Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1377/2024-T
Data da decisão: 2025-12-15  IRC  
Valor do pedido: € 158.547,75
Tema: IRC – Gastos dedutíveis em sede de IRC – tributações autónomas – retenção na fonte em sede de IRC e IRS
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SUMÁRIO: 

Ao abrigo do artigo 23.º, do Código do IRC, a dedutibilidade de um gasto em sede de IRC está intimamente associada a uma questão de prova: prova de que esse gasto existiu, prova de que o mesmo tem um “business purpose” e prova de que a documentação que o suporta cumpre os requisitos legalmente exigidos.

A apresentação – ainda que tardia – de um certificado de residência emitido pelas autoridades fiscais competentes nos termos do qual fiquem demonstrados os pressupostos de que depende a dispensa de retenção na fonte, por força da aplicação de uma convenção para evitar a dupla tributação, constitui prova bastante para que tal dispensa possa ocorrer.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Cristina Aragão Seia e António Lima Guerreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I.          RELATÓRIO

 

1.          A... UNIPESSOAL, LDA., sociedade unipessoal por quotas, de direito português, com sede na ..., n.º..., ...-... ..., contribuinte fiscal n.º ... (“Requerente”), apresentou, em 18.12.2024, pedido de constituição de Tribunal Arbitral e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2023 ... (compensação n.º 2023 ...) e respectivos juros compensatórios, no montante de € 860,64; de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º 2023 ... e respectivos juros compensatórios, no montante de € 45.538,11, e de liquidação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023 ... e respectivos juros compensatórios, no montante de € 112.149,00, todos referentes ao período de tributação de 2021.

 

2.          O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”) em 19 de Dezembro de 2024.

 

3.          A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

 

4.          As partes foram notificadas dessa designação em 6 de Fevereiro de 2025, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

5.          Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 25 de Fevereiro de 2025.

 

6.          Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida, após solicitar prorrogação do prazo para apresentação da resposta (deferida pelo Tribunal por despacho de 2 de Abril de 2025), apresentou a mesma e juntou aos autos o processo administrativo em 17 de Abril de 2025, tendo-se defendido apenas por impugnação e pugnando pela sua absolvição do pedido.

 

7.          Por despacho datado de 4 de Julho de 2025, foi agendada a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, para o dia 16 de Setembro de 2025, e, dada a necessidade de produção de prova em sede de reunião arbitral, a interposição de um dilatado período de férias judiciais e as dificuldades de agendamento dessa reunião para uma data anterior à supra referida, determinou-se a prorrogação do prazo de arbitragem por dois meses, contados a partir do termo do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT (25 de Agosto de 2025), nos termos e para os efeitos do n.º 2 desta norma do RJAT, designando-se o dia 25 de Outubro de 2025 como data-limite para a prolação da decisão arbitral.

 

8.          Em 14 de Julho de 2025, veio a Requerente apresentar requerimento nos termos do qual indicava os factos relativamente aos quais pretendia que as testemunhas por si arroladas prestassem depoimento. 

 

9.          Em 28 de Julho de 2025, veio a Requerente apresentar requerimento nos termos do qual requeria a junção aos autos de certificado de residência fiscal da sociedade “B..., SL” (“B...”) emitido pelas autoridades tributárias espanholas.

 

10.       Por despacho datado de 29 de Julho de 2025, admitiu-se a junção aos autos do documento apresentado pela Requerente e concedeu-se prazo de 10 dias à Requerida para, querendo, exercer o contraditório sobre o respectivo teor.

 

11.       Por despachos datados de 20 e 29 de Agosto de 2025, foi solicitado às partes o envio, em versão word, das peças processuais que apresentaram.

 

12.       Em 11 de Setembro de 2025, veio a Requerida exercer o seu direito ao contraditório por referência ao documento que havia sido junto aos autos pela Requerente por requerimento datado de 28 de Julho de 2025.

 

13.       Em 15 de Setembro de 2025, veio a Requerente solicitar que uma testemunha pudesse prestar depoimento por intermédio de meios de comunicação à distância e que um documento fosse junto aos autos.

 

14.       Nesse mesmo dia, veio a Requerida solicitar que aquele requerimento apresentado pela Requerente fosse indeferido.

 

15.       Em 16 de Setembro de 2025, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, tendo havido lugar a declarações do sócio-gerente da Requerente, C..., e à inquirição das testemunhas D..., E... e F... .

 

16.       No decurso da diligência suscitou-se a pertinência da junção de determinados documentos por parte da Requerente, pelo que foi fixado o prazo de cinco dias para o efeito e concedido o prazo de cinco dias à Requerida para pronúncia sobre os mesmos. 

 

17.       O Tribunal notificou ainda Requerente e Requerida para, em prazo simultâneo de 10 dias, querendo, apresentarem alegações escritas, o que ambas fizeram, reiterando as suas posições.

 

18.       Em 22 de Setembro de 2025, veio a Requerente requerer a junção aos autos dos documentos que havia protestado juntar na reunião realizada em 16 de Setembro de 2025.

 

19.       Em 1 de Outubro de 2025, veio a Requerida exercer o seu direito ao contraditório por referência aos documentos juntos aos autos pela Requerente por requerimento datado de 22 de Setembro de 2025.

 

20.       Em 13 de Outubro de 2025, ambas as partes apresentaram as suas alegações escritas.

 

21.       Por despacho datado de 21 de Outubro de 2025, tendo em conta a tramitação processual ocorrida que incluiu um longo período de férias judiciais e a necessidade de ponderação de toda a prova produzida, incluindo a que apenas o foi após a realização da reunião arbitral e já perto do termo do prazo de arbitragem, foi determinada a prorrogação do prazo de arbitragem por dois meses, contados a partir de 25 de Outubro de 2025, em conformidade com o disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

II.        POSIÇÕES DAS PARTES

 

§1 -   Posição da Requerente

 

22.       Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

i.           Os gastos suportados pela Requerente com a aquisição de artigos para oferta a trabalhadores, colaboradores externos, clientes e parceiros de negócio foram incorridos para prossecução da sua actividade económica, nomeadamente por razões respeitantes ao fortalecimento de laços, da motivação e da fidelização dos respectivos beneficiários, tendo contribuído para a geração de benefícios para a Requerente, pelo que são fiscalmente aceites em sede de IRC;

ii.          A fundamentação utilizada pela Requerida para suportar a correcção alusiva aos encargos não devidamente documentados não evidencia, de forma objectiva e clara, as razões de facto e de direito que a sustentam, nem apresenta motivos concretos que justifiquem essa correcção;

iii.        A documentação apresentada pela Requerente preenche os requisitos formais exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC, pelo que – tendo os gastos postos em causa pela Requerida ocorrido no âmbito da actividade empresarial da Requerente – devem ser fiscalmente aceites em sede de IRC;

iv.        Os gastos com as deslocações e estadas com uma colaboradora (G...) decorrem da abertura de um novo estabelecimento em Penafiel pelo que, ao estarem relacionados com a actividade empresarial da Requerente, são fiscalmente aceites em sede de IRC;

v.          As despesas com deslocações e estadas realizadas no Algarve estão relacionadas com a actividade da empresa (e.g. acções promocionais e de recrutamento de novos médicos dentistas) pelo que, ao estarem relacionadas com a actividade empresarial da Requerente, são fiscalmente aceites em sede de IRC;

vi.        Os outros gastos com pessoal são respeitantes a uma oferta realizada a uma colaboradora, para a motivar e fidelizar, pelo que, ao estarem relacionados com a actividade empresarial da Requerente, são fiscalmente aceites em sede de IRC;

vii.       As despesas de representação relacionaram-se, por um lado, com um evento de “team building” destinado a promover a motivação e o incentivo dos trabalhadores e, por outro, com um processo de recrutamento de médicos dentistas no Brasil e de publicitação dos serviços e produtos comercializados pela Requerente junto daqueles médicos dentistas, pelo que, ao estarem relacionadas com a actividade empresarial da Requerente, são fiscalmente aceites em sede de IRC;

viii.     Os gastos com compensações por deslocações em viatura própria dos trabalhadores incorridos pela Requerente encontram-se suportados por mapas ou boletins preenchidos e, genericamente, assinados pelos trabalhadores, sendo possível identificar nos mesmos diversas informações acerca dessas mesmas viagens e os moldes como os valores dessas compensações foram apurados; 

ix.        Esses gastos são tidos em conta para efeitos do mecanismo de formação do preço que serve como contrapartida a pagar pelos clientes pelos serviços prestados pela Requerente, pelo que tais gastos devem ser aceites fiscalmente em sede de IRC;

x.          A Requerida não logrou demonstrar que as compensações pagas pela utilização de viatura própria configuram rendimento sujeito a tributação, uma vez que tais montantes correspondem ao reembolso de custos suportados pelos trabalhadores em favor da Requerente;

xi.        Esses mesmos gastos não constituem qualquer vantagem económica ou financeira para os trabalhadores que beneficiam dessas compensações, pelo que não podem ser requalificados como rendimento de trabalho, sujeito a retenção na fonte em sede de IRS;

xii.       Os montantes que a Requerida considera serem adiantamentos por conta de lucros não se encontram contabilisticamente registados em contas de sócios, pelo que não pode haver lugar à presunção de que as importâncias correspondentes pagas ao sócio-gerente constituiriam rendimentos de capital na esfera deste;

xiii.     Se é certo que houve um erro humano no reembolso em excesso de um suprimento anteriormente concedido por esse sócio-gerente à Requerente, não é menos verdade que aquele devolveu o montante indevidamente recebido, logo que a situação foi constatada;

xiv.     O outro montante que a Requerida qualificou como sendo um adiantamento por conta de lucros diz respeito à contraprestação de trabalho ou exercício de cargos sociais pelo sócio-gerente, pelo que a correcção que a Requerida promoveu não se justifica;

xv.       A Requerente pagou rendimentos à B..., residente para efeitos fiscais em Espanha, como contrapartida pela prestação de serviços de consultoria e assessoria, pelo que ao abrigo da legislação fiscal nacional e da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha (“ADT”)não haveria lugar a retenção na fonte incidente sobre tais pagamentos;

xvi.     A apresentação tardia de documentos aptos a comprovar os requisitos previstos nessa convenção (como o formulário Modelo 21-RFI) não constitui razão bastante para suportar a correcção promovida pela Requerida.

 

§2 -   Posição da Requerida

 

23.       Por seu turno, a Requerida contestou a posição da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:

i.            A Requerente não logrou provar os factos em que assenta o seu pedido, nomeadamente no que tange à comprovação de que os gastos por si incorridos com a aquisição de artigos para oferta eram indispensáveis para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC;

ii.          A respeito desses gastos, a Requerente não faz uma identificação pormenorizada de informações relevantes tais como os respectivos beneficiários, datas em que os eventos que justificaram essas ofertas ocorreram, nem em que medida os mesmos estão correlacionados com a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC;

iii.         A fundamentação empregue para promover a correcção relacionada com encargos não devidamente documentados é suficiente, tendo a Requerente – conforme decorre do seu pedido de pronúncia arbitral – bem compreendido as razões que lhe estão subjacentes;

iv.         A Requerente não logrou demonstrar a efectividade dos encargos registados como despesas não devidamente documentadas, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, sendo os documentos que aquela apresenta (“por atacado”) não permitem aferir a sua relação com a sua contabilidade nem atestar a aquisição de bens e serviços;

v.          As despesas de alojamento suportadas pela Requerente não são passíveis de serem fiscalmente dedutíveis em sede de IRC, porquanto as mesmas dizem respeito ao alojamento de uma prestadora de serviços –G...– e o conceito de despesas de deslocações e estadas está associado apenas a despesas incorridas com os próprios trabalhadores;

vi.         A Requerente não logrou provar a indispensabilidade das despesas de deslocações e estadas, nem tampouco apresentou informações (como a identificação dos beneficiários, a justificação comprovada dos motivos dessas deslocações e estadas) credíveis que permitam suportar a dedutibilidade fiscal desses gastos;

vii.       A Requerente não logrou demonstrar que os gastos com a aquisição de um relógio e de uma mala Michael Kors, registados como “outros gastos com pessoal” estiveram relacionados com uma oferta a uma trabalhadora, pelo que a correcção contestada por aquela deverá ser mantida;

viii.      A Requerente não logrou provar a natureza e/ou a indispensabilidade das despesas de representação por si incorridas, seja porque parte dessas despesas respeitam a verbas relacionadas com uma refeição paga a colaboradores da própria Requerente (o que não se subsume no conceito de “despesas de representação”), seja porque não existem evidências de que os gastos com uma viagem ao Brasil tivessem um carácter estritamente empresarial, razões pelas quais esses gastos não podem ser aceites para efeitos fiscais;

ix.         Em relação aos pagamentos efectuados à sociedade B..., foi a própria Requerente que manifestou que não havia accionado o ADT e também que não se encontrava em posse de provas que evidenciassem o cumprimento dos requisitos associados à aplicação do ADT;

x.          A obtenção e apresentação tardia desses elementos de prova (como seja o formulário Modelo 21-RFI e/ou a apresentação de um certificado de residência fiscal daquela sociedade em Espanha) não é suficiente para que a correcção posta em causa (retenção na fonte de IRC incidente sobre tais pagamentos) não seja mantida;

xi.         A Requerente não logrou demonstrar, com prova documental idónea, a efectividade das deslocações realizadas pelos seus trabalhadores em viatura própria;

xii.       Não tendo os montantes pagos pela Requerente aos seus trabalhadores sido evidenciados nos respectivos recibos de vencimentos, nas declarações mensais de rendimentos remetidas à Requerida nem facturados a clientes, tais montantes devem ser requalificados como rendimentos de trabalho dependente, sujeitos a retenção na fonte em sede de IRS; e

xiii.      A Requerente não logrou provar que as transferências efectuadas ao sócio-gerente correspondiam a legítimos reembolsos de empréstimos (na parte reembolsada em excesso) ou a efectivas prestações de serviços, pelo que tais pagamentos correspondem a uma efectiva distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, pelo que haveria lugar a retenção na fonte em sede de IRS, cuja responsabilidade pela entrega recaía sobre a Requerente.

 

III.      SANEAMENTO

 

24.       O pedido foi tempestivamente apresentado, tal como dispõe o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

25.       O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.

 

26.       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º, da Portaria de Vinculação.

 

IV.      MATÉRIA DE FACTO

 

§1 -   Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

27.       O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

28.       Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

29.       Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente das declarações do representante legal da Requerente,  C..., da inquirição das testemunhas D..., E... e F..., da prova documental junta aos autos pela Requerente e do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, tendo os mesmos sido apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

30.       Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

§2 -   Factos provados 

 

31.       Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)          A Requerente é uma sociedade por quotas que iniciou actividade em 28.08.2018;

b)          A Requerente exerce as seguintes actividades de natureza comercial ou industrial: actividade económica de medicina dentária e deontologia, com. ret. prod. médicos ortopédicos, actividades de enfermagem e outras actividades de saúde humana;

c)          Para efeitos de IRC, a Requerente está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável;

d)          A Requerente detém 4 clínicas dentárias, localizadas nos concelhos de Viana do Castelo (aberta em Outubro de 2018), Paços de Ferreira e Paredes (ambas abertas em 2019) e Penafiel (aberta em Outubro de 2021);

e)          Entre 2018 e 2021, a Requerente obteve empréstimos de sócios que totalizaram a importância de € 343.767,87;

f)           Entre 2018 e 2021, a Requerente reconheceu contabilisticamente os seguintes movimentos contabilísticos associados a esses empréstimos concedidos pelos sócios:

 

A...

