Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 27/2013-T
Data da decisão: 2013-09-10  IUC  
Valor do pedido: € 8.703,33
Tema: Incidência subjetiva, presunções legais, caducidade do direito à liquidação
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Decisão Arbitral

 

 

Decisão Arbitral

CAAD - Arbitragem Tributária

Processo nº 27/2013 - T

Requerente - A... - … S.A

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema - IUC - Liquidação do imposto único de circulação

O árbitro designado - António Correia Valente

 

1. - RELATÓRIO


 

1.1. - A sociedade A...- S.A, contribuinte nº … (anteriormente designada A...- … - SUCURSAL EM PORTUGAL, contribuinte nº …), Reclamante no procedimento tributário acima e à margem referenciado (doravante “Requerente”), veio, invocando o disposto no art.º 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), nos artigos 132º e 99º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos nºs 1 e 2 alínea d) do art.º 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição de tribunal arbitral singular, tendo em vista:


 

- A anulação, quer dos actos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC), referente ao ano de 2008 e respeitante a quarenta e um veículos identificados pelo respectivo número de matrícula, em lista integrante do pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por reproduzida, quer dos actos de liquidação dos juros compensatórios que lhe estão associados;


 

- O reembolso do montante de 8.703,33€, respeitante ao imposto e aos juros compensatórios indevidamente pagos;

e

- O pagamento de juros indemnizatórios, pela privação do referido montante de 8.703,33€, nos termos do art.º 43º da LGT.

 

1.2. - Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 6º e na alínea a) do nº 1 do art.º 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular António Manuel Correia Valente, que comunicou a aceitação do encargo.

- Em 16-04-2013 foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no art.º 11º, nº 1, alínea b) do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

- Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do art.º 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 06/05/2013. (Cfr. acta de constituição do tribunal arbitral)


 

1.3. - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

- As viaturas, em número de quarenta e uma, a que respeita o imposto único de circulação liquidado, não eram, à data dos factos tributários, propriedade da Requerente, não sendo a mesma sujeito passivo do imposto;

- Não sendo a Requerente proprietária dos veículos em questão, não pode ser sujeito passivo do imposto, face à letra e ao espírito do art.º 3º do Código do Imposto Único de Circulação (doravante designado por CIUC);

- A prova de que as viaturas em causa não eram sua propriedade, à data dos factos tributários, corporizada, designadamente, nos contratos de locação financeira e nas facturas de venda dos veículos, fora apresentada em sede de direito de audição;

- O imposto único de circulação, relativamente aos veículos em questão, os quais não pertencem aos veículos das categorias F e G, é devido na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários;

- O imposto único de circulação é caracterizado como imposto de obrigação única, razão pela qual o prazo de caducidade do direito à sua liquidação, fixado, legalmente, em quatro anos, é contado a partir da data em que o facto tributário ocorreu;

- As liquidações, em número de quarenta e uma, tantas quantos os veículos, são, todas elas datadas de 28-11-2012, tendo a Requerente sido notificada dessas mesmas liquidações nos dias 30-11-2008 e 03-12-2008;

- Os actos tributários de liquidação do imposto único de circulação enfermam de vício de violação de lei, dado que, à data em que foram proferidos, o direito da Autoridade Tributária para liquidar os impostos em causa havia caducado;

- O registo dos veículos, na competente Conservatória do Registo Automóvel, não é condição de transmissão da propriedade, posto que tal registo visa apenas dar publicidade à situação jurídica dos bens, como resulta, designadamente, do disposto no art.º 1º do Decreto-Lei nº 54/75 de 12/02;

- A produção de efeitos da transmissão da propriedade dos veículos não depende do registo, salvo contra terceiros, nos quais não se inclui a Administração Tributária;

- A tributação relativa ao imposto único de circulação não pode apenas pretender tributar quem conste no registo como proprietário dos veículos e não os seus efectivos proprietários;

- Os actos tributários de liquidação do imposto único de circulação enfermam, ainda, de vício de forma por falta de fundamentação.

 

1.4. - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), em 11-06-2013, procedeu à junção do Processo Administrativo Tributário e apresentou resposta, na qual afirma que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, pronunciando-se pela improcedência do requerido e pela manutenção dos actos de liquidação questionados, defendendo, em suma, o seguinte:

- O imposto único de circulação caracteriza-se por ser um imposto periódico e não de obrigação única;

- O prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto único de circulação referente aos veículos referenciados no presente processo não se verificou;

- Os actos tributários estão devidamente fundamentados, não sendo ilegais por vício de forma;

- Os sujeitos passivos do imposto único de circulação são as pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos, tal como, expressamente, se dispõe nº 1 do art.º 3º do CIUC, o que, relativamente aos quarenta e um veículos identificados nos autos, se verifica com a Requerente;

- Bastará, pois, que se verifique o registo dos veículos em nome de uma determinada pessoa para que a mesma corporize a posição de sujeito passivo da obrigação fiscal de IUC;

- A interpretação que a Requerente faz do disposto no art.º 3º do CIUC é notoriamente errada, na medida em que incorre não só “numa interpretação enviesada da letra da lei”, como na adopção “de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, visando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal”, seguindo ainda uma “interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC”;

- O CIUC alterou de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes, como tal, do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.

 

1.5. - A reunião prevista no art.º 18º do RJAT realizou-se em 12-07-2013, tendo, então, tal como consta da acta da primeira reunião do tribunal arbitral, sido apresentadas duas correcções às peças processuais: uma, por parte da AT, visando corrigir a identificação do sujeito passivo, substituindo-se a referência à sociedade …, SA pela sociedade A... - S. A; outra, por parte da Requerente, relativa à rectificação de duas das matrículas dos veículos, substituindo-se as matrículas …e …, respectivamente, pelas matrículas … .

