DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Jorge Lopes de Sousa (árbitro presidente), Carlos Lobo e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 9 de setembro de 2014, A..., NIF …, com domicílio fiscal na …, n.º …, …, Porto, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação da liquidação de IRS relativa ao ano de 2006 (liquidação n.º 2014 …) e respetivos juros compensatórios.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
O Requerente juntou 4 (quatro) documentos, não tendo arrolado testemunhas, nem requerido a produção de quaisquer outras provas.
No essencial e em breve síntese, o Requerente alegou o seguinte:
Há muito tempo que fixou a sua residência numa unidade hoteleira na cidade do Porto, a qual é, por isso, o seu domicílio fiscal.
A liquidação de IRS impugnada resultou de uma inspeção tributária, em sede de IRS, relativo ao ano de 2006, que lhe foi efetuada, no âmbito da qual constituiu mandatário, uma vez que a AT pretendia proceder a correções ao rendimento coletável constante da declaração de rendimentos que havia tempestivamente apresentado e, por isso, ele foi notificado para exercer o direito de audição prévia, o que fez por intermédio de tal mandatário.
O aludido mandatário por ele constituído foi notificado do relatório final de inspeção, provavelmente nos primeiros dias de Abril de 2014, após o que renunciou ao mandato, por entender que não tinha elementos que lhe permitissem manter o patrocínio, renúncia essa que comunicou quer ao Requerente, quer aos Serviços de Inspeção Tributária de Aveiro e do Porto.
O Requerente ausentou-se para Espanha, conforme já havia anteriormente programado, de onde regressou em 18 de maio de 2014. Nessa altura, foi então confrontado com um aviso, intitulado “Certidão de Verificação – Nota Negativa”, datado de 14.05.2014, que um funcionário do Serviço de Finanças do Porto-5 terá deixado no hotel onde ele reside.
Nessa sequência, dirigiu-se então, a 20 de maio de 2014, ao referido Serviço de Finanças, onde assinou a notificação e lhe foi facultada cópia da nota de liquidação e cobrança relativa à liquidação adicional de IRS e respetivos juros compensatórios, atinente ao ano de 2006.
Entretanto, constatou que terá sido deixado no dito hotel, em 12 de maio de 2014, um documento intitulado “Nota de Marcação com Hora Certa”, datado desse mesmo dia.
Na nota de cobrança anexa à demonstração da liquidação em causa consta como data limite de pagamento o dia 11.06.2014, sendo que o Requerente foi notificado pessoalmente daquela liquidação em 20.05.2014, pelo que a data de pagamento fixada é ilegal, atento o disposto no artigo 104.º do CIRS.
O Requerente invoca a nulidade da notificação da dita liquidação, efetuada em 14.045.2014, através do mecanismo legal da “citação com hora certa”, pois deveriam ter sido observados, e não foram, os requisitos previstos nos artigos 232.º e 233.º do CPC (anteriores artigos 240.º e 241.º).
Assim, entende o Requerente que apenas pode ser considerada válida a notificação que lhe foi efetuada pessoalmente no Serviço de Finanças do Porto-5, em 20 de maio de 2014.
Noutra ordem de considerações, diz o Requerente que a liquidação impugnada foi precedida de inquérito criminal, no qual veio a ser proferido despacho de arquivamento em 16.05.2013, sendo que foi com base nesse despacho que a AT sustenta a legitimidade para proceder àquela liquidação e cujo prazo terminaria em 16.05.2014.
Uma vez que, no seu entender, apenas se pode considerar como válida a notificação que lhe foi feita em 20.05.2014, o Requerente sustenta que, nessa data, já havia caducado o direito da AT proceder à liquidação do imposto, o que tem por consequência a inexigibilidade do imposto que lhe foi liquidado.
Por último, o Requerente argui a irregularidade da notificação do relatório de inspeção pois, no seu entender, a notificação de relatório final de inspeção que incorpora decisão de avaliação indireta do rendimento coletável, suscetível de recurso contencioso direto, não pode ser efetuada somente em mandatário, atento o disposto no artigo 40.º, n.º 2, do CPPT.
Assim, deveria a AT ter procedido à notificação ao Requerente do relatório de inspeção, tanto mais que o seu mandatário havia renunciado ao mandato quando ainda estava em curso o prazo para apresentar recurso contencioso da decisão de avaliação indireta da matéria coletável; não o tendo feito, a AT coartou ao Requerente o direito de recorrer judicialmente da decisão de avaliação indireta e, nessa medida, inquinou de ilegalidade o procedimento de liquidação do imposto que, subsidiariamente, o Requerente argui.
O Requerente remata o pedido de pronúncia arbitral formulando os seguintes pedidos:
«Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser declarada a caducidade da liquidação de IRS 2014 …, relativa ao ano de 2006 ou, se assim não se entendesse, a ilegalidade da referida liquidação por preterição de formalidade essencial no procedimento de liquidação.»
