SUMÁRIO:
I – A condenação na devolução de valores respeitantes a juros de mora e custas processuais pagos em processo de execução fiscal não se inclui na esfera de competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.
II – Tendo a Requerida satisfeito, após a constituição do Tribunal Arbitral, parte do pedido de pronúncia arbitral do sujeito passivo, in casu, a revogação parcial do ato tributário sindicado, ocorre inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância quanto a essa parte do pedido.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., natural do Brasil, casado, portador do cartão de cidadão..., válido até 08 de Maio de 2030, contribuinte fiscal ..., residente ..., n.º ..., ..., ...-..., Cascais (“Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugados com os artigos 102.º e 99.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”)
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
O Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do ato tributário de demonstração de liquidação de IRS com o n.º ... relativa ao período de rendimentos de 2022, que apurou o imposto de coleta liquida de 16.406,93€ (dezasseis mil quatrocentos e seis mil euros e noventa e três cêntimos), do qual resultou o montante a pagar no valor de 16.814,93 (dezasseis mil oitocentos e catorze euros e noventa e três cêntimos), com a condenação da Autoridade Tributária a devolver o imposto pago em excesso no valor de € 8.407,47, acrescido de juros indemnizatório à taxa de 4% até à integral restituição, bem como a devolver o valor de € 435,00 pago em excesso pelo Requerente a título de juros.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 08-04-2025 e automaticamente notificado à Requerida.
Em 30-05-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o qual comunicou a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 18-06-2024.
Na mesma data, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional. No decurso do referido prazo, em 04-08-2025, a Requerida juntou aos autos cópia do despacho da Subdiretora-Geral da área do IRS, de 04-07-2025, consubstanciando a decisão de revogação do ato tributário contestado, mas não apreciando o alegado valor pago em excesso no processo executivo:
“Concordo com o deferimento parcial do pedido e a revogação do ato em conformidade”.
Na mesma data, foi proferido despacho arbitral no qual se notificou o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida, bem como se mantinha ou não interesse no prosseguimento dos autos.
O Requerente não se pronunciou.
Em 8 de setembro de 2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, requerendo a redução do pedido, por inutilidade superveniente da lide, quanto à matéria objeto de revogação, em virtude da correção da liquidação controvertida e posterior reembolso da quantia de € 8.521,29, em 14 de agosto de 2025, bem como pagamento de juros indemnizatórios e de mora. Relativamente à devolução do montante de € 435,00, refere a Requerida que tal montante engloba juros de mora e custas processuais incorridas no âmbito do processo de execução fiscal – sem que o Requerente tivesse exercido qualquer contraditório a este respeito –, extravasando a apreciação da legalidade da liquidação de IRS, no que constitui uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão nesta sede.
Em 4 de novembro de 2025, o Tribunal notificou o Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida na sua resposta.
O Requerente não se pronunciou.
Em 18 de novembro de 2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho a dispensar, por alta de objeto, a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, bem como a dispensar a produção de alegações.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
No entanto, o Requerente pede a condenação da Requerida a devolver o valor de 435,00€ pago em excesso no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2024..., o que suscitou a invocação, pela Requerida, da exceção dilatória da incompetência do Tribunal Arbitral na apreciação desta questão, no sentido em que ficam fora da competência destes tribunais arbitrais a apreciação de litígios gerados em processos de execução fiscal.
Depois de notificado o Requerente para exercer, querendo, contraditório, e tendo optado por não o fazer, importa então apreciar a questão.
Consubstanciando o contencioso tributário um contencioso de mera anulação, os poderes dos tribunais arbitrais são ainda mais limitados, prevendo-se apenas a possibilidade de declaração de ilegalidade de atos (cfr. o artigo 2.º, n.º1, do RJAT).
Tal aponta, assim, no sentido de que as decisões se deverão limitar à mera apreciação da legalidade sem produção de efeitos condenatórios.
No entanto, a jurisprudência e a doutrina são unânimes no sentido dessa competência abranger apenas atos condenatórios respeitantes a juros indemnizatórios e a fixação de indemnização por garantia indevida (cf., por todos, Decisão Arbitral no processo n.º 506/2019-T, do CAAD, de 30 de julho de 2020). Daqui resulta, portanto, que a condenação na devolução de valores respeitantes a juros de mora e custas processuais pagos em processo de execução fiscal não se inclui na esfera de competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.
Termos em que se julga este tribunal incompetente para conhecer do pedido de condenação da Requerida no pagamento dos valores pagos em sede de execução fiscal, no montante de € 435,00.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Nos presentes autos, como vimos, a Requerida procedeu à revogação parcial do ato de liquidação de IRS e corrigido o valor inicialmente liquidado, tendo já sido executado o reembolso à Requerente do montante de € 8.521,29, em 14 de agosto de 2025. A Requerida deu conhecimento de tal facto à Requerente e ao CAAD após a constituição do Tribunal Arbitral. O Requerente não se opôs a tal revogação. Por conseguinte, carece de sentido útil nesta fase a manutenção da lide para apreciação desta parte do pedido de que tem por objeto um ato tributário que já foi revogado pela AT.
Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30-07- 2014, no Acórdão proferido no processo n.º 0875/14, no qual se pode ler: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
No mesmo sentido, veja-se, entre outros, as Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 725/2022-T, 845/2021-T e o 612/2023-T.
A doutrina, nomeadamente Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha[1], também tem concluído que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Assim, julga este Tribunal procedente a inutilidade superveniente da lide quanto à questão da liquidação parcialmente anulada por via administrativa, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
III. RESPONSABILIDADE PARA EFEITOS DE CUSTAS
De acordo com o regime geral em matéria de custas, a impossibilidade ou inutilidade da lide é imputável à Requerida, que anulou o ato tributário ilegal após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral pelo Requerente, tendo a respetiva comunicação aos autos ocorrido após o decurso do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, solução que se extrai do cotejo dos artigos 4.º, n.º 5 do RCPAT, 12.º, n.º 2 do RJAT, e 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC, neste último caso por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Assim, vai a Requerida condenada nas custas do processo.
IV. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à questão da liquidação parcialmente anulada por via administrativa;
b) Julgar o tribunal incompetente para conhecer do pedido de condenação da Requerida no pagamento de valor pago em sede de execução fiscal, no valor de € 435,00; e
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado azo à ação.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), fixa-se ao processo o valor de € 8.407,47 indicado no PPA pelo Requerente, correspondente ao valor da liquidação controvertida cuja anulação se pretendia, sem oposição da Requerida
VI. CUSTAS
Custas no montante de € 918,00, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, 527.º, n.ºs 1 e 2 e 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de dezembro de 2025
O Árbitro,
(Francisco Melo)
[1] In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555.