SUMÁRIO
I – O disposto no art. 23.º/2 do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, não autoriza a Administração Tributária a obrigar o sujeito passivo que efectua simultaneamente operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação;
II – O disposto no art. 23.º/2 do CIVA (conjugado com o n.º 3 do mesmo artigo) não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no art. 17º/5 §3 c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º /5 §1, e 19/1 dessa directiva.
III – A interpretação da AT relativa ao art. 23.º/2 do CIVA que entende esta como norma habilitante para a aplicar ou a impor um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do coeficiente de imputação específico indicado no ponto 9 do Ofício Circulado 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (art.os 2.º e 111.º), do art. 112.º/5, do princípio da legalidade tributária (art. 103.º/2) e da reserva de lei da Assembleia da República (art. 165.º/1 i) - todos da CRP), não tendo o legislador feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Regina de Almeida Monteiro (presidente), Fernando Marques Simões (vogal) e Rui M. Marrana (vogal, relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:
I. Relatório
1.A..., S.A., doravante abreviadamente designado por Requerente, com o número de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º ..., no Porto, veio requerer, ao abrigo do disposto no art. 10.º do DL 10/2011, de 20.1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) e dos art.os 1.º e 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3 a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir o respectivo pedido de pronúncia sobre a legalidade da a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa relativa ao acto de autoliquidação de IVA de 2022 no montante de 1.729.902,94 €.
2. É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante referida por AT ou Requerida.
3. Em 10 de Abril de 2025 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.
4. De acordo com o preceituado nos art.os 5.º/3 a), 6.º/2 a) e 11.º/1 a) do RJAT, o Ex.mo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
5. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 18 de Junho de 2025.
6. Em 5 de Setembro de 2025 a Requerida apresentou Resposta, com defesa por impugnação, juntando o processo administrativo.
7. Em 18 de Setembro de 2025 foi proferido despacho dispensando a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, sendo, para o efeito, concedido um prazo de vinte dias simultâneos.
8. O Requerente apresentou as suas alegações em 13 de Outubro de 2025 e a Requerida no dia seguinte.
Posição do Requerente
9. O Requerente alega que na declaração periódica de IVA referente ao mês de Dezembro do ano 2022, foi determinada a entrega, em excesso, de prestação tributária no montante de 1.729.902,94 €, pelo que apresentou em 4 de Dezembro de 2024 a competente Reclamação Graciosa da autoliquidação de imposto relativo àquele período de imposto, ao abrigo do disposto no art. 131.º/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do art. 97.º/1 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
10. Em face daquela Reclamação Graciosa, a AT veio a concluir no sentido de que fica inequivocamente demonstrado que o método adoptado pela Reclamante e que agora pretende alterar é o único que se mostra adequado para efeitos de exercício do direito à dedução, permitindo, com as especificidades constantes do Ofício – Circulado n.º 30.108 afastar as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas.
11. Não se conformando com esse acto tributário de autoliquidação de IVA – por entender que o mesmo se encontrava viciado de ilegalidade, por erro relativamente aos pressupostos de facto e de direito que regem a situação tributária do Requerente – nem com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa submetida, vem este suscitar a apreciação da legalidade dos actos tributários de autoliquidação de IVA de 2022, requerendo, consequentemente, a respectiva declaração de ilegalidade e anulação.
12. Assim, a título imediato, constitui objecto da presente petição a decisão de indeferimento que versou sobre a Reclamação Graciosa da autoliquidação apresentada pelo Requerente, e a título mediato constitui objecto da mesma o acto tributário de autoliquidação de IVA referente ao mês de Dezembro de 2022, nos termos do qual, por motivo de erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto nos recursos de utilização mista, o Requerente procedeu à entrega, em excesso, do montante de imposto de 1.729.902,94 €.
13. Em concreto, peticiona o Requerente a correcção daquela autoliquidação de imposto do ano 2022 – materializada na entrega da declaração periódica referente ao mês de Dezembro desse mesmo ano –, no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efectuada no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP).