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT, em 15 de setembro de 2014.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea a) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo o Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro presidente), o Prof. Doutor Carlos Lobo e o Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 28 de outubro de 2014, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 12 de novembro de 2014.
6. No dia 18 de dezembro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, para além de haver deduzido a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, com a sua consequente absolvição da instância, impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida arrolou 3 (três) testemunhas, não tendo juntado documentos, nem requerido a produção de quaisquer outras provas.
Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).
No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua contestação:
A Requerida começa por invocar a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral porquanto, nos termos do artigo 146.º-B, n.º 5, do CPPT, o meio próprio para o Requerente reagir contra a decisão da avaliação indireta da matéria coletável é o meio processual ali previsto.
A decisão de avaliação constitui ato destacável do procedimento administrativo, pelo que não tendo o Requerente interposto o respetivo recurso, formou-se caso decidido ou caso resolvido dessa decisão, a qual se consolidou na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respetiva.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não estão abrangidos no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais as decisões sobre a avaliação indireta da matéria tributável, ao abrigo do artigo 89.º-A da LGT. Assim, este Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar a decidir o pedido do Requerente em tudo o que se prende com a apreciação da matéria constante da decisão de avaliação indireta.
Desta forma, no caso concreto, deve o Tribunal Arbitral abster-se de conhecer quaisquer questões relativas à apreciação da ilegalidade do ato de avaliação indireta da matéria tributável, nomeadamente, os artigos 7.º, 8.º, 14.º, 18.º a 22.º e 48.º a 58.º do pedido de pronúncia arbitral, referentes à notificação da decisão da avaliação da matéria coletável por métodos indiretos constante do relatório final de inspeção.
Por impugnação, veio a AT dizer que a liquidação de IRS em apreço nestes autos foi notificada ao Requerente, primeiramente, por meio de cartas registadas, enviadas em 05.05.2014 e entregues em 12.05.2014, tendo, posteriormente, em 12.05.2014, sido promovida a notificação pessoal do Requerente no seu domicílio fiscal. Nessa data, foi deixado aviso na porta da residência do Requerente para notificação com hora certa para o dia 14.05.2014, pelas 15H00. No dia 14.05.2014, à hora marcada, funcionários do Serviço de Finanças do Porto-5 deslocaram-se à residência do Requerente, sendo que este não se encontrava presente, pelo que foi então afixado aviso, com a indicação de que poderia obter os duplicados e documentos referentes à notificação no Serviço de Finanças do Porto-5. Por ofício datado de 15.05.2014, o Requerente foi notificado de que se considerava notificado, através de afixação de Nota de Notificação, «para no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta notificação acrescido da dilação de 5 dias, efectuar o pagamento da quantia exequenda de 497.832,51€».
Assim, o Requerente foi devidamente notificado da liquidação de IRS em apreço nestes autos, sendo que nada há que impeça que a notificação da liquidação – neste caso, da liquidação adicional – seja efetuada através de citação pessoal, tendo a AT cumprido todos os respetivos requisitos legalmente impostos.
Mais, o Requerente foi devidamente notificado antes do prazo de caducidade pelo que a liquidação adicional de IRS é válida e legal, não padecendo do vício de nulidade, como pretende o Requerente.
7. Em 18 de dezembro de 2014, foi proferido despacho a determinar a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, caso as partes a tal não se opusessem, e a notificação do Requerente para, em 10 (dez) dias, vir aos autos pronunciar-se relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida.
O Requerente, devidamente notificado, veio pronunciar-se no sentido da improcedência da exceção invocada pela Requerida e requerer a notificação desta para juntar diversos documentos aos autos.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, veio pronunciar-se quanto aos documentos peticionados pelo Requerente e manifestar a pretensão de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Sequentemente, houve a apresentação de outros requerimentos por ambas as partes, sobre a temática da junção aos autos de diversos documentos que o Requerente pretendia que a Requerida efetuasse.
8. Por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, proferido em 4 de fevereiro de 2015, foi declarado findo o mandato do árbitro presidente deste Tribunal Arbitral coletivo, Senhor Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, em virtude de se encontrar incapacitado, por motivo de doença, para o desempenho das respetivas funções, tendo sido designado, em sua substituição, o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.
9. Em 24 de março de 2015, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Na mesma data, procedeu-se à inquirição de 2 (duas) testemunhas arroladas pela Requerida, tendo esta prescindido de uma terceira testemunha que havia indicado.
Finda a inquirição das referidas testemunhas, foi concedido o prazo simultâneo de 10 (dez) dias para as partes apresentarem as respetivas alegações escritas.
Nessa sequência, as partes vieram apresentar as suas alegações escritas, mantendo, no essencial, as posições anteriormente enunciadas.
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II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.
II.1. Da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral
A Requerida, na sua resposta, suscita a questão da incompetência material deste Tribunal Arbitral por entender que o Requerente pretende reagir contra a decisão da avaliação indireta da matéria coletável, nos termos do artigo 89º-A da LGT.