 

g)          Entre 2018 e 2021, a Requerente efectuou devoluções de empréstimos de sócios no montante global de € 475.978,47;

h)          Em 13.12.2018, a sociedade “H..., Lda.” emitiu uma factura à Requerente, no montante de € 117.500,00 relativa à prestação de serviços alusivos ao fornecimento e aplicação de sistema AVAC, instalação eléctrica, trabalhos de pladur, fornecimento de mobiliário e carpintaria, pinturas e outros serviços de mão de obra;

i)           No dia 04.04.2019, a sociedade “ H..., Lda.” emitiu uma factura à Requerente no montante de € 109.040,00 relativa à prestação de serviços alusivos ao fornecimento e aplicação de pladur, mobiliário, carpintaria, vinílicos, AVAC e ar condicionado, pinturas e outros;

j)           A sociedade B... apresentou à Requerente um formulário MOD 21-RFI, datado de 01.01.2021, para efeitos de dispensa total ou parcial de retenção na fonte de imposto português, ao abrigo do ADT;

k)          De acordo com esse formulário MOD 21-RFI, a sociedade B... iria prestar um serviço de “Consultoria e Apoio à Gestão”, constando ainda nesse formulário que a natureza de rendimento era de “Aluguer de Máquinas”;

l)           No dia 13.01.2021, a sociedade “Michael Kors” emitiu uma factura à Requerente, no montante de € 178,00, respeitante à aquisição de um relógio e de uma mala, da marca “Michael Kors”;

m)        No dia 05.02.2021, a sociedade “I... S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/33298 à Requerente, no montante de € 593,25, referente à aquisição de três conjuntos de “Passarela Vindima Tinto”;

n)          No dia 18.02.2021, a sociedade “J..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 3371220304, à Requerente, no montante de € 1.271,00, referente à aquisição de peças de louça;

o)          No dia 27.02.2021, a sociedade “K...” emitiu a factura simplificada com o n.º 21/401/003366, identificando como cliente um “Consumidor Final”, respeitante a um estacionamento no “PARQUE ESTACIONAMENTO ...”, em Viana do Castelo, no montante de € 3,00;

p)          No dia 08.03.2021, a empresária em nome individual L... emitiu a factura com o n.º PRD/128, à Requerente, no valor de € 24,50, respeitante à aquisição de flores;

q)          No dia 08.03.2021, a sociedade “M...” emitiu a factura com o n.º 04940022101010620/010716 à Requerente, no montante de € 31,88, respeitante à aquisição dos seguintes artigos;

r)           No dia 11.03.2021, a sociedade “N... emitiu a factura com o n.º 70070102021001/22105 à Requerente, no valor de € 13,20, respeitante à aquisição de bolo de aniversário, sacos de plástico, garfos e pratos de sobremesa;

s)          No dia 09.04.2021, O..., da sociedade “P..., Lda.” remeteu e-mails a C..., nos termos dos quais indicava que as compras realizadas na “Michael Kors” eram uma despesa não “aceite fiscalmente nem contabilisticamente”, por ser uma aquisição que “não é um gasto da atividade da empresa” e, tendo “um valor alto”, não pode ser considerada “como prenda a colaboradores”;

t)           No dia 09.04.2021, C... enviou e-mails a O..., em resposta aos mencionados no ponto anterior, nos termos dos quais referia que essas aquisições poderiam ser consideradas “como fardas para a clínica” ou “como presentes- prémios a colaboradores”, assumindo “responsabilidade” em caso de “fiscalização”;

u)          No dia 20.04.2021, a sociedade “Q...” emitiu a factura n.º 98096/000214 à Requerente no valor total de € 315,00, referente à aquisição de “esclava Plata” no valor de € 140,00, e de uma “gargantilha Plata” no valor de € 175,00;

v)          No dia 24.04.2021, a sociedade “R...” emitiu a factura n.º 1/129221 à Requerente, no valor de € 39,99, referente à aquisição de uma garrafa de vinho de 75 anos;

w)        No dia 27.04.2021, a sociedade “S...” emitiu a factura com o n.º 98552 à Requerente, no montante de € 2,48, referente à aquisição de “Água Desmineralizada 5L” e “Iogurtes Líquidos mimosa morg”;

x)          No dia 09.05.2021, a sociedade “T... Lda” emitiu a factura n.º 2/5237 à Requerente, no montante de € 93,00, referente a uma estadia no “Hotel 4615”, da hóspede “...”, realizada nos dias 08.05.2021 e 09.05.2021; 

y)          No dia 17.05.2021, a sociedade “I..., S.A.” emitiu a factura com n.º 506/34515 à Requerente, no montante de € 169,50, pela aquisição de dois “Vin Clos Saint Vincent Rose 1,5LT”;

z)          No dia 31.05.2021, a sociedade “I..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/34839 à Requerente, no montante de € 355,79, referente à aquisição de 3 garrafas de “Champanhe Ruinart Brut 0,75L” e de 3 garrafas de “Champanhe Ruinart Rose 0,75L”;

aa)       No dia 18.06.2021, a sociedade “M...” emitiu a factura com o n.º 07330012101010617/041162 à Requerente, no valor de € 7,44, respeitante à aquisição de “maçãs granny”;

bb)       No dia 21.06.2021, a sociedade “I..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/35265 à Requerente, no montante de € 1.582, referente à aquisição de dois “Vin Jupiter Tinto”;

cc)       No dia 22.06.2021, a sociedade “I..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/35313 à Requerente, no montante de € 237,19, referente à aquisição de 2 garrafas de “Champanhe Ruinart Brut 0,75L” e 2 garrafas de “Champanhe Ruinart Rose 0,75L”;

dd)       No dia 01.07.2021, a sociedade “W...” emitiu a factura com o n.º 1 A2101/583 ao sócio-gerente C..., no montante de € 891,90, referente à aquisição de uma “t-shirt”, “pants 5 pockets-streth”’, e “lace up evolution bublle”;

ee)       No dia 01.07.2021, o restaurante “...” emitiu uma factura no montante de € 289,00, não constando nela o número de identificação fiscal da entidade adquirente;

ff)         No dia 05.07.2021, o “Hotel...” emitiu uma factura com o n.º 1140058664 à Requerente, no montante de € 1.126,80, referente a uma estadia nesse hotel, realizada entre 02.07.2021 e 05.07.2021, na qual consta que o “Main Guest Name” foi C... e em que foram hóspedes duas pessoas;

gg)       No dia 10.07.2021, a sociedade “X..., Lda.” emitiu uma “Consulta de mesa” à Requerente, no montante de € 286,30, respeitante à prestação de serviços de restauração;

hh)       No dia 15.07.2021, a sociedade “Y..., Lda.” emitiu a factura-recibo n.º 1 A2101/2126 à Requerente, no montante de € 253,26, referente à prestação de serviços de restauração;

ii)         No dia 03.08.2021, um estabelecimento comercial da marca “Dior” situado em Cannes, França, um documento dirigido a “Mme G...”, no valor de € 2.800,00, referente à aquisição de “Women bags DIOR BOOK TOTE L CANVAS”;

jj)         No dia 10.08.2021, a sociedade “Z..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 014221212A/000515 à Requerente, no montante de € 395,00, referente à aquisição de “Casaco Comprido Spor”;

kk)       No dia 10.08.2021, a sociedade “ElZ..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 014221093A/000269 à Requerente, no montante de € 262,50, referente à aquisição de “M.S.I. Montblanc”;

ll)         No dia 10.08.2021, a sociedade “Z..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 014221028A/001294 à Requerente, no montante de € 365,70, referente à aquisição de duas garrafas de “Champanhe ROS” e de dois “Sacos Gourmet Grande”;

mm)   No dia 19.08.2021, a sociedade “AA... S.A.” emitiu a factura simplificada à Requerente, no montante de € 52,49, referente à aquisição de “Batedeira Braun”;

nn)       No dia 19.08.2021, a sociedade “Z..., S.A.” emitiu quatro facturas, com os n.ºs 014521009A/000324, 014521007A/000113, 014521007A/000112 e 014521007A/000111 à Requerente, nos seguintes termos:

a.          1.ª Factura: no montante de € 150,70, referente à aquisição de duas “Garrafas Champanhe ROS” e de dois “Sacos Gourmet Grande”;

b.          2.ª Factura: no montante de € 60,00, referente à aquisição de um “Cartão Presente Gera”;

c.          3.ª Factura: no montante de € 60,00, referente à aquisição de um “Cartão Presente Gera”;

d.          4.ª Factura: no montante de € 100,00, referente à aquisição de um “Cartão Presente”;

oo)       No dia 25.08.2021, a sociedade “S....” emitiu a factura com o n.º 107432 à Requerente, no montante de € 6,28, referente à aquisição de “água Monchique pak” e de “Iogurtes Mimosa Frutos Tropicais”;

pp)       No dia 02.09.2021, a sociedade “I... S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/36913 à Requerente, no montante de € 293,95, referente à aquisição de seis garrafas de “Champanhe Ruinart Brut 0,75L”;

qq)       No dia 09.09.2021, a sociedade “I... S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/37063 à Requerente, no montante de € 417,63, referente à aquisição de seis garrafas de “Champanhe Ruinart Rose 0,75L”;

rr)         No dia 14.09.2021, a sociedade “... Restaurante, Lda.” emitiu a factura n.º 11049193 à Requerente, no montante de € 1.960.00, referente à prestação de serviços de restauração (12 refeições);

ss)        No dia 27.09.2021, o “Hotel ...” emitiu uma factura com o n.º 1140068347 à Requerente, no montante de € 1.083,85 referente a uma estadia nesse mesmo hotel, realizada entre 24.09.2021 e 27.09.3031, na qual consta que o “Main Guest Name” foi C... e em que foram hóspedes duas pessoas;

tt)         No dia 30.09.2021, a trabalhadora BB... emitiu um “formulário de deslocações”, no qual não descreveu o motivo justificativo das deslocações efectuadas aí descritas;

uu)       No dia 12.10.2021, a sociedade “... Unipessoal, Lda.” emitiu a factura com o n.º 21/2142 à Requerente, no montante total de € 61,61, respeitante à aquisição de “Espumante Vértice Rose”, “Crasto Superior Tinto”, e “Dow’s Q. Bonfim Vintage”;

vv)       Em 20.10.2020, a sociedade “Leonardo Serra Unipessoal, Lda.”, emitiu à Requerente a factura n.º 2020/32, no montante de € 3.770,10, relativa à prestação de serviços médicos correspondentes ao mês de Julho de 2020;

ww)    No dia 03.11.2021, a sociedade “... Unipessoal, Lda.” emitiu a factura com o n.º 180348 à Requerente, no montante de € 2.125,00, referente à aquisição de um “Pack Fim de Ano Brasil – 50%”;

xx)       No dia 10.11.2021, a sociedade “ ..., Lda.” emitiu a factura com o n.º 1/6440 à Requerente, no montante de € 39,50, referente à aquisição de dois “N3”, “Porto Splash” e “Diversos Bar”;

yy)       No dia 15.11.2021, CC... emitiu a factura-recibo n.º 1 à Requerente, no montante de € 1.302,97, referente à prestação de serviços referentes a “Outubro de 2020”;

zz)       No dia 18.11.2021, o empresário em nome individual DD... emitiu a factura com o n.º 0683 à Requerente, no montante de € 338,25, referente à aquisição de 100 dúzias de “castanhas assadas”;

aaa)     No dia 24.11.2021, a sociedade “... Unipessoal, Lda.” emitiu a factura com o n.º 180360 à Requerente, no montante de € 2.125,00, referente à aquisição de um “Pack Turístico Brasil – 50%”;

bbb)    No dia 26.11.2021, a sociedade “... SA” emitiu a factura simplificada à Requerente, no montante de € 7,49, referente à aquisição de um “Strepsils Tosse 24Past”;

ccc)     No dia 29.11.2021, a sociedade “I... S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/38935 à Requerente, no montante de € 312,15, referente à aquisição de:

ddd)    No dia 06.12.2021, a sociedade “I... S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/39168 à Requerente, no montante de € 366,20, referente à aquisição de:

eee)     No dia 14.12.2021, a sociedade “I... S.A.” emitiu a factura com o n.º 506/39468 à Requerente, no montante de € 110,47, referente à aquisição de um conjunto “Porto Dalva 100 Anos M4”;

fff)       No dia 18.12.2021, a sociedade “..., SA” emitiu a factura simplificada à Requerente, no montante de € 7,71, referente à aquisição dos seguintes artigos:

ggg)    No dia 20.12.2021, G... emitiu uma factura-recibo com o n.º 28, à Requerente, no montante de € 1.230,00, contendo a descrição “Supervisão Ações de Marketing Dezembro Paços”;

hhh)    No dia 23.12.2021, a sociedade “Z..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 014521008a/001473 à Requerente, no montante total de € 174,90, referente à aquisição de “V.E. Rioja Mir” e Valbuena 2015”;

iii)        No dia 23.12.2021, a sociedade “ Z..., S.A.” emitiu a factura com o n.º 014521010a/002812 à Requerente, no montante de € 67,20, referente à aquisição de um “Fluído Shaka S/P”, “CDF-CICA-FILLER SERU”;

jjj)        No dia 23.12.2021, a sociedade “T... Lda.” emitiu a factura n.º 2/ 6617 à Requerente, no montante de € 70,00, referente a uma estadia no “Hotel 4615”, da hóspede “G...” realizada nos dias 23.12.2021 e 24.12.2021;

kkk)    No dia 27.12.2021, a sociedade “..., Lda.” emitiu a factura com o n.º 2021a1/6045 à Requerente, no montante de € 927,37, referente à aquisição de:

 

 

lll)  Durante o ano de 2021, a Requerente efectuou pagamentos a C... que ascenderam ao montante total de € 105.000,00, os quais foram suportados na contabilidade daquela, através dos seguintes registos:

 

mmm)      Durante o ano de 2021, os trabalhadores da Requerente E... e F... realizaram deslocações em viatura própria ao seu serviço para participarem em sessões de formação;

nnn)    No dia 08.03.2022, a empresária em nome individual EE... emitiu a factura com o n.º 2197, à Requerente, no valor de € 17,50, respeitante à aquisição de tulipas;

ooo)    No dia 05.12.2022, C... emitiu a factura-recibo – Ato Isolado n.º 1 à Requerente, no montante de € 24.500,00, referente à prestação de “serviços de consultoria de gestão”;

ppp)    A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa de âmbito geral que respeitou o exercício de 2021, levada a cabo pela Requerida, que teve por base a Ordem de Serviço n.º OI202...;

qqq)    A Requerente foi notificada, em 01.11.2023, do projecto de RIT, para que, querendo, exercesse o seu direito de audição prévia;

rrr)       A Requerente optou por não exercer o seu direito de audição prévia relativamente a esse projecto de RIT;

sss)      A Requerida notificou a Requerente do RIT;

ttt)        No RIT, constam as seguintes correcções promovidas pela Requerida:

 

A...

