 

6. Por despacho de 29.10.2014 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º, nº 1, do RJAT, com fundamento na sua desnecessidade.

As partes apresentaram alegações escritas nas quais mantiveram as suas posições.

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Se a compra da fração autónoma pelo Requerente beneficia de isenção de IMT, ao abrigo do art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.

b) Se a liquidação sub judice é violadora dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da boa-fé.

c) Se a liquidação consubstancia a revogação ilegal dum benefício fiscal constituído na esfera jurídica do Requerente.                                                                                   

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. O tribunal considera provados os seguintes factos:

 

1.                  Por escritura pública outorgada no cartório Notarial de Loulé, em ….06.2006, o Requerente comprou à sociedade B... - …, S. A., pelo preço de 425.000,00 €, a fração designada pelas letras “BI”, fração imobiliária número …, no piso …, corpo …, do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... sob o nº …, classificado para fins turísticos, integrado no Empreendimento turístico “C...” sito na Avenida …, em …, freguesia de ... e concelho de Loulé.

2.                  Da referida escritura pública consta que “Esta transmissão encontra-se isenta do pagamento de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, nos termos do disposto no art. 20º do Decreto-Lei número 423/83 de 5 de Dezembro”.

3.                  Consta ainda da escritura pública a certificação da “existência da ficha técnica de habitação e de que a mesma foi entregue ao representante do comprador”.

4.                  O prédio em que se integra a fração dispunha à data da compra e venda da licença de utilização turística número …/05 de 30 de Setembro de 2005, emitida pela Câmara Municipal de Loulé, relativa ao prédio, na sua totalidade.

5.                  Por despacho do Secretário de Estado do Turismo, de … de Junho de 2005, foi atribuída a utilidade turística a título prévio ao empreendimento turístico.

6.                  Por despacho do Secretário de Estado de … de Maio de 2007, foi confirmada a utilidade turística atribuída a título prévio ao conjunto turístico “C...” de que é requerente a empresa B...-…, SA.

7.                  Em 18.2.2014, os Serviços Centrais da Direção-Geral dos Impostos procederam à liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor de 27.625,00 €, a que se refere o documento ….

8.                  A liquidação em causa teve por base as conclusões apuradas no decurso de ação de inspeção tributária, efetuada pelos Serviços da Direção de Finanças de Faro, que decorreu de 18.07.2013 a 5.09.2013.

9.                   Das conclusões do relatório de ação inspetiva, datado de 10.10.2013, consta, designadamente, o seguinte:

“(…) De acordo com o nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 e com o nº 6 do art. 31º do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12/11, as aquisições de prédios urbanos destinados à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística são isentas de IMT e o imposto de selo é reduzido a 1/5.

Porém, verificou-se que o sujeito passivo adquiriu o imóvel sito num empreendimento turístico já construído e instalado, pelo que, não poderia ter beneficiado de tal isenção nos termos do nº 1 art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 de 5/12, uma vez que só poderiam beneficiar de isenção de IMT as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística.

Esta interpretação da lei é também defendida no acórdão nº 3/2013 de 23 de Janeiro do Supremo Tribunal Administrativo, publicado no Diário da República 1ª série nº 44 de 4/3/2013, referente ao processo nº 962/12 (…)”.

 

 

10. Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

 

11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto dada como provada alicerçou-se nos documentos juntos ao processo pelo Requerente (cópia do documento que titula a liquidação sub judice e cópia de escritura pública de contrato de compra e venda que deu origem à mesma), bem como dos documentos constantes do processo administrativo.

 

III- O Direito aplicável

 

12.Dispõe o artigo 20º, nº 1 do Decreto-Lei 423/83, de 5 de Dezembro que “São isentas de sisa e de imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto de selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao publico do empreendimento”.

 

Sustenta o Requerente que a primeira aquisição de cada fração autónoma enquanto unidade de alojamento do empreendimento turístico se integra, ainda, no processo de instalação deste empreendimento, reunindo as condições legais para beneficiar do regime previsto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, dada a utilidade turística reconhecida a este empreendimento pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo e que abrange todas as unidades que o compõem.

 

Por sua vez, a Requerida expressa entendimento no sentido de que, da norma do n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, apenas beneficiam as aquisições de prédios ou de frações autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos e não as aquisições de frações autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração.