14. De facto, verificou o Requerente existir um erro na autoliquidação de imposto efectuada no ano 2022, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito da actividade de CRP, não ter procedido à dedução do IVA por si incorrido em conformidade com a legislação nacional e comunitária aplicáveis.
15. Em particular, verificou o Requerente que, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2022, foram incorrectamente desconsiderados os valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da actividade de CRP, o que originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
16. Assim, nas autoliquidações aqui reclamadas, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano 2022, de 7%, a qual, quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de 34.598.058,86 €), se materializou no valor de 2.421.864,12 € de IVA dedutível.
17. Contudo, caso nas autoliquidações em causa se tivesse procedido à inclusão dos valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da actividade de CRP referente ao ano de 2022, tal percentagem de dedução ascenderia a 12% (ao invés de 7%).
18. E, aplicando a percentagem de dedução de 12% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de 34.598.058,86 €), o Requerente teria o direito a deduzir IVA no valor de 4.151.767,06 € (ao invés de 2.421.864,12 €).
19. Nestes termos, e atenta a legislação aplicável, deve a autoliquidação efectuada com referência ao ano 2022 ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro, com referência à actividade de CRP, não foi deduzido pelo Requerente, correspondente a 1.729.902,94 € (4.151.767,06 € - 2.421.864,12 €).
20. Tal montante consubstancia a prestação tributária entregue em excesso pelo Requerente, que deve, por isso, ser-lhe restituído na íntegra.
21. A esse valor deverão acrescer juros indemnizatórios desde a data de apresentação da declaração periódica relativa ao mês de Dezembro de 2022 até à efectiva restituição ao Requerente da prestação tributária por este entregue em excesso, dado que o erro aqui em análise é total e exclusivamente imputável à AT, conquanto o mesmo decorreu da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos por esta divulgados.
Posição da Requerida
22. A AT, na sua resposta, defende a legalidade dos actos tributários praticados, mantendo integralmente o teor da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
23. Constata que a questão a dar resposta prende com a consideração do valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, para determinação do pro rata do respectivo período de tributação, ou seja, saber se o valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, devem ou não ser consideradas no numerador e denominador da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista.
24. Trata-se de operações de locação financeira mobiliária, pretendendo aferir-se da legalidade, face às normas aplicáveis de Direito europeu e interno da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.
25. De facto, o Requerente realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA (por se encontrarem isentas ao abrigo do art. 9.º/27 do CIVA) e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.
26. O Requerente realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que lhe conferem, igualmente, o direito à dedução de IVA, em conformidade com o disposto no art. 20.º do CIVA
27. No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais o Requerente assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objecto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respectivos locatários para seu uso e fruição.
28. Por sua vez, o Requerente factura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.
29. Este entende que a estas aquisições de bens e serviços de utilização mista, deve aplicar-se, para efeitos do exercício do direito à dedução, o método geral e supletivo da percentagem de dedução - também designado por pro rata - nos termos do art. 23.º/1 e 4 do CIVA.
30. Entende ainda que que, por erro, não se considerou quer no numerador, quer no denominador da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira.
31. Não existe, todavia, qualquer erro no preenchimento da declaração, consubstanciado em erro no apuramento do pro rata de dedução.
32. Assim, tal como resulta do Ofício Circulado 30108/2009 relativo à determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de aluguer de longa duração (ALD), estas devem, nestas circunstâncias, adoptar a metodologia de afectação real (a qual não se confunde com o método de imputação directa, previsto no art. 20.º/1 do CIVA).
33. De facto, nos termos do art. 23.º/2 do CIVA, a AT pode impor condições especiais ou fazer cessar o procedimento de dedução na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a esta sempre que se verifique que provocam, ou são susceptíveis de provocar, distorções significativas na tributação.