 

 

A...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

...

 

 

 

G...

 

 

 

A...

C...

 

 

A...

G...

G...

C...

 

 

A...

 

 

A...

 

 

A...

A...

 

 

A...

 

 

A...

 

 

C...

A...

C...

C...

C...

A...

 

 

C...

C...

 

C...

B...

A...

B...

A...

 

 

 

C...

 

 

A...

B...

A...

B...

 

B...

 

 

 

uuu)    Nos termos do RIT, a Requerida realizou as seguintes correcções à Requerente:

vvv)    Em 2024, a Requerente foi notificada dos seguintes actos de liquidação:

a.          Liquidação de IRS n.º 2023...;

b.          Liquidação de IRC n.º 2023...;

c.          Liquidação de IRC n.º 2023...;

www)       No dia 31.04.2024 a Requerente apresentou reclamação graciosa (que correu termos sob o n.º ...2024...) relativamente àquelas liquidações de IRC e de retenção na fonte de IRS e de IRC, referentes ao ano de 2021;

xxx)    Com a reclamação graciosa, a Requerente apresentou diversa documentação relacionada com as correcções efectuadas pela Requerida referente a:

i.           Gastos com artigos de oferta e outros gastos com pessoal;

ii.          Encargos não devidamente documentados, nomeadamente: 

a.          Extractos bancários; 

b.          Extracto individual de cartão; 

c.          Facturas em que é evidenciado o NIF da Requerente; 

d.          Facturas em que não é evidenciado o NIF da Requerente; 

e.          Facturas que não estão no nome da Requerente; 

f.           Consultas de mesa;

iii.        Despesas de alojamento;

iv.         Despesas com deslocações e estadas;

v.          Despesas de representação;

vi.         Gastos suportados como compensações por quilómetros realizados em viatura própria de trabalhadores, tais como:

a.          Formulário de Deslocações; 

b.          Mapa de Itinerário;

vii.       Adiantamentos por conta de lucros, tais como: 

a.          Factura-Recibo – Ato isolado; 

b.          Notas de Lançamento;

viii.      O pagamento de rendimentos à sociedade espanhola B..., nomeadamente: 

a.          Formulário MOD 21-RFI; 

b.          Residência Fiscal em Espanha; 

c.          Formulário sobre Impuesto sobre el Valor Anadido (Espanha); 

d.          Formulário Modelo 202 e 303;

yyy)    No dia 28.08.2024, a Requerida notificou a Requerente da proposta de decisão de reclamação graciosa que esta havia apresentado; 

zzz)     A Requerente, em 13.09.2024, procedeu ao envio, através de carta registada (n.º RL...PT), de exposição dirigida à Requerida com vista ao exercício do seu direito de audição;

aaaa)  Em 18.09.2024, foi proferida decisão pela Requerida de indeferimento da referida reclamação graciosa;

bbbb) A Requerente, apresentou o presente pedido arbitral em 18.12.2024;

cccc)  Em 19.12.2024, C... efectuou a restituição à Requerente do montante de € 132.210,60, através de transferência bancária efectuada para a conta bancária de que esta é titular junto do Banco Millennium Bcp, com o IBAN...;

dddd) Em 23.06.2025, a Agência Tributaria Espanhola certificou que a B..., tendo por referência os anos de 2020 e 2021, era um sujeito passivo residente para efeitos fiscais em Espanha, nos termos e para os efeitos do ADT, que se encontrava sujeito a imposto sobre o rendimento neste país.

 

§3 -   Factos não provados 

 

32.       Com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos não se consideram provados:

i.            Os artigos para oferta identificados pela Requerida nas linhas 1.ª, 3.ª, 4.ª, 6.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 13.ª a 36.ª linhas do quadro do RIT (constante a fls. 14 do processo administrativo-2 junto aos autos) foram incorridos ou suportados pela Requerente para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC;

ii.          Os encargos identificados pela Requerida no quadro do RIT (constante a fls. 15 do processo administrativo-2 junto aos autos) e suportados pela Requerente foram devidamente documentados por esta;

iii.         G... era trabalhadora dependente da Requerente durante o ano de 2021;

iv.         C... ficou hospedado no Hotel ... entre os dias 02.07 e 05.07.2021 e entre os dias 24 e 27.09.2021;

v.          A Requerente, entre os dias 02.07 e 05.07.2021 e entre os dias 24 e 27.09.2021, realizou entrevistas de recrutamento e selecção de médicos dentistas no Algarve;

vi.         A Requerente, em resultado da realização de entrevistas de recrutamento e selecção, recrutou médicos dentistas na região do Algarve;

vii.       A Requerente, entre os dias 02.07 e 05.07.2021 e entre os dias 24 e 27.09.2021, realizou acções promocionais no Algarve; 

viii.      A Requerente, em resultado da realização de acções promocionais, angariou novos clientes na região do Algarve;

ix.         A Requerente ofereceu um relógio e uma mala da marca “Michael Kors” a uma colaboradora, com o propósito de a fidelizar e/ou motivar;

x.          A Requerente realizou um evento de “team building” com o intuito de estimular a relação intergrupal entre colaboradores, promover o ambiente de trabalho, o reforço de equipa e a coesão entre os mesmos;

xi.         A Requerente efectuou acções de recrutamento e selecção no Estado da Bahia, no Brasil; 

xii.       A Requerente efectuou acções promocionais dos produtos e serviços por si comercializados no Estado da Bahia, no Brasil;

xiii.      A Requerente usufruiu de vantagens económicas por ter adquirido um “pacote turístico” associado a um programa de “réveillon” no Estado da Bahia, no Brasil;

xiv.      A Requerente inclui os gastos suportados com compensações pagas aos trabalhadores por deslocações em viaturas próprias ao seu serviço para efeitos da definição dos preços que cobra aos seus clientes;

xv.        Salvo excepções devidamente identificadas na matéria de facto dada como provada (cfr. ponto mmm. do subcapítulo “Factos Provados”), a generalidade das deslocações efectuadas pelos trabalhadores da Requerente foram motivadas pelas razões enunciadas nos “mapas” e “boletins” de itinerários preparados por aqueles;

xvi.      Salvo excepções devidamente identificadas na matéria de facto dada como provada (cfr. ponto mmm. do subcapítulo “Factos Provados”), a generalidade das deslocações efectuadas pelos trabalhadores da Requerente observaram os pressupostos da atribuição de uma compensação àqueles nos termos em que essa atribuição está prevista para os servidores do Estado;

xvii.     O montante de € 105.000,00 pago pela Requerente ao sócio-gerente,  C..., correspondeu à contrapartida pela prestação de trabalho, exercício de cargos sociais ou pela prestação de serviços de assessoria de gestão;

xviii.   A Requerente enviou um e-mail à Requerida, no decurso do procedimento inspectivo, a informá-la de que, por referência aos pagamentos devidos pelos serviços que havia adquirido da B..., não havia accionado as disposições constantes do ADT. 

 

V.        MATÉRIA DE DIREITO

 

33.       Passando-se à apreciação do mérito da causa a analisar nos presentes autos, entende-se que a matéria controvertida que foi sujeita à apreciação deste Tribunal respeita à apreciação da legalidade das liquidações oficiosas de IRC e de retenção na fonte em sede de IRC e IRS, e respectivos juros compensatórios, e bem assim da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente contra tais actos de liquidação.

 

34.       Tal como decorre dos articulados apresentados pelas partes e da prova produzida por ambas, aqueles actos tributários basearam-se, sobretudo, num conjunto de correcções à matéria tributável que a Requerida realizou ao resultado fiscal apurado pela Requerente no período de tributação de 2021.

 

35.       Consequentemente, analisar-se-á em que medida é que a fundamentação enunciada, em sede de inspecção tributária, pela Requerida – com destaque para as dúvidas que a mesma suscitou acerca de um conjunto de gastos incorridos pela Requerente naquele período de tributação – será adequada a suportar a legalidade daquelas liquidações oficiosas.

 

Vejamos,

 

36.       Determina o artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, que, na sentença, o tribunal apreciará, em primeiro lugar, os vícios que conduzem à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado; já no seu n.º 2, prevê-se que a ordem a observar na análise das questões formuladas será aquela que foi estabelecida pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral.

 

37.       Nestes termos, não havendo nulidades que aqui caiba apreciar, analisar-se-ão as diferentes questões suscitadas pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral pela seguinte ordem:

i.            Gastos com artigos para oferta;

ii.          Encargos não devidamente documentados:

                         i.              Questão prévia: falta de fundamentação;

                        ii.              Questão de fundo: comprovação dos encargos;

iii.         Despesas de alojamento relativas a um prestador de serviço;

iv.         Despesas com deslocações e estadas;

v.          Despesas com “outros gastos com pessoal”;

vi.         Despesas de representação;

vii.       Gastos com pessoal – gastos com quilómetros em viatura própria pagos a trabalhadores;

viii.      Tributações autónomas – compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador;

ix.         Tributações autónomas – despesas de representação;

x.          Trabalho dependente – apuramento dos valores da retenção na fonte de IRS em falta;

xi.         Adiantamento por conta de lucros na sociedade – apuramento dos valores da retenção na fonte de IRS em falta; e

xii.       Retenções na fonte de IRC.

 

§1 -   Normas legais relevantes

 

38.       Para apreciar o mérito da causa a analisar nestes autos, ter-se-á em consideração, designadamente, a seguinte base legal tida por relevante e que se encontrava em vigor à data dos factos ora em apreciação:

i.            Artigo 268.º, n.º 3, da CRP: 

“3 - Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”;

ii.          Artigo 7.º, n.º 1, do ADT:

“1 – Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável”;

iii.         Artigo 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”):

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”;

iv.         Artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRS:

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(…)

d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício;”;

v.          Artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do Código do IRS:

“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

(…)

h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;”;

vi.         Artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS:

4- Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”;

vii.       Artigo 71.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4, do Código do IRS:

1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%:

a) Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;

(...)

4- Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 25 %, os seguintes rendimentos obtidos em território português por não residentes:

a) Os rendimentos do trabalho dependente e todos os rendimentos empresariais e profissionais, ainda que decorrentes de atos isolados;”;

viii.      Artigo 98.º, n.º 1, do Código do IRS:

1 - Nos casos previstos nos artigos 99.º a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no ato do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respetivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses atos ocorrem”;

ix.         Artigo 99.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS:

1 - São obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares as entidades devedoras:

a) De rendimentos de trabalho dependente, com exceção dos rendimentos em espécie e dos previstos na alínea g) do n.º 3 do artigo 2.º;”;

x.          Artigo 101.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS:

“2 - Tratando-se de rendimentos referidos no artigo 71.º, a retenção na fonte nele prevista cabe:

a) Às entidades devedoras dos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 4 e na alínea c) do n.º 17 do artigo 71.º;”;

xi.         Artigo 115.º, n.º 1, alínea a) e b), do Código do IRS:

“1 — Os titulares dos rendimentos da categoria B são obrigados:

a) A emitir fatura, recibo ou fatura-recibo, nas aplicações de faturação disponibilizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas transmissões de bens ou prestações de serviços referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, bem como dos rendimentos indicados na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo; ou 

b)  A emitir fatura nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA por cada transmissão de bens, prestação de serviços ou outras operações efetuadas e a emitir documento de quitação de todas as importâncias recebidas.”;

xii.       Artigo 119.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS:

1 — As entidades devedoras de rendimentos que estejam obrigadas a efetuar a retenção, total ou parcial, do imposto, bem como as entidades devedoras dos rendimentos previstos nos n.os 4), 5), 7), 9) e 10) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º e dos rendimentos não sujeitos, total ou parcialmente, previstos nos artigos 2.º e 2.º-A e nos n.os 2, 4 e 5 do artigo 12.º, e ainda as entidades através das quais sejam processados os rendimentos sujeitos ao regime especial de tributação previsto no n.º 7 do artigo 72.º, são obrigadas a:

(...) 

c) Entregar à Autoridade Tributária e Aduaneira uma declaração de modelo oficial, referente aos rendimentos pagos ou colocados à disposição e respetivas retenções de imposto, de contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e subsistemas legais de saúde, bem como de quotizações sindicais:

i) Até ao dia 10 do mês seguinte ao do pagamento ou colocação à disposição, caso se trate de rendimentos do trabalho dependente, ainda que isentos ou não sujeitos a tributação, sem prejuízo de poder ser estabelecido por portaria do Ministro das Finanças a sua entrega anual nos casos em que tal se justifique;

ii) Até ao final do mês de fevereiro de cada ano, relativamente aos restantes rendimentos do ano anterior.”;

xiii.      Artigo 23.º, nºs 1 e 6, do Código do IRC:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC’’ 

(...)

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previstos no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.”;

xiv.      Artigo 23.º-A, n.º 1, alíneas c), e h) do Código do IRC:

“1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido, por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º ou por sujeitos passivos que não tenham entregado a declaração de inscrição, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 117.º;

(…) 

h) As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário;”;

xv.        Artigo 88.º, n.º 7 e 9, do Código do IRC:

“7 — São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens e passeios oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

(...)

9 — São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos efetuados ou suportados relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.”;

xvi.      Artigo 94.º, n.º 1, alínea g), n.º 2 e n.º 3, alínea b), do Código do IRC:

“1 — O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

(...)

g) Rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos e rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com excepção dos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, exceptuados os referidos no n.º 4 do mesmo artigo.

3 — As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:

(...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.”;

xvii.     Artigo 98.º, n.ºs 1, 2, alínea a), 3, 5. a 8, do Código do IRC:

“1- Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.

2 — Nas situações referidas no número anterior, bem como nos n.ºs 12 e 16 do artigo 14.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis: 

a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado. 

(...)

3- Os formulários a que se refere o número anterior, devidamente certificados, são válidos por um período máximo de:

a) Dois anos, na situação prevista na alínea b) do n.º 2 e no respeitante a cada contrato relativo a pagamentos de juros ou royalties, devendo a sociedade ou o estabelecimento estável beneficiários dos juros ou royalties informar imediatamente a entidade ou o estabelecimento estável considerado como devedor ou pagador quando deixarem de ser verificadas as condições ou preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 13 do artigo 14.º;  

b) Um ano, nas demais situações, devendo a entidade beneficiária dos rendimentos informar imediatamente a entidade devedora ou pagadora das alterações verificadas nos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção na fonte’

(...)

5 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efetuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos nºs 3 e seguintes do artigo 14.º, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

6 — Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e os nºs 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.

7 — As entidades beneficiárias dos rendimentos que verifiquem as condições referidas nos n.os 1 e 2 do presente artigo e nos n.os 3 e seguintes do artigo 14.º, quando não tenha sido efetuada a prova nos prazos e nas condições estabelecidas, podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, mediante a apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, que seja acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.

8 — O formulário previsto no número anterior deve, quando necessário, ser acompanhado de outros elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso.”.

