AS PARTES
Requerente: A..., NIF..., com domicílio na Rua ..., n. º..., ..., ..., ...-... Lisboa.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
a) Em 28-03-2014, A..., NIF..., entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
b) O pedido está assinado por advogados cuja procuração foi junta.
O PEDIDO
c) O Requerente peticiona a anulação do acto de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), no valor de € 20.415,40, emitido pelo Serviço de Finanças de ... ... (...), conforme ofício ... de 29.11.2013, deste serviço de finanças.
d) Imposto liquidado pelo facto de ter adquirido a fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, freguesia da ..., em 20.11.2008, com benefício de utilidade turística (artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro) que a AT considera ser indevido.
e) Alega que adquiriu a fracção autónoma no “pressuposto, indicado pela vendedora e apurado nos termos expressos constantes da lei, de que aquela operação em concreto beneficiaria da isenção de IMT prevista no artigo 20° do Decreto-Lei 423/83, de 5 de Dezembro”, e que “adquiriu aquela fracção tendo em vista a sua instalação como componente do empreendimento turístico integrado B..., visando justamente a sua exploração comercial e a obtenção do retorno e acréscimo do investimento ali efectuado”.
f) E que “tendo em vista a exploração comercial da referida fracção, o Requerente celebrou com a C..., S.A. um contrato de exploração turística, nos termos do qual cedia a esta sociedade o direito exclusivo de exploração da fracção”, sendo esta empresa “a exploradora do Hotel e dos apartamentos turísticos, ambos com a classificação de 5 estrelas, que integram o conjunto turístico B...”.
g) Dissentindo da liquidação, conclui que “actuou como promotor do empreendimento em que se integra a fracção … contribuiu activamente para o financiamento das obras em curso”, “fê-lo sempre na óptica do investimento e do rendimento que dali adviria para si” e que “a concessão da isenção foi fundamental para a decisão de aquisição da fracção”.
h) Defende que a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro, deve abranger “no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, beneficiando estes do mesmo estatuto privilegiado que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário”.
i) Posto que são estes que suportam o “ónus do investimento”, e porque “o processo de instalação de um empreendimento imobiliário de utilidade turística, enquanto unidade organizacional destinada à prestação de serviços de turismo, só cessa quando, depois de construído e licenciado o conjunto imobiliário, o mesmo se mostra apto a funcionar nos termos que lhe permitiram alcançar o estatuto de utilidade turística, isto é, quando se mostra apto a ser afectado à actividade de exploração turística com a qualidade exigida no despacho ministerial que lhe concedeu esse estatuto”, tratando-se de empreendimento em propriedade plural, a aquisição de unidades de alojamento corporiza “investimento na criação/instalação de oferta turística portuguesa, num produto imobiliário de investimento em turismo”.
j) E acrescenta “… quem adquire uma dessas novas fracções num conjunto turístico em propriedade plural, tornando-se contitular do aldeamento, comparticipa ainda na sua instalação, na medida em que este não pode considerar-se integralmente instalado enquanto as respectivas unidades de alojamento não se encontram aptas a funcionar e a ser exploradas por falta de prévia aquisição nesse regime de propriedade”.
k) E que deve relevar o facto de existir uma isenção de IMI como dispõe o n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que refere que “Ficam isentos de contribuição autárquica por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.”
l) E igualmente o facto da isenção não ter sido colocada em causa pelo Notário que a verificou na escritura e pelo Conservador que lavrou o registo predial da aquisição (nº 1 do artigo 49º do Código do IMT e nº 1 do artigo 72º do Código de Registo Predial).
m) Nem em momento posterior a AT colocou em causa a isenção, pelo que a liquidação impugnada não está conforme os princípios de certeza e segurança jurídica, colocando em causa direitos adquiridos e os princípios da boa-fé e transparência.
n) Termina referindo: “…no caso em apreço, estavam plenamente reunidos todos os requisitos formais e substanciais para a concessão do benefício, pelo que, nestes termos, desde logo, o acto de liquidação que o revoga é, de per si, ilegal e suficientemente apto para defraudar as pretensões da AT” pelo que “não pode proceder ainda, nos termos expostos, a revogação da concessão do benefício fiscal, nos termos do citado artigo 141.º do CPA.”
o) Termina peticionando a anulação do acto tributário identificado em c) e d), com as consequências legais.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
p) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 02.04.2014.
q) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 20.05.2014.
r) Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 04.06.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.
s) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 06.06.2014 que aqui se dá por reproduzida.
t) Em 04.06.2014 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT.
u) No dia 22.09.2014 realizou-se a reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT. Foi conferido prazo de 10 dias às partes para alegações escritas e sucessivas. Foi ainda admitida a junção aos autos do testemunho de D... produzido no processo 102/2014-T.
v) Em 22.10.2014 o Requerente apresentou alegações escritas e a Requerida apresentou as suas alegações em 03.11.2014.
w) Consigna-se que se obteve no CAAD no dia 07.11.2014, pelas 14.30 horas, a gravação do depoimento de D..., produzido no âmbito do processo CAAD 102/2014-T, aproveitando esse contributo para este processo uma vez que se trata de casos com total identidade de substância jurídica (segundo a posição expressa ou implícita das partes neste processo).
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
x) Legitimidade, capacidade e representação - As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.
y) Contraditório - a AT foi notificada nos termos do inciso t) deste Relatório. Todos os despachos produzidos no processo e todos os documentos juntos foram notificados à contraparte.
z) Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE
Quanto à eventual ilegalidade do acto de liquidação por desconformidade com a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro
aa) Entende a Requerente que a liquidação não está conforme a lei porque “actuou como promotor do empreendimento em que se integra a fracção … contribuiu activamente para o financiamento das obras em curso”, “fê-lo sempre na óptica do investimento e do rendimento que dali adviria para si” e que “a concessão da isenção foi fundamental para a decisão de aquisição da fracção”.
bb) Defende que a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro, deve abranger “no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, beneficiando estes do mesmo estatuto privilegiado que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário”
cc) Posto que são estes (os adquirentes) que suportam o “ónus do investimento”, e porque “o processo de instalação de um empreendimento imobiliário de utilidade turística, enquanto unidade organizacional destinada à prestação de serviços de turismo, só cessa quando, depois de construído e licenciado o conjunto imobiliário, o mesmo se mostra apto a funcionar nos termos que lhe permitiram alcançar o estatuto de utilidade turística, isto é, quando se mostra apto a ser afectado à actividade de exploração turística com a qualidade exigida no despacho ministerial que lhe concedeu esse estatuto”, tratando-se de empreendimento em propriedade plural, a aquisição de unidades de alojamento corporiza “investimento na criação/instalação de oferta turística portuguesa, num produto imobiliário de investimento em turismo”;
dd) E acrescenta “… quem adquire uma dessas novas fracções num conjunto turístico em propriedade plural, tornando-se contitular do aldeamento, comparticipa ainda na sua instalação, na medida em que este não pode considerar-se integralmente instalado enquanto as respectivas unidades de alojamento não se encontram aptas a funcionar e a ser exploradas por falta de prévia aquisição nesse regime de propriedade”.
ee) E que deve relevar o facto de existir uma isenção de IMI como dispõe o n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que refere que “Ficam isentos de contribuição autárquica por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.”
ff) E igualmente deve relevar o facto da isenção não ter sido colocada em causa pelo Notário que a verificou na escritura e pelo Conservador que lavrou o registo predial da aquisição (nº 1 do artigo 49º do Código do IMT e nº 1 do artigo 72º do Código de Registo Predial).
gg) Em momento posterior a AT não colocou em causa a isenção, pelo que a liquidação impugnada não está conforme os princípios de certeza e segurança jurídica, colocando em causa direitos adquiridos e os princípios da boa-fé e transparência.
hh) Nas suas alegações suscita-se a apreciação do testemunho de D... produzido no processo 102/2014-T, numa situação em tudo idêntica à deste processo, no sentido de se concluir que “os adquirentes das fracções foram co-financiadores do empreendimento, o qual, aliás, só avançou após estar reunida uma pool de investidores”.
ii) Propugna no sentido de que se verificam os pressupostos para o funcionamento do benefício fiscal em causa uma vez que “foi a intervenção dos adquirentes que viabilizou a concretização e instalação do empreendimento, estando claro desde o início que estes assumiam a sua intervenção em parceria com o promotor e seguindo o plano determinado por este”.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
Quanto à eventual ilegalidade do acto de liquidação por desconformidade com a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro.
jj) A AT discorda contra o facto do Requerente entender a aquisição do imóvel em causa, ocorrida em 2008-11-20, se enquadra ainda no processo de instalação do empreendimento turístico B..., cuja utilidade turística, a título prévio, foi atribuída em 2005-06-02, posteriormente confirmada em 2007-05-07, pelo prazo de sete anos a contar da data da sua abertura ao público em 2005-09-30.
kk) E não considera “… aceitável que, se considere depois de passados mais de três anos sobre a abertura ao público do empreendimento turístico, que a aquisição da fracção pelo Requerente visava ainda a instalação do mesmo”.
ll) Fundamenta a sua posição na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2013-01-23, proferido em julgamento ampliado, nos termos do disposto no artigo 148.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 44, de 2013-03-04, que uniformizou jurisprudência no que diz respeito aos conceitos de “exploração” e “instalação”).
mm) E conclui: “a decisão vertida no douto aresto – referido no inciso anterior - e que fundamentou o ato de liquidação de IMT ora impugnado, é alicerçada em sólida fundamentação jurídica, cujos vértices mais relevantes”.
nn) Expressa ainda que “tendo o empreendimento qualificado como Conjunto Turístico B..., aberto ao público em 2005-09-30, é manifesto que a venda da fracção em causa, em 2008-11-20, ocorreu quando o empreendimento já se encontrava, sem qualquer dúvida, em funcionamento e exploração”.