 

Requerente e Requerida estão de acordo que os benefícios fiscais previstos no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, se dirigem à "instalação" de empreendimentos declarados de utilidade turística, divergindo, contudo, sobre o âmbito do respetivo conceito.

 

Vejamos.

 

À data do contrato de compra e venda que constitui o facto tributário fundamento da liquidação sub judice, estava em vigor o Decreto-Lei nº 167/97 de 4 de Julho, cujo art. 9º dispunha, que “Para efeitos do presente diploma, considera-se instalação de empreendimentos turísticos o licenciamento da construção e ou da utilização de edifícios destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos”.

 

Por outro lado, o art. 24º, nº 1, do mesmo diploma, estabelecia que “O funcionamento dos empreendimentos turísticos depende apenas de licença de utilização turística, a emitir nos termos do disposto nos artigos seguintes (…)”.

 

Face a estas normas, entendemos que não pode deixar de se considerar que, existindo licença de utilização turística, o empreendimento está apto a funcionar e consequentemente, instalado.

 

A questão não foi substancialmente alterada pelo atual regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março. Como se pode ler no acórdão do STA nº 3/2013, de 23.01.2013, processo nº 968/12, 2ª Secção[1], em julgamento ampliado, nos termos do art. 148º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ”o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística”.

Neste mesmo acórdão o Tribunal uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

"O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação".

 

Este entendimento, a que aderimos, por se nos afigurar consubstanciar a correta interpretação da lei, é atualmente consensual na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.[2]

Nesta conformidade, não podemos deixar de concluir que a compra efetuada pelo Requerente não se destinou à instalação do empreendimento pelo que, não se subsume na previsão do artº 20º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não beneficiando, em consequência, da isenção prevista nesta norma.

 

 

13. Relativamente à invocação de que a liquidação sub judice é violadora dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da boa-fé, conforme alegado pelo Requerente, afigura-se-nos que devem ser ponderados os seguintes aspetos:

- A compra efetuada pelo Requerente ocorreu em 25.06.2006 e foi outorgada perante Notário.

- Ficou exarado na escritura que a compra estava isenta de IMT nos termos do disposto no art. 20º do Decreto-Lei número 423/83 de 5 de Dezembro.

- Em 2013, a Requerida promoveu uma inspeção ao Requerente, da qual resulta a posição da ATA de tributar a aquisição em causa, que veio a ser concretizada pela liquidação datada de 18.02.2014.

 

Adicionalmente é de referir que decorre da al. a), do nº 4 do art. 49º do CIMT, que os Notários devem submeter, até ao dia 15 de cada mês à Direção-Geral dos Impostos, em suporte eletrónico “Uma relação dos atos ou contratos sujeitos a IMT, ou dele isentos, efectuados no mês antecedente, contendo, relativamente a cada um desse actos, o número, data e importância dos documentos de cobrança ou os motivos da isenção, nomes dos contratantes, artigos matriciais e respectivas freguesias, ou menção dos prédios omissos;”

 

Sobre esta temática escreve Sérgio Vasques “(…) se  este princípio da segurança jurídica, radicado no art. 2º da Constituição da República, se dirige a todas as áreas de intervenção legislativa e da prática da administração, é evidente que no domínio tributário ele reveste redobrada acuidade, desde logo porque os tributos representam uma ablação coactiva do património. Ao planear a sua actividade e ao gerir o seu dia-a-dia, famílias e empresas precisam de confiar na lei tributária e nas orientações da administração, fundando nestas muitas das decisões cujos efeitos económicos se prolongam no tempo” (Manual Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 290).

 

Por sua vez, diz-nos Domingos Pereira de Sousa que “Enquanto princípio jurídico, a segurança jurídica não se confunde com as normas jurídicas, antes constitui um factor estruturante de todo o sistema jurídico e, por isso, está presente quer ao nível da criação da norma, quer nos planos da sua interpretação e aplicação aos casos concretos” (Direito Fiscal e Processo Tributário, Coimbra Editora, 2013, pág. 106).