 

§2 -   Da dedutibilidade dos gastos incorridos por um sujeito passivo em sede de IRC

 

39.       Conforme acima enunciado, através do presente processo, a Requerente pretende sindicar a legalidade das correcções promovidas pela Requerida em sede inspectiva e, por conseguinte, questionar a legalidade dos actos de liquidação acima referidos.

 

40.       Ora, uma parte significativa das correcções (por via de acréscimos) ao lucro tributável apurado pela Requerente, no período de tributação de 2021, promovidas pela Requerida assentam na (eventual) não verificação dos pressupostos previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, para que os gastos incorridos pela primeira sejam dedutíveis na determinação do seu lucro tributável em sede de IRC.

 

41.       Com recurso a um extenso número de documentos carreados para os autos, a Requerente argumenta, em suma, que todos esses gastos por si incorridos e postos em causa pela Requerida são fiscalmente dedutíveis em sede de IRC, por estarem associados:

i.            ao prosseguimento do seu objecto social, 

ii.          à sua actividade, 

iii.         ao seu interesse empresarial, 

iv.         à obtenção de rendimentos tributáveis, e/ou 

v.          à manutenção da sua fonte produtora.

 

42.       Acrescenta a Requerente que esses gastos – ao estarem devidamente documentados – cumprem os pressupostos previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, para serem dedutíveis na determinação do seu lucro tributável e, nesse sentido, as correcções e subsequentes liquidações de imposto realizadas pela Requerida são ilegais. 

 

43.       Por outro turno, argumenta a Requerida, em síntese, que a Requerente não foi capaz, em momento algum (leia-se, seja em sede de procedimento tributário, seja nestes autos) de fazer prova de que tais gastos foram efectivamente por si suportados para a prossecução do seu interesse empresarial.

 

44.       Para a Requerida, permanece a dúvida sobre se tais gastos não terão sido incorridos pela Requerente para a satisfação de interesses alheios (por exemplo, dos seus sócios).

 

45.       Nesta medida, a Requerida conclui pela inexistência de qualquer ilegalidade quanto às correcções que efectuou, pelo que deverão as liquidações de imposto questionadas ser mantidas na ordem jurídica.

 

46.       Esta questão relativa aos pressupostos previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, que um sujeito passivo tem de cumprir para que os gastos por si incorridos sejam dedutíveis para a determinação do seu lucro tributável tem sido objecto de análise em inúmera jurisprudência arbitral e judicial, mormente a proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) e pelo Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”).

 

47.       Veja-se, por exemplo, o decidido na decisão arbitral de 16.10.2023, proferida no processo n.º 84/2023-T, que, na parte aqui relevante, referiu o seguinte:

35. Da norma acabada de citar [o artigo 23.º, do Código do IRC] é possível extrair três grandes requisitos dos quais depende a dedutibilidade de gastos no apuramento do lucro tributável em sede de IRC, conforme desenvolvido, entre outros, nos acórdãos arbitrais proferidos no âmbito dos processos n.º 321/2022-T, em 24 de Janeiro de 2023, n.º 793/2021-T, em 12 de Setembro de 2022 e n.º 735/2019-T, em 10 de Dezembro de 2020, que aqui se seguirão de perto.

36. Como primeiro requisito, exige-se que o gasto seja efectivo, isto é, que tenha sido realmente incorrido e suportado, a qualquer título, pelo sujeito passivo. No fundo, é necessário que o sujeito passivo tenha satisfeito uma obrigação que assumiu perante outrem, correspondendo o gasto ao esforço pecuniário efectivamente verificado na sua esfera jurídica.

37. Enquanto segundo requisito, exige-se que os gastos tenham uma natureza finalística, cumprindo um business purpose, isto é, que tenham sido suportados pelo sujeito passivo no desenvolvimento da sua actividade com o intuito de contribuir para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC.

38. Por fim, de acordo com o terceiro requisito, exige-se que os gastos se encontrem devidamente documentados, variando o concreto conteúdo do documento exigido e dos elementos de informação que dele devem constar em função do tipo de gasto em si considerado.

(…)

é ainda necessário ter em consideração que não é exigível, face ao actualmente preceituado na lei, que os gastos sejam “indispensáveis” para a obtenção de rendimentos, devendo apenas avaliar-se se os gastos ocorreram no âmbito e por força da actividade empresarial do sujeito passivo.

41. Sem prejuízo, certo é que já no domínio da anterior redacção legal o conceito de “indispensabilidade” era interpretado sob uma perspectiva económico-empresarial, isto é, relacionada com a motivação última de contribuição para a obtenção do lucro, de tal forma que seriam “indispensáveis” os custos contraídos no interesse da empresa, isto é, que fossem abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo de acordo com “critérios de racionalidade económica face aos objectivos estatutários”, conforme sublinhava Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216.

42. É também esta a posição que tem sido defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no acórdão proferido em 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 01402/17, onde se referiu o seguinte:

“o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.

Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.”.

43. De forma mais desenvolvida, considerou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 15 de Novembro de 2017, no âmbito do processo n.º 0372/16, que:

“Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).

Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (…)

Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).

Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.

«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.

A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29 2012 – T (…).

O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).

A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa”.

44. Em suma, é hoje consensual que a concretização da cláusula geral de dedutibilidade de gastos prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos, nem implica um juízo sobre a efectiva obtenção de rendimentos em resultado dos gastos incorridos, impondo apenas a aferição da sua relação com o desenvolvimento da actividade produtiva”.

 

48.       Complementando o raciocínio acima exposto, a decisão arbitral proferida em 28.03.2025, no processo n.º 430/2024-T, prescreve que devem ser desconsiderados como dedutíveis em sede de IRC os seguintes gastos:

1. aqueles gastos que, de acordo com padrões objectivos, sejam inapropriados, inúteis, inadequados para promoverem rendimentos do sujeito passivo que estejam sujeitos a tributação;

2. aqueles gastos que, embora fossem abstractamente apropriados, úteis, adequados, não se demonstra que efectivamente o tenham sido – não havendo prova de que, no período de tributação de referência, tenham representado “gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo”;

3. aqueles gastos e perdas que são enumerados, ainda que de forma não-exaustiva (“nomeadamente”), pela própria lei, como sendo indedutíveis – não sendo indiferente, neste âmbito, que a mesma Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC e que alterou a redacção do art. 23º, n.º 1, tenha introduzido um novo art. 23-º-A (“Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”) que amplia drasticamente o número desses gastos e perdas enumerados como expressamente indedutíveis (art. 23º-A, n.º 1: “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação”)”.

 

49.       As conclusões acima expostas em torno dos requisitos inerentes à dedutibilidade de um gasto em sede de IRC, à luz do disposto no artigo 23.º, do Código do IRC, coincidem com as posições que vêm sendo adoptadas em inúmeras decisões arbitrais, nomeadamente (só para mencionar algumas) as proferidas em 14.07.2025, no processo n.º 1241/2024-T, em 12.04.2024, no processo n.º 286/2023-T e em 02.10.2023, no processo n.º 63/2023-T.

 

50.       Tais conclusões acerca desta matéria encontram ainda o devido respaldo na jurisprudência que vem sendo proferida pelos tribunais superiores, nomeadamente, nos acórdãos do STA, de 07.04.2021, no processo n.º 01716/17.8BESNT, acórdão do STA, de 30.11.2011, no processo n.º 0107/11, acórdão do STA, de 29.03.2006, no processo n.º 01236/05, acórdão do TCAS, de 24.06.2021, no processo n.º 7872/14.0BCLSB, acórdão do TCAS, de 08.07.2021, no processo n.º 311/03.3BTLRS, acórdão do TCAS, de 14.02.2019, no processo n.º 74/01.7BTLRS, acórdão do TCAS, de 24.06.2003, no processo n.º 06350/02, para os quais se remete.

 

51.       Cumpre, pois, considerar essa jurisprudência em cumprimento do desiderato uniformizador que decorre do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

 

 

 

§3 -   Do ónus da prova dos requisitos inerentes à dedutibilidade de um gasto

 

52.       Tendo presente o ora exposto, a dedutibilidade de um gasto em sede de IRC está intimamente associada a uma questão de prova: prova de que esse gasto existiu, prova de que o mesmo tem um “business purpose” e prova de que a documentação que o suporta cumpre os requisitos legalmente exigidos.

 

53.       Em função disso, importa ter presente as regras associadas à prova de factos com relevância fiscal instituídas na LGT.

 

54.       Assim, segundo o disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, a Requerente goza de uma presunção de veracidade e de boa-fé no que tange às declarações fiscais que apresenta, bem como quanto à contabilidade cuja responsabilidade lhe cabe produzir, organizar e apresentar (designadamente, perante a Requerida).

 

55.       Cessa, porém, aquela presunção de veracidade e inverte-se o ónus da prova, nos termos da alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito, caso aquelas declarações ou a contabilidade do sujeito passivo (a Requerente, neste caso) contenham omissões, erros, inexactidões, ou haja indícios fundados de que os mesmos não correspondem à realidade ou não permitem um conhecimento cabal da sua matéria tributável.

 

56.       No caso em análise, decorre do procedimento inspectivo que, para a Requerida, a presunção de veracidade de que as declarações fiscais e a contabilidade da Requerente gozavam ao abrigo do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, não teria razão para se manter.

 

57.       Em todo o caso, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é da responsabilidade da Requerida o ónus de provar os pressupostos legitimadores das correcções que se propôs promover e que efectivamente veio a concretizar.

 

58.       Ora, tais pressupostos têm, conforme enuncia o TCAS, no acórdão de 07.12.2021, proferido no processo n.º 1096/04.1BTSNT, “de assentar em factos sólidos, credíveis e consistentes, dos quais se possa extrair um juízo fundado de que a declaração e contabilidade ou escrita do sujeito passivo não reflecte a sua realidade tributária”.

 

59.       Mais concretamente, no que tange ao tema do ónus da prova no contexto da qualificação de um determinado gasto como sendo dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, o acórdão do TCAS, de 08.07.2021, no processo n.º 311/03.3BTLR, refere que “[c]abe à AT pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo” (gasto), através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art.º 74.º, n.º 1 da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade”…

 

60.       … sendo que, acrescenta o mesmo tribunal no acórdão de 28.10.2021, no processo n.º 67/04.2 BESNT, “[s]e a Autoridade Tributária e Aduaneira questionar a indispensabilidade do gasto cabe à contribuinte o ónus da prova da sua qualificação como custo dedutível.”

 

61.       Ou seja, para fazer cessar aquela presunção de veracidade, é suficiente que a Requerida demonstre a existência de indícios fundados que – sendo objectivos, sólidos e consistentes – traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos apresentados pela Requerente não titulam operações cujos pressupostos previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, estejam plenamente verificados. 

 

62.       Em face do ora exposto, tendo em conta as diligências efectuadas pela Requerida ao longo do procedimento inspectivo (e que eram da sua responsabilidade realizar ao abrigo do princípio do inquisitório), a mesma logrou obter indícios bastantes para fazer abalar a presunção de veracidade de que as declarações fiscais e a contabilidade da Requerente gozavam.

 

63.       Com efeito, analisada a extensa documentação constante do processo administrativo junto a estes autos (muita dela, de resto, igualmente junta pela Requerente como anexo aos seus articulados apresentados nestes autos), a Requerida mostrou-se capaz de apresentar, no RIT, indícios suficientes para colocar em causa a efectiva realização dos gastos (ou, pelo menos, nos moldes alegados pela Requerente).

 

64.       Decorre do RIT que a Requerida identificou erros, inexactidões ou insuficiência nas facturas e outra documentação de suporte (e.g. na contabilidade) apresentada pela Requerente, suscitando dúvidas compreensíveis acerca da realidade subjacente aos gastos analisados, bem como incongruências ou menor clareza nas explicações dadas por esta quanto à realização desses gastos.

 

65.       Atente-se, a título de exemplo, a falta de clareza ou insuficiência das explicações apresentadas pela Requerente, reportadas pela Requerida no RIT, sobre os contornos associados a despesas incorridas com ofertas, deslocações, alojamentos, despesas de deslocação, pagamentos efectuados ao seu sócio-gerente e à B... .

 

66.       Como tal, atentas às regras do ónus da prova preconizadas no artigo 75.º, da LGT, há lugar à aplicação da inversão do ónus da prova pelo que “sendo a Requerente quem invoca o interesse empresarial das despesas que contabilizou, é sobre ela que recai o ónus da prova desse requisito da sua dedutibilidade” sendo que “a falta de prova tem de ser processualmente valorada contra a Requerente, o que se reconduz a considerar processualmente assente a falta de interesse empresarial” (vide decisão arbitral Processo n.º 63/2023-T, de 02.10.2023).

 

67.       Ou seja, era (e é) à Requerente que cabia (e cabe) satisfazer, nos presentes autos, o ónus da prova sobre a efectiva realização, o respectivo propósito e adequada comprovação dos gastos questionados pela Requerida, para fazer decair os indícios recolhidos pela Requerida durante o procedimento tributário e que estão na génese dos actos de liquidação contestados.

 

68.       Caso a Requerente se revele incapaz de abalar (com recurso a facturas, documentação de suporte apropriada e a meios de prova complementares) os indícios suscitados pela Requerida, enunciando e comprovando - cabal, clara, detalhada e consistentemente – todas as incidências subjacentes aos gastos questionados pela Requerida…

 

69.       … a situação de dúvida terá de ser valorada contra a Requerente, por ser quem tem o ónus de fazer a devida e adequada prova dos factos que alega. 

 

§4.    Da dedutibilidade dos gastos concretamente incorridos pela Requerente

 

70.       Cabe então aplicar estas considerações ao caso concreto, tendo em conta a motivação da Requerida para fundamentar as correcções aqui contestadas bem como as justificações apresentadas pela Requerente para a sua realização.

 

§4.1  Gastos com artigos para oferta

 

71.       Como ponto prévio, importa sublinhar que, de entre os diferentes gastos com artigos para oferta que a Requerida considerou não serem dedutíveis para efeitos fiscais em face dos critérios previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, a Requerente apenas veio manifestar a sua discordância em relação a algumas das correcções promovidas por aquela.

 

72.       Nesse sentido, a Requerente só contesta nestes autos as correcções ao lucro tributável que dizem respeito aos artigos para oferta identificados pela Requerida nas linhas 1.ª, 3.ª, 4.ª, 6.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 13.ª a 36.ª linhas do quadro do RIT constante a fls. 14 do processo administrativo-2 junto aos autos.

 

73.       Acresce que, sem prejuízo de a Requerente apresentar, pontualmente, alguma particular explicação em torno de determinadas ofertas acima aludidas, a verdade é que aquela, em suma (como, de resto, os artigos 292.º a 294.º do pedido de pronúncia arbitral o evidenciam), expressa que todos aqueles gastos com artigos para oferta estão correlacionados com a sua actividade e foram realizadas no seu interesse.

 

74.       Daí que, segundo a Requerente, tais gastos deverão ser fiscalmente dedutíveis, em conformidade com o disposto no artigo 23.º, do Código do IRC, pelo que a correcção ao lucro tributável não poderá subsistir.