oo) E que a própria escritura e compra da fracção autónoma diz textualmente que “… se destina a exploração turística”.
pp) Quanto à alegada “inconsistência lógico-sistemática” propugnada pelo Requerente, aduz que, quanto a esse aspecto “…vê o Supremo Tribunal Administrativo uma coerente evolução legislativa que excluiu, desde sempre, a isenção de imposto na aquisição de fracções autónomas em empreendimentos turísticos já instalados”.
qq) Por outro lado, contesta que a intervenção do Requerente (antes de adquirir a fracção) afaste a realidade factual do promotor do empreendimento turístico ter sido uma sociedade que não ele, sendo o papel, anteriormente desempenhado, irrelevante, uma vez que a aquisição do bem imóvel ocorreu em 2008-11-20, muito para além da conclusão física do empreendimento.
rr) Refere que “… não basta ao Requerente alegar que agiu “na convicção de que estava a actuar dentro das fronteiras da legalidade” ou invocar “uma grave injustiça”, com o intuito de fundamentar uma alegada actuação de má-fé administrativa”, uma vez que “…a transmissão do imóvel não reunia, ab initio, os requisitos legais para beneficiar de isenção de IMT”, concluindo que “inexiste na esfera jurídica do Requerente qualquer legítima expectativa merecedora de tutela”, “Nem se vislumbra qualquer grave injustiça para com o Requerente que possa resultar do cumprimento da lei fiscal”.
ss) “Sobre a invocada violação de princípios constitucionais decorrente da aplicação da norma do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, já o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou em variados acórdãos, rejeitando, inequivocamente, tal arguição. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão proferido no Processo n.º 01046/13, de 2014-03-26”.
tt) Quando à invocação da “revogação ilegal de um ato válido porque constitutivo de direitos, nos termos do artigo 140.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e a eventual revogação da isenção de imposto só poderia ter lugar no prazo previsto no artigo 141.º do CPA”, refere a AT que em ambas as normas se pressupõe a existência de um ato administrativo (na definição do artigo 120º do CPA), no caso de concessão ou reconhecimento de um benefício fiscal, invocando-se para tal a própria literalidade do nº 1 do artigo 141º do CPA e o nº 4 do artigo 14º do EBF, o que no caso não se verifica por se tratar de benefício fiscal automático.
uu) Conclui: “A Administração não proferiu qualquer decisão de reconhecimento ou concessão de um benefício fiscal ao Requerente nos termos previstos no artigo 5.º do EBF”. O que ocorreu foi que “... aquando da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, foi indevidamente considerado que o Requerente reuniria os requisitos legalmente previstos para a isenção de IMT”, “o que … configurou uma incorrecta interpretação e aplicação da lei fiscal em relação à qual a Administração fiscal e os seus órgãos são absolutamente alheios”.
vv) Em alegações a AT manteve, na essência, tudo o que já tinha referido em sede de resposta ao pedido de pronúncia.
ww) Propugnando pela legalidade do acto tributário porque configura uma correcta aplicação da lei aos factos “nos termos do artigo 2.º, n.º 1, conjugado com os artigos 4.º, 5.º e 12.º, n.º 1, à taxa prevista na actual alínea d) do artigo 17.º, todos do Código do IMT”.
xx) Em 10.11.2014 foi emitida decisão por este TAS que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral (PPA) da qual a AT recorreu para o TCA Sul.
yy) Em 08.04.2019 foi junto ao processo um acórdão do TCA Sul que anulou a decisão do TAS atrás indicada com o fundamento de que foi levada em conta uma fundamentação que não foi alegada pelo Requerente, o qual o TAS não podia tomar conhecimento, ocorrendo excesso de pronúncia e falta de contraditório prévio, gerador de uma verdadeira decisão surpresa.
zz) Por despacho de 26.10.2019 foram as partes convidadas a emitir os seus pontos de vista quanto à factualidade geradora de nulidade da decisão, não tendo qualquer usado dessa faculdade.
II - QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
Quanto a esta matéria verifica-se que há decisões do CAAD divergentes, trazidas ao processo pelas partes.
Relativamente ao depoimento da testemunha referida em w) do Relatório, o TAS conclui que o mesmo versa sobre o relacionamento contratual entre o Requerente, antes de adquirir a fracção autónoma e depois de a adquirir, com o promotor e com a entidade que explora o empreendimento.
Quanto à questão de fundo, a jurisprudência consolidada do STA é clara: a norma isentiva aqui em causa apenas abrange a “instalação” e não a “exploração”.
O Requerente pretenderá, no fundo, caracterizar a sua actuação ao nível da contratação, nas relações comerciais com a empresa promotora, por interpretação extensiva, na noção de “instalação”, para depois propugnar pelo direito ao benefício fiscal.
Quanto a casos idênticos, já existem, pelo menos, 3 decisões do CAAD, citadas pela AT, tiradas nos processos n.º 102/2014-T, 104/2014-T e 110/2014-T. Neste último processo, sobre a qualificação/caracterização do tipo de intervenção do Requerente nas relações com a empresa promotora refere-se: “a aquisição da unidade de alojamento no empreendimento turístico, “B...”, ainda que integrado no empreendimento em causa e mesmo que afectas à exploração turística, e inclusivamente que tal exploração turística seja levada a cabo pela entidade exploradora do restante empreendimento turístico, a aquisição da requerente não cumpre um dos requisitos fundamentais do conceito de instalação, pelo que não pode beneficiar das isenções consagradas no artigo 20º, n.º 1 do Decreto-Lei 423/83”.
Trata-se de juízos de valor concretos sobre situações em concreta, idênticas às deste processo, tendo em conta a própria descrição dos factos feitos pela Requerente no pedido de pronúncia.
Refira-se que a decisão CAAD que o Requerente juntou ao processo e que foi no sentido do acolhimento do seu ponto de vista, tem a ver com uma situação ocorrida antes da vigência do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março (regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos), entretanto alterado pelo Decreto-Lei nº 228/2009, de 14 de Setembro e pelo Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 de Janeiro.
O TAS está subordinado ao “direito constituído” conforme nº 2 do artigo 2º do RJAT.
Face a uma matéria com tanta unanimidade de leituras pelos titulares do mais alto Tribunal Judicial (o STA) e face ao decidido no CAAD, não vemos razão para aqui se entender de forma diferente, porque aliás, aderimos aos fundamentos do doutamente decido pelo STA e ao decidido nos processos do CAAD acima indicados, na vertente da separação do que é instalação versus exploração e quanto à qualificação/delimitação dos conceitos.
Digamos que, mesmo que o TAS levasse em conta a factualidade alegada nos artigos 12º, 13º e 16º a 38º do pedido de pronúncia, na lógica do discurso utilizado, a verdade é que, no fundo o Requerente pretenderia beneficiar de duas isenções de IMT (benefícios económicos):
• Uma enquanto promotor (associado ao promotor);
• Outra enquanto adquirente de uma fracção autónoma (em que aumenta o seu acervo patrimonial).
Se o Requerente pretende caracterizar a sua intervenção ao nível da viabilização económica do empreendimento na primeira fase: a instalação, pois bem, nas aquisições que aí se processaram já beneficiou economicamente da isenção de IMT que aí certamente operou. Já teve a benefício económico correspondente. Já teve um auxílio de Estado, porque os benefícios fiscais são “despesa fiscal” e como tal são auxílios de Estado segundo a legislação comunitária. Já ocorreu o contributo de todos os contribuintes para a promoção da actividade turística.
Defender, por esse facto, que depois ainda teria direito a outro subsequente benefício fiscal (na aquisição de unidades de alojamento) é que nos parece discutível, face ao princípio fiscal de que se tributa o “acréscimo patrimonial”. A ser como o Requerente pretende, verifica-se que já teve, na primeira fase, na sua associação ao promotor no que pretende caracterizar de “fase da instalação”, esse “acréscimo patrimonial” implícito, por ter suportado um custo menor.
A lei parece prever um benefício fiscal e não dois benefícios fiscais (numa perspectiva de acréscimo patrimonial), em dois momentos factuais distintos. Nada impediria que pudesse estender-se o benefício fiscal, por interpretação extensiva, raciocínio por paridade de razão, aos dois momentos do empreendimento: instalação versus exploração, nas situações em que, tal como propugna o Requerente, os adquirentes de unidades tenham sido de facto os financiadores do mesmo e sem esse financiamento a instalação não poderia ocorrer, desde que v.g. na escritura constasse – e isso correspondesse à verdade material - que o concreto preço da unidade adquirida foi entregue antecipadamente para financiar a instalação e o preço exarado na escritura reflectia, para menos, o acréscimo patrimonial implícito ocorrido por via do benefício de IMT verificado na fase de instalação.
Estamos perante um benefício fiscal que é automático na definição do nº 1 do artigo 5º do EBF - depende directamente da lei, de uma norma jurídica. Na medida em que é automático, a sua atribuição ou verificação não gera um acto administrativo, pelo que a sua extinção, por revogação, ao abrigo do nº 4 do artigo 14º do EBF não é possível.
A questão que se coloca neste processo tem, no entanto, uma outra dimensão: a do acesso à justiça tributária (direito de impugnação e recurso).
O acesso à justiça tributária – na dimensão jurisdicional - afigura-se-nos dever ser a mais amplo possível, em termos práticos e não numa dimensão meramente programática como poderá parecer da leitura da regra geral do artigo 9º da LGT (e artigo 96º do CPPT).
Ao nível da lei ordinária fiscal é o artigo 95º da LGT (e artigo 97º do CPPT) que concretiza, exemplificando, os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos que podem ser objecto de pleiteio jurisdicional.
O acesso à justiça tributária – na dimensão do procedimento gracioso – (artigo 54º da LGT e artigo 44º do CPPT) deverá, também, ser o mais amplo possível, na medida que visa criar decisões administrativas, com a participação dos contribuintes, que lhes permitam, depois, querendo, dirimir os seus dissentimentos nos órgãos de soberania de administração da justiça.