 

Ainda sobre este importante princípio, escreve Casalta Nabais que “Uma ponderação a que ainda haverá que proceder no caso de a administração ou de o próprio legislador, através da imposição retroactiva duma interpretação correcta da lei fiscal, pretender recuperar impostos não cobrados em virtude de a anterior interpretação ilegal da administração os excluir da zona de incidência ou de os atirar para os benefícios fiscais. Também a um tal venire contra factum proprium o princípio da protecção da confiança impõe limites” (Direito Fiscal, Almedina, 3ª Edição, 2005, pág. 150).

 

Afigura-se-nos que a violação do princípio da segurança jurídica pela administração, nos casos em que se consubstancia numa conduta contraditória, lesiva da confiança suscitada no contribuinte, acaba por redundar na violação do princípio da boa-fé reconhecido nos arts. 59º, nº 1, e 68º da LGT e constitucionalmente consagrado no art. 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

 

A este respeito, considerou o STA no acórdão de 28-01-2009, proferido no processo 0699/08[3]:

 

“Embora tenha o seu domínio primacial de aplicação no que toca aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, a verdade é que tem vindo a ser colocada a possibilidade, nomeadamente, do princípio da boa fé ser aplicado no caso de actos praticados no exercício de poderes vinculados, já que o texto do artigo 266.º da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa – ver anotação 7 à obra acima citada.

Todavia, no confronto entre os princípios da legalidade e da boa fé deve ser ponderada cada situação em concreto por forma a poder concluir-se se da prevalência do primeiro, em sentido estrito, resulta uma flagrante injustiça para o contribuinte, acarretando-lhe um desproporcionado e intolerável prejuízo.

Só neste último caso, a violação do princípio da boa fé, na sua dimensão de protecção da confiança dos particulares e enquanto integrante do bloco de legalidade, em sentido lato, deve revestir efeitos invalidantes do acto tributário praticado.
 

No caso concreto, há que observar que a menção na escritura pública de que a transmissão em causa se encontrava isenta de IMT, da responsabilidade do Notário, profissional dotado de fé pública no exercício da sua função[4], é idónea a criar no contribuinte a convicção de que tal isenção existia e de que não teria a obrigação de suportar o imposto em causa[5].

Por outro lado, consideramos que a circunstância de terem decorrido cerca de sete anos até que a Requerida, em procedimento inspetivo, tivesse explicitado posição diversa é suscetível de solidificar tal convicção.

 

Todavia, há também que observar que, no caso sub judice, não foi uma atuação da Requerida que criou a convicção do Requerente na existência da isenção e, por outro lado, que a lei prevê nos arts. 59º, nº 1, al. e) e 68º, da Lei Geral Tributária, o mecanismo, que o Requerente não utilizou, adequado a provocar a tomada de posição da administração fiscal antes da ocorrência do facto tributário[6].

Nestas circunstâncias, não se podem ter por violados os princípios em questão.

 

Acrescente-se que, sempre seria de considerar que da tributação em causa não resulta para o Requerente, nas palavras do acórdão do STA de 28-01-2009, proferido no processo 0699/08 acima citado, “uma flagrante injustiça” nem um “desproporcionado e intolerável prejuízo”, na medida em que a mesma resulta apenas da aplicação correta da lei ao caso concreto, no respeito pelos princípios da legalidade e da igualdade.

Com efeito, conforme se considerou neste acórdão:

“(…) no caso “sub judicio”, sendo de realçar que não foram liquidados juros moratórios, a liquidação (…), sendo justificada por razões de interesse publico e de acordo com regras de incidência tributária que são uniformemente aplicáveis a todos os contribuintes em iguais circunstâncias.
Desta forma, ao invés de poder constituir uma flagrante injustiça para as recorrentes, o acto tributário de liquidação realizado teve um contributo de reposição da igualdade entre esses contribuintes
.”

 

Pelas razões expostas, entende o Tribunal que o ato tributário impugnado não é violador dos princípios da segurança e certeza jurídicas e da boa-fé.

 

14. Entende ainda o Requerente que a liquidação consubstancia a revogação ilegal dum benefício fiscal constituído na esfera jurídica do Requerente e o art. 140º do Código de Procedimento Administrativo veda a possibilidade de revogação, o mesmo sucedendo à luz do art. 141º do mesmo Código e do art. 12º, nº 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais[7].