 

75.       Em oposição, a Requerida afirma, em síntese, que a Requerente não faz a prova dos factos que alega, designadamente por (i) não identificar os beneficiários das ofertas, (ii) não comprovar que os mesmos efectivamente as receberam, (iii) faltar a respectiva contextualização desses gastos (e.g. datas ou participantes nos eventos aludidos pela Requerente) e/ou (iv) inexistir evidência de que essas despesas tinham a potencialidade para gerar vantagens futuras para o exercício da actividade da Requerente.

 

Vejamos,

 

76.       Ora, atenta a extensa documentação junta aos autos pela Requerente em torno dos gastos com artigos para ofertas postos em crise, fica genericamente assente que o primeiro dos requisitos enunciados no artigo 23.º, do Código do IRC, de que depende a dedutibilidade de um gasto – o de que o gasto “tenha sido realmente incorrido e suportado” – mostra-se verificado em relação a tais gastos.

 

77.       O mesmo já não sucede em relação ao segundo dos requisitos previstos naquela norma de que tal dedutibilidade depende, ou seja, a de que os respectivos gastos tenham tido um “business purpose”.

 

78.       Com efeito, a exemplo do que já havia sucedido ao longo do procedimento tributário, a Requerente não apresenta informações claras, completas e rigorosas que permitam a este tribunal concluir que os gastos em questão foram incorridos com vista à prossecução da sua actividade e, com isso, motivados pelo objectivo de obter ou garantir rendimentos susceptíveis de serem tributados em sede de IRC.

79.       Veja-se a título de exemplo, o facto de a Requerente recorrer no seu pedido de pronúncia arbitral a expressões como “[e]m data que não se consegue precisar”, “diversos clientes (….) e colaboradores”, “determinado evento”, “promover determinados artigos”, “[e]m finais do primeiro semestre de 2021, ou inícios do segundo semestre desse ano”, “divulgar e promover determinados artigos e serviços”, “diversos produtos alimentares”, “a um seu colaborador”, “não se consegue precisar”, “rendimentos de valor considerável”, “determinados colaboradores seus”, “determinados seus (então) colaboradores”.

 

80.       O uso de vocábulos como “determinado(s)”, “diversos”, “ou” ou de expressões como “não se consegue precisar” atestam, dada a sua generalidade e imprecisão, que a Requerente não tem conhecimento (ou, pelo menos, não o revela) acerca das circunstâncias que presidiram a que aqueles gastos fossem incorridos.

 

81.       Como também não é possível a entidades externas (seja a Requerida, seja este tribunal) terem uma plena e necessária compreensão acerca dessas circunstâncias e, no limite, acerca da finalidade (empresarial ou não) desses gastos.

 

82.       Mesmo a circunstância de a Requerente recorrer, em diferentes momentos, a argumentos como a “fidelização e motivação” de colaboradores ou os “usos comerciais” não se revelam bastantes ou suficientes (quando desprovidos de detalhes acrescidos) para que fique plenamente comprovada a finalidade empresarial associada a esses encargos.

 

83.       Nestes moldes, considera-se que não ficaram plena e devidamente demonstrados os requisitos (nomeadamente o do “business purpose”) previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, para que os gastos com artigos para oferta postos em crise pela Requerida no RIT possam ser dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente, referente ao ano de 2021.

 

84.       Consequentemente, não poderá ser dado provimento à pretensão da Requerente em relação a esta correcção promovida pela Requerida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

§3.2 Encargos não devidamente documentados

 

§3.2.1 Falta de fundamentação

 

85.       Em relação a esta correcção ao lucro tributável promovida pela Requerida, a Requerente começa por enunciar que falta à mesma uma fundamentação que, sendo objectiva e clara, evidencie as razões de facto e de Direito que lhe estão subjacentes.

 

86.       Daí que, segundo a Requerente, os actos de liquidação postos em crise não podem, nesta parte, subsistir na ordem jurídica, em resultado dessa falta de fundamentação.

 

87.       Já a Requerida considera que esta correcção está devida e legalmente fundamentada, tendo a Requerente ficado esclarecida, a partir dos elementos presentes no procedimento de inspecção, acerca das razões de facto e de Direito associadas a essa mesma correcção.

 

88.       Sublinha, de resto, a Requerida que a Requerente tão bem compreendeu as incidências em torno dessa correcção que remeteu aos autos, precisamente, os documentos que aquela havia posto em causa.

 

Vejamos,

 

89.       Segundo o artigo 268.º, da CRP, os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível que permita aos seus destinatários conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

 

90.       Tal dever é concretizado, no Direito Tributário, pelo n.º 1 do artigo 77.º da LGT, o qual prevê que “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

 

91.       Conforme vêm entendendo de forma uniforme a respeito deste instituto os tribunais superiores e em particular, o STA, nomeadamente no acórdão proferido em 02.02.2022, no processo n.º 03014/11.1BEPRT, tem expresso o seguinte: “No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

 

92.       É seguro, pois, concluir que a função e finalidade da fundamentação de qualquer decisão em matéria tributária, é a de dar a conhecer os motivos que determinaram a Requerida a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, e nessa base poder formar um juízo de conformação ou não quanto ao sentido da decisão. 

 

93.       Tal pressupõe que a fundamentação relevante integre aqueles que foram os elementos externalizados junto do contribuinte, aquando da notificação da decisão em causa.

 

94.       Ora, no presente caso, constata-se que a Requerente demonstrou, ainda no âmbito do procedimento tributário – designadamente em sede de reclamação graciosa – e agora no decurso destes autos, conhecer e compreender perfeitamente o iter cognoscitivo subjacente à tomada de decisão da Requerida para promover a correcção ao lucro tributável contestada. 

 

95.       Veja-se que a Requerente em momento algum fez uso – ou pelo menos tal não foi alegado ou demonstrado – do mecanismo previsto no artigo 37.º, do CPPT, nos termos do qual poderia requerer à Requerida que lhe remetesse a fundamentação legalmente exigida de forma a completar os requisitos legais de fundamentação eventualmente omitidos.

 

96.       Assim sendo, mesmo que eventualmente existissem vícios quanto à fundamentação dos actos de liquidação contestados, os mesmos sempre se considerariam sanados, já que a função subjacente ao dever de fundamentação foi integralmente cumprida. 

 

97.       Isto na medida em que a Requerente, colocada na posição do destinatário médio, conseguiu compreender as razões de facto e de Direito nas quais a Requerida baseou a sua decisão, tendo assim tido a possibilidade de se conformar com o teor do acto ou de o contestar, conforme veio a suceder. 

 

98.       Aliás, a circunstância de a Requerente, no âmbito da apresentação da sua reclamação graciosa e, agora, com o seu pedido de pronúncia arbitral, juntar documentos que se relacionam, directamente, com a correcção promovida pela Requerida, demonstram que aquela tinha (e tem) um perfeito conhecimento da motivação que presidiu àquela correcção e, por conseguinte, à emissão – nesta parte – dos actos de liquidação por si contestados.

 

99.       Neste preciso sentido referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que “deverá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu alcance.” (in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 3.ª edição, Vislis, 2003, pp. 381-382).

 

100.    Conclui-se que a fundamentação, nesta parte, dos actos de liquidação contestados cumpre com os requisitos exigidos nos termos dos artigos 268.º, da CRP, e 77.º, da LGT, motivo pelo qual se julga improcedente este vício invocado pela Requerente.

 

§3.2.2 Comprovação dos encargos

 

101.    Já no que diz respeito à efectiva comprovação dos gastos incorridos pela Requerente e que a Requerida considerou estarem indevidamente documentados, alega a primeira – mencionando para o efeito alguma doutrina e jurisprudência – que essa comprovação poderá ser efectuada quer por documento externo, quer por documento interno (coadjuvado com outros meios de prova), desde que, seja possível confirmar a veracidade dos movimentos contabilístico que estão inerentes a esses gastos.

 

102.    Juntando aos autos dezenas de documentos com a finalidade de comprovar tais gastos, considera a Requerente que – conjugada com a circunstância de estarem em causa gastos ocorridos no âmbito e por força da sua actividade empresarial – aqueles devem ser aceites para efeitos fiscais, ao abrigo do artigo 23.º, do Código do IRC, não podendo, por isso, a correcção ao lucro tributável manter-se.

 

103.    Como contraponto, refere a Requerida que a Requerente remeteu aos autos documentação “por atacado”, sem qualquer relação com a sua contabilidade…

 

104.    … sendo que muita dessa documentação corresponde a extractos bancários que não permitem (i) a comprovação dos bens e serviços adquiridos pela Requerente e a (ii) correspondente associação com os montantes reconhecidos na contabilidade da Requerente, ao passo que outra documentação que não cumpre com os pressupostos enunciados no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC, para poder ser considerada.

 

Vejamos,

 

105.    Analisada a documentação junta aos autos pela Requerente, constata-se que, efectivamente, a mesma é composta, em parte significativa, por extractos bancários, nomeadamente extractos referentes à movimentação de um cartão bancário num determinado período temporal.

 

106.    Ora, considerando que a correcção ora em análise ascende ao montante de € 11.422,59, o facto de a Requerente juntar aos autos tais extractos bancários – nas quais há lugar a movimentações a crédito e a débito que totalizam um montante largamente superior ao da correcção posta em crise – não permite que efectivamente se retirem quaisquer conclusões acerca dos bens ou serviços que a Requerente terá concretamente adquirido durante tal período.

 

107.    Nesse sentido, não é igualmente possível a este tribunal (como não o terá igualmente sido à Requerida) fazer uma correspondência cabal e rigorosa entre os valores constantes desses extractos e aqueles que terão sido registados na contabilidade da Requerente (os quais nem tampouco foram juntos aos autos).

 

108.    Adicionalmente, a Requerente também juntou outra documentação aos autos que não preenche os requisitos previstos no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC.

 

109.    A título de exemplo, há documentos que não identificam o número de identificação fiscal da Requerente (vide documento n.º 72 junto pela Requerente, o qual contém apenas a menção “Consumidor Final”), que não são facturas (vide documento n.º 58 junto pela Requerente correspondente a uma “consulta de mesa”) ou que foram emitidos a outros sujeitos passivos que não a Requerente (vide documentos n.ºs 52 e 54 juntos pela Requerente).

 

110.    Em função do ora exposto, conclui-se que a Requerente não foi capaz de aplicar, nestes autos, os ensinamentos da doutrina e jurisprudência que oportunamente citou no pedido de pronúncia arbitral, na medida em que não apresentou documentos externos, nem documentos internos (conjugados com a apropriada prova complementar), que lhe permitisse comprovar a justeza e a veracidade dos movimentos contabilísticos por si registados.

 

111.    Ou seja, considera-se que não ficaram plenamente demonstrados os requisitos previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, designadamente o da devida comprovação, para que estes gastos possam ser dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente, referente ao ano de 2021.

 

112.    Consequentemente, não poderá ser dado provimento à pretensão da Requerente em relação a esta correcção promovida pela Requerida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.3  Despesas de alojamento relativas a um prestador de serviço

 

113.    A Requerente enuncia que contratou – em data que não consegue precisar – uma trabalhadora (G...), mandatando-a para realizar um conjunto de deslocações à cidade de Penafiel por força da instalação e funcionamento de um novo estabelecimento comercial da Requerente nessa cidade.

 

114.    Em resultado dessas deslocações e uma vez que as mesmas exigiram que aquela trabalhadora pernoitasse naquela cidade, houve a necessidade de a Requerente suportar os encargos associados ao respectivo alojamento.

 

115.    Estando em causa gastos relacionados com a sua actividade e com a obtenção de proveitos, conclui a Requerente – tendo presente um acórdão do TCAS, de 29.05.2014, proferido no processo n.º 07524/14 – que os mesmos devem ser aceites fiscalmente, ao abrigo do artigo 23.º, do Código do IRC, razão pela qual a correcção ao lucro tributável não poderá subsistir.

 

116.    Por seu turno, a Requerida refere que o conceito de “despesas de deslocações e estadas” está associado a despesas incorridas com os próprios trabalhadores do sujeito passivo.

 

117.    Serve-se, de resto, a Requerida daquele acórdão do TCAS mencionado pela Requerente para atestar precisamente essa ideia, citando-o nos seguintes moldes: “as despesas de deslocações e estadas, são as suportadas pelos sujeitos passivos de I.R.C. quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições COMPORTADAS COM TRABALHADORES DEPENDENTES DA EMPRESA por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo (com negrito e maiúsculas no próprio texto).

 

118.    Acrescenta a Requerida que, no caso da pessoa –G... – cujo gasto com alojamento foi suportada pela Requerente, aquela (i) iniciou a sua actividade como trabalhadora independente em 26.07.2021, (ii) facturou os serviços prestados à Requerente no último quadrimestre desse ano, e (iii) não tem qualquer vínculo laboral com a Requerente (não procedendo esta a qualquer declaração que evidenciasse tal vínculo). 

 

Vejamos,

 

119.    Sobre o preenchimento do conceito de “despesas de deslocações e estadas” e a que gastos estão nele comportados, um acórdão mais recente (de 11.07.2024) proferido pelo TCAS, no âmbito do processo n.º 69/09.2BELRS, confirma o entendimento que o mesmo havia manifestado no já mencionado acórdão de 29.05.2014, alusivo ao processo n.º 07524/14.

 

120.    Assim, diz o TCAS que “[a]s despesas com deslocação e estadas, como o próprio nome enuncia, são despesas suportadas com transporte, estadas, refeições, custeadas pela empresa com os trabalhadores ao seu serviço, em razão da deslocação destes fora do local de trabalho (mediante a apresentação de um documento comprovativo), compreendendo os gastos com alojamento e viagem (hotel, avião, comboio), alimentação (restaurantes, pastelarias, etc..), incorridos por trabalhadores da empresa, ao serviço da mesma” (com negrito nosso).

 

121.    Nestes termos, é imperativo que a Requerente apresentasse, pelo menos, nestes autos, uma prova inequívoca de que G... era, à data dos factos em análise, uma sua trabalhadora dependente.

 

122.    Ora, após análise a toda a documentação que consta nestes autos, não é possível a este tribunal dar como provada que, no período temporal relevante, G... era uma trabalhadora dependente da Requerente.

 

123.    De resto, nem a própria Requerente revela ter pleno conhecimento (ou pelo menos, não o revela) acerca dos moldes como essa eventual ou hipotética contratação de G... como sua trabalhadora poderá ter ocorrido, porquanto expressa que “não consegue precisar” a data em que aquela terá sido admitida “ao seu serviço” (cfr. artigo 337.º do seu pedido de pronúncia arbitral).

124.    Perante o ora exposto, não havendo qualquer comprovação de que G... fosse trabalhadora dependente da Requerente durante as datas que ocorreram os gastos com alojamento por si suportados, considera-se que não ficaram plenamente demonstrados os requisitos previstos no artigo 23.º, do Código do IRC (designadamente o do “business purpose”), para que aqueles pudessem ser dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente, referente ao ano de 2021.

 

125.    Consequentemente, não poderá ser dado provimento à pretensão da Requerente em relação a esta correcção promovida pela Requerida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.4 Despesas com deslocações e estadas

 

126.    A Requerente defende que os gastos com deslocações e estadas ocorridas no Algarve justificaram-se pelo facto de aquela ter, no final do primeiro semestre de 2021, iniciado um processo de recrutamento interno, com vista à contratação de médicos dentistas.