Na referida reunião foi decido não haver lugar a alegações orais, tendo as partes, ouvidas para o efeito, declarado não invocar qualquer excepção susceptível de ser apreciada e decidida antes de se conhecer do pedido.

 

2. - QUESTÕES DECIDENDAS

 

2.1. - Face ao exposto nos números anteriores, relativamente às posições das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

- A alegação feita pela Requerente relativa à ilegalidade material dos actos de liquidação, relativos aos quarenta e um veículos a que se refere o presente processo, por razões atinentes:

- À caducidade do direito de liquidação do imposto único de circulação, relativamente a trinta e seis dos quarenta e um veículos;

- À errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, aliás, a questão central a decidir no presente processo;

- Ao valor jurídico do registo dos veículos automóveis;

- A alegada ilegalidade formal dos actos de liquidação, decorrente da violação do dever de fundamentação, relativos aos quarenta e um veículos mencionados;

- A atribuição de juros indemnizatórios, a acrescer ao montante a reembolsar do imposto único de circulação e dos juros compensatórios, que, tal como alegado pela Requerente, foram indevidamente liquidados e pagos.

 

3. - FUNDAMENTOS DE FACTO

 

3.1. - FACTOS PROVADOS

 

Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente tribunal por assente, face aos elementos existente nos autos, os seguintes factos:

- A Requerente é uma sociedade anónima, que tem como actividade principal o comércio de veículos automóveis;

- No quadro da sua actividade, a Requerente oferece aos seus clientes soluções de financiamento inscritas no âmbito do contrato de locação financeira;

- Todos os veículos automóveis referenciados no presente processo foram objecto de contratos de locação financeira, nos termos dos quais, os locatários poderiam proceder à aquisição dos veículos mediante o pagamento dos seus valores residuais;

- Todos os veículos foram objecto de alienação para os locatários entre os anos de 2002 e 2010, dado que a primeira transferência foi efectuada em 18-05-2002, relativamente ao veículo de matrícula …e a última ocorreu em 16-08-2010, para o veículo de matrícula …, tendo-se, consequentemente e nesse quadro, transferido a propriedade dos mesmos para os aludidos locatários;

- A transferência da propriedade para os ex - locatários, relativamente a trinta e sete veículos, ocorreu em datas anteriores à data em que o IUC, em causa nestes autos, era exigível, verificando-se quanto aos restantes quatro veículos, ou seja, quanto aos veículos com as matrículas …, que a transferência da propriedade foi efectivada em momentos posteriores à data em que o IUC era exigível;

- Os proprietários dos veículos, ex - locatários, não procederam ao oportuno registo, pelo que, na Base de Dados da Conservatória do Registo Automóvel, a Requerente consta como proprietária dos veículos;

- O imposto único de circulação liquidado e os respectivos juros compensatórios, relativamente aos mencionados veículos, foram, em 14-12-2012, pagos pela Requerente;

- No âmbito do procedimento de audição prévia, que decorreu no mês de Outubro de 2012, a Requerente alegou não ser proprietária dos veículos aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos:

- Cópias dos contratos de locação financeira;

- Cópias dos extratos contabilísticos, relativos a cada um dos clientes;

- Cópias das facturas de venda dos veículos aos ex - locatários.

- O alegado pela Requerente não foi atendido pela AT, com o fundamento de que “Verificada a situação na base de dados do IUC, e de acordo com o nº 3 do art.º 6º do CIUC [a A... - S.A - Sucursal em Portugal] era, à data, [do facto tributário] sujeito passivo do imposto […] por isso o imposto [era] devido.”;

- A Requerente foi notificada, em 30-11-2008 e 03-12-2008, de quarenta e uma liquidações oficiosas de IUC relativas aos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral;

- À data dos factos tributários e, consequentemente, à data em que o imposto era exigível, a propriedade de trinta e sete, dos quarenta e um veículos em causa nos autos, havia sido transferida para os, até então, locatários;

- À data dos actos tributários de liquidação, a AT dispunha de todos os elementos de informação que lhe permitia conhecer que a propriedade dos veículos já havia sido efectivamente transferida para a esfera jurídica dos ex - locatários, elementos que foram do seu conhecimento, desde logo, aquando do exercício do direito de audição;

- Os veículos referenciados no presente processo são, todos eles, das categorias A, C, D e E.

 

3.1.1. - FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

Os factos dados como provados estão baseados nos documentos mencionados relativamente a cada um deles, e na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

 

3.1.2. - FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

4. - FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

4.1. - O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJAT;

- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (Cfr. arts. 4º e 10º, nº 2, do RJAT e art.º 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março);

- O processo não enferma de nulidades;

- Não foram suscitados incidentes pelas Partes, nem existem questões prévias sobre as quais o Tribunal se deva pronunciar.

4.2. - O pedido objecto do presente processo é a declaração de anulação dos actos de liquidação do imposto único de circulação relativo aos quarenta e um veículos automóveis identificados no processo;

4.3. - Segundo o entendimento da AT, basta que no registo, o veículo conste como propriedade de uma determinada pessoa, para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária;

4.4. - A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo que a questão central em causa nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do art.º 3º do CIUC relativo à incidência subjectiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível, importando, entretanto, apreciar também a caducidade do direito de liquidação do referido imposto de circulação invocada pela Requerente relativamente a trinta e um veículos, e outras questões atinentes à violação do dever de fundamentação dos actos de liquidação em causa.