Alega, então, a Requerida que, nos termos do artigo 146.º-B, n.º 5, do CPPT, o meio próprio para o Requerente reagir contra a decisão da avaliação indireta da matéria coletável é o meio processual ali previsto; por isso, uma vez que a decisão de avaliação constitui um ato destacável do procedimento administrativo e não tendo o Requerente interposto o respetivo recurso, formou-se caso decidido ou caso resolvido dessa decisão, a qual se consolidou na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respetiva.
Ademais, segundo a Requerida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não estão abrangidos no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais as decisões sobre a avaliação indireta da matéria tributável, ao abrigo do artigo 89.º-A da LGT. Assim, sustenta a Requerida que este Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar a decidir o pedido do Requerente em tudo o que se prende com a apreciação da matéria constante da decisão de avaliação indireta.
Consequentemente, a Requerida preconiza que deve o Tribunal Arbitral abster-se de conhecer «quaisquer questões relativas à apreciação da ilegalidade do ato de avaliação indireta da matéria tributável, nomeadamente, os artigos 7.º, 8.º, 14.º, 18.º a 22.º e 48.º a 58.º referentes à notificação da decisão da avaliação da matéria coletável por métodos indiretos constante do relatório final de inspeção».
Chamado a pronunciar-se sobre a questão da (in)competência material deste Tribunal Arbitral, o Requerente veio dizer que aceita que a decisão de avaliação indireta da matéria coletável está consolidada, por dela não ter sido interposto recurso, apesar de entender que existiu preterição de formalidade legal na comunicação de tal decisão.
Ademais, prossegue o Requerente, não é essa decisão que se questiona neste processo, mas sim a caducidade do ato de liquidação por extemporaneidade da sua notificação. Como ele expressamente afirma, «não se pretende com o pedido de pronúncia arbitral a apreciação da correcção da avaliação ou o seu valor; o que se aceita só poderia ser discutido em processo de impugnação autónomo». O Requerente alega ainda que apesar de não ser «impugnado o acto de decisão da matéria colectável, tal não invalida que o contribuinte possa recorrer da sua liquidação com outro fundamento que não pressuponha a avaliação da matéria colectável. Daí que na própria nota de liquidação (fls. 104 do processo administrativo junto aos autos pela AT) se diga expressamente: “poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.».
O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
Compulsado o teor integral do pedido de pronúncia arbitral, não se vislumbra que o Requerente, em algum momento e ainda que enviesadamente, pretenda atacar a decisão da AT de proceder à avaliação indireta da matéria tributável de IRS, referente ao ano de 2006, nos termos do artigo 89.º-A da LGT.
Primacialmente, o Requerente funda o pedido de pronúncia arbitral na nulidade da notificação da liquidação de IRS em causa nestes autos e na caducidade do direito à liquidação do imposto, por ter sido ultrapassado o prazo estatuído no artigo 45.º, n.º 5, da LGT. Como é bom de ver, nenhum destes aspetos dimana e/ou se prende com a decisão de avaliação indireta da matéria tributável; pelo contrário, ambos gravitam em torno do ato de liquidação do imposto, o qual está a jusante daquela decisão.
Subsidiariamente, o Requerente argui a irregularidade da notificação da decisão final do relatório de inspeção tributária. No entanto, também aqui não está em causa aquilatar do bem fundado, ou não, da decisão de avaliação indireta da matéria tributável, pois, uma coisa é discutir a validade/legalidade de uma decisão e respetiva fundamentação, e outra, bem distinta, é discutir a validade/legalidade da notificação dessa mesma decisão. Porquanto, «as deficiências que afectem a validade da notificação, não afectam a validade do acto notificado. Com efeito, a notificação de um acto, é um acto exterior a este e, por isso, os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a invalidade da notificação e a consequente ineficácia do acto notificado, não afectam a validade deste»[1].
Isto é assim apesar de a eficácia da decisão do procedimento tributário depender da notificação (cf. artigo 77.º, n.º 6, da LGT e artigo 36.º, n.º 1, do CPPT; esta exigência de notificação como condição de eficácia dos atos com eficácia externa aos serviços da AT está também plasmada no artigo 268.º, n.º 3, da CRP); por isso, no caso concreto, tratando-se de uma decisão de um procedimento tributário – o procedimento de inspeção tributária é um procedimento pré-liquidatório de natureza informativa, cujo destinatário da informação é a própria AT[2] –, deve concluir-se que não poderá proceder-se à prática do subsequente ato de liquidação do imposto sem prévia notificação, pois, antes desta, aquela decisão é ineficaz.
Consequentemente, afigura-se absolutamente impertinente tudo quanto a AT alega a este propósito, pois não tem qualquer cabimento, nem fundamento quer de facto, quer de direito, invocar-se a incompetência material deste Tribunal Arbitral para conhecer e decidir este processo, uma vez que não está aqui em causa a apreciação de qualquer pretensão relativa a «actos de determinação da matéria colectável» ou «actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos».