 

127.    Havendo diversos candidatos residentes no Algarve, a Requerente decidiu realizar entrevistas de selecção, naquela região, concretamente, em Vilamoura, tendo para o efeito feito deslocar o seu sócio-gerente,  C..., e um outro colaborador seu (não identificado pela Requerente).

 

128.    Acrescenta a Requerente que, em resultado dessas entrevistas, foi possível contratar médicos dentistas residentes naquela região do país.

 

129.    Complementando a sua argumentação, a Requerente revela que essas deslocações e estadas no Algarve foram ainda aproveitadas pelo seu sócio-gerente,  C..., e um outro colaborador seu (não identificado pela Requerente) para realizar acções promocionais da sua actividade, possibilitando-lhe angariar novos clientes.

 

130.    Por estarem em causa gastos relacionados com a sua actividade, conclui a Requerente que os mesmos devem ser aceites fiscalmente, ao abrigo do artigo 23.º, do Código do IRC, não podendo a correcção ao lucro tributável manter-se.

 

131.    Já a Requerida enuncia que desconhece os funcionários da Requerente que efectuaram as deslocações e estadas realizadas no Algarve, bem como desconhece os motivos justificativos de tais deslocações.

 

132.    Para esse efeito, a Requerida recorda que o sócio-gerente da Requerente, C..., preencheu mapas de itinerários para efeitos de demonstração de deslocações realizadas na sua viatura própria, os quais colocavam-no em localidades situadas no distrito do Porto, tornado improvável que – na mesma data – o mesmo pudesse estar no Algarve.

 

133.    Quanto ao outro colaborador da Requerente que terá usufruído das deslocações e estadas realizadas no Algarve, a Requerida sublinha que a Requerente não identifica quem terá sido a pessoa em questão, para que fosse possível efectuar a respectiva validação.

 

134.    Acrescenta a Requerida que as justificações apresentadas pela Requerente – recrutamento de médicos dentistas na região do Algarve e apresentações de fim promocional – carecem da devida comprovação por parte desta.

 

Vejamos,

 

135.    Tendo presente as explicações apresentadas pela Requerente e a documentação que a mesma carreou para os autos, não é possível concluir com certeza quem foram os beneficiários dessas deslocações e estadas.

 

136.    Conforme assinala a Requerida e bem, considerando que as facturas emitidas pelo Hotel ..., datadas de 05.07.2021 e 27.09.2021, reportando-se a estadias de C... (e outra pessoa) ocorridas, respectivamente entre os dias 02.07 e 05.07.2021 e entre os dias 24 e 27.09.2021 (cfr. documentos a fls. 50 a 53 do processo administrativo-2 junto aos autos) e que, nesses mesmos períodos temporais, C... preencheu “mapas de itinerários” referentes aos meses de Julho e de Setembro (cfr. documentos a fls 55 e 56 do processo administrativo-2 junto aos autos) que o colocam nas cidades do Porto, Paredes, Paços de Ferreira, é – no mínimo – improvável que o mesmo pudesse estar, em simultâneo, nestas cidades e na região do Algarve (mais concretamente, em Vilamoura).

 

137.    Já em relação ao outro colaborador que terá estado hospedado naquele estabelecimento hoteleiro, a Requerente revela não ter pleno conhecimento (ou pelo menos, não o revela) da respectiva identidade, não sendo possível, pois, tirar qualquer conclusão a este respeito que vá ao encontro daquela que são as suas pretensões em torno deste tema.

 

138.    Por outro lado, a Requerente também não apresentou provas cabais e rigorosas sobre os propósitos associados a essas deslocações e estadas.

 

139.    A título de exemplo, apesar de a Requerente referir a realização de entrevistas de recrutamento e selecção e a contratação de médicos dentistas, a verdade é que não apresenta qualquer prova ou evidência dessas suas alegações. 

 

140.    De igual modo, a Requerente faz menção à realização de acções promocionais, mas não comprova – em concreto – que acções foram realmente realizadas nem identifica que clientes novos conseguiu angariar em resultado das mesmas.

 

141.    Uma vez que as explicações apresentadas pela Requerente em torno destas deslocações e estadas são vagas, incompletas e incongruentes, as mesmas não permitem um pleno conhecimento das circunstâncias que as motivaram e que estão na génese dos gastos incorridos pela Requerente.

 

142.    Conclui-se, pois, que não ficaram plenamente demonstrados os requisitos (nomeadamente o do “business purpose”) previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, para que estes gastos possam ser dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente, referente ao ano de 2021.

 

143.    Consequentemente, não poderá ser dado provimento à pretensão da Requerente em relação a esta correcção promovida pela Requerida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.5  Despesas com outros gastos com pessoal

 

144.    A Requerente expressa que adquiriu “artigos” que decidiu oferecer a “uma sua colaboradora”, tendo o propósito de a “motivar e fidelizar”.

 

145.    Apesar de este gasto ter sido incorrectamente reconhecido na sua contabilidade, entende a Requerente que o mesmo está relacionado com a sua actividade, foi incorrido no seu interesse e para a obtenção de proveitos ou manutenção da sua fonte produtora, pelo que deve ser aceite fiscalmente, ao abrigo do artigo 23.º, do Código do IRC, não podendo a correcção ao lucro tributável manter-se.

 

146.    Já do ponto de vista da Requerida, a mesma argumenta que o gasto com a aquisição de um relógio e mala de marca “Michael Kors” não pode, dada a sua natureza, revestir a natureza de um gasto com pessoal.

 

147.    Acrescenta a Requerida que a Requerente não satisfez o seu ónus de prova para demonstrar a sua adequação face ao disposto naquela norma do Código do IRC, nomeadamente não identificando a colaboradora que beneficiou daquela oferta, nem comprovando que a mesma efectivamente recebeu essa oferta.

 

Vejamos,

 

148.    Atenta à argumentação e prova apresentadas pela Requerente, constata-se que esta não apresenta informações claras, completas e rigorosas que permitam a este tribunal concluir que o gasto em questão foi incorrido com vista à prossecução da sua actividade e, com isso, motivado pelo objectivo de obter ou garantir rendimentos susceptíveis de serem tributados em sede de IRC.

 

149.    A mera circunstância de a Requerente não ser, sequer, capaz de identificar a colaboradora a quem terá ofertado o relógio e a mala da marca acima referida é disso uma evidência.

 

150.    Por outro lado, a Requerente também não é assertiva ao explicitar e comprovar em que medida é que tal oferta a essa colaboradora desconhecida se traduziu ou serviu para fidelizar e/ou motivá-la ou ainda se, por efeito directo dessa oferta, fluíram para a Requerente ou foram garantidos rendimentos susceptíveis de serem tributados em sede de IRC.

 

151.    A circunstância de constarem nos autos (cfr. fls 59 a 61 do processo administrativo-2 junto aos autos) e-mails de uma colaboradora (externa à Requerente) dirigidos ao sócio-gerente,  C..., indicando que esta despesa “não é aceite fiscalmente nem contabilisticamente”, por ser uma aquisição que “não é um gasto da atividade da empresa” e, tendo “um valor alto”, não pode ser considerada “como prenda a colaboradores”, apenas reforça essa posição.

 

152.    Se dúvidas ainda restassem acerca da natureza deste gasto, a resposta – igualmente por e-e-mail – dada por C... a essa colaboradora (externa) é reveladora dos moldes como a Requerente suportava determinados gastos e os considerava para efeitos contabilísticos e fiscais….

 

153.    …ao expressar que essa aquisição poderia ser considerada “como fardas para a clínica” ou “como presentes-prémios a colaboradores”, assumindo aquele a “responsabilidade” em caso de “fiscalização”.

 

154.    Esse e-mail constitui – de resto – um indício (adicional) de que os moldes como a Requerente suportava gastos com artigos para oferta (já analisados acima) em nada se relacionariam, de facto, com a sua actividade económica e com o interesse empresarial (resultando antes da satisfação de um interesse próprio do seu sócio-gerente).

 

155.    Conclui-se, pois, que não ficaram plenamente demonstrados os requisitos (nomeadamente o do “business purpose”) previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, para que este gasto possa ser dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente, referente ao ano de 2021.

 

156.    Consequentemente, não poderá ser dado provimento à pretensão da Requerente em relação a esta correcção promovida pela Requerida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.6 Despesas de representação

 

157.    Em relação a uma destas despesas questionadas pela Requerida, a Requerente refere que, em 14.09.2021, realizou um evento de “team building”, num estabelecimento de restauração, no qual participaram o seu sócio-gerente,   C..., e outros 11 colaboradores seus (não identificados), com o intuito de estimular a relação intergrupal entre estes, promover o ambiente de trabalho, o reforço de equipa e a coesão entre esses colaboradores.

 

158.    Sendo este um gasto incorrido para fomentar a motivação dos trabalhadores e incentivar a produtividade, o mesmo tem, segundo a Requerente, um escopo empresarial, devendo ser aceite para efeitos fiscais, ao abrigo do artigo 23.º, do Código do IRC.

 

159.    Quanto à outra despesa posta em crise pela Requerida, a Requerente enuncia que, em face da abertura de um processo de recrutamento dirigido a médicos dentistas de nacionalidade brasileira, realizou processos de entrevistas de selecção no estado da Bahia, no Brasil.

 

160.    Para esse efeito, foi necessário que o seu sócio-gerente,  C..., e uma colaboradora sua, G..., se deslocassem ao Brasil.

 

161.    No decurso dessas entrevistas, acrescenta a Requerente que C... e G... aproveitaram essa oportunidade para promover junto dos entrevistados diversos produtos e serviços comercializados pela Requerente.

 

162.    Em face destas circunstâncias que justificaram a deslocação e estadia no Brasil daquelas pessoas, a Requerente teve de suportar o correspondente gasto, o qual – estando relacionado com a sua actividade empresarial e com o seu interesse societário – deverá igualmente ser aceite para efeitos fiscais, nos termos do disposto no artigo 23.º, do Código do IRC.

 

163.    Complementarmente, a Requerente esclarece que a circunstância de as facturas que suportam este gasto com a deslocação e estadia no Brasil aludirem, na sua descrição, a um “pacote turístico” e a um programa denominado “réveillon Bahia” é justificável pelo facto de a aquisição de um “pacote” com estas características ser economicamente mais vantajoso, permitindo à Requerente pagar um preço globalmente inferior na aquisição dos bilhetes de avião e alojamento.

 

164.    Como contraponto, a Requerida argumenta que o conceito de “despesas de representação” diz respeito a gastos com deslocações e refeições oferecidos a clientes ou fornecedores, ou ainda a outras pessoas no interesse da empresa, no contexto da representação da empresa junto de terceiros.

 

165.    Nesse sentido, o gasto suportado pela Requerente com um alegado evento de “team building” não se enquadra, de acordo com a Requerida, na noção de “despesas de representação”, designadamente por o propósito de “motivar e fidelizar colaboradores” não se enquadrar nos objectivos associados àquele tipo de despesas.

 

166.    Acrescenta a Requerida que – para além do sócio-gerente da Requerente, C... – não são conhecidas (nem a Requerente o indica) as pessoas que terão participado nesse evento, nem existem outras evidências juntas aos autos que comprovem, sequer, a ocorrência de tal evento (e.g. e-mails, notas internas, etc.).

 

167.    Já no que tange ao gasto com a deslocação e alojamento de C... e G... no Brasil suportado pela Requerente, a Requerida alude que não existem quaisquer provas nestes autos que confirmem que a solução de a Requerente optar por um pacote de “réveillon” (associado a uma finalidade recreativa) ao invés de um pacote normal de viagem foi uma alternativa justificável.

 

168.    Refere ainda a Requerida que não existe qualquer evidência constante dos autos que demonstrem o propósito da viagem realizada ao Brasil – e.g. o recrutamento de médicos e a realização das respectivas entrevistas – foi efectivamente concretizado.

 

169.    Questiona, igualmente, a Requerida os moldes como a Requerente – em simultâneo com essas alegadas entrevistas de selecção – realizou a promoção de diversos serviços e produtos por si comercializados junto dos entrevistados.

 

170.    Por fim, estranha a Requerida que a Requerente tenha recorrido aos préstimos de G...- uma prestadora de serviço – numa entrevista de emprego, sem ser sua trabalhadora ou representante dos seus interesses.

 

Vejamos,

 

171.    O conceito de “despesas de representação” previsto no artigo 88.º, n.º 7, do Código do IRC, não permite que o gasto com o evento de “team building” a que a Requerente alude no seu pedido de pronúncia arbitral tenha ali enquadramento.

 

172.    Recorde-se aqui que esta norma determina que tais despesas se subsumem às que sejam “suportadas com receções, refeições, viagens e passeios oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

 

173.    Ou seja, nada nesta norma permite qualificar como “despesas de representação” gastos com eventos internos, cuja participação é limitada aos trabalhadores do sujeito passivo, com propósitos associados à gestão de recursos humanos de que o “team building” invocado pela Requerente será um exemplo.

 

174.    Como bem explica o TCAS, no acórdão n.º 69/09.2BELRS, de 11.07.2024, já acima aludido, “[a]s despesas de representação, a que se refere o nº 6 do artigo 81.º do CIRC, na redação dada pelo DL nº 198/2001 de 03.07, são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde esta não se encontra presente, logo, fora da sua atividade principal, correspondendo, nomeadamente, aos encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos, oferecidos, no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

 

175.    O que não é comprovada e confessadamente (pela Requerente) o caso daquele gasto.

 

176.    Acresce que as explicações que a Requerente e a documentação que a mesma carreou para os autos não permitem concluir, com certeza, que esse evento “team building” se realizou, quem foram os beneficiários ou participantes do mesmo (para além do seu sócio-gerente), nem tampouco em que medida é que os propósitos associados a esse evento terão, eventualmente, sido alcançados.

 

177.    De igual modo, no que respeita ao gasto associado à despesa de deslocação e alojamento no Brasil do sócio-gerente da Requerente, C..., e de uma prestadora de serviços, G..., as explicações e a documentação carreadas para os autos pela Requerente são manifestamente insuficientes para demonstrar o real propósito daquele gasto e o cumprimento de todos os requisitos previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, para poder ser aceite fiscalmente.

 

178.    Com efeito, não ficou comprovado nestes autos que a Requerente tenha efectivamente realizado quaisquer acções de recrutamento e selecção no Estado da Bahia, no Brasil, nem tampouco que tenha aí realizado quaisquer acções promocionais dos produtos e serviços por si comercializados.

 

179.    Também não ficou demonstrado que a Requerente tenha usufruído de quaisquer vantagens económicas (leia-se um gasto inferior) por ter decidido adquirir um “pacote turístico” associado a um programa de “réveillon” no Estado da Bahia, no Brasil, ao invés de realizar uma normal aquisição de bilhetes de avião e de serviços de alojamento, no contexto de uma deslocação com fins estritamente profissionais.

 

180.    Nestes termos, conclui-se que não ficaram plenamente demonstrados os requisitos (nomeadamente o do “business purpose”) previstos no artigo 23.º, do Código do IRC, para que estes gastos pudessem ser dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente, referente ao ano de 2021.