34. Por outro lado, a utilização do método pro rata (previsto no art. 23.º/4 do CIVA, pretendido pelo Requerente), tem carácter residual face aos demais, sendo apenas aplicável quando mais nenhum outro se coadune à situação em concreto.
35. Ora, no caso, esse método, tem na sua base de cálculo grandezas que reflectem realidades diversas, o que lhe retira o rigor necessário para atingir o objectivo que lhe subjaz. Não pode, por isso, ser utilizado.
36. De facto, ao desenvolver a actividade de prestação de crédito automóvel com reserva de propriedade o Requerente adquira as viaturas transmite-as aos clientes, mas o seu negócio não é a compra e venda desses bens, mas antes a concessão de crédito, cingindo-se os ganhos desse negócio aos juros obtidos.
37. Nessa medida, a concessão de crédito com reserva de propriedade não difere muito da locação financeira ou do aluguer de longa duração, dado que, em qualquer dos casos, a instituição de crédito se limita a adquirir a viatura que o cliente escolhe, para a concessão de crédito e obtenção do correspondente juro (cf. decisão de 30.11.2021, no proc. 128/2021-T).
38. Donde, conforme se refere no Parecer do Gabinete do Director-Geral de 06.06.2008, a mistura entre prestações de serviços que apenas reflectem a componente juros das operações de normal concessão de crédito com outras prestações que reflectem a soma do capital financiado e dos juros num enquadramento de locação financeira, retira à utilização do pro rata geral idoneidade para o apuramento, dada a falta de coerência das variáveis nele utilizadas ser susceptível de provocar distorções significativas na tributação.
39. O que justifica a aplicação do método de afectação real, em conformidade com o Ofício Circulado 30108/2009.
40. Nestas circunstâncias, o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) reconheceu que a existência de distorções significativas pode justificar que o sujeito passivo seja obrigado a efectuar a dedução do IVA em função da afectação real da totalidade ou de parte dos bens e serviços utilizados (ac. 10.7.2014, Banco Mais, proc. C-183/13, n.º 17),
41. Realçando que o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução (ibidem, n.º 31).
42. Reconhece a Requerida que o TJUE, posteriormente, no ac. de 18.10.2018 (VW Financial Services, proc. C-153/17) afirma que os Estados Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
43. Entende, todavia, que são o diferentes os pressupostos de facto, já que a VW Financial Services é uma sociedade financeira parte do grupo Volkswagen AG, o qual fabrica e vende veículos automóveis sob diversas marcas.
44. E, por isso, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro (ac. 18.10.2018, VW Financial Services, proc. C-153/17, n.º 55).
45. Os Estados-Membros podem, portanto, afastar o método do pro rata geral de dedução e determinar a aplicação do método de afectação real, com a condição, de que esse método garanta uma determinação da percentagem de dedução do IVA pago a montante mais precisa.
46. Ora, no caso, o Requerente pertence a um grupo financeiro - e já não a um grupo de sector automóvel que fabrica e vende veículos automóveis sob diversas marcas. Por outro lado, para além das propostas de financiamento, este não contribui para a comercialização das viaturas dessas marcas.
47. Nessa qualidade, o Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante no art. 9.º/27 do CIVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto, como é o caso o das operações de financiamento/concessão de crédito, das operações relativas a pagamentos e, em geral, das transacções relativas à negociação e venda de títulos.
48. Assim sendo, não se concebe que, no caso sub judice, os custos comuns tivessem sido sobretudo incorridos com as prestações de serviços conexionadas com os actos de disponibilização de veículos.
49. Existirão certamente responsabilidades que impendem sobre o Requerente, enquanto entidade bancária, em relação aos bens objecto de contratos de financiamento com reserva de propriedade, todavia, não se demonstra que o critério usado pela Requerida, ao abrigo das instruções administrativas em crise, seja menos preciso que o pro rata que a Requerente pretende implementar.
50. E cabia ao Requerente provar que a utilização dos inputs mistos na sua actividade de leasing/ALD é sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos - facto que, sublinhe-se, é constitutivo do direito que invoca. O que não fez.