No caso, uma vez que está em causa a existência ou não de um direito a um benefício fiscal veja-se as alíneas d) e i) do nº 1 do artigo 44º do CPPT, lidos na acepção da alínea c) do nº 1 do artigo 60º nº 1 alínea c) da LGT, ou seja, “qualquer benefício” (a lei não fala em acto administrativo que confere benefícios fiscais) para ser considerado extinto, inexistente na ordem jurídica, parece dever ter que ser precedido de um procedimento tendente à obtenção de uma decisão (um acto) susceptível de permitir ao contribuinte agir perante os tribunais.
Neste processo o que acontece é que se considera, (pelo facto do benefício fiscal contido na norma isentiva do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro, ser de natureza automática e de verificação de pressupostos pelo Notário, na escritura), que não há um acto administrativo e como tal, não é possível revogar o que não existe, enquanto acto administrativo praticado pela AT.
O próprio Requerente considera que o acto de liquidação do IMT revogou o benefício fiscal (artigo 163º do pedido de pronúncia), o que, como já dissemos, não acolhemos, dada a inexistência de coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva.
Parece-nos que se verifica um equívoco factual: o benefício, ainda que sendo automático e de funcionamento “ope legis”, bem ou mal atribuído (como se disse não cumpre aqui sindicar este aspecto directa e expressamente, dada a limitação de competência do TAS), existe, está averbado na escritura. Foi verificado na escritura pelo Notário que entendeu que os seus pressupostos se verificavam.
Partir-se do princípio que, não existindo um acto administrativo que reconheceu o benefício fiscal, o próprio acto em si (que não é por definição um acto administrativo na dimensão do artigo 120º do CPA), praticado pelo Notário, inexiste, é que não estará seguramente em conformidade com a realidade factual.
A AT realizou um procedimento de inspecção e deste passou para o procedimento de liquidação, sem antes abrir um procedimento tendente à discussão concreta dos pressupostos do benefício e sobretudo tendente à obtenção de uma decisão que permitisse ao contribuinte discutir o direito ao benefício fiscal em concreto. Daí que depois o contribuinte venha, neste processo, discutir esse direito, como facto interruptivo que obstaria à liquidação.
É que, como já se referiu, a menos que exista coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva, o procedimento de liquidação, não parece ser o adequado para afastar (implicitamente) da ordem jurídica, ainda que factual, dar sem efeito, qualquer benefício fiscal, mesmo de funcionamento ope lege.
Por outro lado, o procedimento de inspecção tributária não será adequado, neste caso, a produzir uma decisão administrativa sujeita a escrutínio judicial directo (alínea a) do nº 1 do artigo 12º do RCPIT). Em regra, as conclusões do Relatório de Inspecção não são impugnáveis (artigo 11º do RCPIT).
O que se acaba de referir não colide com a jurisprudência relativa à desnecessidade de audição prévia dos contribuintes em procedimento de liquidação quando sobre a matéria já foram ouvidos em sede de inspecção tributária (nº 3 do artigo 60º da LGT) – Acórdão do STA de 16.05.2007, recurso 186/07 em www.dgsi.pt. É que correcções à matéria tributável é algo diferente de extinção ou declaração de ilegalidade de um benefício fiscal que existe, bem ou mal conferido.
Afigura-se-nos que as questões fulcrais a que TAS deverá responder são as seguintes:
1) Questão geral - os benefícios fiscais automáticos na acepção do nº 1 do artigo 5º do EBF, na medida em que não são conferidos por acto administrativo na definição do artigo 120º do CPA, podem ser considerados (implicitamente) em desconformidade com a lei nos procedimentos de liquidação, independentemente da coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva?
2) Questão específica - o benefício fiscal constante da norma isentiva do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05 de Dezembro, que consta na escritura de compra e venda realizada em 2008.11.20, enquanto benefício automático e de funcionamento “ope legis” foi implicitamente declarado ilegal, logo extinto, pelo acto de liquidação levado à prática pela AT e a que se alude nas alíneas c) e d) do Relatório desta decisão?
Da resposta que se der a estas questões resultará a procedência ou improcedência do pedido, sendo que, se a resposta for de forma a concluir-se que se omitiu o procedimento de declaração de ilegalidade do benefício fiscal constante da escritura, por forma a obter-se uma decisão que permitisse a tutela jurisdicional, quando à questão concreta do direito ao benefício fiscal, não será necessário o TAS pronunciar-se sobre os restantes fundamentos invocados pela Requerente no pedido de pronúncia, com eventual reflexo na validade do acto de liquidação, por manifesta inutilidade.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDA-MENTAÇÃO
Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos) como fundamentação:
Factos provados
1) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2005-06-02, cujo aviso foi publicado em Diário da República, ... série, N.º..., de 2005-07-15, foi atribuída a utilidade turística, a título prévio, ao empreendimento qualificado como Conjunto Turístico B..., sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Faro, a levar a efeito pela sociedade E..., S.A., titular do NIPC ...- Folhas 4 e 5 do PA, artigo 6º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido de pronúncia.
2) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2007-05-07, cujo aviso foi publicado em Diário da República, ... série, N.º..., de 2007-06-11, foi confirmada a utilidade turística ao empreendimento qualificado como Conjunto Turístico B..., válida pelo prazo de sete anos, contado a partir da data de emissão da licença de utilidade turística pela Câmara Municipal de ..., que coincidiu com a abertura do empreendimento ao público, em 2005-09-30 - Folhas 4 e 5 do PA, artigo 7º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido de pronúncia.
3) Em 2008-11-20, o Requerente, casado com G..., no regime de comunhão de adquiridos, adquiriu à sociedade E..., S.A. a fracção autónoma R, destinada à habitação, do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...º, sito em ..., freguesia ..., concelho de ...– conforme escritura pública de compra e venda n.º .../..., celebrada naquela data no Cartório Notarial de F..., em Lisboa – Artigo 11º do pedido de pronúncia, folhas 4 do PA e Artigo 8º da Resposta da AT.
4) Declarou-se na escritura referida no inciso anterior que a transmissão do imóvel estava isenta do pagamento do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, conforme despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2 de Junho de 2005 – Folhas 4 do PA, artigo 10º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido.
5) Pela Ordem de Serviço n.º OI2013..., de 2013-08-01, emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, foi aberto procedimento de inspecção interna de âmbito parcial, em sede de IMT, em relação ao ano de 2008 e incidente sobre o facto referido em 3) e 4) – PA junto pela AT, artigo 11º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido.
6) O Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de relatório final no dia 28.10.2013, face á notificação que lhe foi feita pelo ofício ... de11.10.2013, manifestando o seu dissentimento com o projecto de decisão – Folhas 6 do PA.
7) Concluído o procedimento de inspecção referido em 5), foi elaborado o respectivo relatório final, onde se concluiu: “A... e G... ao adquirirem o imóvel à sociedade “E... S.A.”, adquiriram um imóvel num empreendimento já construído e instalado, pelo que não podiam beneficiar da isenção prevista no artigo 20º do Decreto-Lei número 423/83 de 5 de Dezembro, pelo que a aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... fracção R pelo preço de € 314.083,00, encontra-se sujeito a IMT desde 2008/11/20 nos termos do artigo 2º conjugado com os artigos 4º, 5º e nº 1 do artigo 12º do CIMT. Pelos factos anteriormente expostos resultou falta de liquidação de IMT, à taxa prevista no artigo 17º, nº 1 alínea c) do CIMT, (actual alínea d)) do respectivo Código, pelo que se propõe a devida liquidação do imposto.” – PA junto pela AT, artigo 12º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido.
8) Por ofício nº... de 29.11.2013 o Serviço de Finanças de ... ... (...), notificou o Requerente da liquidação de € 20.415,40 a título de IMT e para no prazo de 30 dias solicitar guias para o seu pagamento – Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia, artigo 13º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido de pronúncia.
9) O Requerente celebrou com C... SA um contrato de exploração turística – Artigo 18º da PI e Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.
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A matéria assente resulta dos documentos juntos pela Requerente, do PA e da resposta da AT, na medida em que os conteúdos dos documentos não foram colocados em crise e os factos alegados, levados à matéria assente, foram objecto de consonância da contraparte expressa ou tácita.
Os factos sobre que versou o depoimento da testemunha, constituirão “res inter alios acta” e nessa medida não aproveitarão nem prejudicarão terceiros, para além de serem desinteressantes para a composição deste litígio, na solução que se vai adoptar.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
Questão geral - os benefícios fiscais automáticos na acepção do nº 1 do artigo 5º do EBF, na medida em que não são conferidos por acto administrativo na definição do artigo 120º do CPA, podem ser considerados (implicitamente) em desconformidade com a lei nos procedimentos de liquidação, independentemente da coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva?
Procedimento tributário
No que concerne ao tema das isenções e quanto ao procedimento tributário – artigos 54º da LGT e 44º do CPPT – verifica-se que “o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente: o reconhecimento e revogação dos benefícios fiscais” (alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT).
Desde logo, aqui se poderá constatar uma particularidade. A LGT, além de não ser taxativa, não refere “revogar actos que concedam benefícios fiscais”, é muito mais abrangente quando refere “revogação dos benefícios fiscais”. A expressão “revogação” (do latim “revocare”) deve ser entendida numa significação comum de “invalidar o efeito de algo; rescindir ou anular, cessar os efeitos de uma lei, de um ato jurídico etc.”.
Ou seja, desta norma, não parece dever retirar-se a leitura de que um benefício fiscal automático, de funcionamento “ope legis” cujos pressupostos foram verificados pelo Notário e que foi expresso na escritura, não tenha que ser objecto de um procedimento autónomo tendente à verificação da sua eventual ilegalidade, até para que o contribuinte possa usar os meios jurisdicionais para discutir a matéria, face à decisão que lhe ponha termo.