Nestes termos, sem necessidade de maiores considerações, é julgada improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o presente processo.
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Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
§1. FACTOS PROVADOS
Tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida, o PA junto aos autos e os depoimentos prestados pelas 2 (duas) testemunhas inquiridas, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) Na sequência de certidão extraída do processo de inquérito criminal n.º … – no qual foi investigada a eventual prática de crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais e que findou com a prolação de despacho de arquivamento, datado de 16.05.2013, pela Procuradora da República dos Serviços do Ministério Público de … –, foi instaurado na Direção de Finanças de Aveiro, a coberto da OI …, um procedimento de inspeção tributária visando o Requerente – cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo).
b) O mencionado procedimento de inspeção tributária – que teve por finalidade a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários – foi de âmbito interno e de caráter parcial, tendo incidido sobre o IRS referente ao ano de 2006 – cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo).
c) Em 20 de dezembro de 2013, o Requerente outorgou uma Procuração ao Senhor Dr. B…, advogado, a quem conferiu «os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos, incluindo os de transigir ou confessar, bem como poderes para o representar diante de qualquer organismo oficial ou serviço público, nomeadamente da DGCI, aí apresentando todo o tipo de petições, requerimentos e reclamações e interpondo recursos hierárquicos e judiciais», tendo este causídico sido o mandatário do Requerente no âmbito do referido procedimento de inspeção tributária – cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo).
d) No respetivo Relatório de Inspeção, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, é concluído, além do mais, o seguinte [cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo)]:
«…o sujeito passivo [o Requerente] não comprovou a origem do seu acréscimo de património (…), pelo que, atendendo ao disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, encontram-se reunidas as condições e os pressupostos previstos na alínea f) do artigo 87.º da LGT (atendendo à redação em vigor à data dos factos, 2006), para recorrer à avaliação indireta da matéria tributável do sujeito passivo, através da aplicação dos métodos indiretos, nos termos definidos no Código do IRS e na LGT.»
e) Em 27 de março de 2014, na Direção de Finanças do Porto, foi elaborada a nota de fixação de IRS relativo ao ano de 2006, na qual foi fixado em € 965.990,82, por aplicação de métodos indiretos, o rendimento líquido total do Requerente – cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos.
f) Através do ofício n.º …, datado de 28.03.2014, da Divisão de Inspeção Tributária III da Direção de Finanças do Porto, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, remetido por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RM … PT), foi o Requerente notificado do seguinte [cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos]:
«… nesta data foi dado cumprimento ao disposto no artigo 62.º do RCPIT (…). Para o efeito foi enviada notificação das correções da ação de inspeção, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada [OI …], ao Procurador por si constituído, Dr. …»
g) Através do ofício n.º …/…, datado de 28.03.2014, da Divisão de Inspeção Tributária - III da Direção de Finanças do Porto, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, remetido por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RM … PT) com aviso de receção, foi o Senhor Dr. B…, advogado, na qualidade de Procurador do Requerente, notificado do seguinte [cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo)]:
«… nos termos do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), das correções da ação de inspeção, cujo relatório/conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço referenciada [OI …].
Foi fixado o conjunto de rendimentos líquidos, por métodos indiretos, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 65.º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS) e artigos 87.º a 90.º da LGT, por remissão do artigo 39.º do CIRS, nos seguintes anos:
Ano(s) Exercício(s) Rendimento Fixado
2006 965.990,82€
A decisão de avaliação indireta tem por base os factos, motivos e fundamentos constantes do Relatório de Inspeção, tendo os valores sido fixados de acordo com os critérios e cálculos mencionados no referido relatório.
Da decisão de avaliação indireta da matéria coletável, cabe recurso para o Tribunal Tributário, a apresentar no prazo de 10 (dez) dias a contar da data da assinatura do aviso de receção, nos termos dos números 7 e 8 do artigo 89.º-A da LGT.»
h) O Senhor Dr. B...recebeu essa notificação no dia 1 de abril de 2014, data esta aposta no dito aviso de receção – cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos.
i) Por carta datada de 10 de abril de 2014, remetida por correio simples e por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RD … PT), cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, o Senhor Dr. B...comunicou ao Requerente, designadamente, o seguinte [cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo)]:
«Tendo recebido, enquanto seu mandatário, notificação no âmbito daquele procedimento [de inspeção] tentei por diversas vezes contactá-lo para marcar reunião, a fim de conversarmos sobre o estado do processo a fim de o habilitar a tomar uma decisão de qual a posição a tomar, tendo, designadamente, presente que está em curso prazo para a interposição de eventual recurso judicial.
Na única vez em que logramos estabelecer contacto telefónico para a sua residência foi-nos informado que se encontra no estrangeiro.
