Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 537/2014-T
Data da decisão: 2015-03-27  Selo  
Valor do pedido: € 10.656,88
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 537/2014-T

 

Autor/Requerente: A….-…, …, CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS S.A.

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Em 28-05-2014, A…. - …, …, CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS S.A., com o NUIPC/NIF n.º …, com sede na Rua … em Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à anulação de atos tributários de liquidação de imposto de selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativos a frações com utilização independente do prédio urbano em propriedade vertical sito na Rua … em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo .. (antigo artigo ...) da freguesia de Santo António (extinta freguesia de São Mamede) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o numero ..., a saber,

i.          Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.135,20, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António – U-000..-S.58, relativo ao ano de 2013, cujo VPT é de €340.560,00;

ii.         Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.007,08, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António – U-000..-RC.56, cujo VPT é de €302.120,00;

iii.        Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,54, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António - U-000..-2º+S, cujo VPT é de €343.960,00;

iv.        Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,54, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António - U-000..-1º-56 cujo VPT é de €343.960,00;

v.         Liquidação n.º 2014 …, no valor de €893,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António – U-000..-2º58, cujo VPT é de €267.930,00;

vi.        Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.135,20, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António - U-000..-S.58, cujo VPT é de €340.560,00;

vii.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.007,06, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António - U-000..-RC56, cujo VPT é de €302.120,00;

viii.      Liquidação n.º 2014 …, no valor de €893,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António - U-000..-2º58, cujo VPT é de €267.930,00;

ix.        Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,53, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António - U-000..-2º+S, cujo VPT é de €343.960,00;

x.         Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,53, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António - U-000..-1º-56 cujo VPT é de €343.960,00;

A Requerente pede a anulação dos supra referidos atos de liquidação do Imposto de Selo, invocando que dos mesmos resulta um montante total de IS a pagar de €15.985,30 bem como a devolução das quantias liquidadas, no montante global de €10.656,92, acrescidas de juros indemnizatórios.

Alega, para tanto, que o imóvel a que se referem as liquidações de imposto de selo, cuja legalidade se discute, é um prédio composto por frações habitacionais independentes, identificadas separadamente na inscrição matricial.

O somatório dos VPT das fracções habitacionais ascende a €1.598.530,00, tendo cada uma das fracções um VPT inferior a € 1.000.000,00.

O IMI de 2013 foi liquidado individualmente, relativamente a cada uma das frações.

Foi notificada das notas de liquidação para proceder ao pagamento do imposto de selo.

Procedeu ao pagamento do montante total de €10.656,92, de modo a evitar a execução fiscal, não obstante, na sua perspetiva, não se verificar o pressuposto legal de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Foi designado como árbitro único, em 15-09-2014, Ricardo Marques Candeias. Em conformidade com o previsto no art. 11.º, 1,  c), RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30-09-2014.

Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta a 13-11-2014. Esgrima que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente, por não se encontrar o prédio constituído em propriedade horizontal.

Referiu a AT não ter a Requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto a liquidação efectuada foi feita com base na lei aplicável.

Tomou a AT posição quanto ao valor da causa, e requereu a fixação daquele valor por parte do tribunal, considerando que a mesma deve ser fixada em €10.656,88 e não em €15.985,30, como indicado pela Requerente.

Requereu ainda a AT a dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18.º, RJAT, e respectivas alegações orais.

Insistindo-se junto da AT para proceder à junção do processo administrativo aos presentes autos, veio aquela cumprir tal desiderato a 29-01-2015.

Notificada para se pronunciar, a Requerente referiu nada ter a opor quanto à dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18.º, RJAT, e respectivas alegações orais.

O tribunal arbitral entendeu, face aos elementos carreados para os autos, e inexistindo exceções a dirimir, não ser necessária a realização da reunião prevista bem como a produção de alegações. Consequentemente, em 23-3-2015 foi fixado para prolação da decisão o dia 27-03-2015.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 1 e 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que cumpra apreciar.