51. Este entendimento foi sufragado na decisão do proc. 128/2021-T e coincide com os termos da declaração de voto de vencido no proc. 259/2022-T.
52. Assim, sendo, entende a Requerida que devem os actos tributários ser mantidos na ordem jurídica, com todas as consequências legais.
53. Nas alegações, as partes mantiveram no essencial as respectivas posições.
II. Saneamento
54. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo dirigido à anulação de actos de liquidação de IVA e de indeferimento de recurso hierárquico (v. art.os 2.º e 5.º do RJAT).
55. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no art. 10.º do RJAT.
56. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. art.os 4.º e 10.º/2 do RJAT e art. 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3).
57. Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Matéria de facto
Factos provados
58. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
A. O Requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua actividade, realiza operações enquadráveis nas isenções constantes no art. 9.º/27 do CIVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto – tais como, operações de financiamento/concessão de crédito, operações associadas a pagamentos e, em geral, transacções relativas à negociação e venda de títulos.
B. O Requerente realiza igualmente operações que conferem o direito à dedução deste imposto (cf. art. 20.º/1 b) do CIVA), nomeadamente operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos.
C. Na liquidação de IVA relativa aos meses de Janeiro a Novembro de 2022, o imposto suportado pelo Requerente em recursos de utilização mista segundo os critérios definitivos aplicados na declaração periódica de Dezembro (art. 23.º/6 CIVA), desconsiderou os valores de IVA respeitantes à transmissão de viaturas através de contratos com reserva de propriedade.
D. Se nas autoliquidações em causa se tivesse procedido à inclusão desses valores (relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da actividade de CRP referente ao ano de 2022), a percentagem de dedução de IVA ascenderia a 12% (ao invés dos 7% efectivamente aplicados).
E. O diferencial entre o montante efectivamente deduzido e aquele que teria sido deduzido se tivesse sido aplicada a taxa de 12% correspondeu 1.729.902,94 €.
F. O Requerente apresentou reclamação graciosa dessa autoliquidação, a qual correu termos sob o n.º ...2024... e foi indeferida pela Requerida que comunicou essa decisão em 5.1.2025.
Factos não provados
59. Não há factos relevantes para esta decisão arbitral que não se tenham provado.
60. O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada ou não provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo remetido pela AT (e nas declarações de parte e das testemunhas).
61. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º/2 do CPPT e art.os 596.º/1 e 607.º/3 e 4 do Código de Processo Civil - CPC, aplicáveis ex viart. 29.º/1 a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.os 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA e art.os 5.º/2 e 411.º do CPC).
62. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência - cfr. art. 16.º e) do RJAT e art. 607.º/4 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT.
63. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do art. 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação - cfr. art. 607.º/5 do CPC ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT.
64. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade que se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. Matéria de Direito
Enquadramento da questão
65. No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta do Requerente (como sucede com a concessão de crédito).
66. A matéria foi já objecto de apreciação pelo CAAD, seguindo-se, na presente decisão – com a devida vénia –, os termos da decisão no proc. 568/2023-T.
67. Entende o Requerente que, caso tivessem sido considerados, nos termos da lei, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com o CRP, por aplicação do método de afeitação real para esta actividade (art. 23.º/2 do CIVA), tal percentagem ascenderia a 12%, traduzindo-se isso no direito de deduzir IVA no valor de 4.151.767,06 € (ao invés de 2.421.864,12 €).
68. Vem, por isso, o Requerente peticionar a correcção da autoliquidação de imposto do ano de 2022 (materializada na entrega da declaração periódica referente ao mês de Dezembro desse mesmo ano) relativamente à dedução de IVA incorrido nos recursos de utilização mista efectuada no âmbito da actividade de concessão de crédito para aquisição de veículos automóveis, com reserva de propriedade (CRP).
