Processo nº 710/2014 – T
DECISÃO ARBITRAL
A – RELATÓRIO
1. A..., LDA, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, Porto, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo, referentes ao ano de 2012 e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).
2. Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.
As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 08-01-2015.
3. Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.
4. Foi dispensada, com a anuência das partes, a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
5. Pretende a requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação de vinte e sete liquidações de Imposto do Selo relativas ao ano de 2012 e referentes ao artigo matricial urbano ... da freguesia de …, do concelho de Lisboa, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, alegando em síntese:
a) É proprietária de um prédio em propriedade total constituído por rés-do-chão e dois andares, sito na Rua …, em Lisboa
b) O prédio é constituído por 12 unidades independentes, susceptíveis de utilização independente.
c) Considerou a AT aplicar a verba a verba 28.1 da TGIS, por entender fazer o somatório das 12 unidades independentes, alcançando, assim, um VPT superior a € 1.000.000,00 €, neste caso concreto, € 1.018.194,22.
d) A requerente fez questão de demonstrar a sua discordância a tais liquidações, apresentando reclamação graciosa, a qual veio a ser indeferida por despacho de 02-07-2014.
e) A requerente foi notificada para a liquidação dos valores de imposto de selo, correspondentes aos andares e divisões de utilização independente.
f) Por não existir qualquer definição legal de prédio urbano com afectação habitacional, quer no CIS quer na TGIS, somos obrigados a socorrer-nos do art. 67º, n.º 2 do CIS e a aplicarmos subsidiariamente o CIMI.
g) Qualquer unidade independente é, para efeitos de IMI, tratada como qualquer fracção autónoma, tendo VPT próprio, liquidações autónomas e avaliações autónomas.
h) Para efeitos da aplicação dos princípios da legalidade tribtária, igualdade, justiça e proporcionalidade, deve ser aplicado o valor correspondente e a autonomia económica de cada fogo e nunca o valor patrimonial total do prédio.
6. Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:
a) Decorre da noção de prédio do art. 2º do CIMI que só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios.
b) A requerente, para efeitos de IMI e de Imposto do Selo, não é proprietária de 12 fracções autónomas, mas sim de único prédio.
c) A propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no art. 1414º do CC, que prevê e regula o modo de constituição assim como as demais regras sobre direitos e encargos dos condóminos, reconhecendo-se-lhe um regime mais evoluído de propriedade.
d) Pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal será, no mínimo, abusivo e ilegal.
e) Não estando o prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns, a lei fiscal atribui relevância a tal materialidade, avaliando individualmente, mas integrando a mesma matriz.
f) A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente.
g) Tal prédio não deixa, por isso, de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às frações autónomas em regime de propriedade horizontal.
h) É inconstitucional por violação por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da TG, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou divisão a divisão e não globalmente.
i) As normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical.
j) São regimes jurídico-civilísticos diferentes e assim a lei fiscal os considera.
k) O valor patrimonial relevante para efeitos da verba 28.1 é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.
l) Os actos tributários impugnados, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica.
* * *
7. - O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
- O processo não enferma de nulidades.
B. DECISÃO
1. MATÉRIA DE FACTO
1.1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A requerente é proprietária do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua …, inscrito na matriz urbana sob o artigo ....
b) O prédio é constituído por rés-do-chão e dois andares e compreende um total de doze unidades com com utilização independente, todos afectos a habitação.
c) A soma dos valores patrimoniais de todos os andares e divisões com afectação habitacional perfaz o total de 1.018.104,22 €.
d) Nenhum dos andares, considerado isoladamente, tem um valor patrimonial superior a 1.000.000,00 €.
e) A AT liquidou imposto do selo individualmente sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, à taxa de 1%, por aplicação do disposto na verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pelo art. 4º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, relativamente ao ano de 2012.
f) A requerente apresentou em 29-05-2014 no serviço de finanças reclamação graciosa.
g) A denominada reclamação graciosa foi arquivada por despacho de 02-07-2014 da Chefe de Finanças, em regime de substituição, constando do respectivo despacho que “no caso das alegações apresentadas na petição, a forma de reacção admissível deverá ser a apresentação da declaração Modelo 1 de IMI por forma a solicitar nova avaliação ao imóvel em causa”, que a requerente recepcionou em 15-07-2014.
g) A requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos, em 12-10-2014.
1.2 Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo.
1.3 FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.
1.4 O DIREITO
TEMPESTIVIDADE
O tribunal arbitral deve começar por aferir da eventual existência de excepções que obstem ao conhecimento do pedido.
Nenhuma excepção foi deduzida pela requerida, o que não invalida a necessidade de conhecimento das que a lei imponha serem de conhecimento oficioso.
A requerente não identificou discriminadamente, como deveria, que liquidações impugna em concreto, tendo-se limitado a remeter para os documentos únicos de cobrança do imposto ora impugnado, relativos ao seu pagamento no âmbito de execução fiscal.
Tendo sido a requerente notificada para juntar aos autos cópias das notificações de liquidação que pretende ver anuladas, constata-se que as mesmas respeitam a liquidações respeitantes ao ano de 2012, emitidas no prazo legal e donde decorre que o prazo para o seu pagamento, porque fraccionado em três prestações, terminou no dia 30 de Novembro de 2013.
Se confrontada tal factualidade com a data de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral – 12-10-2014 – concluir-se-ia de imediato ser este extemporâneo.