 

2. Dos factos

Apreciada criticamente a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

a)      O prédio urbano sito na Rua … em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo .. (antigo artigo ...) da freguesia de Santo António (extinta freguesia de São Mamede) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., é propriedade da ora requerente;

b)      O prédio encontra-se em propriedade vertical.

c)      É constituído por 5 frações suscetíveis de utilização independente, sem se encontrarem em regime de propriedade horizontal;

d)     A AT liquidou a 17-03-2013 o Imposto de Selo relativo ao ano de 2013, referente às frações com utilização independente existentes no prédio supra identificado, no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário, da seguinte forma:

i.          Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.135,20, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António – U-000..-S.58, relativo ao ano de 2013, cujo VPT é de €340.560,00;

ii.   Liquidação n.º 2014 .., no valor de €1.007,08, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António – U-000..-RC.56, cujo VPT é de €302.120,00;

iii.  Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,54, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António-U-000..-2º+S, cujo VPT é de €343.960,00;

iv.  Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,54, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António-U-000..-1º-56 cujo VPT é de €343.960,00;

v.   Liquidação n.º 2014 …, no valor de €893,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António – U-000..-2º58, cujo VPT é de €267.930,00;

vi.  Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.135,20, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António-U-000..-S.58, cujo VPT é de €340.560,00;

vii. Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.007,06, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António-U-000..-RC56, cujo VPT é de €302.120,00;

viii. Liquidação n.º 2014 …, no valor de €893,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António-U-000..-2º58, cujo VPT é de €267.930,00;

ix.  Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,53, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António-U-000..-2º+S, cujo VPT é de €343.960,00;

x.   Liquidação n.º 2014 …, no valor de €1.146,53, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º ... Santo António-U-000..-1º-56 cujo VPT é de €343.960,00;

 

d)    O prazo limite de pagamento terminava em 30-04-2014 relativamente às liquidações referentes à primeira prestação; e em 31-07-2014, relativamente às liquidações referentes à 2ª prestação.

e)    O valor patrimonial total do prédio é de € 1.598.530,00.

f)    A Requente foi notificada para proceder ao pagamento das referidas notas de  liquidação no valor total de €10.656,88.

g)    A Requerente procedeu ao pagamento das notas de liquidação n.º 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …, referentes à 1ª prestação, no montante global de €5.328,46, a 30-04-2014.

h)    A Requerente procedeu ao pagamento das notas de liquidação n.º 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …, referentes à 2ª prestação, no montante global de €5.328,42, a 02-07-2014.

A convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, concretamente os pontos a), b), c) e e), resultam do teor da caderneta predial junta aos autos e da certidão permanente, os pontos d) e f) resultam do teor das notas de liquidação das duas prestações do imposto, e o ponto g), resulta dos comprovativos de pagamento, juntos às notas de liquidação.

Não ficou provado que o valor global das notas de liquidação e dos respectivos pagamentos perfaria a quantia global de €15.985,30 porquanto não se encontra nos autos qualquer suporte documental para esse valor invocado; além disso, a soma dos valores das notas de liquidação e respetivos pagamentos perfaz o montante referido e dado como provado de €10.656,88 e não o indicado pela Requerente.

Para a decisão da causa não se provaram outros factos com relevância.

 

3. Do Direito

São estes os factos que importa apreciar. Vejamos então.

A Requerente vem alegar na sua petição inicial que“(…) Os actos tributários reclamados são ilegais por terem tido como pressuposto erróneo a consideração de um VPT de €1.598.530,00 (um milhão quinhentos e noventa e oito mil quinhentos e trinta euros) resultante do somatório dos VPTs de todas as fracções com afectação habitacional do prédio urbano acima identificado, quando - como se demonstrará – o VPT para efeitos de incidência de IS ao abrigo da verba 28.1 da TGIS deveria ter sido aferido separadamente face a cada fracção, dado tratarem-se de unidades com utilização independente, subsumíveis no conceito de “prédio urbano” para efeitos de aplicação daquela norma.”.

Defende a Requerente que”(…)Estando as referidas fracções consideradas separadamente na inscrição matricial, e sendo o VPT de cada uma - conforme aí discriminado - inferior a €1.000.000,00 não haveria, consequentemente, lugar à liquidação de IS nos termos da referida verba 28.1 da TGIS”.

