Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 722/2014-T
Data da decisão: 2015-04-22  Selo  
Valor do pedido: € 4.028,05
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS - Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral

 

Autores / Requerentes: A...

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA)

 

1. Relatório

Em 17-10-2014, A..., contribuinte n.º ..., residente na Rua de ... Lisboa, doravante designado por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., no valor total de 4.028,05 €, da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativas às segundas prestações do ano de 2013 e ao prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ..., constituído em propriedade vertical, com 5 pisos, e com 12 divisões com utilização independente destinadas a habitação e 3 destinadas ao comércio.

O Requerente alega que uma vez que nenhum dos andares com utilização independente tem um valor patrimonial tributário (VPT) superior a um milhão de euros (1.000.000 €), não poderá ser liquidado nem cobrado Imposto de Selo, sob pena de se verificar uma violação do princípio constitucional da igualdade e da prevalência da verdade material.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 03-02-2015, defendendo a manutenção dos atos tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido, e alegando que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada um dos andares ou divisões que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente.

Foi designada como árbitro único, em 05-12-2014, Suzana Fernandes da Costa. Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 23-12-2014.

Na sua resposta, a ATA pediu a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, assim como a dispensa da produção de alegações.

Notificado sobre este pedido de dispensa, o Requerente nada disse.

Em 16-03-2015 foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, uma vez que não existiam exceções a apreciar, dispensando-se ainda a produção de alegações. Foi também fixado o dia 23-04-2015 para efeito de prolação da decisão arbitral.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.      O Requerente A... é proprietário do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ..., constituído em propriedade vertical, com 5 pisos, e com 12 divisões com utilização independente destinadas a habitação e 3 destinadas ao comércio, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 12.

  1. O valor patrimonial total do prédio acima referido era, à data das liquidações em causa, de um milhão, duzentos e quarenta e quatro mil novecentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos (1.244.948,15 €), conforme consta das liquidações de Imposto de Selo juntas pelo Requerente como documentos 1 a 11.

3.      O Requerente foi notificado das seguintes liquidações de Imposto de Selo, relativas às segundas prestação do imposto de selo do ano de 2013:

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 444,98 €, relativa ao 1º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 133.495,13 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 408,63 €, relativa ao 1º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 122.591,00 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 442,25 €, relativa ao 2º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 132.675,50 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 405,90 €, relativa ao 2º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 121.771,38 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 442,25 €, relativa ao 3º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 132.675,50 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 405,90 €, relativa ao 3º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 121.771,38 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 442,25 €, relativa ao 4º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 132.675,50 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 405,90 €, relativa ao 4º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 121.771,38 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 238,17 €, relativa ao 5º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 71.452,63 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 192,07 €, relativa ao 5º andar P1 do imóvel acima referido, cujo VPT é de 57.622,75 €;

- liquidação n.º 2014 ... no valor de 199,75 €, relativa ao 5º andar P2 do imóvel acima referido, cujo VPT é de 59.926,00 €.

4.       Nenhum dos andares ou divisões com utilização independente possui um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se, por um lado, nos documentos juntos aos autos pelos Requerentes, nomeadamente as liquidações e a caderneta predial, e por outro lado, e nas posições tomadas pelas partes.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global), ou, antes, sobre o valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente.

Sobre esta questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 280/2013-T, 26/2014-T, 88/2014-T, 206/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 451/2014-T, 457/2014-T, 458/2014-T e 567/2014-T.

 

3.2. Questão do valor patrimonial tributário relevante para aplicação da verba 28.1 da TGIS e da suposta violação do princípio da igualdade

Segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira, num prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto de selo é o valor patrimonial tributário global dos andares e divisões destinadas à habitação.

Já para o Requerente a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS deve ser aferida não pelo valor total do prédio mas pelo valor atribuído a cada uma das partes com utilização independente, em função do VPT respetivo, devendo seguir o mesmo critério da determinação do IMI.

Vejamos:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;”

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

A norma de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Por sua vez o art.º 6.º do CIMI indica as diferentes espécies de prédios urbanos, e determina que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” (vd. alínea a) do nº 1) do art.º 6.º CIMI).

Há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Uma vez que o CIS remete para o CIMI, devemos considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

Daí decorre que o respetivo IMI, bem como o Imposto de Selo, são liquidados individualmente em relação a cada uma das partes. Por esse facto, o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo.

Assim se conclui como no acórdão CAAD 50/2013-T, segundo o qual “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1 da TGIS”.

Resulta assim da lei que só haveria lugar a incidência do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €), o que não ocorre nos presentes autos.

O critério defendido pela ATA, que tem em conta a soma das partes, com o argumento de que o prédio não se encontraria constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta do CIMI e que se aplica por remissão, em sede de Imposto de Selo.

Acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o Imposto de Selo a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €) –“sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.

Em conclusão o valor patrimonial relevante para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS é o VPT da parte, andar ou divisão com utilização independente.

Alega o Requerente que a aplicação da verba 28.1 da TGIS viola o princípio da igualdade consagrado nos artigos 13º e 104º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

De acordo com a interpretação sufragada supra, a tributação de partes com utilização independente de valor inferior a um milhão de euros não se encontra abrangida pela norma de incidência; logo, a sua tributação viola efetivamente o princípio da igualdade, mais concretamente nos seus corolários de capacidade contributiva e proporcionalidade fiscal.

Relativamente ao princípio da igualdade vejam-se os acórdãos CAAD n.º 50/2012-T e 218/2013-T, e os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 142/04 e 187/2013.

Concluímos como no acórdão do CAAD n.º 218/2013-T, “a liquidação de Imposto de Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13º da RCP, porque: i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontram em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional.”

No caso dos autos o prédio em questão encontra-se em propriedade vertical e contém vários andares e divisões com utilização independente destinados a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €), como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na Verba 28 da TGIS.

Olhando agora à ratio legis do preceito em questão na verba 28.1 TGIS e citando o acórdão CAAD n.º 50/2013-T “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00€), sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €). Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.” Já quando aplicado a uma parte ou fração que não exceda o referido valor de um milhão de euros não se encontrará verificada a norma de incidência.   

O princípio da igualdade fiscal determina que se deva tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Ora, não se justifica o tratamento diferenciado das frações ou partes de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, desde que as frações ou partes tenham utilização independente.

Como refere o acórdão CAAD do processo n.º 218/2013-T, “O princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13º da CRP, dele resultando o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação.”

Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo “a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical) (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pág. 151 -152).”

No acórdão CAAD do processo n.º 50/2013-T pode ler-se que “o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.”

Assim, e na linha da jurisprudência do TC e do CAAD, concluímos pela violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se julgar totalmente procedente o pedido formulado pelo Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo relativas às segundas prestações do ano de 2013, n.º 2014 ... no valor de 442,25 €, n.º 2014 ... no valor de 405,90 €, n.º 2014 ... no valor de 442,25 €, n.º 2014 ... no valor de 405,90 €, n.º 2014 ... no valor de 442,25 €, n.º 2014 ... no valor de 405,90 €, n.º 2014 ... no valor de 238,17 €, n.º 2014 ... no valor de 192,07 € e n.º 2014 ... no valor de 199,75 €.

 

 

5. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 4.028,05 €.

 

6.    Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique.

 

Lisboa, 22 de abril de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

O árbitro singular,

 

Suzana Fernandes da Costa