A redacção aparentemente mais restritiva da alínea d) do nº 1 do artigo 44º do CPPT, quando lida no sentido de que apenas exigiria um procedimento autónomo nas situações em que exista um acto administrativo que tenha conferido o benefício, não é impeditiva, do que se acaba de afirmar, tendo em conta v.g. a norma mais genérica que está contida na alínea i) do nº 1 do artigo 44º do CPPT.
É no artigo 60º nº 1 alínea c) da LGT que se encontrará a resposta que nos parece clara para esta questão. Aí se refere que há “direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal”. Também aqui a expressão “revogação” se nos afigura dever ter o sentido comum já atrás referido.
Partindo do princípio que o procedimento de inspecção não será o meio adequado para afastar da ordem jurídica um benefício fiscal, não é esse o seu fim, nem o relatório final é, em princípio, susceptível de impugnação judicial autónoma, concluir-se-à que a audição aí realizada não poderá preencher os requisitos da alínea c) do nº 1 do artigo 60º da LGT, não sendo aqui aplicável a norma do nº 3 do artigo 60º da LGT.
Uma leitura contrária ao que se acaba de referir, atentaria contra a lógica de gradação dos benefícios fiscais, plasmada no Estatuto dos Benefícios Fiscais, uma vez que
• O regime de afastamento (revogação) dos benefícios fiscais não automáticos (dependentes de reconhecimento – os do nº 2 do artigo 14º do EBF), uma vez que a sua atribuição resulta sempre na emissão de um acto formal e escrito de atribuição, quando se verifique que ocorreu um erro (do acto administrativo) teriam um regime garantístico muito superior, desde logo, porque, para poderem ser afastados, tinha que correr antes um procedimento para a sua “revogação” – artigo 60º nº 1 c) da LGT e artigo 44º - 1 d) do CPPT.
• Mas quanto aos benefícios automáticos ou de funcionamento “ope lege”, como é o caso do benefício fiscal de que se trata neste processo, que são considerados irrenunciáveis (nº 8 do artigo 14º do EBF), portanto num patamar de gradação superior aos que são renunciáveis, estariam sujeitos a “revogação” a qualquer momento (até ao prazo da caducidade do direito à liquidação), sem qualquer formalidade procedimental e não estariam sequer sujeitos ao requisito mínimo a audição prévia dos interessados em procedimento que gere uma decisão recorrível e como tal sindicável judicialmente, o que na leitura que aqui se faz da lei, se configura ser violador das normas contidas no artigo 60º nº 1 c) da LGT e no artigo 44º - 1 d) do CPPT.
Procedimento judicial tributário
Aparentemente a alínea f) do nº 1 do artigo 95º da LGT quando refere que são lesivos os actos de “indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo” parece que afastaria do direito à impugnação judicial e recurso, os actos de revogação de benefícios fiscais, quer estes tenham sido objecto de reconhecimento administrativo, quer tenham sido atribuídos “ope lege” de forma automática (benefícios dos nºs 1 e 2 do artigo 14º do EBF).
Mas essa leitura será logo afastada pela alínea h) onde se previne esse direito quanto a “outros actos administrativos em matéria tributária”.
Em anotação ao artigo 95º da LGT, Editora Encontro da Escrita, 4ª Edição – 2012, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, páginas 830 e 831, refere-se:
“A qualificação como actos lesivos dos actos de indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais quando a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo funda-se na circunstância de tais actos constituírem o acto final de um procedimento legal específico sujeito a regras próprias tendentes à obtenção ou reconhecimento do benefício que não estão conectadas procedimentalmente com as do procedimento de liquidação do imposto.
O acto denegador da isenção assume, em tal caso, a natureza de mero acto exterior ao processo de liquidação do imposto. Tal caracterização está expressa na alínea f) do nº 2 do artigo 95º da LGT…
…
Diferentemente se passam as coisas nas hipóteses dos benefícios fiscais de concessão automática ou dos dependentes de reconhecimento que tenha lugar no procedimento de liquidação do imposto: aqui o acto lesivo recorrível é o acto de liquidação do imposto dada a coetaneidade procedimental existente entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma de isenção (incidência negativa).
A liquidação de imposto contra norma de reconhecimento automático encontra-se ferida de ilegalidade por estar paralisada também automaticamente a potencialidade da norma de tributação para gerar a obrigação de imposto liquidado.
O mesmo se passa em caso de benefício dependente de reconhecimento a efectuar no processo administrativo dirigido à liquidação do imposto: o acto que o denegue assume-se então como mero acto preparatório e prejudicial do acto de declaração dos direitos tributários (artigo 54º da LGT), ficando abrangido pela impugnação unitária.”
Naturalmente estes princípios, ter-se-ão que aplicar às situações de revogação, extinção ou verificação de ilegalidade de concessão ou atribuição de isenções fiscais, ou seja, qualquer meio procedimental para pôr termo a um benefício fiscal que exista na ordem jurídica, mesmo que tenha sido mal atribuído ou considerado.
Também a alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT aparentemente parece restringir o recurso contencioso – acção administrativa especial – às situações em que ocorra indeferimento ou revogação de isenções ou benefícios “por acto administrativo”. A expressão “dependentes de reconhecimento” deve ter-se por aferida apenas aos benefícios a que se alude o artigo 65º do CPPT.
Perfilhamos a leitura da lei, no sentido de que a expressão “revogação de isenções” abrange a situação de facto de afastamento de isenções fiscais atribuídas “ope lege” que a AT tenha que afastar da ordem jurídica, tal como a situação deste processo, por entender que não foram correctamente atribuídas ou conferidas.
Uma leitura restritiva da lei não parece ser a melhor, face ao princípio geral do artigo 9º da LGT e do nº 1 do artigo 20º da CRP: tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.
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Concluir-se-á, pois, que só existirá impugnação unitária (do acto de liquidação vs direito a isenções fiscais) quando se discute o direito aos benefícios fiscais cujo reconhecimento ou funcionamento ocorra em simultâneo com o acto de liquidação e já não quando não existe “coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma de isenção (incidência negativa)”.
Nos casos em que não há (ou não deve existir) impugnação unitária, impõe-se um procedimento tributário autónomo tendente à obtenção de uma decisão da AT que declare a eventual ilegalidade da verificação dos pressupostos do benefício fiscal automático que conste v.g. de uma escritura pública, para permitir uma eventual impugnação judicial autónoma dessa decisão.
Concluindo: quanto a benefícios fiscais automáticos, afigura-se-nos, face ao exposto, que nos procedimentos de liquidação de impostos só os que tenham coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva, podem aí ser considerados ou não considerados. No caso, afigura-se-nos que antes da liquidação do imposto deverá ocorrer um procedimento autónomo tendente à audição do interessado para criar uma decisão administrativa que seja jurisdicionalmente sindicável, de forma autónoma da liquidação do imposto (artigo 60º nº 1 c) da LGT e artigo 44º - 1 d) do CPPT).
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Questão específica – Extinção do benefício fiscal constante da norma isentiva do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05 de Dezembro e que consta na escritura de compra e venda realizada em 2008.11.20.
Como se referiu atrás, o procedimento de inspecção não se nos afigura ser o meio adequado a fazer cessar um benefício fiscal automático que existe factualmente na ordem jurídica, bem ou mal verificado pelo Notário quanto aos seus pressupostos, posto que não é esse o seu fim, nem o relatório final é, em princípio, susceptível de impugnação judicial autónoma.
Até porque, v.g. poderia haver interesse em que o Senhor Notário fosse chamado ao processo em que se discutisse a legalidade da revogação do benefício fiscal, como contrainteressado, posto que, como se referiu, o benefício fiscal averbado na escritura, resultou de uma apreciação de um profissional qualificado em direito e é irrenunciável, ou seja, o Requerente nunca poderia prescindir voluntariamente do mesmo.
Tenha-se em atenção que os benefícios fiscais - mormente os automáticos de funcionamento ope lege – são (nº 1 do artigo 2º do EBF):
1. Medidas de carácter excepcional;
2. Que tutelam relevantes interesses públicos extrafiscais;
3. Superiores ao da própria tributação que impedem.
No caso, estamos perante um benefício da maior gradação possível face ao EBF: irrenunciável pelo seu beneficiário.
No caso, não se configura ocorrer coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência do IMT (2013) e da aplicação da norma isentiva do IMT (2008), uma vez que, percute-se, não poderá considerar-se que o acto notarial de verificação dos pressupostos da isenção de IMT inexiste, ainda que possa ser considerado não conforme face à lei.
Desta feita, teremos que concluir que o benefício fiscal que consta do ponto 4 da matéria assente, aferido à data de 20.11.2008, existe ainda na ordem jurídica, bem ou mal verificado quanto aos seus pressupostos em 2008 pelo Senhor Notário, até que seja declarado em desconformidade com a lei, através do procedimento acima referido, atinente a esse fim específico.
Do que acima ficou expresso, também não nos parece que o procedimento de liquidação seja, neste caso, o meio adequado à sua declaração em desconformidade com a lei, pelas razões e fundamentos acima indicados.
***
Com os fundamentos atrás expressos, a liquidação de IMT impugnada, levada a efeito sem previamente ser declarada desconforme à lei a isenção (enquanto facto interruptivo da tributação) que factualmente consta da escritura, não se nos afigura em sintonia, nomeadamente, com as normas contidas nos artigos 9º, artigo 54º nº 1 alínea d) da LGT; artigo 44º nº 1 alínea i) do CPPT; artigo 95º nº 1 alínea h) da LGT; artigos 96º nº 1 e 97º nº 1 alínea p) parte final, do CPPT, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT.
Procedendo este fundamento não se tornará necessária a apreciação dos outros fundamentos (pontos k) a n) do Relatório), por inutilidade.