Tudo visto, e tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra, e considerando, por outro lado, que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do art.º 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste quadro, apreciar e proferir decisão.

 

5. - QUESTÃO DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DECORRENTE DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO DO IUC

 

5.1. - Sendo certo que, face ao disposto no nº 4 do art.º 45º da LGT, o prazo de caducidade do direito de liquidação é contado, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, torna-se indispensável conhecer, antes de mais, qual a classificação que deve ser atribuída ao imposto único de circulação, ou seja, saber se o referido imposto se caracteriza como imposto periódico ou como imposto de obrigação única.

Não existindo definição legal do que são impostos periódicos e de obrigação única, importará ter em conta os conceitos que, para o efeito, a doutrina nos faculta. O que caracteriza os impostos periódicos e os impostos de obrigação única, à luz do entendimento doutrinariamente estabelecido, é, quanto aos primeiros, o seu carácter duradouro, de continuidade temporal e de renovação em sucessivos períodos de tributação, enquanto os impostos de obrigação única respeitam à tributação de actos ou factos isolados, pontuais e avulsos, sem carácter regular ou previsível, falhos, por conseguinte, de continuidade.

Referenciando alguma da mencionada doutrina, cabe lembrar Pedro Soares Martinez, in Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 51/52, quando nos diz que “Quando pode estabelecer-se uma presunção de permanência das situações, os impostos tendem a renovar-se anualmente. É o que acontece com a contribuição predial […]. A situação de proprietário de um prédio […] presume-se permanente, ou, ao menos continuada. Por isso, as obrigações de imposto baseadas em tais situações renovam-se de ano para ano, são periódicas. Quando a tributação se baseia em situações sem continuidade, resultantes do consumo de bens, da importação de mercadorias, da aceitação de uma herança, de uma compra, o imposto não se renova, é de obrigação única.”

A propósito da referida contribuição predial, ou melhor, do actual Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe sucedeu, como é sabido, cabe notar, com Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. III, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, Setembro 2011, p. 250, que sobre o referido imposto “[…] não se colocam quaisquer dúvidas […]” quanto à sua classificação como imposto periódico.

António Braz Teixeira, in Lições de Direito Fiscal, Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1977, p. 72, a propósito da caracterização dos impostos periódicos, versus de obrigação única, diz-nos que “Atendendo à natureza permanente ou acidental dos factos ou das situações sobre que incidem, os impostos distinguem-se em periódicos e de obrigação única. Os primeiros tributam situações ou actividades que duram no tempo, dando origem a sucessivas obrigações tributárias independentes; os segundos recaem sobre actos ou factos isolados, sem carácter de continuidade.”

Sobre esta matéria, cabe também notar o entendimento de Nuno Sá Gomes, in Lições de Direito Fiscal, Ciência e Técnica Fiscal, Abril-Junho 1984 - nºs 304/306, pp. 147/148, quando, depois de considerar que “[…] os pressupostos da tributação são ou situações permanentes ou que se presumem como tal, estáveis, que se prolongam no tempo […], ou são situações transitórias, que se resolvem em actos ou factos isolados […]”, acrescenta que ”Daí que às situações permanentes, estáveis, ou que juridicamente se presumem como tal, correspondam normalmente os impostos periódicos, isto é, impostos que se renovam nos sucessivos períodos de tributação que, normalmente, são anuais, dando origem a sucessivas obrigações tributárias independentes. Por sua vez, os impostos de prestação única, tributam actos ou factos isolados e dão em regra origem a uma única obrigação tributária que não se renova, como os impostos aduaneiros […].”

Para Américo Fernando Brás Carlos, in Impostos - Teoria Geral, Almedina, Coimbra, Junho, 2006, pp. 51/52, “Nos impostos periódicos, a obrigação de imposto é relativa a situações estáveis que, normalmente, se prolongam no tempo. Daí que tais impostos tenham tendencialmente uma periodicidade regular (em regra, anual). São exemplo desses impostos, o IRS, o IRC, e o IMI.

Os impostos de obrigação única caracterizam-se por não serem passíveis de uma ocorrência tendencialmente regular e previsível, uma vez que o facto que a determina se traduz na prática de um acto instantâneo (v. o de adquirir). Por isso se diz que os impostos de obrigação única tributam actos ou factos isolados. São exemplo destes impostos: os impostos aduaneiros pagos no acto de desembaraço alfandegário de bens importados, o IMT, que tributa aquisições onerosas de imóveis […].”

Os elementos comuns que ressaltam das mencionadas referências doutrinárias indicam-nos que os impostos periódicos são caracterizados por perdurarem no tempo, originando sucessivas obrigações tributárias independentes, que se renovam de ano para ano e que, por regra, tem uma periodicidade regular, enquanto os impostos de obrigação única se consubstanciam numa tributação sem continuidade, que, recaindo sobre actos ou factos isolados, origina, em regra, uma única obrigação tributária, que não se renova.

Neste quadro, sendo o IUC, como decorre do disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 4º do respectivo Código, por um lado, um imposto cujo período de tributação corresponde ao ano, que se inicia com a data da matrícula, e, originando, por outo lado, sucessivas obrigações tributárias que se renovam ano após ano, em cada ano de vida do veículo, perdurando no tempo, dado tratar-se de um imposto que, em conformidade com o estatuído no nº 3 do referido art.º 4º, é devido até ao cancelamento da matrícula, fica claro estarmos perante um imposto caracterizado como sendo um imposto periódico.

Neste mesmo sentido aponta, aliás, o disposto no nº 1 do referido artigo 4º, quando estatui que o imposto em questão é periódico anual, na medida em que expressamente o designa como de periodicidade anual.