 

181.    Consequentemente, não poderá ser dado provimento à pretensão da Requerente em relação a esta correcção promovida pela Requerida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.7  Gastos com pessoal – gastos com quilómetros em viatura própria pagos a trabalhadores;

 

182.    A Requerente começa por esclarecer que paga aos seus colaboradores uma compensação, calculada por quilómetro percorrido, em resultado de os mesmos utilizarem viaturas próprias ao seu serviço.

 

183.    Revela a Requerente que essas deslocações se encontram suportadas por “mapas” ou “boletins”, os quais contêm um conjunto de informações tais como: os locais de origem e destino, o objectivo da viagem, a identificação do colaborador, da viatura e respectivo proprietário e o número de quilómetros percorridos nessa deslocação.

 

184.    Acrescenta a Requerente que os encargos que suporta com estas compensações são englobadas no processo de determinação do preço que cobra junto dos seus clientes, pelo que, mesmo que não expressamente mencionados nas facturas emitidas a estes, as mesmas contemplam-nos implicitamente.

 

185.    Segundo a Requerente, esses “mapas” ou “boletins” encontram-se, genericamente, assinados pelos colaboradores que realizam as deslocações na sua viatura própria ao seu serviço e esclarecem os motivos dessas deslocações, relacionadas com propósitos variados como “formação”, “substituição de colega” ou “reunião”.

 

186.    Nesse sentido, para a Requerente, tais documentos contêm o conteúdo mínimo exigido pelo artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código do IRC, para que se possa fazer o controlo dessas deslocações, razão pela qual os gastos correspondentes deverão ser aceites para efeitos fiscais, ao abrigo do artigo 23.º, do Código do IRC.

 

187.    Já a Requerida apresenta uma versão contrária, arguindo que estes gastos não podem – enquanto compensação pela deslocação dos trabalhadores em viatura própria – ser aceites para efeitos fiscais, ao abrigo dos artigos 23.º e 23.º-A, do Código do IRC.

 

188.    Para a Requerida, os montantes associados a essas compensações:

i.            não foram evidenciados nas declarações mensais de rendimentos submetidas pela Requerente; e

ii.          não constam dos recibos de vencimento dos trabalhadores a quem tais compensações foram pagas.

 

189.    Acrescenta a Requerida, a este propósito, que:

i.            não é possível verificar se os requisitos associados à atribuição destas compensações nos moldes em que as mesmas são atribuídas aos servidores do Estado se mostram cumpridos;

ii.          a maioria dos “mapas” ou “boletins” não estão assinados pelos próprios trabalhadores e as descrições dos motivos das deslocações que constam nos mesmos são muito vagas ou inconsistentes; e

iii.         esses gastos não foram facturados a clientes nem sujeitos a retenção na fonte em sede de IRS.

 

190.    Daí que, para a Requerida, a Requerente não cumpriu com o disposto nos artigos 23.º, n.º 3, e 23.º-A, n.º 1, alínea h), ambos do Código do IRC, para poder considerar os gastos ora em análise – enquanto compensações por deslocações de trabalhadores em viatura própria ao seu serviço - como dedutíveis para efeitos fiscais.

 

191.    Porém, acrescenta a Requerida esses mesmos gastos, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRS, devem ser requalificados como rendimentos do trabalho dependente auferidos pelos trabalhadores da Requerente que usufruíram aquelas importâncias.

 

192.    Para tal, sustenta a Requerida que estes gastos devem ser enquadrados como importâncias auferidas por trabalhadores da Requerente pela utilização da sua viatura própria ao serviço daquela em relação às quais não foram observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

 

193.    Para a Requerida, as consequências dessa requalificação traduzem-se:

i.            Por um lado, em que haja lugar ao apuramento da retenção na fonte em sede de IRS que seria devida, ao abrigo do disposto nos artigos 98.º e 99.º, n.º 1, do Código do IRS (caso a Requerente tivesse agido em conformidade);

ii.          Por outro, esses mesmos gastos, ao revestirem a natureza de “gastos com pessoal”, sejam fiscalmente aceites em sede de IRC (gerando um impacto nulo ao nível da correcção ao lucro tributável da Requerente).

 

Vejamos,

 

194.    De acordo com o artigo 23.º, do Código do IRC, as ajudas de custo (nomeadamente, as importâncias pagas para compensar os trabalhadores por deslocações realizadas em viatura própria ao serviço da entidade patronal) são gasto aceites para efeitos fiscais.

 

195.    Porém, o artigo 23.º-A, do Código do IRC, faz depender essa aceitação fiscal dessas ajudas de custo (incluindo as importâncias pagas para compensar os trabalhadores por deslocações realizadas em viatura própria ao serviço da entidade patronal) de estarem verificada uma das seguintes circunstâncias: 

i.            terem sido facturadas a clientes e escrituradas a qualquer título; ou

ii.          o sujeito passivo dispor, para cada pagamento, de um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente:

                         i.              os respectivos locais, 

                        ii.              tempo de permanência, 

                      iii.              objectivo,

                      iv.              identificação da viatura e do respectivo proprietário, 

                        v.              número de quilómetros percorridos; ou 

iii.         estarem sujeitas a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário.

 

196.    O Código do IRS contém, por seu turno, uma norma – artigo 2.º, n.º 3, alínea d) – que procede precisamente ao enquadramento das ajudas de custo (incluindo as importâncias pagas para compensar os trabalhadores por deslocações realizadas em viatura própria ao serviço da entidade patronal) como rendimento de trabalho dependente no caso de não se verificarem os pressupostos de que depende a sua atribuição aos servidores do Estado.

 

197.    Nesse cenário, tais rendimentos deverão ser objecto de retenção na fonte aquando do respectivo pagamento, cabendo essa responsabilidade à entidade patronal, enquanto entidade devedora dos rendimentos e responsável pelo seu pagamento ou colocação à disposição, em conformidade com os artigos 98.º e 99.º, do Código do IRS.

 

198.    Atenta à prova carreada para os autos, não ficou efectivamente demonstrado que os gastos ora em análise tenham sido concreta e especificamente facturados pela Requerente aos seus clientes.

 

199.    A alegada circunstância de tais gastos serem – a exemplo do que sucede com todos os demais gastos (dentro de uma saudável política de contabilidade de custos) – considerados no contexto da definição de uma determinada política de preços a praticar pela Requerente junto dos seus diversos clientes, não satisfaz a exigência prevista no Código do IRC de os mesmos serem visivelmente facturados a clientes.

200.    Acresce que – mesmo assumindo que a Requerente tem presente estes gastos aquando da definição dos preços que pratica junto dos seus clientes – nada foi demonstrado que ateste isso mesmo.

 

201.    Por outro lado, existe uma coincidência nas posições enunciadas pelas partes de que estes encargos não foram considerados pela Requerente como rendimentos do trabalho dependente e, por conseguinte, não foram considerados enquanto tal aquando do preenchimento e entrega das declarações mensais de remunerações, da emissão dos recibos de vencimento respectivos e também não foram sujeitos a retenção na fonte em sede de IRS aquando do pagamento aos trabalhadores daquelas importâncias.

 

202.    Nesse sentido, fica apenas por analisar se a Requerente foi capaz de – nomeadamente através dos “mapas” ou “boletins” que foram sendo preparados para suportar as deslocações realizadas pelos trabalhadores em viaturas próprias – demonstrar que esses gastos tiveram uma efectiva finalidade empresarial.

 

203.    Analisados esses “mapas” ou “boletins” carreados pelas partes para os autos, constata-se que os mesmos, em geral, não contêm a informação necessária para, de uma forma cabal, rigorosa, fiável e esclarecedora, permitirem um pleno e detalhado conhecimento de todas as incidências que estiveram na génese das deslocações realizadas pelos trabalhadores da Requerente.

 

204.    A título de exemplo, existem casos de:

i.            Inconsistências na quilometragem atribuída nas deslocações descritas nesses “mapas” ou “boletins”, com casos em que:

                         i.              Para deslocações entre cidades diferentes é atribuída exactamente a mesma quilometragem:

1.          Cfr. deslocações entre Paredes e Ermesinde e entre Paredes e Penafiel, constantes do documento a fls 76 do processo administrativo-2 junto aos autos; ou 

2.          Cfr. deslocações entre Avenida ... e Paredes, ... e Paços de Ferreira e Avenida ... e Aveiro, constantes dos documentos a fls 78, 80 e 81 do processo administrativo-2 junto aos autos; e 

                        ii.              Para a mesma deslocação são atribuídas quilometragens distintas - cfr. deslocações entre Avenida ... e FF... Lisboa ou entre Porto e Lisboa, constantes dos documentos a fls 80, 82, 86 do processo administrativo-2 junto aos autos;

ii.          “Mapas” ou “boletins” onde não é revelado o ponto de partida da deslocação (cfr. documentos a fls. 76, 77, 88, 89, do processo administrativo-2 junto aos autos);

iii.         “Mapas” ou “boletins” nos quais não consta qualquer motivo concreto justificativo da deslocação efectuada por um determinado trabalhador (cfr. documento a fls. 75 do processo administrativo-2 junto aos autos);

iv.         “Mapas” ou “boletins” onde são apresentadas descrições vagas justificativas das deslocações como “Reunião”, “Formação”, “Substituição de colega” ou “Clínica”, não sendo revelados, respectivamente, os participantes da reunião, o local e tema das formações, o colega que necessitou de ser substituído ou o propósito efectivo de uma deslocação a uma clínica (cfr. documentos a fls. 76, 77, 78, 80, 81, 82, 84, 85, 86, 87 do processo administrativo-2 junto aos autos); e

v.          “Mapas” ou “boletins” de deslocações realizadas numa região do país em datas em que a Requerente alega que a pessoa em questão estaria numa região do país distinta (cfr. documentos a fls. 50 a 53 e 55 e 56 do processo administrativo-2 junto aos autos).

 

205.    Em face disto, da mera análise aos “mapas” ou “boletins”, não resulta um conhecimento suficientes ou bastante para que se conheçam se essas deslocações efectivamente ocorreram ou, pelo menos, quais os reais propósitos das mesmas.

 

206.    Não é possível, sequer, extrair daqueles documentos quaisquer indícios fiáveis de que as compensações atribuídas pela Requerente em resultado de tais deslocações realizadas pelos seus trabalhadores observaram os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado. 

 

207.    Ademais, e salvo a excepção que seguidamente se referirá, a Requerente não apresentou, nestes autos, informações ou meios de prova complementares que pudessem contribuir para esse pleno e detalhado conhecimento a respeito das deslocações ora em causa.

 

208.    Essas informações ou meios de prova complementares considerados necessários para o conhecimento das causas justificativas das deslocações realizadas pelos trabalhadores em viatura própria ao serviço da Requerente apenas foram revelados por esta através dos depoimentos das testemunhas E... e F..., ocorridos durante a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT.

 

209.    Nos depoimentos prestados por ambas as testemunhas perante este tribunal, as mesmas afirmaram que realizaram diversas deslocações motivadas por sessões de formação em que iam participar, depoimentos esses que o tribunal considerou credíveis.

 

210.    Daí que, e apenas por referência a estas deslocações realizadas por E... e F... motivadas pela participação destes nessas sessões de formações (as quais se consideram devidamente demonstradas e justificadas), entende o Tribunal que as mesmas cumprem os pressupostos que resultam da leitura conjunta dos artigos 23.º e 23.º-A, do Código do IRC, e nesse sentido devem as mesmas ser aceites para efeitos fiscais, enquanto ajudas de custo (para compensar estes trabalhadores por deslocações realizadas em viatura própria ao serviço da Requerente) e não enquanto remunerações de trabalho dependente pagas pela Requerente àquelas testemunhas.

 

211.    Em relação a todas as demais deslocações, considera-se que não ficaram plenamente demonstrados os requisitos de que a aplicação conjunta dos artigos 23.º e 23.º-A, do Código do IRC, faz depender para que os gastos incorridos pela Requerente a título de compensações pagas por quilómetros percorridos pelos trabalhadores em deslocações em viaturas próprias ao serviço da Requerente sejam aceites para efeitos fiscais. 

 

212.    Consequentemente, em relação a estas compensações, deverão as mesmas – tendo presente o disposto no artigo 2.º, do Código do IRS, e o artigo 23.º, do Código do IRC – ser requalificadas enquanto gastos com pessoal, aceites para efeitos fiscais em sede de IRC, e com as inerentes consequências em sede de retenção na fonte em sede de IRS.

 

213.    Consequentemente, e nos exactos termos acima mencionados, deverá ser dado provimento parcial à pretensão da Requerente (na parte estritamente alusiva às deslocações realizadas por E... e F... motivadas pela participação destes em sessões de formações) em relação a esta correcção promovida pela Requerida, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.8 Tributações autónomas – compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador

 

214.    Ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 9, do Código do IRC, apenas poderão estar sujeitos a tributação autónoma os gastos incorridos com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da Requerente que não hajam sido facturadas a clientes nem que tenham sido sujeitas a tributação, em sede de IRS, na esfera dos trabalhadores.

 

215.    Em função do acima exposto e nos exactos termos aí mencionados, deverá ser dado provimento parcial à pretensão da Requerente (na parte estritamente alusiva às deslocações realizadas por E... e F... motivadas pela participação destes em sessões de formações) em relação a esta correcção promovida pela Requerida, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.9 -  Tributações autónomas – despesas de representação

 

216.    Ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 7, do Código do IRC, estão sujeitos a tributação autónoma os gastos incorridos com “despesas de representação”.

217.    Dado o supra exposto no que respeita à não consideração dos encargos incorridos pela Requerente respeitantes ao evento de “team building” e à deslocação ao Estado da Bahia, no Brasil, enquanto “despesas de representação”, não poderá ser dado provimento à pretensão da Requerente em relação a esta correcção promovida pela Requerida, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica, com reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.10 Trabalho dependente – apuramento dos valores da retenção na fonte de IRS em falta

 

218.    Considerando o enquadramento acima realizado quanto aos montantes pagos pela Requerente a título de compensações pela deslocações de trabalhadores em viatura própria ao seu serviço que devem ser requalificados como gastos com pessoal (e, como tal, daqui se excluindo, as ajudas de custo pagas a E... e a F... decorrentes das deslocações realizadas por estes por força da participação em sessões de formações) e dedutíveis em sede de IRC, esses mesmos montantes terão, por inerência, de ser tidos como rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a tributação, em sede de IRS, enquanto rendimentos de categoria A (artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRS) que aquela pagou a estes.

 

219.    Dir-se-á, de resto, que este enquadramento fiscal de tais compensações está em linha com o pugnado pela própria Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, porquanto resultando as mesmas “da prestação do trabalho” por parte dos seus trabalhadores, “estão sujeitas à incidência do imposto”, tendo presente o “princípio da tributação do rendimento real” ou seja “o rendimento verdadeiramente auferido pelos contribuintes”, que lhes proporcionou “um verdadeiro incremento patrimonial” na sua esfera.