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Como consequência do acima exposto procede o pedido de anulação do acto tributário deduzido pelo Requerente perante o Tribunal Arbitral.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido da Requerente, anulando-se a liquidação de IMT constante nas alíneas c) e d) do Relatório desta decisão.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 20 415,40 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.
Notifique.
Lisboa, 18 de Novembro de 2019
Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira
AS PARTES
Requerente: A..., NIF …, com domicílio na Rua … Lisboa.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
DECISÃO ARBITRAL
II. RELATÓRIO
a) Em 28-03-2014, A..., NIF …, entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
b) O pedido está assinado por advogados cuja procuração foi junta.
O PEDIDO
c) O Requerente peticiona a anulação do acto de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), no valor de € 20.415,40, emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé... (...), conforme ofício ... de 29.11.2013, deste serviço de finanças.
d) Imposto liquidado pelo facto de ter adquirido a fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, freguesia da ..., em 20.11.2008, com benefício de utilidade turística (artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro) que a AT considera ser indevido.
e) Alega que adquiriu a fracção autónoma no “pressuposto, indicado pela vendedora e apurado nos termos expressos constantes da lei, de que aquela operação em concreto beneficiaria da isenção de IMT prevista no artigo 20° do Decreto-Lei 423/83, de 5 de Dezembro”, e que “adquiriu aquela fracção tendo em vista a sua instalação como componente do empreendimento turístico integrado B..., visando justamente a sua exploração comercial e a obtenção do retorno e acréscimo do investimento ali efectuado”.
f) E que “tendo em vista a exploração comercial da referida fracção, o Requerente celebrou com a C... – Construção e Gestão de Hotéis, S.A. um contrato de exploração turística, nos termos do qual cedia a esta sociedade o direito exclusivo de exploração da fracção”, sendo esta empresa “a exploradora do Hotel e dos apartamentos turísticos, ambos com a classificação de 5 estrelas, que integram o conjunto turístico B...”.
g) Dissentindo da liquidação, conclui que “actuou como promotor do empreendimento em que se integra a fracção … contribuiu activamente para o financiamento das obras em curso”, “fê-lo sempre na óptica do investimento e do rendimento que dali adviria para si” e que “a concessão da isenção foi fundamental para a decisão de aquisição da fracção”.
h) Defende que a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro, deve abranger “no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, beneficiando estes do mesmo estatuto privilegiado que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário”.
i) Posto que são estes que suportam o “ónus do investimento”, e porque “o processo de instalação de um empreendimento imobiliário de utilidade turística, enquanto unidade organizacional destinada à prestação de serviços de turismo, só cessa quando, depois de construído e licenciado o conjunto imobiliário, o mesmo se mostra apto a funcionar nos termos que lhe permitiram alcançar o estatuto de utilidade turística, isto é, quando se mostra apto a ser afectado à actividade de exploração turística com a qualidade exigida no despacho ministerial que lhe concedeu esse estatuto”, tratando-se de empreendimento em propriedade plural, a aquisição de unidades de alojamento corporiza “investimento na criação/instalação de oferta turística portuguesa, num produto imobiliário de investimento em turismo”.
j) E acrescenta “… quem adquire uma dessas novas fracções num conjunto turístico em propriedade plural, tornando-se contitular do aldeamento, comparticipa ainda na sua instalação, na medida em que este não pode considerar-se integralmente instalado enquanto as respectivas unidades de alojamento não se encontram aptas a funcionar e a ser exploradas por falta de prévia aquisição nesse regime de propriedade”.
k) E que deve relevar o facto de existir uma isenção de IMI como dispõe o n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que refere que “Ficam isentos de contribuição autárquica por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.”
l) E igualmente o facto da isenção não ter sido colocada em causa pelo Notário que a verificou na escritura e pelo Conservador que lavrou o registo predial da aquisição (nº 1 do artigo 49º do Código do IMT e nº 1 do artigo 72º do Código de Registo Predial).
m) Nem em momento posterior a AT colocou em causa a isenção, pelo que a liquidação impugnada não está conforme os princípios de certeza e segurança jurídica, colocando em causa direitos adquiridos e os princípios da boa-fé e transparência.
n) Termina referindo: “…no caso em apreço, estavam plenamente reunidos todos os requisitos formais e substanciais para a concessão do benefício, pelo que, nestes termos, desde logo, o acto de liquidação que o revoga é, de per si, ilegal e suficientemente apto para defraudar as pretensões da AT” pelo que “não pode proceder ainda, nos termos expostos, a revogação da concessão do benefício fiscal, nos termos do citado artigo 141.º do CPA.”
o) Termina peticionando a anulação do acto tributário identificado em c) e d), com as consequências legais.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
p) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 02.04.2014.
q) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 20.05.2014.
r) Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 04.06.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.
s) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 06.06.2014 que aqui se dá por reproduzida.
t) Em 04.06.2014 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT.
u) No dia 22.09.2014 realizou-se a reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT. Foi conferido prazo de 10 dias às partes para alegações escritas e sucessivas. Foi ainda admitida a junção aos autos do testemunho de D... produzido no processo 102/2014-T.
v) Em 22.10.2014 o Requerente apresentou alegações escritas e a Requerida apresentou as suas alegações em 03.11.2014.
w) Consigna-se que se obteve no CAAD no dia 07.11.2014, pelas 14.30 horas, a gravação (registo fonográfico) do depoimento de D..., produzido no âmbito do processo CAAD 102/2014-T, aproveitando esse contributo para este processo uma vez que se trata de casos com total identidade de substância jurídica (segundo a posição expressa ou implícita das partes neste processo). Este registo fonográfico, com 15,15 minutos de duração, foi ouvido integralmente pelo TAS no mesmo dia da sua obtenção.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
x) Legitimidade, capacidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.
y) Contraditório - a AT foi notificada nos termos do inciso t) deste Relatório. Todos os despachos produzidos no processo e todos os documentos juntos foram notificados à contraparte.
z) Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE
Quanto à eventual ilegalidade do acto de liquidação por desconformidade com a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro
aa) Entende a Requerente que a liquidação não está conforme a lei porque “actuou como promotor do empreendimento em que se integra a fracção … contribuiu activamente para o financiamento das obras em curso”, “fê-lo sempre na óptica do investimento e do rendimento que dali adviria para si” e que “a concessão da isenção foi fundamental para a decisão de aquisição da fracção”.
bb) Defende que a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro, deve abranger “no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, beneficiando estes do mesmo estatuto privilegiado que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário”
cc) Posto que são estes (os adquirentes) que suportam o “ónus do investimento”, e porque “o processo de instalação de um empreendimento imobiliário de utilidade turística, enquanto unidade organizacional destinada à prestação de serviços de turismo, só cessa quando, depois de construído e licenciado o conjunto imobiliário, o mesmo se mostra apto a funcionar nos termos que lhe permitiram alcançar o estatuto de utilidade turística, isto é, quando se mostra apto a ser afectado à actividade de exploração turística com a qualidade exigida no despacho ministerial que lhe concedeu esse estatuto”, tratando-se de empreendimento em propriedade plural, a aquisição de unidades de alojamento corporiza “investimento na criação/instalação de oferta turística portuguesa, num produto imobiliário de investimento em turismo”;
dd) E acrescenta “… quem adquire uma dessas novas fracções num conjunto turístico em propriedade plural, tornando-se contitular do aldeamento, comparticipa ainda na sua instalação, na medida em que este não pode considerar-se integralmente instalado enquanto as respectivas unidades de alojamento não se encontram aptas a funcionar e a ser exploradas por falta de prévia aquisição nesse regime de propriedade”.
ee) E que deve relevar o facto de existir uma isenção de IMI como dispõe o n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que refere que “Ficam isentos de contribuição autárquica por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.”
ff) E igualmente o facto da isenção não sido colocada em causa pelo Notário que a verificou na escritura e pelo Conservador que lavrou o registo predial da aquisição (nº 1 do artigo 49º do Código do IMT e nº 1 do artigo 72º do Código de Registo Predial).
gg) Em momento posterior a AT não colocou em causa a isenção, pelo que a liquidação impugnada não está conforme os princípios de certeza e segurança jurídica, colocando em causa direitos adquiridos e os princípios da boa-fé e transparência.
hh) Nas suas alegações suscita-se a apreciação do testemunho de D... produzido no processo 102/2014-T, numa situação em tudo idêntica à deste processo, no sentido de se concluir que “os adquirentes das fracções foram co-financiadores do empreendimento, o qual, aliás, só avançou após estar reunida uma pool de investidores”.
ii) Propugna no sentido de que se verificam os pressupostos para o funcionamento do benefício fiscal em causa uma vez que “foi a intervenção dos adquirentes que viabilizou a concretização e instalação do empreendimento, estando claro desde o início que estes assumiam a sua intervenção em parceria com o promotor e seguindo o plano determinado por este”.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
Quanto à eventual ilegalidade do acto de liquidação por desconformidade com a norma isentiva contida no artigo 20º-1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro.
jj) A AT insurge-se contra o facto do Requerente pretender que o TAS considere que a aquisição do imóvel em causa, ocorrida em 2008-11-20, se enquadra ainda no processo de instalação do empreendimento turístico B..., cuja utilidade turística, a título prévio, foi atribuída em 2005-06-02, posteriormente confirmada em 2007-05-07, pelo prazo de sete anos a contar da data da sua abertura ao público em 2005-09-30.
kk) E não considera “… aceitável que, se considere depois de passados mais de três anos sobre a abertura ao público do empreendimento turístico, que a aquisição da fracção pelo Requerente visava ainda a instalação do mesmo”.
ll) Fundamenta a sua posição na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2013-01-23, proferido em julgamento ampliado, nos termos do disposto no artigo 148.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 44, de 2013-03-04, que uniformizou jurisprudência no que diz respeito aos conceitos de “exploração” e “instalação”).