Com efeito, o pedido de constituição de tribunal arbitral deverá ser apresentado no prazo de 90 dias a contar a contar dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do art. 102º do CPPT [art. 10º, n.º 1 a) do RJAT].
No que ao caso importa, temos que o pedido arbitral deveria ter sido apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto do selo em causa, ou seja, a contar de 30-11-2014 (o que também decorre do art. 120º, n.º 1, c) do CIMI, face ao preceituado na parte final do n.º 5 do art. 44º do CIS).
Sucede que a requerente alega ter apresentado reclamação graciosa das liquidações em causa, cujo indeferimento lhe teria sido notificado em 15-07-2014 o que faria com que o presente pedido de pronúncia arbitral tivesse sido apresentado dentro do prazo legal.
De acordo com o disposto no art. 70º do CPPT, a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial que, no caso, são os mesmos que são admitidos na arbitragem tributária.
É certo que na aludida reclamação a requerente não discute directamente a questão das liquidações em causa, parecendo antes pretender que fosse feita nova avaliação ao valor patrimonial fixado pela AT. Todavia, apresentou tal requerimento na sequência das notificações das liquidações de imposto do selo que aí identificou.
Acontece que a reclamação graciosa (que, no caso, não foi subscrita por advogado) é regida pela simplicidade de termos e dispensa de formalidades essenciais (art. 69º do CPPT).
Ora, o objecto da impugnação judicial (e por remissão, também do pedido de pronúncia arbitral) é o acto tributário e a sua legalidade. Daí que o meio adequado para pôr em causa o indeferimento de uma reclamação graciosa que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação seja a impugnação judicial, (ver, entre outros, Ac. STA de 04/03/2009, no proc. 01034; de 09/10/2008, no proc. 0567/08; de 19/12/2007 no proc. 0617/07) e assim é porque o objecto do processo é ainda o acto de liquidação cuja legalidade se contesta.
Daí que se entenda que os vícios invocados em sede de reclamação graciosa não precludem nem impedem legalmente que na sequência do seu indeferimento se abra novo prazo para impugnar o acto, onde podem ser invocados quaisquer outros vícios não alegados em sede graciosa.
Consideramos, assim, que o presente pedido de pronúncia arbitral é apresentado como reacção à reclamação graciosa apresentada pela requerente e, desse modo, como se expôs, este foi apresentado no prazo legal.
DO MÉRITO DO PEDIDO
A questão de fundo a apreciar neste processo reside na interpretação a dar à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, no sentido de apurar se, relativamente a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal que integrem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de aplicação do imposto é o atribuído individualmente a cada um deles ou, pelo contrário, é o correspondente à soma de todos eles.
Dispõe a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo:
- ”Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto sobre Imoóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio como afectação habitacional – 1%
(…)”.
O art. 6º da referida Lei n.º 55-A/2012, dispõe que o valor patrimonial tributário a considerar na liquidação do imposto do selo corresponde ao que resultar das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), acrescentando o n.º 2 do art. 67º do Código do Imposto do Selo (CIS) que “as matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral, aplica-se subsidiariamente, o disposto no CIMI”.
Por seu turno, o art. 2º do CIMI dá-nos o conceito de prédio, estabelecendo o art. 6º do mesmo código, no seu n.º 2, que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
É com recurso a estas disposições que terá de ser encontrada a resposta à questão decidenda
Sendo certo que o único confronto que o CIMI faz entre prédios em regime de propriedade horizontal ou total, se pode encontrar no n.º 4 do art. 2º quando prescreve que “cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
Em cumprimento do que, na definição do conceito de matrizes prediais, o n.º 3 do art. 12º do CIMI, determina que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
Nenhuma relevância é, pois, dada pelo legislador fiscal ao facto de um prédio estar constituído em regime de propriedade horizontal ou vertical, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
Quer dizer, nada há na lei que permita concluir no sentido de se obter o valor patrimonial tributário de prédio em regime de propriedade total, pela soma dos que foram atribuídos isoladamente às partes que o constituem, conforme entendimento que tem vindo a ser acolhido por várias decisões arbitrais[1] a que aderimos inteiramente e, por isso, subscrevemos.
Pelo que entendemos não poder merecer acolhimento a posição da AT, ao pretender fixar como valor de referência para a incidência do imposto do selo, o valor global do prédio em causa, por não o admitir o CIMI que é, como já se referiu, a base legal remissiva de suporte daquele.
Não tendo nenhum das divisões susceptíveis de utilização independente, valor patrimonial superior a um milhão de euros, não há lugar a incidência da verba 28.1 prevista na TGIS.
Donde se conclui padecer a liquidação objecto do presente pedido arbitral de ilegalidade, pelo que se impõe a sua anulação, devendo ser restituído à requerente do imposto pago, aí não se incluindo os juros de mora e custas da execução fiscal, como pretendia a requerente.
3. DECISÃO
Face ao exposto, decide-se:
a) julgar procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação do acto tributário objecto do pedido arbitral correspondentes à liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2012 respeitante ao artigo ... da freguesia de …em Lisboa, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
b) condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;
c) condenar a requerida no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 10.203,92 € (dez mil duzentos e três euros e noventa e dois cêntimos).
CUSTAS: Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 30-06-2015
O árbitro
António Alberto Franco
[1] Entre outras, as proferidas nos Proc. 50/2013-T, 131/2013-T, 181/2013-T, 185-2013-T, 177/2014, 206/2014-T