O actual sistema de tributação automóvel, aprovado pela Lei nº 22-A/2007 de 29 de Junho, sendo, como é, nos termos do art.º 1º da referida Lei, integrado por dois distintos Códigos, um, relativo ao Código do Imposto Sobre Veículos (ISV) e outro relativo ao Código do Imposto Único de Circulação (IUC), oferece-nos, aliás, curiosamente, um exemplo de cada uma das categorias de impostos em questão, dado que o Imposto Sobre Veículos (ISV) é caracterizado como imposto de obrigação única, enquanto o Imposto Único de Circulação (IUC), se caracteriza por ser um imposto periódico.

Face a tudo o que vem de referir-se, não se afigura assistir razão à Requerente quando entende caracterizar o Imposto Único de Circulação como sendo um imposto de obrigação única.

5.2. - O Imposto Único de Circulação caracteriza-se, pois, como um imposto periódico e, relativamente a estes, estatui o nº 4 do art.º 45º da LGT que o prazo de caducidade, que é de quatro anos, conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

Os factos tributários subjacentes às liquidações relativas aos quarenta e um veículos automóveis em causa no presente processo, tendo-se, embora, verificado em diferentes meses do ano de 2008, ocorreram, naturalmente, todos eles no referido ano de 2008, contando-se, assim, o prazo de caducidade a partir do termo desse mesmo ano, ou mais precisamente, a partir do primeiro dia do ano subsequente, ou seja, a partir do dia 01 de Janeiro de 2009.

As liquidações respeitantes aos quarenta e um veículos automóveis mencionados foram efectuadas, todas elas, em 28 de Novembro de 2012, tendo-se verificado as correspondentes notificações em 03 de Dezembro de 2012, não se verificando, assim, a caducidade do direito de liquidação relativamente a qualquer dos veículos automóveis.

Nestas circunstâncias, salvo o devido respeito, não assiste razão à Requerente quando, relativamente a trinta e cinco veículos, ou seja, excluindo apenas os seis veículos, cujo aniversário da matrícula ocorreu no mês de Dezembro, invoca a caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, não procedendo, assim, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações, com fundamento neste vício.

 

6.- QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA DO IUC

 

6.1. - Antes de mais, há que notar ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação, os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas excepções e particularidades ditadas pela própria lei objecto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

É comummente aceite que, tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se de diversos meios, importando, em primeiro lugar, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar, desde logo, o seu sentido literal. O referido sentido, como também é pacífico, corresponde ao grau mais baixo da actividade interpretativa, importando, por isso, valorá-lo e aferi-lo à luz de outros critérios, intervindo, a esse propósito, os designados elementos de natureza lógica, sejam de sentido histórico, racional ou teleológico e de ordem sistemática.

A propósito da interpretação da lei fiscal, cabe lembrar, como, aliás, a jurisprudência vem assinalando, nomeadamente nos Acórdãos do STA de 05/09/2012 e de 06/02/2013, processos nºs 0314/12 e 01000/12, respectivamente, disponíveis em: www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto preceito fundamental da hermenêutica jurídica, que, neste quadro, não pode deixar de considerar-se.

Antes de continuar na procura do sentido da lei, importa notar que o regime de tributação automóvel, tal como fixado na Lei nº 22 - A/2007 de 29 de Junho, particularmente no que ao CIUC diz respeito, não trouxe quaisquer novidades em matéria de incidência subjectiva, na medida em que desde a criação do imposto em causa, o que ocorreu por intermédio do Decreto- Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, que o imposto era devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se, como tais, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrassem matriculados ou registados.

As novidades do “novo” regime de tributação relativamente ao IUC, centraram-se, por um lado, na alteração do facto tributário que, como decorre do disposto no art.º 6º do CIUC, passou a ser constituído pela propriedade do veículo. Assiste-se, assim, a uma deslocação do imposto sobre os veículos, historicamente incidente no seu uso e fruição, o que correspondia à sua efectiva circulação, para a propriedade dos veículos. O facto tributário, na sua dimensão objectiva, deixou, com efeito, de estar focado no uso e fruição dos veículos para se centrar na respectiva propriedade.

Por outro lado, assiste-se a uma clara caracterização do imposto como imposto de pendor ambiental, o que decorre, designadamente, do disposto no art.º 1º do referido CIUC, na medida em que o mesmo está fortemente associado aos custos ambientais provocados pelos contribuintes, ou melhor, aos custos provocados pelos veículos de que os mesmos sejam proprietários.

Cotejando os regimes de tributação em causa, o “velho” e o “novo”, é possível identificar e perceber, essencialmente, três diferentes inovações no novo regime de tributação em matéria de IUC, que, de algum modo, consubstanciam objectivos visados pelo mesmo: dois deles, um, destinado a aumentar a arrecadação de receita fiscal, o que, como atrás se referiu, resulta da tributação de todos os veículos registados e não apenas dos que circulam, e outro, orientado para estimular a actualização do registo dos veículos, sempre que houver lugar à mudança de proprietário; o terceiro objectivo, respeita ao facto do montante do imposto estar, em certa medida, dependente de factores de ordem ambiental, designadamente dos níveis de emissão de dióxido de carbono, como, nomeadamente, resulta do disposto nos artigos 7º e 9º do CIUC.