Trazendo à colação da sua exposição a importância do conceito de “prédio” para o contexto em análise, afirma que:“(…) é ao conceito de prédio, tal como definido pelo n.º 1 do artigo 2º do CIMI, a que deve atender-se para efeitos de determinação do imposto devido, em sede de incidência da verba n.º 28 da TGIS(…)”.

Além do mais, explana que “No que concerne ao VPT sobre o qual incide o IMI (e o IS, por remissão), este é determinado nos termos do CIMI (artigo 7º n.º 1 CMI) e encontra-se discriminado na inscrição matricial de cada prédio, sendo também considerados separadamente na inscrição matricial cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário (artigo 12º, n.º 3 do CIMI)”.

A Requerente começa por concluir que “daqui resulta que, sempre que estejamos perante um prédio composto por fracções independentes em regime de propriedade vertical, é sobre o VPT de cada fracção que incide o IMI, sendo também esse o valor relevante para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS ( e não o somatório dos VPRs de todas elas).”.

Conclui de facto, referindo que “(…) estando em causa nos presentes autos fracções habitacionais com utilização independente e com o valor individualizado separadamente na matriz, deveria ter sido este o valor considerado pela AT, autonomamente, para cada fracção habitacional, para efeitos de incidência de IS ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, e não o somatório do VPT de todas essas fracções, o que levaria a que não fosse liquidado IS, em virtude de cada uma das fracções ter um VPT inferior a €1.000.000,00”.

Termina a Requerente, propugnando pela procedência do pedido referindo que”(…) resulta claro que os actos de liquidação de IS objecto do presente pedido de pronuncia arbitral parecem de vicio de violação da lei, por erro imputável aos serviços da Administração tributária, na errada qualificação, interpretação e aplicação do direito, tendo sido violado o numero 1 do artigo 1º do CIS, bem como a verba numero 28 da RGIS, lida em conjugação com os artigos 2º, n.º 1 e 12º, n.º 3 do CIMI e os artigos 58º da LGT, 13º, 103º, n.º 1 e 2, 104º n.º 3 e 266 n.º 2 da CRP, razão pela qual devem os mesmos ser anulado, bem como anulado os respectivos documentos de cobrança.”, e peticionando a devolução das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.

Por seu lado a AT vem contrapor a posição da Requerente, fundamentando a sua pretensão no facto de na Verba 28 da tabela Geral do Imposto de Selo, o imposto recair sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00, e de acordo com a verba 28.1, em caso de prédios com afectação habitacional, o imposto recair sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.

No entendimento da AT “O valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que susceptíveis de utilização independente. Para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2º do CIMI”.

Argumenta a AT no sentido de que ”Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.”.

Pugna ainda a AT pela inconstitucionalidade da interpretação feita pela Requerente da verba 28.1 da TGIS:“É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.”

A AT toma ainda posição quanto ao valor da ação indicado pela Requerente: “Indica a Requerente como valor da acção, o montante de €15.985,30. Ora, sendo objecto do presente pedido arbitral, as liquidações impugnadas, resulta claro que o valor da acção deverá corresponde ao montante resultante da soma das mesmas, ou seja 10 656,88€.” Requerendo ao tribunal que fixe o valor da causa.

No entendimento da AT “a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade ou da capacidade contributiva, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações”.

Na sua perspetiva, importa dar ênfase ao diferente regime jurídico-civilístico atribuído à propriedade horizontal face à propriedade total, os quais consistirão, mesmo para efeitos fiscais, institutos jurídicos diferentes. Daí o diferente tratamento em termos de incidência da verba 28.1 da TGIS, como argumenta a AT: “Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.”

Salienta a AT ainda que: “(…) a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado.”

Argumenta ainda a AT no sentido de que não tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, porquanto: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT, derivado da anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração tributária. O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais. Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente, nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.”

Conclui a AT pugnando pela validade e legalidade da liquidação.

Posta uma breve descrição da palete argumentativa tecida pelas partes, vejamos então.

A questão decidenda prende-se com a de saber se a regra de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) é aplicável a prédios que não se encontram constituídos em propriedade horizontal. Com efeito, nesses casos questiona-se se a referida verba deverá incidir sobre o somatório do VPT atribuído aos diferentes andares, isto é, sobre o VPT total do prédio, ou, antes, sobre o VPT de cada andar com utilização económica independente do prédio.