mm) E conclui: “a decisão vertida no douto aresto – referido no inciso anterior - e que fundamentou o ato de liquidação de IMT ora impugnado, é alicerçada em sólida fundamentação jurídica, cujos vértices mais relevantes”.
nn) Expressa ainda que “tendo o empreendimento qualificado como Conjunto Turístico B..., aberto ao público em 2005-09-30, é manifesto que a venda da fracção em causa, em 2008-11-20, ocorreu quando o empreendimento já se encontrava, sem qualquer dúvida, em funcionamento e exploração”.
oo) E que a própria escritura e compra da fracção autónoma diz textualmente que “… se destina a exploração turística”.
pp) Quanto à alegada “inconsistência lógico-sistemática” propugnada pelo Requerente, aduz que, quanto a esse aspecto “…vê o Supremo Tribunal Administrativo uma coerente evolução legislativa que excluiu, desde sempre, a isenção de imposto na aquisição de fracções autónomas em empreendimentos turísticos já instalados”.
qq) Por outro lado contesta que a intervenção do Requerente (antes de adquirir a fracção) afaste a realidade factual do promotor do empreendimento turístico ter sido uma sociedade que não ele, sendo o papel, anteriormente desempenhado, irrelevante, uma vez que a aquisição do bem imóvel ocorreu em 2008-11-20, muito para além da conclusão física do empreendimento.
rr) Refere que “… não basta ao Requerente alegar que agiu “na convicção de que estava a actuar dentro das fronteiras da legalidade” ou invocar “uma grave injustiça”, com o intuito de fundamentar uma alegada actuação de má-fé administrativa”, uma vez que “…a transmissão do imóvel não reunia, ab initio, os requisitos legais para beneficiar de isenção de IMT”, concluindo que “inexiste na esfera jurídica do Requerente qualquer legítima expectativa merecedora de tutela”, “Nem se vislumbra qualquer grave injustiça para com o Requerente que possa resultar do cumprimento da lei fiscal”.
ss) “Sobre a invocada violação de princípios constitucionais decorrente da aplicação da norma do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, já o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou em variados acórdãos, rejeitando, inequivocamente, tal arguição. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão proferido no Processo n.º 01046/13, de 2014-03-26”.
tt) Quando à invocação da “revogação ilegal de um ato válido porque constitutivo de direitos, nos termos do artigo 140.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e a eventual revogação da isenção de imposto só poderia ter lugar no prazo previsto no artigo 141.º do CPA”, refere a AT que em ambas as normas se pressupõe a existência de um ato administrativo (na definição do artigo 120º do CPA), no caso de concessão ou reconhecimento de um benefício fiscal, invocando-se para tal a própria literalidade do nº 1 do artigo 141º do CPA e o nº 4 do artigo 14º do EBF, o que no caso não se verifica por se tratar de benefício fiscal automático.
uu) Conclui: “A Administração não proferiu qualquer decisão de reconhecimento ou concessão de um benefício fiscal ao Requerente nos termos previstos no artigo 5.º do EBF”. O que ocorreu foi que “... aquando da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, foi indevidamente considerado que o Requerente reuniria os requisitos legalmente previstos para a isenção de IMT”, “o que … configurou uma incorrecta interpretação e aplicação da lei fiscal em relação à qual a Administração fiscal e os seus órgãos são absolutamente alheios”.
vv) Em alegações a AT manteve, na essência, tudo o que já tinha referido em sede de resposta ao pedido de pronúncia.
ww) Propugnando pela legalidade do acto tributário porque configura uma correcta aplicação da lei aos factos “nos termos do artigo 2.º, n.º 1, conjugado com os artigos 4.º, 5.º e 12.º, n.º 1, à taxa prevista na actual alínea d) do artigo 17.º, todos do Código do IMT”.
II - QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
Quanto a esta matéria verifica-se que há decisões do CAAD divergentes, trazidas ao processo pelas partes.
Relativamente ao depoimento da testemunha referida em w) do Relatório, o TAS conclui que o mesmo versa sobre o relacionamento contratual entre o Requerente, antes de adquirir a fracção autónoma e depois de a adquirir, com o promotor e com a entidade que explora o empreendimento.
Os factos trazidos ao TAS pela testemunha poderão considerar-se “res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet”. Essa matéria, essa temática, não aproveitará nem prejudicará terceiros (neste caso não poderá afectar os poderes-deveres da AT), até porque estamos perante um caso de aplicação de normas de direito público (o direito fiscal).
Tais factos, como a seguir se vai propugnar, poderão ter o seu interesse para o pleiteio em sede de uma acção judicial em que se discuta a possibilidade de interpretação extensiva dos elementos da norma isentiva, situação que, do ponto de vista que aqui vamos perfilhar não nos parece possível ocorrer neste procedimento arbitral de mera impugnação da liquidação de um imposto, pela razão de que os Tribunais Arbitrais Fiscais não têm competência para apreciar decisões que ponham termo a benefícios fiscais (alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT), a menos que quanto ao acto lesivo recorrível (o acto de liquidação) tenha existido coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva.
Ora, no caso destes autos, isso não se verifica. A liquidação do imposto ocorreu em 2013 (aplicação da norma de incidência do IMT) e foi na data da aquisição do bem imóvel em 20.11.2008 que se aplicou a norma isentiva, ainda que o possa ter sido à margem da lei, como o propugna a AT.
Quanto à questão de fundo, a jurisprudência consolidada do STA é clara: a norma isentiva aqui em causa apenas abrange a “instalação” e não a “exploração”.
O Requerente pretenderá, no fundo, caracterizar a sua actuação ao nível da contratação, nas relações comerciais com a empresa promotora, por interpretação extensiva, na noção de “instalação”, para depois propugnar pelo direito ao benefício fiscal.
Quanto a casos idênticos, já existem, pelo menos, 3 decisões do CAAD, citadas pela AT, tiradas nos processos n.º 102/2014-T, 104/2014-T e 110/2014-T. Neste último processo, sobre a qualificação/caracterização do tipo de intervenção do Requerente nas relações com a empresa promotora refere-se: “a aquisição da unidade de alojamento no empreendimento turístico, “B...”, ainda que integrado no empreendimento em causa e mesmo que afectas à exploração turística, e inclusivamente que tal exploração turística seja levada a cabo pela entidade exploradora do restante empreendimento turístico, a aquisição da requerente não cumpre um dos requisitos fundamentais do conceito de instalação, pelo que não pode beneficiar das isenções consagradas no artigo 20º, n.º 1 do Decreto-Lei 423/83”.
Trata-se de juízos de valor concretos sobre situações em concreta, idênticas às deste processo, tendo em conta a própria descrição dos factos feitos pela Requerente no pedido de pronúncia.
Refira-se que a decisão CAAD que o Requerente juntou ao processo e que foi no sentido do acolhimento do seu ponto de vista, tem a ver com uma situação ocorrida antes da vigência do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março (regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos), entretanto alterado pelo Decreto-Lei nº 228/2009, de 14 de Setembro e pelo Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 de Janeiro.
O TAS está subordinado ao “direito constituído” conforme nº 2 do artigo 2º do RJAT.
Face a uma matéria com tanta unanimidade de leituras pelos titulares do mais alto Tribunal Judicial (o STA) e face ao decidido no CAAD, não vemos razão para aqui se entender de forma diferente, porque aliás, aderimos aos fundamentos do doutamente decido pelo STA e ao decidido nos processos do CAAD acima indicados, na vertente da separação do que é instalação versus exploração e quanto à qualificação/delimitação dos conceitos.
Digamos que, mesmo que o TAS levasse em conta a factualidade alegada nos artigos 12º, 13º e 16º a 38º do pedido de pronúncia, na lógica do discurso utilizado, a verdade é que, no fundo o Requerente pretenderia beneficiar de duas isenções de IMT (benefícios económicos):
• Uma enquanto promotor (associado ao promotor);
• Outra enquanto adquirente de uma fracção autónoma (em que aumenta o seu acervo patrimonial).
Se o Requerente pretende caracterizar a sua intervenção ao nível da viabilização económica do empreendimento na primeira fase: a instalação, pois bem, nas aquisições que aí se processaram já beneficiou economicamente da isenção de IMT que aí certamente operou. Já teve a benefício económico correspondente. Já teve um auxílio de Estado, porque os benefícios fiscais são “despesa fiscal” e como tal são auxílios de Estado segundo a legislação comunitária. Já ocorreu o contributo de todos os contribuintes para a promoção da actividade turística.
Defender, por esse facto, que depois ainda teria direito a outro subsequente benefício fiscal (na aquisição de unidades de alojamento) é que nos parece discutível, face ao princípio fiscal de que se tributa o “acréscimo patrimonial”. A ser como o Requerente pretende, verifica-se que já teve, na primeira fase, na sua associação ao promotor no que pretende caracterizar de “fase da instalação”, esse “acréscimo patrimonial” implícito, por ter suportado um custo menor.
A lei parece prever um benefício fiscal e não dois benefícios fiscais (numa perspectiva de acréscimo patrimonial), em dois momentos factuais distintos. Nada impediria que pudesse estender-se o benefício fiscal, por interpretação extensiva, raciocínio por paridade de razão, aos dois momentos do empreendimento: instalação versus exploração, nas situações em que, tal como propugna o Requerente, os adquirentes de unidades tenham sido de facto os financiadores do mesmo e sem esse financiamento a instalação não poderia ocorrer, desde que v.g. na escritura constasse – e isso correspondesse à verdade material - que o concreto preço da unidade adquirida foi entregue antecipadamente para financiar a instalação e o preço exarado na escritura reflectia, para menos, o acréscimo patrimonial implícito ocorrido por via do benefício de IMT verificado na fase de instalação.