69. Refere a Directiva 2006/112 que, relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente para efectuar tanto operações com direito à dedução [...] como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
70. Estando em causa um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista no art. 2.º/1 a) o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução (do art. 23.º/1 b) do CIVA).
71. Esta percentagem de imposto dedutível (ou pro rata de dedução), resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (art. 174.º da Directiva 2006/112 e art. 23.º/4 do CIVA).
72. O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (art. 175.º/1 e 2 da Directiva 2006/112 e art. 23.º/6, 7 e 8 do CIVA).
73. O sujeito passivo pode, todavia, optar por efectuar a dedução segundo a afeitação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação (art. 23.º/2 do CIVA).
74. A utilização deste método de afectação real será, todavia, obrigatória se a AT o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, quando a aplicação do processo referido no art. 23.º/1 conduza a distorções significativas na tributação (art. 23.º/3 b) do CIVA). A AT poderá ainda impor condições especiais.
75. Nesse sentido, a AT determinou através do Ofício Circulado 30108/2009, que, relativamente às instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no art. 23.º/4 do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, conduzindo a distorções significativas na tributação. Donde, usando da faculdade prevista no art. 23.º/3 do CIVA, impôs que estes sujeitos passivos utilizem a afectação real (ponto 8).
76. Essa afectação real, sendo possível, faz-se com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades (ponto 8). Não sendo possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD (ponto 9). Neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria do art. 23.º/4 do CIVA.
77. No caso em apreço, a controvérsia incide sobre duas questões:
a. Saber se o art. 23.º/2 do CIVA, ao permitir que a AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA (art. 17.º/5 §3 c) da Sexta Directiva), quando ali se estabelece que, todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços;
b. Saber se os custos em que incorre a Requerente com os contratos de crédito são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes no que tange à dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista efectuada no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP).
Jurisprudência relevante (TJUE e STA)
78. Conforme referiu a Requerida, o TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que, tal como no caso concreto, desenvolve actividades de locação financeira que conferem direito à dedução e outras actividades financeiras que não conferem tal direito (ac. 10.7.2014, Banco Mais, proc. C-183/13).
79. A jurisprudência do TJUE resultante de reenvios prejudiciais – como foi o caso – é apenas vinculativa no processo em que o reenvio ocorre. Todavia, tendo-se pronunciado nessa sede sobre uma situação, a aplicação da doutrina aí firmada em situações semelhantes dispensa a realização de novo reenvio, mesmo que a decisão do tribunal nacional não seja passível de recurso (ac. 6.10.1982, CILFIT/Ministerio della Sanità, proc. 283/81). Surge, portanto, uma excepção à regra do art. 267.º/ do Tratado de Funcionamento da União Europeia - TFUE), conferindo àquelas decisões uma natureza de quase-precedente.
80. No processo em causa, estava em causa o referido regime do art. 17.º §5 c) da Sexta Directiva que corresponde ao art. 173.º/2 c) da Directiva 2006/112 quando estabelece que os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.
81. Nele o TJUE determinou que esta norma não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
82. No seguimento dessa jurisprudência, o STA (ac. 29.10.2014, proc. 01075/13) afirmaria que os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.
83. Acontece, todavia, que aquela jurisprudência do TJUE seria corrigida num ac. de 18.10.2018 (VW Financial Services, proc. C-153/17, já referido), ao esclarecer que não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de Julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o sector automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega (n.º 56).
84. Poderá impor-se um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (ibidem, n.º 51);
85. No entanto, qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução (ibidem n.º 52);
86. Por outro lado, os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios (ibidem n.º 59).
87. Ora o método de cálculo do pro rata indicado pela AT no ponto 9 do Ofício Circulado 30108/2009 não tem em conta o valor do veículo, o que contraria manifestamente a exigência imposta pelo TJUE, sendo consequentemente ilegal, por violação do Direito da União.
88. Por outro lado, este entendimento é aplicável mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis [...] não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação (ac. VW.Financial Services, n.º 59), como sucede no caso em apreço.