(…) entendo o seu “desaparecimento” como falta de colaboração, não me restando outra alternativa que não seja a de renunciar ao mandato que me conferiu.
Pelo exposto, comunico-lhe, para todos os efeitos que renuncio à procuração que me conferiu, renuncia que produz efeitos imediatos.»
j) No dia 14 de Abril de 2014, o Senhor Dr. B...apresentou nos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, um requerimento dirigido à Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, além do mais, é referido o seguinte [cf. PA (ficheiro PA1.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo)]:
«O requerente recepcionou ofício da Direcção de Finanças do Porto, dando-lhe conta das correcções efectuadas em resultado do referido procedimento de inspecção.
(…) o contribuinte A… não conferiu poderes aos requerente para receber, em seu nome, citações ou notificações, mas apenas poderes forenses aí incluindo o de o representar junto da administração tributária (tendo adoptado a sigla DGCI) apresentando todo o tipo de petições, requerimentos e reclamações e interpondo recursos hierárquicos e judiciais.
Não tendo sido concedidos ao ora requerente quaisquer poderes para em seu nome, receber citações ou notificações. (…)
Em conclusão, o Requerente recusa que a notificação em causa possa ter a virtualidade de ser transposta para o âmbito do que foi seu representado, considerando-se como notificado.
(…)
Atendendo a que se encontra em curso prazo para interposição de recurso judicial (que o requerente desconhece ser pretensão do seu constituinte intentar, pagando, designadamente, a devida taxa de justiça e sujeitando-se às custas judiciais que resultariam de eventual indeferimento), o requerente renunciou ao mandato que lhe foi conferido por A..., contribuinte …, invocando falta de colaboração, conforme comunicação [ao Requerente] que se anexa.
Desse modo, vem o Requerente dar conhecimento da renúncia ao mandato o que expressamente faz com a advertência que não transmitiu o teor do ofício recebido ao contribuinte nem o tentará agora fazer, pelas razões expressas, aplicando-se relativamente à AT o disposto no n.º 3 do art. 5.º do CPPT.»
k) Em resposta a esse requerimento do Senhor Dr. B…, em 17.04.2014, foi-lhe remetido pela Divisão de Inspeção Tributária - III da Direção de Finanças de Aveiro, um telefax, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, com o n.º de saída …, contendo uma informação relativa a «Notificação de Resultado do Relatório Final de Inspecção», na qual se conclui o seguinte [cf. documento n.º 4 junto à petição inicial e PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo)]:
«Assim sendo, não se pode deixar de considerar que a notificação respeitante ao Ofício n.º …/… de 28 de março de 2014, por carta registada com aviso de receção, tendo este último sido datado e assinado em 1 de abril de 2014, pela Sra. C… no domicílio profissional do mandatário, das correções efetuadas no âmbito o procedimento inspetivo levado a cabo pela Direção de Finanças de Aveiro, foi válida e eficaz, porquanto foi efetuada no estrito cumprimento das normas legais aplicáveis no caso (artigos 38.º, 39.º e 40.º do CPPT).»
l) Através do ofício n.º …/…, datado de 17.04.2014, da Divisão de Inspeção Tributária - III da Direção de Finanças do Porto, remetido por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RM … PT), aquela mesma informação relativa a «Notificação de Resultado do Relatório Final de Inspecção» foi remetida ao Senhor Dr. B...– cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos.
m) Através do ofício n.º …/…, datado de 22.04.2014, da Divisão de Inspeção Tributária - III da Direção de Finanças do Porto, remetido por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RM … PT), foi comunicado o seguinte ao Requerente [cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos]:
«Para conhecimento, junto se remete cópia do requerimento apresentado em 11-04-2014 pelo mandatário Dr. B…, bem como cópia da resposta que sobre este recaiu, remetida ao mesmo através do Ofício n.º …/… datado de 17/04/2014.»
n) Esse ofício foi devolvido à Divisão de Inspeção Tributária - III da Direção de Finanças do Porto, em 24.04.2014, com a menção aposta pelos CTT de “Mudou-se” – cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos.
o) Através de correio eletrónico (mail n.º …), enviado em 24.04.2014, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, a Direção de Finanças do Porto solicitou informação ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sobre «se deu entrada nesse Tribunal qualquer recurso apresentado pelo contribuinte acima identificado [o Requerente] respeitante ao assunto em causa [fixação de IRS nos termos do artigo 89.º-A da LGT] e, em caso afirmativo, se o mesmo já foi objecto de decisão» – cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos.
p) Em resposta a esse pedido de informação, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto remeteu à Direção de Finanças do Porto, em 02.05.2014, um ofício, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, onde é dito, além do mais, que «não consta do mesmo [sistema informático do Tribunal (SITAF)] que corra(m) termos neste Tribunal processo(s) interposto(s) por A... (registo informático a partir de 01.01.2004)» – cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos.