Todavia, decorre dos arts. 20º e 21º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro, que o  beneficio fiscal em causa é automático, não dependendo de qualquer ato administrativo de reconhecimento por parte da administração[8].

De resto, não resulta da matéria de facto provada ter ocorrido qualquer ato administrativo de reconhecimento do benefício fiscal em causa, nem sequer o Requerente invoca a existência do mesmo.

Assim sendo, como é bom de ver, a liquidação em causa não constitui revogação de um ato administrativo anterior, sendo inaplicáveis ao caso dos autos os artigos 140º e 141º do Código de Procedimento Administrativo.

Termos em que, se conclui que a liquidação em causa não consubstancia revogação ilegal dum benefício fiscal.

 

 

IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada.

 

 

Valor da ação: 27.625,00 € (vinte e sete mil seiscentos e vinte e cinco euros), nos termos do disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

 

Custas pelo Requerente, no valor de 1.530,00 € (mil quinhentos e trinta euros), nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

 

 

 

Lisboa, CAAD, 26 de Novembro de 2014.

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 



[1] Que pode ser consultado em “www.dgsi.pt”

[2] Na sequência do acórdão de uniformização de jurisprudência referido, este entendimento foi perfilhado nos acórdãos do STA, de 23.1.2013, Procs. 01001/12, 01005/12 e 01069/12, de 30.1.2013, Procs. 0970/12, 0971/12, 0972/12, 0999/12, 01003/12 e 01193/12, de 6.2.2013, Proc. 01000/12, de 8.2.2013, Proc. 01004/12, de 17.4.2013, Procs. 01023/12 e 01002/12, de 23.4.2013, Proc. 01195/12, de 11.9.2013, Proc. 01049/13, de 25.9.2013, Proc. 01038/13, de 9.10.2013, Procs. 01050/13, 1040/13 e 01015/13, de 18.10.2013, Proc. 01048/13, de 30.10.2013, Proc. 01052/13, de 13.11.2013, Proc. 01054/13, de 4.12.2013, Proc. 0824/13, de 29.1.2014, Proc. 01043/13, de 5.2.2014, Procs. 01041/13, 01047/13 e 01917/13, de 26.2.2014, Procs. 0860/13 e 08763, de 2.4.2014, Proc. 01914/13, de 9.4.2014, Proc. 0859/13, de 28.5.2014, Proc. 0291/14 e de 18.6.2014, Proc. 01527/13, de 17.09.2014, Proc. 01228/13, entre outros.

Foram também neste sentido as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 102/2014-T (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_imt=1&s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&listPage=2&id=367) e 104/2014-T (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_imt=1&s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&listPage=2&id=345).

[3] Que pode ser consultado no sítio da internet “www.dgsi.pt”.

[4] Nos termos do art. 1º, nº 1 do Estatuto do Notariado “O notário é o jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública.”

[5] É de observar, porém, que não existe qualquer “presunção de legalidade” dos atos do Notário na área fiscal, prevendo até o nº 6 do art. 49º do CIMT a responsabilidade solidária do Notário com o sujeito passivo “desde que tenham colaborado na falta de liquidação ou arrecadação do imposto ou (…) não tenham exigido o documento comprovativo do pagamento ou da isenção, se for caso disso”.

[6] Nas palavras de Saldanha Sanches “quando o sujeito passivo obtém uma informação vinculativa segunda a qual ao facto y se aplica o regime x, não pode a Administração, mesmo que posteriormente se convença de que a decisão está errada (…)”  (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Edição, 2007, pág. 205).

 

[7] Na numeração à data do facto tributário. Atual artigo 14º, nº 4 deste diploma.

[8] Como escreve Jorge Lopes de Sousa “Como resulta do preceituado no nº 1 deste art. 65º, na falta de disposição legal que preveja o benefício automático, é necessário o seu reconhecimento. No entanto, como decorre da definição de benefício fiscal automático que consta do art. 4º, nº 1, do EBF, não é necessário que essa disposição legal refira expressamente esse automatismo, bastando que ele resulte de a lei atribuir direta e imediatamente o benefício, sem fazer depender a sua relevância de prévio reconhecimento, o que significa que, na prática, se estará perante um benefício automático, sempre que a lei não previr a necessidade de reconhecimento” (Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 2006, págs. 508-509)