Estamos perante um benefício fiscal que é automático na definição do nº 1 do artigo 5º do EBF - depende directamente da lei, de uma norma jurídica. Na medida em que é automático, a sua atribuição ou verificação não gera um acto administrativo, pelo que a sua extinção, por revogação, ao abrigo do nº 4 do artigo 14º do EBF não é possível.
A questão que se coloca neste processo tem, no entanto, uma outra dimensão: a do acesso à justiça tributária (direito de impugnação e recurso).
O acesso à justiça tributária – na dimensão jurisdicional - afigura-se-nos dever ser a mais amplo possível, em termos práticos e não numa dimensão meramente programática como poderá parecer da leitura da regra geral do artigo 9º da LGT (e artigo 96º do CPPT).
Ao nível da lei ordinária fiscal é o artigo 95º da LGT (e artigo 97º do CPPT) que concretiza, exemplificando, os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos que podem ser objecto de pleiteio jurisdicional.
O acesso à justiça tributária – na dimensão do procedimento gracioso – (artigo 54º da LGT e artigo 44º do CPPT) deverá, também, ser o mais amplo possível, na medida que visa criar decisões administrativas, com a participação dos contribuintes, que lhes permitam, depois, querendo, dirimir os seus dissentimentos nos órgãos de soberania de administração da justiça.
No caso, uma vez que está em causa a existência ou não de um direito a um benefício fiscal veja-se as alíneas d) e i) do nº 1 do artigo 44º do CPPT, lidos na acepção da alínea c) do nº 1 do artigo 60º do CPPT, ou seja, “qualquer benefício” (a lei não fala em acto administrativo que confere benefícios fiscais) para ser considerado extinto, inexistente na ordem jurídica, parece dever ter que ser precedido de um procedimento tendente à obtenção de uma decisão (um acto) susceptível de permitir ao contribuinte agir perante os tribunais.
Neste processo o que acontece é que se considera, (pelo facto do benefício fiscal contido na norma isentiva do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro, ser de natureza automática e de verificação de pressupostos pelo Notário, na escritura), que não há um acto administrativo e como tal, não é possível revogar o que não existe, enquanto acto administrativo praticado pela AT.
O próprio Requerente considera que o acto de liquidação do IMT revogou o benefício fiscal (artigo 163º do pedido de pronúncia), o que, como já dissemos, não acolhemos, dada a inexistência de coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva.
Parece-nos que se verifica um equívoco factual: o benefício, ainda que sendo automático e de funcionamento “ope legis”, bem ou mal atribuído (como se disse não cumpre aqui sindicar este aspecto directa e expressamente, dada a limitação de competência do TAS), existe, está averbado na escritura. Foi verificado na escritura pelo Notário que entendeu que os seus pressupostos se verificavam.
Partir-se do princípio que, não existindo um acto administrativo que reconheceu o benefício fiscal, o próprio acto em si (que não é por definição um acto administrativo na dimensão do artigo 120º do CPA), praticado pelo Notário, inexiste, é que não estará seguramente em conformidade com a realidade factual.
A AT realizou um procedimento de inspecção e deste passou para o procedimento de liquidação, sem antes abrir um procedimento tendente à discussão concreta dos pressupostos do benefício e sobretudo tendente à obtenção de uma decisão que permitisse ao contribuinte discutir o direito ao benefício fiscal em concreto. Daí que depois o contribuinte venha, neste processo, discutir esse direito, como facto interruptivo que obstaria à liquidação.
É que, como já se referiu, a menos que exista coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva, o procedimento de liquidação, não parece ser o adequado para afastar (implicitamente) da ordem jurídica, ainda que factual, dar sem efeito, qualquer benefício fiscal, mesmo de funcionamento ope legis.
Por outro lado o procedimento de inspecção tributária não será adequado, neste caso, a produzir uma decisão administrativa sujeita a escrutínio judicial directo (alínea a) do nº 1 do artigo 12º do RCPIT). Em regra, as conclusões do Relatório de Inspecção não são impugnáveis (artigo 11º do RCPIT).
O que se acaba de referir não colide com a jurisprudência relativa à desnecessidade de audição prévia dos contribuintes em procedimento de liquidação quando sobre a matéria já foram ouvidos em sede de inspecção tributária (nº 3 do artigo 60º da LGT) – Acórdão do STA de 16.05.2007, recurso 186/07 em www.dgsi.pt. É que correcções à matéria tributável é algo diferente de extinção ou declaração de ilegalidade de um benefício fiscal que existe, bem ou mal conferido.
Afigura-se-nos que as questões fulcrais a que TAS deverá responder são as seguintes:
3) Questão geral - os benefícios fiscais automáticos na acepção do nº 1 do artigo 5º do EBF, na medida em que não são conferidos por acto administrativo na definição do artigo 120º do CPA, podem ser considerados (implicitamente) em desconformidade com a lei nos procedimentos de liquidação, independentemente da coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva?
4) Questão específica - o benefício fiscal constante da norma isentiva do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05 de Dezembro, que consta na escritura de compra e venda realizada em 2008.11.20, em que é adquirente o requerente e vendedora a Sociedade E... – … SA, cujo objecto é a fracção autónoma designada pela letra “R”, destinada a habitação, do prédio urbano inscrito na matriz predial de ... -...- ... sob o artigo ...º, da seguinte forma: “em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, conforme despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2 de Junho de 2005”, enquanto benefício automático e de funcionamento “ope legis” foi implicitamente declarado ilegal, logo extinto, pelo acto de liquidação levado à prática pela AT e a que se alude nos incisos c) e d) do Relatório?
Da resposta que se der a estas questões resultará a procedência ou improcedência do pedido, sendo que, se a resposta for de forma a concluir-se que se omitiu o procedimento de declaração de ilegalidade do benefício fiscal constante da escritura, por forma a obter-se uma decisão que permitisse a tutela jurisdicional quando à questão concreta do direito ao benefício fiscal, não será necessário o TAS pronunciar-se sobre os restantes fundamentos invocados pela Requerente no pedido de pronúncia, com eventual reflexo na validade do acto de liquidação, por manifesta inutilidade.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDA-MENTAÇÃO
Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos) como fundamentação:
Factos provados
10) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2005-0…-0…, cujo aviso foi publicado em Diário da República, 3.ª série, N.º …, de 2005-0…-…, foi atribuída a utilidade turística, a título prévio, ao empreendimento qualificado como Conjunto Turístico B..., sito na Avenida …, freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Faro, a levar a efeito pela sociedade E... – …, S.A., titular do NIPC … - Folhas 4 e 5 do PA, artigo 6º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido de pronúncia.
11) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2007-0…-0…, cujo aviso foi publicado em Diário da República, 2.ª série, N.º …, de 2007-0…-…, foi confirmada a utilidade turística ao empreendimento qualificado como Conjunto Turístico B..., válida pelo prazo de sete anos, contado a partir da data de emissão da licença de utilidade turística pela Câmara Municipal de ..., que coincidiu com a abertura do empreendimento ao público, em 2005-0…-… - Folhas 4 e 5 do PA, artigo 7º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido de pronúncia.
12) Em 2008-11-20, o Requerente, casado com F..., no regime de comunhão de adquiridos, adquiriu à sociedade E... – …, S.A. a fracção autónoma R, destinada à habitação, do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...º, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ...– conforme escritura pública de compra e venda n.º …/…, celebrada naquela data no Cartório Notarial de G…, em Lisboa – Artigo 11º do pedido de pronúncia, folhas 4 do PA e Artigo 8º da Resposta da AT.
13) Declarou-se na escritura referida no inciso anterior que a transmissão do imóvel estava isenta do pagamento do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, conforme despacho do Secretário de Estado do Turismo de … de … de 2005 – Folhas 4 do PA, artigo 10º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido.
14) Pela Ordem de Serviço n.º OI2013…, de 2013-08-01, emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, foi aberto procedimento de inspecção interna de âmbito parcial, em sede de IMT, em relação ao ano de 2008 e incidente sobre o facto referido em 3) e 4) – PA junto pela AT, artigo 11º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido.
15) O Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de relatório final no dia 28.10.2013, face á notificação que lhe foi feita pelo ofício … de 11.10.2013, manifestando o seu dissentimento com o projecto de decisão – Folhas 6 do PA.
16) Concluído o procedimento de inspecção referido em 5), foi elaborado o respectivo relatório final, onde se concluiu: “A... e F... ao adquirirem o imóvel à sociedade “E... – … S.A.”, adquiriram um imóvel num empreendimento já construído e instalado, pelo que não podiam beneficiar da isenção prevista no artigo 20º do Decreto-Lei número 423/83 de 5 de Dezembro, pelo que a aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... fracção R pelo preço de € 314.083,00, encontra-se sujeito a IMT desde 2008/11/20 nos termos do artigo 2º conjugado com os artigos 4º, 5º e nº 1 do artigo 12º do CIMT. Pelos factos anteriormente expostos resultou falta de liquidação de IMT, à taxa prevista no artigo 17º, nº 1 alínea c) do CIMT, (actual alínea d)) do respectivo Código, pelo que se propõe a devida liquidação do imposto.” – PA junto pela AT, artigo 12º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido.
17) Por ofício nº ... de 29.11.2013 o Serviço de Finanças de ... ... (...), notificou o Requerente da liquidação de € 20.415,40 a título de IMT e para no prazo de 30 dias solicitar guias para o seu pagamento – Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia, artigo 13º da Resposta da AT e posição global do Requerente no pedido de pronúncia.
18) O Requerente celebrou com C...–…SA um contrato de exploração turística – Artigo 18º da PI e Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.
***
A matéria assente resulta dos documentos juntos pela Requerente, do PA e da resposta da AT, na medida em que os conteúdos dos documentos não foram colocados em crise e os factos alegados, levados à matéria assente, foram objecto de consonância da contraparte expressa ou tácita.