q) Em 25.04.2014, foi emitida a liquidação n.º 2014 …, referente ao IRS de 2006, da qual consta o rendimento global de € 976.825,00 e é apurado um valor global a pagar de € 497.832,51 – sendo € 393.408,47 referente a imposto e € 104.424,04 referente a juros compensatórios –, a qual foi remetida ao Requerente, em 09.05.2014, por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RY … PT) – cf. PA (ficheiro PA3.pdf) junto aos autos.
r) Em 05.05.2014, foi emitida a Demonstração de Acerto de Contas (compensação n.º 2014 …) referente ao IRS de 2006, com o valor a pagar de € 491.478,14 e tendo como data limite de pagamento 11.06.2014, a qual foi remetida ao Requerente, em 09.05.2014, por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RY … PT) – cf. PA (ficheiro PA3.pdf) junto aos autos.
s) A referida liquidação de IRS e a mencionada Demonstração de Acerto de Contas foram entregues, em 12.05.2012, no domicílio fiscal do Requerente (…, n.º…, … Porto) – cf. sítio na Internet dos CTT [www.ctt.pt] (consultado em 27.03.2015).
t) Através de correio eletrónico (mail n.º …), enviado em 07.05.2014, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, dirigido pela Direção de Finanças do Porto ao Chefe do Serviço de Finanças do Porto-5, é referido, além do mais, o seguinte [cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos]:
«Dada a caducidade do direito à liquidação ocorrer já no próximo dia 15/05/2014, solicito a notificação pessoal do(s) contribuinte(s)
… – A...
relativamente à(s) liquidação(ões) de IRS do(s) ano(s) de 2006.
Para o efeito seguem em anexos a liquidação de IRS, nota de cobrança e respetivo mandado de notificação (s/ password).»
u) No dia 12 de maio de 2014, pelas 13H00, o funcionário do Serviço de Finanças do Porto-5, D..., deslocou-se ao domicílio fiscal do Requerente (…, …, n.º …, …, Porto), a fim de o notificar pessoalmente das referenciadas liquidação de IRS e Demonstração de Acerto de Contas, tendo então sido informado pela rececionista daquele hotel – que não foi identificada – que o Requerente estava ausente para o estrangeiro – cf. depoimento da testemunha D... (factualidade aceite por acordo).
v) Naquela mesma data, o referido funcionário do Serviço de Finanças do Porto-5, face à ausência do Requerente, deixou à funcionária da receção do hotel um aviso, intitulado «Nota de Marcação com Hora Certa», cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, além do mais, é dito o seguinte [cf. documento n.º 3 junto à petição inicial, PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos e depoimento da testemunha D... (factualidade aceite por acordo)]:
«Marcando, nos termos do art. 240.º, n.º 1, do CPC, o próximo dia 14/MAIO/2014, pelas 15 horas, neste local, para levar a efeito a notificação que hoje me propunha realizar.
Ficando ainda avisado que, se no dia acima designado não se encontrar presente, a notificação será efectuada por afixação (art. 240.º, n.º 4, do CPC).»
x) No dia 14 de maio de 2014, o mesmo funcionário do Serviço de Finanças do Porto-5, acompanhado por dois outros funcionários do mesmo Serviço de Finanças, E... e F…, deslocou-se novamente ao domicílio fiscal do Requerente (…, …, n.º …, …, Porto), a fim de o notificar pessoalmente das referenciadas liquidação de IRS e Demonstração de Acerto de Contas, tendo então sido informado pela rececionista daquele hotel – que não foi identificada – que o Requerente estava ausente para o estrangeiro – cf. depoimento das testemunhas D... e E... (factualidade aceite por acordo).
y) Naquela mesma data, o referido funcionário do Serviço de Finanças do Porto-5, face à ausência do Requerente, deixou à funcionária da receção do hotel um aviso, intitulado «Nota de Marcação com Hora Certa», cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, além do mais, é dito o seguinte [cf. documento n.º 2 junto à petição inicial, PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos e depoimento das testemunhas D... e E...]:
«O notificando não compareceu ao aviso deixado na porta da residência, com marcação de hora certa.
Mais se declara que o duplicado e documentos referentes à notificação, ficam à disposição do notificando no Serviço de Finanças do Porto-5.»
w) Através do ofício n.º …/…, datado de 15.05.2014, do Serviço de Finanças do Porto-5, remetido por correio registado (conforme registo dos CTT n.º RM … PT) com aviso de receção, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, foi o Requerente notificado do seguinte [cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos (factualidade aceite por acordo)]:
«De acordo com o referido no art. 38.º, n.º 6, do CPPT, pela presente e nos termos do art. 238.º do CPCivil, de que SE CONSIDERA NOTIFICADO, através de afixação de Nota de Notificação, no dia 2014/05/14, efectuada nos termos do artigo 240.º, n.º 3, do CPC, para no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta notificação, acrescido de dilação de 5 dias, efectuar o pagamento da quantia exequenda de 497.832,51 €, de que é devedor o executado infra indicado, ficando ciente de que se o pagamento se efectuar no prazo acima referido, não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.