Retomando a interpretação do art.º 3º do CIUC, relativo à incidência subjectiva, e começando pelo elemento literal, dir-se-á que o que se visa é, sobretudo, encontrar o pensamento legislativo objectivado no mencionado artigo, pensamento que se reconduz à questão de saber se o mesmo contempla ou não a presunção de que os sujeitos passivos do imposto são os proprietários dos veículos, tendo-se como tais, em definitivo ou não, as pessoas em nome de quem os veículos estejam registados.

Dispõe o nº 1 do referido artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.” (sublinhado nosso)

A formulação usada no referido artigo, importará notá-lo, antes de mais, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão, pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se, assim, à expressão “presumindo-se”. Trata-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, como é patente em diversas situações.

Com efeito, não será difícil identificar situações, em diversas áreas do direito, em que se utiliza a expressão “considerando-se” ou “considera-se” com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”. Na verdade, seja ao nível das presunções inilidíveis, seja no quadro das presunções ilidíveis, estamos perante expressões a que, não raras vezes, é conferido um significado equivalente. A título de mero exemplo, referir-se-á, relativamente às primeiras, o disposto no nº 6 do art.º 45º da LGT quando, para efeitos da notificação da liquidação dos tributos, se estabelece que “ […] as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil” (sublinhado nosso). Como salienta, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 6ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 388 “Está ínsita neste nº 6 do art.º 45º uma presunção inilidível de notificação, […] para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação.” No mesmo sentido, pode ver-se, designadamente, o Acórdão do STA de 12-04-2012, Proc. 0331/11, disponível em: www.dgsi.pt.

 

Quanto às presunções ilidíveis, ocorre referir, desde logo, ainda no âmbito tributário, o disposto no nº 4 do art.º 89º-A da LGT, quando estabelece que “Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:” (sublinhado nosso).

Trata-se de uma situação em que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 667, é “[…] imposto ao contribuinte o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade (nº 3 do art.º 89º-A) e, não sendo ela feita, presume-se que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta do nº 4 do mesmo artigo.” A este propósito, e neste mesmo sentido, cabe indicar o Acórdão do STA de 02-05-2012, Processo 0381/12, disponível em: www.dgsi.pt.

 

No âmbito do direito civil pode, nomeadamente, referir-se o disposto no nº 3 do art.º 243º do Código Civil, quando dispõe que “Considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar.” (sublinhado nosso)

Trata-se, também aqui, de uma presunção, como vem assinalado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, Limitada, 1967, quando ao anotarem o art.º 350º do CC, aí exemplificam algumas presunções legais.

 

A título, igualmente, exemplificativo referir-se-á ainda, no âmbito do direito da propriedade industrial, o disposto no nº 5 do art.º 59º do CPI, onde se estabelece que “As invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho.” (sublinhado nosso)

Trata-se, também aqui, como referem António Campinos e Luís Couto Gonçalves e Outros, in Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, Coimbra, 2010, p. 221, de uma “[…] presunção ilidível mediante prova em contrário.”

Nestas circunstâncias, fácil será concluir que as mencionadas expressões são recorrentemente usadas com um propósito e significado equivalentes, o que, em nosso entender, será justamente o caso plasmado no nº 1 do art.º 3º do CIUC, tratando-se, assim, de um entendimento que se mostra em total sintonia com o disposto no nº 2 do art.º 9º do CC, dado estar assegurado o mínimo de correspondência verbal aí exigido, para efeitos do procurado pensamento legislativo.

 

6. 2. - Como atrás se referiu, sendo o elemento literal o primeiro instrumento a utilizar em busca do pensamento legislativo, importa submetê-lo ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica. (sejam de sentido histórico, racional ou teleológico e de ordem sistemática)

- Começando pelo elemento histórico, há que referir, antes de mais, que desde o nascimento do imposto de circulação, o que ocorreu por via da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, e que perdurou até ao Decreto-Lei nº 116/94 de 03 de Maio, último diploma vigente, antes do actual regime, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto em causa, que eram tidos como as pessoas em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados, presunção essa que era apoiada na expressão “presumindo-se como tais”.

Cabe aqui lembrar, como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 6ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 589, que, em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos dessas presunções, das quais, a título de mero exemplo, referiremos a constante no art.º 40º, nº 1, do CIRS, em que se usa a expressão “presume-se” e a constante no art.º 46º, nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e consubstanciando, igualmente, uma presunção.

Assim ocorreu também na formulação legal exarada no nº 1 do art.º 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão.

O uso da expressão “considerando-se” mais não visou, aliás, do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efectivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que, como já se referiu, passou, nos termos do art.º 6º do CIUC, a constituir o facto gerador do imposto.

A relevância e o interesse da presunção em causa, que historicamente foi revelada por intermédio da expressão “presumindo-se” e que, agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais, e que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Caso assim não fosse, ou seja, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efectivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objectivamente postergados.

Tal presunção, como, aliás, as demais presunções, é estabelecida à luz de critérios e preocupações de verdade material, o que, em matéria fiscal, corporiza um importante princípio que importa ter presente.

Sendo esse o sentido e alcance da aludida presunção, o que, aliás, se afigura revelador de assinalável sageza e dimensão judiciosa, mal se entenderia que, na vigência de uma Lei Geral Tributária, de pendor reconhecidamente garantístico, porque, em razoável medida, orientada para o reforço dos direitos e garantias dos contribuintes, a referida presunção deixasse, pura e simplesmente, de ser tida em conta, porque não nos foi revelada por via da expressão “presumindo-se”, mas da expressão “considerando-se”. Estaríamos, aliás, se assim fosse, perante um entendimento dificilmente consentâneo com alguns dos mais importantes e informadores princípios da mencionada Lei, entre os quais importará, designadamente, destacar os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respectivamente, nos artigos 55º e 58º dessa mesma Lei, o que, consequentemente, também estaria em dissonância com a unidade do sistema jurídico-fiscal.