Os factos sobre que versou o depoimento da testemunha, como se disse acima, constituirão “res inter alios acta” e nessa medida não aproveitarão nem prejudicarão terceiros, para além de serem desinteressantes para a composição deste litígio, na solução que se vai adoptar.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
Questão geral - os benefícios fiscais automáticos na acepção do nº 1 do artigo 5º do EBF, na medida em que não são conferidos por acto administrativo na definição do artigo 120º do CPA, podem ser considerados (implicitamente) em desconformidade com a lei nos procedimentos de liquidação, independentemente da coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva?
Procedimento tributário
No que concerne ao tema das isenções e quanto ao procedimento tributário – artigos 54º da LGT e 44º do CPPT – verifica-se que “o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente: o reconhecimento e revogação dos benefícios fiscais” (alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT).
Desde logo, aqui se poderá constatar uma particularidade. A LGT, além de não ser taxativa, não refere “revogar actos que concedam benefícios fiscais”, é muito mais abrangente quando refere “revogação dos benefícios fiscais”. A expressão “revogação” (do latim “revocare”) deve ser entendida numa significação comum de “invalidar o efeito de algo; rescindir ou anular, cessar os efeitos de uma lei, de um ato jurídico etc.”
Ou seja, desta norma, não será lícito retirar a leitura de que um benefício fiscal automático, de funcionamento “ope legis” cujos pressupostos foram verificados pelo Notário e expresso na escritura, não tenha que ser objecto de um procedimento autónomo tendente à verificação da sua eventual ilegalidade, até para que o contribuinte possa usar os meios jurisdicionais para discutir a matéria, face à decisão que lhe ponha termo.
A redacção aparentemente mais restritiva da alínea d) do nº 1 do artigo 44º do CPPT, que apenas exigiria um procedimento autónomo quando exista acto administrativo que tenha conferido o benefício, não é impeditiva, do que se acaba de afirmar, tendo em conta a norma amplíssima que está contida na alínea i) do nº 1 do artigo 44º do CPPT.
É no artigo 60º nº 1 alínea c) da LGT que se encontrará a resposta que nos parece clara para esta questão. Aí se refere que há “direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal”. Também aqui a expressão “revogação” se nos afigura dever ter o sentido comum já atrás referido.
Partindo do princípio que o procedimento de inspecção não será o meio adequado para afastar da ordem jurídica um benefício fiscal, não é esse o seu fim, nem o relatório final é, em princípio, susceptível de impugnação judicial autónoma, concluir-se-à que a audição aí realizada não poderá preencher os requisitos da alínea c) do nº 1 do artigo 60º da LGT, não sendo aqui aplicável a norma do nº 3 do artigo 60º da LGT.
Procedimento judicial tributário
Aparentemente a alínea f) do nº 1 do artigo 95º da LGT quando refere que são lesivos os actos de “indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo” parece que afastaria do direito à impugnação judicial e recurso, os actos de revogação de benefícios fiscais, quer estes tenham sido objecto de reconhecimento administrativo, quer tenham funcionado “ope legis” de forma automática.
Mas essa leitura será logo afastada pela alínea h) onde se previne esse direito quanto a “outros actos administrativos em matéria tributária”.
Em anotação ao artigo 95º da LGT, Editora Encontro da Escrita, 4ª Edição – 2012, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, páginas 830 e 831, refere-se:
“A qualificação como actos lesivos dos actos de indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais quando a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo funda-se na circunstância de tais actos constituírem o acto final de um procedimento legal específico sujeito a regras próprias tendentes à obtenção ou reconhecimento do benefício que não estão conectadas procedimentalmente com as do procedimento de liquidação do imposto.
O acto denegador da isenção assume, em tal caso, a natureza de mero acto exterior ao processo de liquidação do imposto. Tal caracterização está expressa na alínea f) do nº 2 do artigo 95º da LGT…
…
Diferentemente se passam as coisas nas hipóteses dos benefícios fiscais de concessão automática ou dos dependentes de reconhecimento que tenha lugar no procedimento de liquidação do imposto: aqui o acto lesivo recorrível é o acto de liquidação do imposto dada a coetaneidade procedimental existente entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma de isenção (incidência negativa).
A liquidação de imposto contra norma de reconhecimento automático encontra-se ferida de ilegalidade por estar paralisada também automaticamente a potencialidade da norma de tributação para gerar a obrigação de imposto liquidado.
O mesmo se passa em caso de benefício dependente de reconhecimento a efectuar no processo administrativo dirigido à liquidação do imposto: o acto que o denegue assume-se então como mero acto preparatório e prejudicial do acto de declaração dos direitos tributários (artigo 54º da LGT), ficando abrangido pela impugnação unitária.”
Naturalmente estes princípios ter-se-ão que aplicar às situações de revogação, extinção ou verificação de ilegalidade de isenções fiscais, ou seja, qualquer meio procedimental para por termo a um benefício fiscal que exista na ordem jurídica, mesmo que tenha sido mal atribuído ou considerado.
Também a alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT aparentemente parece restringir o recurso contencioso – acção administrativa especial – às situações em que ocorra indeferimento ou revogação de isenções ou benefícios “por acto administrativo”. Mas a expressão “dependentes de reconhecimento” deve ter-se por aferida apenas aos benefícios a que se alude o artigo 65º do CPPT.
Tal leitura restritiva da lei não parece ser a melhor, face ao princípio geral do artigo 9º da LGT e do nº 1 do artigo 20º da CRP: tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.
E também aqui a parte final da alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT contém uma expressão abrangente: “bem como os outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”.
***
Conclui-se que só existirá impugnação unitária (do acto de liquidação vs direito a isenções fiscais) quando se discute o direito aos benefícios fiscais cujo reconhecimento ou funcionamento ocorra em simultâneo com o acto de liquidação e já não quando não existe “coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma de isenção (incidência negativa)”.
Nos casos em que não há (ou não deve existir) impugnação unitária, impõe-se um procedimento tributário autónomo tendente à obtenção de uma decisão da AT que declare a eventual ilegalidade da verificação dos pressupostos do benefício fiscal automático que conste v.g. de uma escritura pública, para permitir uma eventual impugnação autónoma dessa decisão.
Concluindo: quanto a benefícios fiscais automáticos, afigura-se-nos, face ao exposto, que nos procedimentos de liquidação de impostos só os que tenham coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva, podem aí ser considerados ou não considerados.
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Questão específica - o benefício fiscal constante da norma isentiva do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05 de Dezembro, que consta na escritura de compra e venda realizada em 2008.11.20, em que é adquirente o requerente e vendedora a Sociedade E...– … SA, cujo objecto é a fracção autónoma designada pela letra “R”, destinada a habitação, do prédio urbano inscrito na matriz predial de ...-...-... sob o artigo ...º, da seguinte forma: “em virtude da fracção adquirida se destinar à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, conforme despacho do Secretário de Estado do Turismo de 2 de Junho de 2005”, enquanto benefício automático e de funcionamento “ope legis” foi implicitamente declarado ilegal, logo extinto, pelo acto de liquidação levado à prática pela AT e a que se alude nos incisos c) e d) do Relatório?
Como se referiu atrás, o procedimento de inspecção não se nos afigura ser o meio adequado a fazer cessar um benefício fiscal que existe factualmente na ordem jurídica, bem ou mal verificado pelo Notário nos seus pressupostos, posto que não é esse o seu fim, nem o relatório final é, em princípio, susceptível de impugnação judicial autónoma.
Posto que, no caso, não se configura ocorrer coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência do IMT (2013) e da aplicação da norma isentiva do IMT (2008), uma vez que, percute-se, não poderá considerar-se que o acto notarial de verificação dos pressupostos da isenção de IMT inexiste, ainda que possa ser considerado não conforme à lei.
Desta feita teremos que concluir que o benefício fiscal que consta do inciso 4 da matéria assente, aferido à data de 20.11.2008, existe ainda na ordem jurídica, bem ou mal verificado quanto aos seus pressupostos em 2008 pelo Senhor Notário, até que seja declarado em desconformidade com a lei, através do procedimento atinente a esse fim específico.
Do que acima ficou expresso, também não nos parece que o procedimento de liquidação seja, neste caso, o meio adequado à sua declaração em desconformidade com a lei, pelas razões e fundamentos acima indicados.
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A Requerente aduz, no fundo, a dissonância do acto tributário com a lei fiscal, alegando a desconformidade constante da alínea a) do artigo 99º do CPPT: “errónea qualificação …de factos tributários”.
Com os fundamentos atrás expressos, a liquidação de IMT impugnada, levada a efeito sem previamente ser declarada desconforme à lei a isenção (enquanto facto interruptivo da tributação) que factualmente consta da escritura, não se nos afigura em sintonia com as normas contidas nos artigos 9º, artigo 54º nº 1 alínea d) da LGT; artigo 44º nº 1 alínea i) do CPPT; artigo 95º nº 1 alínea h) da LGT; artigos 96º nº 1 e 97º nº 1 alínea p) parte final do CPPT, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT.
Procedendo este fundamento não se tornará necessária a apreciação dos outros fundamentos (incisos k) a n) do Relatório), por inutilidade.
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Como consequência do acima exposto procede o pedido de anulação do acto tributário deduzido pelo Requerente perante o Tribunal Arbitral, uma vez que a liquidação de IMT foi levada a efeito estando ainda em vigor a isenção factualmente constante da escritura aquisitiva do bem identificado no inciso d) do Relatório, mesmo que tenha sido irregularmente verificada pelo Notário quanto aos seus pressupostos, uma vez que não foi declarada a sua ilegalidade através de procedimento autónomo, como no caso se imporia na leitura da lei que acima se propugna.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido da Requerente, anulando-se a liquidação de IMT constante nas alíneas c) e d) do Relatório.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 20 415,40 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.
Notifique.
Lisboa, 10 de Novembro de 2014
Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto
no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.