Esta questão já foi objecto de vários acórdãos do CAAD, nomeadamente, os proferidos nos processos 132/2013-T, 14/2014-T, 30/2014-T e 88/2014-T, que seguiremos de perto.

A verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro. Ela estabelece o seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);”

Com o aditamento do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (CIS), operado também pela referida Lei, estabeleceu-se que quanto “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”.

Por força desta remissão, reportando-se a norma de incidência da verba 28.1 TGIS a prédios urbanos, o conceito de prédio urbano será o resultante do CIMI.

O CIMI estabelece no art. 2.º, 1, o conceito de prédio. Define-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

Já o art. 4.º do CIMI estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

Por sua vez, o art. 6.º, ibidem, procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1 do referido artigo, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”.

No n.º 2 do mesmo artigo encontramos o critério utilizado para essa distinção, considerando que os “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Ora, verificamos que não decorre dos normativos legais do citado diploma qualquer classificação dos prédios urbanos que os distinga entre prédios em propriedade horizontal versus prédios em propriedade vertical.

Se o legislador os qualifica como uma mesma realidade jurídico-fiscal, claudicará sustentação legal à aplicação de diferentes regimes fiscais por força da natureza jurídico-civilística que um prédio urbano com afectação habitacional detenha.

É verdade que o art. 2.º, 4, do CIMI, determina que, "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio". Porém, é também verdade que o mesmo não estabelece qualquer diferenciação entre as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal estas e as partes do prédio com utilização independentemente da classificação enquanto prédios urbanos habitacionais.

Daqui resulta que o legislador pretendeu apenas, como fez, diferenciar os prédios urbanos considerando o seu destino normal, isto é, considerando o destino a que cada um deles está adstrito. Deste modo, obsta assim, do ponto de vista fiscal, a uma distinção que a lei civil prevê, entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, não permitindo, contudo, que essa caracterização jurídica releve para aquilo que nos interessa, que é o âmbito de incidência do imposto, tanto do IMI como da verba 28.1 da TGIS, decorrente da mencionada remissão. 

Sendo assim, concluímos ser irrelevante, para efeitos de tributação, que o prédio esteja em propriedade vertical ou horizontal. É antes relevante a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização habitacional.

Aliás, atenta a intenção do legislador ao criar a verba 28 da TGIS e à aplicação que a AT lhe vem dando, considera-se que o critério por esta adotado quanto aos prédios em propriedade vertical não se adequa aos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade fiscal, consagrados constitucionalmente no nosso ordenamento jurídico.

O princípio da igualdade fiscal deverá ser entendido no seu sentido material. Pelo que, a tónica deste princípio assentará sempre na capacidade contributiva de cada contribuinte. O mesmo é dizer que teremos um imposto igual para os que tiverem igual capacidade contributiva, e um imposto diferente para os que dispuserem de diferente capacidade contributiva. Certo é que, a diferença no imposto será proporcional à diferente capacidade contributiva. 

Este princípio é-nos imposto pela articulação do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) com os arts. 103.º e 104.º do mesmo diploma.

Ora, o imposto estabelecido pela verba 28 da TGIS pretende harmonizar a repartição do esforço fiscal dos contribuintes, fazendo incidir este imposto sobre os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, que excedam € 1.000.000,00, por cada andar com utilização independente.

Com efeito, determinando o princípio da igualdade fiscal que se deve tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, não se justifica o tratamento diferenciado, para efeitos de tributação, dos andares de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, conquanto que esses andares tenham utilização independente.

E remetendo o CIS para o CIMI, consideramos que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes andares com utilização independente, deverá obedecer às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

Atente-se, desde logo, no disposto no n.º 3, do art. 12.º do CIMI, segundo o qual "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário".

Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretende a AT, não encontra qualquer base na legislação aplicável e supra referida.

Aliás, a própria Requerida emitiu as notas de Liquidação que constam dos autos, sendo cada uma delas referente a cada uma das frações com utilização independente e afectação habitacional. Consta, inclusive, de cada delas particular referência ao VPT de cada fração, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS. Decorre daqui ter sido o imposto liquidado individualmente em relação a cada uma das partes com utilização independente e não considerando a soma dos VPT dos andares do prédio em propriedade total.