Em matéria de incidência subjectiva, como bem assinalam A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, in IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS E IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO, Coimbra Editora, 2009, p. 187, “[…] não se registam [pois] alterações relativamente à situação que vigorou no âmbito dos extintos IMV, ICi e ICa”, ou seja, no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, do Imposto de Circulação e do Imposto de Camionagem. (sublinhado nosso)

 

6.3. - Atendendo, agora, em particular, aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, cabe lembrar o que, expressamente, vem exarado na exposição de motivos da Proposta de Lei N.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007 de 29/06, quando aí se refere que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador […] consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “[…] este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate […]”.

Neste quadro, parece claro que a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel só poderá conviver com um sujeito passivo do imposto, que, estando ancorado no proprietário do veículo, o esteja no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos viários e ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito do art.º 1º do CIUC.

O referido princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem, ao menos na parte em que especificamente respeita ao ambiente, subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido princípio que, de algum modo, tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do art.º 66º da nossa Constituição, tem também consagração no plano do direito comunitário, seja ao nível do direito originário, o que se verifica desde 07 de Fevereiro de 1992, altura em que foi assinado, em Maastrich, o Tratado da União Europeia, em cujo art.º 130º-R, nº 2, o aludido princípio passou a constar como suporte da política Comunitária no domínio ambiental, seja ao nível do direito derivado.

O que se visa alcançar por via do referido princípio é internalizar as externalidades ambientais negativas, o que, afinal, no caso dos autos, mais não significa do que fazer com que os prejuízos, que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

Trata-se, pois, de princípios de assinalável importância, na economia do CIUC, e que não se poderão deixar de, coerentemente, ter em conta na interpretação do art.º 3º, relativo à incidência subjectiva. Os aludidos princípios, têm, como aliás, todos os princípios jurídicos positivos, uma importância fundamental, seja ao nível da interpretação da lei e da integração das suas lacunas, seja ao nível da avaliação dos actos da administração, que, ao seu arrepio, venham eventualmente a ocorrer.

A consideração dos mencionados princípios não poderá, de resto, deixar de ser tida em conta no quadro da interpretação do preceito em questão, face ao disposto no nº 1 do art.º 9º do CC, quando aí se estatui que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade pelo ambiente e de respeito pelas questões com ele relacionadas. Neste contexto, a presunção que consideramos inscrita no art.º 3º do CIUC corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução desses imperativos.

É sabido que a dimensão dos danos ambientais causados pelos veículos automóveis é robusta, fazendo sentir-se a vários níveis, seja ao nível do ar, designadamente por via das partículas de monóxido de carbono ou de dióxido de carbono, seja ao nível da paisagem urbana, por via de uma distribuição não equitativa dos espaços públicos, seja ao nível do ruído, que, não raras vezes, se situa em patamares superiores aos que, em desenvolvimento das normas constantes na Lei de Bases do Ambiente, nomeadamente, do seu art.º 22º, estão legalmente fixados. Por isso, a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no CIUC em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientalmente causados, o que não se pode compaginar com a imputação do encargo fiscal aos sujeitos que, só aparentemente e em princípio, estão nessas condições, enquanto proprietários formais dos veículos, ou seja, enquanto pessoas que constam do registo, antes postula o conhecimento dos efectivos proprietários - que poderão ser os que constam do registo - posto serem esses que, neste quadro, enquanto reais poluidores, ou, pelo menos, potenciais poluidores, devem sofrer o respectivo imposto.

A não ser assim, estar-se-ia a dar causa a resultados completamente diferentes daqueles que a racionalidade do sistema esperaria, uma vez que as pessoas tributadas não teriam causado quaisquer danos ambientais e os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto.

Assim, correspondendo a tributação dos reais poluidores a um importante fim visado pela lei, no caso pelo CIUC, fim que, no dizer de Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª Edição, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, p. 130, deve estar sempre diante dos olhos do jurista, dado que, como o mencionado autor aí refere, “[…] a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”, cabe notar que, também à luz dos elementos de carácter racional e teleológicos de interpretação, se impõe concluir que o nº 1 do art.º 3º do CIUC consagra uma presunção ilidível.

6.4. - Aqui chegados, importa salientar que os referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam os respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão considerando-se tem um sentido equivalente à expressão presumindo-se, devendo, assim, entender-se que o disposto no nº 1 do art.º 3º do CIUC consagra uma presunção legal, que, face ao disposto no art.º 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, (sublinhado nosso), o que significa que os sujeitos passivos do imposto são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, ou seja, os referidos sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições, a quem, desde logo e em princípio, a AT, antes da liquidação ser concretizada, se há - de dirigir, se tem necessariamente de dirigir.

Mas isso será apenas em princípio, dado que no quadro da audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1, do art.º 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado, ou redirecionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efectivo, sujeito passivo do imposto em causa.

O direito que o contribuinte tem de ser ouvido, o qual se opera mediante a audição prévia, deve corresponder e traduzir-se na possibilidade concedida aos particulares de terem uma participação útil no procedimento, não devendo transformar-se numa prática inconsequente e rotineira, como bem assinalam José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, anotação nº 8 ao art.º 100º.

A audição prévia, que, naturalmente, há-de concretizar-se em momento imediatamente anterior ao procedimento de liquidação, corresponde à sede e altura próprias para, com certeza e segurança, se identificar o sujeito passivo do IUC.