89. De facto, neste acórdão, apesar de ter ficado demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata.
90. Este entendimento não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a actividade de crédito automóvel é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do art. 20.º/1 e para efeitos do art. 23.º/4, do CIVA.
91. Atente-se que o TJUE entendeu que, mesmo quando a parte das rendas correspondente às amortizações não seja tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fracção. Donde, por maioria de razão, este entendimento terá de aplicar-se quando este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operações que conferem direito a dedução, relativamente às quais resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fracção (art. 23.º/4 do CIVA).
92. De qualquer forma, no citado ac. Banco Mais o TJUE não admitiu genericamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
93. Assim sendo, não será compaginável com o art. 173.º/2 c) da Directiva 2006/112 a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços. Donde a imposição dessa percentagem especial na decisão da Reclamação Graciosa, nos termos do Ofício Circulado 30108/2009, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
94. O STA tem, no entanto, entendido que só se pode concluir pela ilegalidade com um apuramento casuístico da utilização real dos bens e serviços de uso misto, isto é, quando sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (ac. 15.11.2017, proc. 0485/17).
95. É, essencialmente, esta jurisprudência que o STA terá estabilizado com o acórdão uniformizador 3/21, de 24.3.2021 (proc. 87/20.0BALSB, Diário da República, I Série, 18.11.2021).
96. No caso em apreço, resulta da prova produzida que existe uma afectação real e significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, através de tarefas que apenas ocorrem na prestação de serviços de locação financeira (controle da legalização dos veículos e sanação de eventuais irregularidades, pagamento ao fornecedor e disponibilização do veículo, registos, controle de seguros, pagamentos de impostos, etc.).
97. Estas actividades ocorrem apenas nos contratos de locação financeira de veículos, porque o veículo é propriedade do Requerente e é disponibilizado ao cliente durante o período de duração do contrato, pelo que são actividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento ou gestão dos contratos
98. Trata-se de actividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si próprios.
99. Assim, actividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de leasing e crédito automóvel, designadamente o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira, como são a transmissão da posição jurídica do locatário e alteração de registos.
100. As comissões apenas incluem os custos directamente quantificáveis, mas não as despesas gerais conexionadas com as actividades para que estas estão previstas (despesas de electricidade, água, limpeza, informática, conservação dos edifícios, mobiliário e maquinaria, etc.).
101. Não se apurou a dimensão exacta de recursos de utilização mista não considerados no valor das comissões que são utilizados em cada uma das actividades referidas, nem parecem existir razões para concluir que sejam proporcionais ao número de pessoas que intervêm em cada uma das fases, designadamente porque, além dos colaboradores afectos em permanência à actividade de leasing, há intervenções nessa actividade dos seus colaboradores em cada um dos balcões em que é feito o atendimento directo dos clientes.
102. Além da actividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização aos clientes, releva ainda aquela que é posterior à entrega dos veículos e que decorre da sua disponibilização - e que não se verifica nos contratos de mero financiamento.
103. Donde, aplicando a jurisprudência do acórdão VW Financial Services, tem de concluir-se que o método imposto pela AT, por não ter em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não reflecte objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações (proc. C-153/17, n.º 57).
104. Por conseguinte, este método não é susceptível, no caso em apreço, de garantir uma repartição mais precisa do que aquela que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
105. Por outro lado, tudo indica que as actividades anteriores à entrega dos veículos, bem como as posteriores (derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes - as quais só existem nos contratos de locação financeira) terão sido de maior dimensão e terão consumido mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contractos.
106. Assim, nos contratos de locação financeira, as despesas de bens ou serviços de utilização mista por parte do Requerente terá sido foi sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes (ac. Banco Mais, proc. C-183/13, n.º 33).
107. Em qualquer caso, sempre permanece, pelo menos, uma situação de fundada dúvida, que deve ser processualmente valorada a favor do Requerente e não contra ele (cf. art. 100.º/1 CPPT).