Face a todo o exposto, o critério legal a utilizar para definição da incidência do imposto estabelecido na verba 28.1 da TGIS terá de ser idêntico ao estabelecido para efeitos do IMI.

Como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo 132/2013-T “não se vislumbra, nos trabalhos relativos à discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada. Com efeito, justificou-se tal medida, apelidada de "taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor", com a necessidade de cumprir com os princípios da equidade social e da justiça fiscal, onerando mais significativamente os titulares de propriedades com elevado valor destinadas a habitação, e, nessa medida, fazendo incidir a nova "taxa especial" sobre as "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros".

Prossegue ainda a referida decisão afirmando que “se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a «habitação» - seja ela «casa», «fracção autónoma» ou «parte de prédio com utilização independente» / «unidade autónoma» -, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo) é que se superaria o milhão de euros”.

Posto que, só assistiria razão à AT e, consequentemente, direito à liquidação do imposto em causa, se a algum dos andares com utilização independente correspondesse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não se verifica, pois o valor mais elevado corresponde apenas a €343.960,00.

Depreende-se do que até aqui foi dito que a posição da AT é contrária à Lei e à Constituição, violando os princípios da legalidade e igualdade fiscal.

O prédio em causa encontra-se em propriedade total e contém 5 frações com utilização independente destinados a habitação. Como se mostra provado, nenhum deles tem um VPT igual ou superior a €1.000.000,00. Observamos assim a não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da TGIS.

Em consequência do exposto, concluímos pela ilegalidade das liquidações de imposto de selo impugnadas pela Requerente. Deverá por isso a matéria colectável, que serve de base à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, ser o VPT determinado nos termos do CIMI, para cada um dos andares do prédio que sejam suscetíveis de utilização independente.

Verificámos que a Requerente, não obstante não ter acatado a legalidade das liquidações que ora discute, pagou as importâncias de imposto resultantes dessas liquidações.

Dispõem os arts. 24.º, 1, b), RJAT, e 100.º da LGT que, tendo sido pago o imposto e posteriormente, a liquidação que suportava esse imposto anulada, tem o contribuinte direito ao reembolso dos montantes indevidamente pagos.

O art. 43.º da LGT prevê que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, segundo jurisprudência uniforme do STA (vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09) sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral 218/2013-T).

Por conseguinte, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 43.º, 1, LGT, e 61.º, 2 , 5, CPPT.

Sendo assim,

-deve a AT restituir o valor de €5.328,46 relativo às notas de liquidação n.º 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …, referentes à 1ª prestação, acrescido de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data de pagamento, 30-04-2014, até à restituição dos valores por parte da AT.

-deve a AT restituir o valor de €5.328,42 relativo às notas de liquidação n.º 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …,, referentes à 2ª prestação, acrescido de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data de pagamento, 02-07-2014, até à restituição dos valores por parte da AT.

Quanto à questão suscitada pela AT a respeito do valor da ação, fixa-se o mesmo em 10.656,88€.

 

4. Decisão

Perante o supra descrito, decide-se

a) julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, devendo as mesmas considerar-se nulas, com as necessárias consequências legais.

b) Condenar a Requerida a restituir à Requerente as importâncias entregues para pagamento dos imposto cujas liquidações agora foram anuladas, no montante total de €10.656,88;

c) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4%, contados desde a data do pagamento do imposto apurado nas liquidações agora anuladas, em 30-04-2014 para as  notas de liquidação n.º 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …, no valor total de €5.328,46; e em 02-07-2014 para as notas de liquidação n.º 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …; 2014 …,no valor total de €5.328,42, até à data da emissão da(s) nota(s) de crédito relativa(s) à restituição das quantias indevidamente liquidadas e pagas;

 

Valor do processo:

De acordo com o disposto nos arts. 306.º, 2, CPC, e 97.º-A, 1, a), CPPT, e 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da ação em €10.656,88.

 

Custas:

Nos termos do artigo 22.º, 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €918,00, devidas pela Autoridade Tributária.

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de março de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do art. 131.º, 5, CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, 1, e), RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

Ricardo Marques Candeias