O referido procedimento de liquidação, como vem assinalado por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, anotação nº 5 ao art.º 36º, serve unicamente para tornar certa a obrigação tributária e, consequentemente, exigível. Neste sentido, acrescentam os referidos autores, na anotação nº 6 ao mesmo artigo, que “A liquidação, como qualquer acto tributário, sendo um acto definidor da posição da Administração tributária perante os particulares, não constitui a obrigação. Torna-a certa e exigível […]”.

A audição prévia é, de resto, a sede própria, para se procurar a verdade material dos elementos essenciais à liquidação do imposto, entre os quais estará o conhecimento dos verdadeiros sujeitos passivos do imposto, enquanto elementos primeiros da relação jurídica fiscal. A este propósito, cabe referir o que nos dizem os atrás mencionados autores, ibidem, na anotação nº 5 ao art.º 55º, quando aí referem que, no domínio do procedimento tributário, a administração tributária, particularmente à luz dos princípios da justiça e da imparcialidade, deve nortear-se por “[…] critérios de isenção na averiguação das situações fácticas, realizando todas as diligências que se afigurem necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à administração tributária cabe defender”. (sublinhado nosso)

Relativamente à verdade material que se visa conhecer - a qual, tivesse tido, no presente caso, o devido atendimento, teria conduzido a que os sujeitos passivos do IUC fossem, num caso, os adquirentes-locatários dos veículos, enquanto seus verdadeiros proprietários, e noutro caso, os locatários, e não o vendedor-locador, enquanto proprietário virtual dos veículos em questão - cabe ainda lembrar o princípio do inquisitório, que fixado no art.º 58º da LGT, estatui no sentido de que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. (sublinhado nosso)

A propósito deste princípio, cabe, de novo, aludir aos ensinamentos de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488/489, quando, em anotações ao citado art.º 58º, referem que cabe à administração um papel dinâmico na recolha dos elementos com relevância para a decisão, acrescentando que a “[…] falta de diligências reputadas necessárias para a construção da base fáctica da decisão afectará esta não só na hipótese de serem obrigatórias (violação do princípio da igualdade), mas também se a materialidade dos factos considerados não estiver comprovada ou se faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração deveria ter colhido […]”.

O princípio do inquisitório, acrescentam os referidos autores, ibidem, “[…] tem a ver com os poderes (-deveres) de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão […]”.

Também à luz destes princípios, o disposto no nº 1 do art.º 3º mostra consagrar uma presunção, sendo esta a interpretação que mais está em sintonia com o princípio da verdade material que a lei se encarrega de apontar.

 

7. - SOBRE O VALOR JURÍDICO DO REGISTO

 

7. 1. - Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar, desde logo, o que estabelece o nº 1 do art.º 1 do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis (CRA) (diversas vezes alterado, a última das quais por via da Lei n.º 39/2008, de 11/08), quando estatui que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.” (sublinhado nosso)

Por outro lado, importa ter em conta que o art.º 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável supletivamente ao registo de automóveis, por força do art.º 29º do CRA, dispõe que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” (sublinhado nosso)

Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.

Neste quadro, fácil será entender que a função legalmente reservada ao registo é, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro lado, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

Os adquirentes dos veículos tornam-se, assim, proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

Neste contexto, cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do art.º 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso, veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato, sendo certo que, nos termos do disposto na alínea a) do art.º 879º do referido CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa ou a titularidade do direito, no caso dos veículos.

Há que voltar a lembrar que os quarenta e um veículos referenciados no presente processo foram objecto de contrato de locação financeira, com opção de compra, e que, todos eles, foram vendidos aos correspondentes locatários, uns, em número de trinta e sete, em datas anteriores à data dos factos tributários e da exigibilidade do imposto; outros, em número de quatro, em datas posteriores àquela em que o IUC era exigível.

Dir-se-á, assim, que se os referidos locatários, adquirentes dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo, presume-se, para efeitos do nº 1 do art.º 3º do CIUC e nos termos do disposto no art.º 7º do CRP, que o veículo continua a ser propriedade da pessoa que o vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo, porém, certo que tal presunção é ilidível, seja por força do estabelecido no nº 2 do art.º 350º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afaste a referida presunção, mediante prova em contrário, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.

Assim sendo, também a esta luz, o disposto no nº 1 do art.º 3º do CIUC, não poderá deixar de consubstanciar uma presunção ilidível.

 

7. 2. - Para além disso, importa, também, lembrar, a propósito, ainda, do valor jurídico do registo automóvel, o disposto no art.º 19º do CIUC, quando, justamente, para efeitos do disposto no art.º 3º do referido CIUC, ou seja, para efeitos da incidência subjectiva, vem impor, nomeadamente às entidades que procedem à locação financeira, a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados, o que revela, por um lado, que o legislador tinha a clara consciência de que o valor de tal registo não iria além daquele que atrás se referiu, e que, por outro, para efeitos da referida incidência subjectiva, se pretendeu conhecer quem eram, afinal, os reais utilizadores dos veículos locados, o que, também, se mostra convergente com o entendimento de que o nº 1 do art.º 3º do CIUC visou consagrar uma presunção legal.

 

Face ao que vem de referir-se, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido que o disposto no nº 1 do art.º 3º do CIUC consagra uma presunção juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo está inscrita como proprietário do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

A AT quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios que, quer no quadro da audição prévia, quer em momento posterior, lhe foram apresentados, destinados a identificar os efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, está a proceder à liquidação ilegal do IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do art.º 3º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários.