Mais fica citado de que no mesmo prazo poderá requerer o pagamento em regime prestacional nos termos do art. 196.º do CPPT, e/ou dação em pagamento nos termos do art. 201.º ou então deduzir oposição nos termos do art. 204.º, todos do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Decorrido aquele prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento da dívida exequenda, para além de perder o benefício da dispensa de pagamento dos juros de mora e custas, e sem que exista, nos termos do art. 169.º do CPPT, motivo para suspender a execução, a mesma prosseguirá a tramitação legal, designadamente para efeitos da PENHORA DE BENS e demais diligências prescritas no Código de Procedimento e Processo Tributário.»
z) O Requerente recebeu esse ofício no dia 20 de maio de 2014, data em que assinou o respetivo aviso de receção – cf. PA (ficheiro PA2.pdf) junto aos autos.
aa) No dia 20 de maio de 2014, o Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças do Porto-5, tendo aí sido pessoalmente notificado das referenciadas liquidação de IRS e Demonstração de Acerto de Contas (factualidade aceite por acordo).
ab) Em 9 de setembro de 2014, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – cf. sistema informático de gestão processual do CAAD.
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§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nas afirmações feitas nos articulados, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no PA juntos aos autos e, ainda, na prova testemunhal produzida, conforme referências feitas em relação aos diversos pontos.
Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas – as quais depuseram de forma clara, objetiva e isenta sobre os factos aos quais foram inquiridas, revelando inequívoco conhecimento direto dos mesmos, pelo que os seus depoimentos nos mereceram total credibilidade – importa aqui fazer uma brevíssima súmula dos mesmos, referindo os seus aspetos essenciais:
(i) D...
É funcionário do Serviço de Finanças do Porto-5.
Foi encarregue de efetuar ao Requerente a notificação pessoal da liquidação adicional de IRS em apreço nestes autos.
Quando, para aquele efeito, foi ao hotel onde o Requerente reside, em 12 de maio de 2014, após haver sido informado que este estava ausente para o estrangeiro, deixou um aviso com a funcionária da receção do hotel. Não procedeu à identificação dessa funcionária do hotel.
Não colocou qualquer aviso na entrada do hotel pois achou que não valeria a pena uma vez que se tratava de um hotel e, por isso, logo que fosse embora, certamente que o retirariam e deitariam ao lixo.
Confrontado com os documentos de fls. 99, 100 e 101 do PA, reconheceu os mesmos e confirmou a fidedignidade dos respetivos conteúdos.
(ii) E...
É funcionário do Serviço de Finanças do Porto-5.
No dia 14 de maio de 2014, acompanhou o seu colega D... ao hotel onde o Requerente tem o seu domicílio fiscal, a fim de intervir, enquanto testemunha, na diligência de notificação pessoal da liquidação adicional de IRS em causa nestes autos, ao Requerente.
Afirmou que, para eles, não era previsível que o Requerente estivesse no hotel, o que efetivamente se veio a verificar, pois foram, então, informados pela funcionária da respetiva receção que o Requerente estava ausente para o estrangeiro.
Não lavraram qualquer auto desta diligência, tendo apenas deixado um aviso com a funcionária da receção do hotel, a qual não identificaram.
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III.2. DE DIREITO
III.2.1. Questão da caducidade do direito de liquidação
A AT reconheceu efectivamente que a notificação realizada via postal, o foi apenas com registo simples, e portanto, a primeira notificação por carta registada não foi feita com aviso de recepção. Porém, nos termos da lei nem tinha que o fazer.
Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 149.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), não se encontrando a notificação de uma liquidação adicional de IRS abrangida pelas situações referidos nos números anteriores do referido artigo, a notificação da mesma pode ser efectuada por carta registada simples, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja útil. Idêntica solução se obteria nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, uma vez que a presente liquidação foi antecedida de procedimento no qual o sujeito passivo foi notificado para efeitos do exercício direito de audição (e que veio efectivamente a exercer).
Neste contexto, sendo a data do registo do envio da referida liquidação o dia 9 de Maio de 2014, deverá considerar-se que a mesma foi notificada ao contribuinte no dia 12 de Maio de 2014, i.e. antes de 16 de Maio de 2014, data em que caducaria o direito à liquidação nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
Ainda assim, a AT optou por proceder ainda à notificação pessoal do acto de liquidação adicional. Essa possibilidade está prevista na lei e dentro dos seus poderes discricionários.
Aliás neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0305/11, de 21.09.2011:
«I - A liquidação adicional de IRS deve ser notificada ao sujeito passivo, por carta registada com aviso de recepção (art. 38° nº 1 do CPPT e arts. 65° nº 4, 66º e 149° nº 2 do CIRS), mas a entidade que dirige o procedimento pode ordenar que se proceda a notificação pessoal quando o entender necessário (nº 5 do art. 38° do CPPT).