 

220.    Ora, dadas as regras de sujeição deste tipo de rendimento a retenção na fonte cuja responsabilidade pertence à Requerente (cfr. artigos 71.º, 98.º, 99.º, e 119.º, todos do Código do IRS), deve a sua pretensão ser julgada parcialmente procedente (na parte estritamente alusiva às deslocações realizadas por E... e F... motivadas pela participação destes em sessões de formações) em relação a esta correcção promovida pela Requerida, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.11   Adiantamento por conta de lucros na sociedade – apuramento dos valores da retenção na fonte de IRS em falta

 

221.    A Requerente assinala que os montantes (€ 132.210,60, por um lado; € 105.000,00, por outro) pagos por si ao seu sócio-gerente,  C..., não foram por si escriturados em quaisquer contas de sócios.

 

222.    Como tal, tendo presente o disposto no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, não poderia a Requerida presumir (sem a adequada demonstração), na visão da Requerente, que aquelas importâncias corresponderiam a adiantamentos por conta de lucros por esta ao seu sócio-gerente e sujeitá-los a tributação (via retenção da fonte) em sede de IRS, enquanto rendimentos de capitais (categoria E).

 

223.    Mais concretamente, e por relação ao montante de € 132.210,60 pago pela Requerente ao sócio-gerente,  C..., aquela enuncia que, durante os anos de 2018 a 2021, aquele este efectuou-lhe empréstimos sob a forma de suprimentos.

 

224.    Posteriormente, a Requerente foi faseadamente reembolsando o seu sócio-gerente,  C..., desses empréstimos, sendo que, por erro humano, veio a restituir-lhe um montante – € 132.210.60 – superior àquele que lhe era devido no contexto desse reembolso.

 

225.    Tendo esse erro sido detectado, foi o mesmo corrigido. mediante devolução à Requerente por parte do seu sócio-gerente,  C..., da quantia que este havia recebido em excesso.

 

226.    Como tal, não houve qualquer incremento patrimonial na esfera do sócio-gerente da Requerente,  C..., que pudesse justificar a correcção promovida pela Requerida.

 

227.    Já no que respeita ao montante de € 105.000,00 pago pela Requerente ao sócio-gerente,  C..., o mesmo também não tem a natureza de adiantamentos por conta de lucros.

 

228.    Essa quantia correspondente à retribuição paga pela Requerente ao sócio-gerente, C..., pela prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais por parte deste.

 

229.    Pelo que, também neste caso, não há qualquer correcção que pudesse ser efectuada pela Requerida em relação a este pagamento.

 

230.    Da perspectiva da Requerida, a Requerente não conseguiu justificar e comprovar documentalmente que os montantes pagos por si ao sócio-gerente,  C..., não se subsumem na categoria de rendimentos de capitais, tributáveis em sede de IRS.

 

231.    Por um lado, em relação ao montante de € 132.210.60 que a Requerente alegou ter-lhe sido reembolsado por sócio-gerente,  C..., após ter sido detectado o erro no pagamento daquela importância, a Requerida argumenta que aquela não apresentou prova documental capaz de atestar aquele efectivamente procedeu àquele reembolso.

 

232.    Por seu turno, em relação ao montante de € 105.000,00 pago pela Requerente ao seu sócio-gerente a título de retribuição pelos serviços prestados, a Requerida refere que não ficou claro qual foi serviço que foi efectivamente prestado àquela por parte do seu sócio-gerente.

 

233.    Interroga-se, aliás, a Requerida que – tendo a Requerente adquirido serviços à B... (a qual partilha com a Requerente a mesma pessoa no cargo de gestão ou administração) de assessoria de gestão – quais terão sido os serviços prestados (se é que realmente o foram) pelo sócio-gerente da Requerente a esta.

 

234.    Ademais, tendo o sócio-gerente, C..., se limitado a emitir à Requerente um recibo verde, correspondente a um acto isolado, no montante de € 25.000,00, carece de explicação e adequado suporte o pagamento da restante importância que esta pagou àquele.

 

235.    Acrescenta a Requerida que não está aqui em causa o uso de quaisquer presunções associadas ao disposto no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, mas tão somente a análise objectiva de realidade tributária, da qual resulta a fruição por parte do sócio-gerente,  C..., de vantagens económicas (por via de transferências financeiras), evidenciadas na contabilidade da Requerente, que esta pagou àquele.

 

236.    Tais vantagens económicas, à luz do artigo 5.º, n.º 1, do Código do IRS, enquadram-se em rendimentos de capitais, tributáveis em sede de IRS, pelo que estariam sujeitas às retenções na fonte pugnadas pela Requerida.

 

Vejamos,

 

237.    Atenta à substância da correcção em causa, à posição vertida pelas partes nos seus articulados e a prova constante dos autos, desde já se revela que, por referência ao montante de € 132.210,60, não se adere à qualificação que a Requerida efectuou ao considerá-la um adiantamento por conta de lucros.

 

238.    Sem prejuízo de se poder questionar a qualidade dos procedimentos adoptados pela Requerente que a conduziram a proceder ao reembolso de um empréstimo concedido pelo seu sócio-gerente,  C..., em montante superior ao capital efectivamente emprestado…

 

239.    … certo é que, no decorrer destes autos, a Requerente demonstrou que o seu sócio-gerente,  C..., efectivamente devolveu o montante € 132.210.60 que havia recebido indevidamente.

 

240.    Nesse sentido, e ainda que se pudesse por princípio, devido à importância do factor “tempo” no valor do dinheiro, efectuar o apuramento de um eventual juro de que o sócio-gerente,  C..., teria fruído por ter tido acesso indevido àquele capital…

 

241.    …é igualmente certo que nada foi alegado nos autos ou resulta dos mesmos que se possa imputar ao sócio-gerente,  C..., a fruição de uma vantagem económica, sob a forma de um juro (implícito ou explícito), susceptível de ser tributado em sede de IRS (ficando aí por apurar em que moldes é que tal tributação dever-se-ia concretizar). 

 

242.    Como tal, limitando-se a discussão nestes autos ao capital de € 132.210,60 que, comprovadamente, foi reembolsado à Requerente pelo sócio-gerente, C..., não é possível qualificar tal montante como correspondendo a um incremento patrimonial ou uma vantagem económica na esfera deste.

 

243.    Em face desta conclusão, não é possível subsumir o montante de € 132.210,60 como sendo, à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código do IRS, um rendimento de capitais – da categoria E – tributável em sede de IRS e, por conseguinte, também não é possível que, sobre esse montante, pudesse haver lugar a retenção na fonte, nos termos preconizados pela Requerida.

 

244.    Como tal, desde já, se julga que, nesta parte, a correcção promovida pela Requerida não poderá subsistir na ordem jurídica.

 

245.    Já no que respeita ao montante de € 105.000,00, pago pela Requerente ao sócio-gerente,  C..., atenta à argumentação expendida pelas partes e à prova produzida, não é possível a este tribunal extrair qualquer conclusão que infirme a tese veiculada por aquela.

 

246.    Em primeiro lugar, a própria Requerente revela não ter pleno conhecimento (ou, pelo menos, assim não o revela) acerca da causa subjacente a este pagamento.

 

247.    De facto, analisado o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apresenta duas hipóteses alternativas para o justificar: contrapartida pela prestação de trabalho ou contrapartida pelo exercício de cargos sociais (cfr. ponto 527 do pedido de pronúncia arbitral).

 

248.    Há, porém, uma terceira justificação eventualmente possível para tal pagamento e que decorre do facto do sócio-gerente,  C..., ter emitido um recibo verde, correspondente a um acto isolado, no montante de € 25.000,00, nos termos do qual o mesmo terá realizado “prestações de serviços de consultoria e gestão”.

 

249.    Sucede que tal recibo verde – e ao contrário do que dita a regra constante do artigo 115.º, do Código do IRS – não reflecte a totalidade do montante que foi pago pela Requerente ao sócio-gerente,  C..., o que só por si, também suscita dúvidas acerca da sua adequação para suportar o pagamento da quantia ora em análise.

 

250.    Dúvidas essas que – conforme a Requerida bem salienta – se adensam em virtude de a Requerente ter contratado a B... para lhe prestar serviços de consultoria e gestão, tornando menos provável (ou, pelo menos, requerendo melhor explicação) que aquela também tivesse contratado o seu sócio-gerente,  C..., para a prestação de serviços com um escopo similar.

 

251.    Não obstante o ora exposto, é ainda assim, possível a este tribunal equacionar três hipóteses alternativas que poderiam justificar o pagamento dos € 105.000,00 por parte da Requerente ao sócio-gerente, C... .

 

252.    Não cabe, porém, a este tribunal destrinçar – entre essas diferentes hipóteses – qual aquela que corresponde ao real, claro e consistente motivo subjacente a esse pagamento.

 

253.    Esse ónus incumbia à Requerente, sendo que destes autos resulta que a mesma não satisfez esta sua responsabilidade, não prestando informações claras e coerentes, nem carreando para os autos qualquer evidência suplementar que permitisse, nomeadamente, a este tribunal conhecer os reais propósitos de tal pagamento.

 

254.    Pelo que, em face deste cenário, não merece reparo a correcção promovida pela Requerida quanto a considerar que o pagamento dos € 105.000,00 ao sócio-gerente,  C..., constitui um adiantamento por conta de lucros, o qual, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 71.º, e 101.º, todos do Código do IRC, é qualificado com o rendimento de capitais, sujeito a tributação através do mecanismo da retenção na fonte, a qual constitui uma obrigação (incumprida) da Requerente.

 

255.    Em suma, deve a pretensão da Requerente ser julgada parcialmente procedente (na parte estritamente alusiva ao montante de € 132.210,60), em relação a esta correcção promovida pela Requerida, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.12 - Retenção na fonte de IRC

 

256.    A Requerente refere que, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado com a B..., numa “data que não se consegue precisar”, esta obrigou-se a prestar àquela serviços de consultoria e assessoria, mediante o pagamento de uma contrapartida.

 

257.    Tendo esses serviços sido prestados pela B... à Requerente ao longo do ano de 2021, esta efectuou o pagamento das quantias que eram devidas àquela.

 

258.    Para a Requerente, o pagamento dessas quantias não estava sujeito a retenção na fonte em Portugal, tendo presente o disposto nos artigos 4.º, 94.º, 98.º, 99.º, todos do Código do IRC, e no ADT, uma vez que tais rendimentos apenas poderiam ser tributados em Espanha.

 

259.    Acrescenta a Requerente que a apresentação tardia do formulário Modelo 21-RFI (documento de cariz ad probationem e não ad substantiam) não é razão para impedir a aplicação dessa regra, pelo que se mostram preenchidos todos os requisitos necessários à sua aplicação neste caso.

260.    No decurso dos presentes autos, a Requerente veio juntar diversa documentação emitida pela Agência Tributária Espanhola com vista a atestar que a B... é uma entidade residente para efeitos fiscais em Espanha, incluindo um certificado de residência fiscal emitido por aquelas autoridades em 23.06.2025.

 

261.    Serve-se, de resto, deste facto e da referência à diversa jurisprudência por si citada para concluir a Requerente no sentido de que não há qualquer correcção justificável em relação a estes pagamentos.

 

262.    Por seu turno, a Requerida refere que a Requerente não cumpriu com a sua obrigação de demonstrar que os pressupostos de que depende a aplicação do ADT se mostravam cumpridos e, nesse sentido, estava a mesma obrigada a efectuar a retenção na fonte sobre os rendimentos pagos à B... .

 

263.    De resto, salienta a Requerida que a Requerente lhe manifestou, através de e-mail, que não havia accionado a aplicação do ADT, em relação ao pagamento dos serviços efectuados pela B... .

 

Vejamos,

 

264.    As incidências que rodearam o pagamento pela Requerente dos serviços que lhe foram prestados pela Requerida ao longo do ano de 2021 não são absolutamente claras, tendo em conta as posições veiculadas pelas partes nos seus articulados e as provas documentais apresentadas por ambas.

 

265.    Desde logo, não ficou demonstrada a alegação enunciada pela Requerida no RIT de que a Requerente lhe havia comunicado por e-mail de que não havia accionado as disposições do ADT, no contexto dos pagamentos efectuados à B... . 

 

266.    Por outro lado, a análise efectuada ao formulário Modelo 21-RFI junto pela Requerente também suscita algumas dúvidas relacionadas não apenas com a data que nele consta (01.01.2021, feriado correspondente ao Dia do Ano Novo), mas também com a descrição dos pagamentos que o mesmo se destinaria a suportar (contrapartida pela prestação de serviços de “Consultoria e Apoio à Gestão” e/ou pelo “Aluguer de Máquinas”) e ainda pelo facto de a Requerente assinalar que tal formulário estava acompanhado de um “certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes” (quando, na realidade, tal certificado só viria a ser obtido em 23.06.2025).

 

267.    Não obstante, o certificado de residência fiscal emitido – ainda que recentemente – pela Agência Tributária Espanhola enuncia que esta autoridade certifica, nos termos e para os efeitos do ADT, que a B... era residente para efeitos fiscais em Espanha, com referência aos anos de 2020 e 2021, e aí sujeita a imposto sobre o rendimento.

 

268.    Nesse sentido, tendo presente este certificado e conjugando-o com o disposto no artigo 98.º, do Código do IRC, o estipulado no artigo 7.º, do ADT, a relevante jurisprudência (designadamente a citada pela Requerente) acerca da natureza (ad probationem) do formulário Modelo 21-RFI e da possibilidade de os requisitos de que depende a aplicação do ADT poderem ser comprovados a posteriori

 

269.    …considera-se que a Requerente demonstrou, ainda que tardiamente, que tais requisitos se mostravam cumpridos no caso concreto e, nesse sentido (sem prejuízo da eventual responsabilidade contra-ordenacional que lhe pudesse ser dirigida), que se mostravam verificados os pressupostos de que dependia a dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos pagos pela Requerente à B... .

 

270.    Em suma, deve a pretensão da Requerente ser julgada procedente, em relação a esta correcção promovida pela Requerida, com os inerentes reflexos nos actos de liquidação impugnados.

 

§3.13 - Conclusão

 

271.    Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido formulado pela Requerente de requerer a declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação que são objecto dos presentes autos, bem como deverá ser anulada parcialmente a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que aquela apresentou contra aqueles actos.

 

272.    Perante esta decisão, caberá à Requerida restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada, em conformidade com o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e artigo 100.º, da LGT.

 

VI.      DECISÃO

 

273.    Termos em que se decide:

a.          Julgar parcialmente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar a ilegalidade e a anulação parcial dos actos de liquidação de IRC n.º 2023 ... e respectivos juros compensatórios, de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º 2023 ... e respectivos juros compensatórios, e de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2023 ... e respectivos juros compensatórios, todos referentes ao período de tributação de 2021, e bem assim da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, nos termos e com a configuração decorrentes da revogação parcial que teve lugar na constância destes autos;

b.          Condenar a Requerida a, em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, praticar os actos consequentes à condenação do pedido anterior;

c.          Condenar Requerente e Requerida no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento.

 

VII.    VALOR DO PROCESSO

 

274.    Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 158.547,75.

VIII. CUSTAS

 

275.    Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.672,00, a suportar pela Requerente e Requerida, na proporção de 45% e 55%, respectivamente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Dezembro de 2025

 

Os árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e relatora)

 

 

 

Cristina Aragão Seia

 

 

 

António Lima Guerreiro