 

8. - A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3º DO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

8.1. - A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3º DO CIUC

 

Contrariamente ao entendimento da AT que perspectiva a consagração de uma presunção no nº 1 do art.º 3º do CIUC como decorrente de uma interpretação contra legem, resultante de uma leitura enviesada da letra da lei e violadora da unidade do sistema jurídico, afigura-se, salvo o devido respeito, que a interpretação contrária, ou seja, a que entende estar consagrada nessa norma uma presunção juris tantum, é a que, face ao que se tem vindo a referir, melhor servirá os valores e interesses em questão, sejam eles ao nível da justiça fiscal material, sejam ao nível das finalidades ambientais visadas pelo IUC, sejam ao nível da coerência e unidade do regime inscrito no CIUC e no sistema jurídico no seu conjunto.

A propósito da referida unidade do sistema jurídico, cabe notar que, tendo em conta o que já se deixou dito, quer, nomeadamente, sobre o art.º 1º do CIUC e sobre a ratio desse artigo, quer sobre as normas e princípios da LGT, que importa considerar, quer sobre as normas pertinentes e aplicáveis ao registo de veículos automóveis, a interpretação que melhor serve e alcança a mencionada unidade e assegura a conexão dessas mesmas normas é a que identifica no pensamento da lei, inscrito no art.º 3º do CIUC, a presunção legal que lá se encontra formulada.

Dir-se-á que a referida presunção, tendo, particularmente em conta o quadro mais amplo das normas legais que com ela intimamente se relacionam e o modo como os diversos elementos de interpretação se combinam entre si, está instalada à vontade no texto legal exarado no mencionado artigo 3º, corporizando o pensamento legislativo que se julga ser o verdadeiro.

 

8.2. - DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

Como já atrás se referiu e demonstrou, o IUC, sendo um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme se dispõe nos nºs 1 e 2 do art.º 4º do CIUC, é exigível, como reza o nº 3 do art.º 6º do referido Código, no primeiro dia do período de tributação, ou seja, na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários.

Assim, face ao que já se referiu sobre a situação dos veículos à data em que o imposto era exigível, é de concluir que relativamente aos trinta e sete veículos, cuja propriedade, por mero efeito dos correspondentes contratos de compra e venda, se transferiu para os ex-locatários em datas anteriores àquelas em que o IUC era exigível, a Requerente não se configura como sujeito passivo do imposto, face à interpretação que deve ser feita do nº 1 do art.º 3º do CIUC; quanto aos restantes quatro veículos, ou seja, aqueles cuja propriedade foi transferida para os locatários em datas posteriores àquela em que o IUC era exigível, a Requerente não se configura, igualmente, como sujeito passivo do imposto, face ao disposto no nº 2 do art.º 3º do CIUC, devendo ser tidos como sujeitos passivos do imposto os locatários, enquanto equiparados, nos termos dessa disposição, a proprietários dos veículos.

Em síntese, pode afirmar-se que: ou o contrato de compra e venda do veículo, no quadro do contrato de locação financeira, foi celebrado em momento anterior à data em que o IUC era exigível, e como a propriedade se adquire por mero efeito do contrato, o sujeito passivo do IUC é o ex-locatário - adquirente - proprietário do veículo, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 3º do CIUC, desde que, naturalmente, a presunção aí consagrada seja ilidida; ou o contrato de compra e venda do veículo, foi celebrado em momento posterior à data em que o IUC era exigível, estando-se, nessa data, em pleno domínio do contrato de locação financeira, e o sujeito passivo do imposto é o locatário, face ao disposto no n.º 2 do art.º 3º do CIUC.

 

8.3. - ILISÃO DA PRESUNÇÃO

 

A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser proprietária dos veículos aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos:

- Cópias dos contratos de locação financeira;

- Cópias dos extratos contabilísticos, relativos a cada um dos clientes;

- Cópias das facturas de venda dos veículos aos ex - locatários.

Os documentos apresentados, particularmente as cópias das facturas que suportam, desde logo, as vendas relativas aos trinta e sete veículos atrás referenciados, ou seja, os veículos cuja propriedade se transferiu para os ex-locatários em datas anteriores àquelas em que o IUC era exigível, corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no nº 1 do art.º 3º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no nº 1 do art.º 75º da LGT. Decorre daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos não era a Requerente, mas sim os ex-locatários, sendo pois, estes, que estão vinculados ao pagamento do imposto em causa.

Quanto aos restantes quatro veículos, ou seja, aqueles em que, face aos documentos que se encontram nos autos, a propriedade foi transferida para os locatários em datas posteriores àquela em que o IUC era exigível, importa notar que os contratos de locação financeira, plenamente válidos à data da exigibilidade do imposto, revelam-se meios idóneos e com força bastante para fazer prova da qualidade dos locatários, para efeitos do disposto no nº 2 do art.º 3º do CIUC, ou seja, para efeitos da sua equiparação a proprietários dos veículos e da sua, consequente, vinculação ao pagamento do imposto em causa.

Neste quadro, as liquidações em causa devem ser objecto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

9. - OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO

 

Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos actos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios, tal como se prevê no art.º 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.

 

10. - REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)

Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 29º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” (sublinhado nosso)

O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se, igualmente, manifesto, que, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de 8.703,33€, que serão contados desde 15-12-2012, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

11. - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante ao ano de 2008, relativamente aos quarenta e um veículos automóveis identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários;

- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 8.703,33€, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 15-12-2012, até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex-315º, nº 2) e 97º - A, nº1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 8.703,33€.

Custas: De harmonia com o nº 4 do art.º 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

Lisboa, 10 de Setembro de 2013

O Árbitro

António Correia Valente

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.)