II - A escolha da notificação pessoal pela entidade competente da administração tributária, para transmitir ao destinatário o conteúdo do acto tributário, constitui manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado e não há falta de notificação quando tal escolha é feita sem a indicação da necessidade específica ou concreta que se pretende atingir.
III - As notificações pessoais de actos tributários, a realizar de acordo com as regras das citações pessoais, poderão ser efectuadas de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC, designadamente a citação através de contacto pessoal do funcionário com o citando e a citação com hora certa ou através de afixação com posterior advertência (arts. 239°, 240° e 241° do CPC).
IV - O envio subsequente de carta registada, no prazo de 2 dias úteis, é uma diligência complementar e cautelar posterior à notificação, comunicando ao notificado a data e o modo por que o acto se considera realizado, bem como o prazo para oferecimento da defesa e as comunicações aplicáveis à falta desta, bem como o destino dado ao duplicado (art. 241° do CPC).
O envio, apenas no 3º dia útil, da citada carta, constitui mera irregularidade processual que só produz nulidade da notificação se ficar demonstrado que esse retardamento prejudicou a defesa do sujeito passivo notificado.»
Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0674/11, de 31.01.2012:
«A AT pode determinar a notificação de uma liquidação adicional de IRS por contacto pessoal pelo funcionário (art. 38.º, n.º 5, do CPPT), a qual deve efectuar-se com as formalidades previstas no CPC, sendo dispensável o contacto pessoal se estiverem verificadas as condições do art. 240.º deste Código, ou seja, se o notificando não for encontrado nem pessoa que possa receber a notificação.
Por razões de segurança, a lei faz depender a validade dessa notificação do cumprimento de diversas formalidades: o funcionário deverá deixar indicação da hora certa para realizar a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao notificando, ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado; no dia designado, não encontrando de novo nem o notificando nem pessoa que receba a notificação, o funcionário afixará no local mais adequado a respectiva nota, na presença de duas testemunhas; depois, será remetida ao notificando carta registada nos dois dias úteis seguintes.
Observadas que sejam as referidas formalidades, a notificação tem-se por efectuada na data da afixação da nota a que se refere o art. 240.º, n.º 3, do CPC(…).»
Em face de tudo o atrás exposto e como resulta da prova documental junta afigura-se que o Requerente foi devidamente notificado antes do prazo de caducidade pelo que a liquidação adicional de IRS é válida e legal não padecendo do vício de nulidade como pretende o Requerente, pelo que improcede por infundado todo o alegado pelo Requerente.
III.2.2. Questão da irregularidade da notificação do Relatório da Inspecção Tributária
O Requerente argui, subsidiariamente, a irregularidade da notificação da decisão final do relatório de inspeção tributária e da implícita decisão de avaliação indirecta foi efectuada na pessoa de advogado que o Requerente havia constituído e que veio a renunciar ao mandato conferido.
O artigo 40.º, n.º 1, do CPPT, «as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório».
O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que «quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, além da notificação ao mandatário, será enviada carta ao próprio interessado, indicando a data, o local e o motivo da comparência».
Como decorre do texto daquele n.º 1, o interessado é notificado na pessoa do mandatário, pelo que aquele considera-se notificado, para todos os efeitos, com a notificação efectuada ao mandatário. É esta a forma de notificar o interessado quando há mandatário constituído.
O envio de uma carta dirigida ao próprio interessado apenas é necessária nos casos em que a notificação se destine à prática de um acto pessoal que exija a sua comparência, como se vê pela parte final do n.º 2.
No caso em apreço, não havia lugar ao envio de carta ao próprio sujeito passivo, pois a notificação do Relatório da Inspecção Tributária não se destina a comunicar a necessidade de prática de um acto pessoal, entendido como acto que exija a sua comparência.
Por outro lado, no caso de o mandatário renunciar ao mandato, a renúncia só produz efeitos em relação à Administração Tributária depois de lhe ter sido notificada (artigo 5.º, n.º 3, do CPPT).
Por isso, a notificação que foi efectuada ao mandatário, antes da renúncia, releva como notificação feita ao Requerente.
Assim, não há qualquer deficiência quanto a esta notificação, pelo que improcede o vício subsidiariamente arguido.
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
b) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, não declarar ilegal a liquidação de IRS n.º 2014 …, relativa ao ano de 2006, e respetivos juros compensatórios;
c) Absolver a Requerida do pedido; e
d) Condenar o Requerente nas custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO:
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 497.832,51 (quatrocentos e noventa e sete mil oitocentos e trinta e dois euros e cinquenta e um cêntimos).
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CUSTAS:
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.650,00 (sete mil seiscentos e cinquenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
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Lisboa, 11 de maio de 2015.
Os Árbitros,
(Jorge Lopes de Sousa)
(Carlos Lobo)
(Ricardo Rodrigues Pereira)
[1] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, 6.ª Edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 345.
[2] Neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 138, 139 e 145 e ss.