108. Nestes termos, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa, ao assentarem no pressuposto de que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte do Requerente nos contratos de locação financeira, ser sobretudo determinada pelo financiamento e gestão destes e não pelas actividades conexas com a disponibilização dos veículos, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
109. Enfermam ainda de erro sobre os pressupostos de direito, ao terem subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9 do Ofício Circulado 30108/2009, pode ser efectuada pela AT- tal como foi - de forma genérica, sem aferir em concreto se a utilização de bens ou serviços de utilização mista pelo Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.
A inconstitucionalidade do método de dedução
110. A aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no art. 23.º/4 do CIVA, ainda que pudesse fundar-se na autorização do art. 173.º/2 da Directiva 2006/112, teria de ser estabelecida por via legislativa, por força do princípio da legalidade tributária (art.os 103.º/2, 112.º/5 e 165.º/1 i) da CRP), não bastando um Ofício Circulado da Direcção Geral dos Impostos, mesmo que previsto no art. 23.º/2 do CIVA.
111. De facto, as regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva, na medida em que definem o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação.
112. Deve, por isso, recusar-se - por violação dos princípios da separação dos poderes (art.os 2.º e 111.º da CRP), do art. 112.º/5 da CRP, do princípio da legalidade tributária (art. 103.º/2 da CRP) e da reserva de competência legislativa da Assembleia da República (art. 165.º/1 i) da CRP) - a aplicação do art. 23.º/2 do CIVA na interpretação subjacente ao Ofício Circulado 30108/2009 - segundo a qual, a AT poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.
113. Assim sendo, o IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo o art. 16.º/2 h) do CIVA, o valor da renda recebida ou a receber do locatário; sendo igualmente claro que o numerador da fracção que exprime a percentagem da dedução é constituído pelo montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução, ou seja, pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, o que obviamente inclui as primeiras.
A ilegalidade do método de determinação da dedução
114. A força vinculativa das circulares e outras resoluções da AT de natureza geral e abstracta circunscreve-se à esfera administrativa, resultando apenas da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem.
115. Assim sendo, as orientações genéricas da AT – nomeadamente as atinentes à interpretação da lei fiscal – apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, não vinculando os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais.
116. Ora o disposto no art. 17.º/5 §3 c) da Sexta Directiva autoriza os Estados a, afastando-se da regra mais geral da percentagem de dedução, efectuarem a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.
117. O método dito da afectação real surge, assim, como uma alternativa ao método da percentagem de dedução ou do pro rata, mas não consiste na alteração do algoritmo de cálculo dessa percentagem, estabelecido no art. 174º da directiva - que envolve a construção de uma fracção em que no numerador se inclui o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução (cf. /1 a)) e no denominador o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (/1 al.b)).
118. A imposição, por via de um ofício circulado, de um pro rata diferente do definido no art. 23.º/4 do CIVA carece de fundamento legal, até porque, conforme decorre da jurisprudência europeia, a alteração autorizada pela directiva incide sobre os valores a inserir no numerador e denominador, supondo que a mesma se funde numa análise rigorosa que fundamente e sustente esses valores. Essa análise está imposta e teria de ser autorizada pela lei, o que não se verifica.
119. Nesse sentido, aliás, veio o TJUE no ac do caso VW Financial Services acrescentar, que não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido no ac. de 10.7.2014, Banco Mais que o art. 173.º/2 c), da Directiva IVA permite aos Estados‑Membros, de uma maneira geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o sector automóvel (como as operações de locação financeira em causa no processo principal) um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega (n.º 56).
120. Refere, aliás, ainda que sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são susceptíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios (n.º 57).
121. Concluindo que os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios. (n.º 59).
122. Esta posição tem sido seguida em diversas decisões do CAAD (cf. proc. 309/2017-T, 338/2018-T, 355/2018-T, 498/2018-T, 581/2018-T, 796/2019-T, 58/2020.T).
123. Relativamente à decisão do STA invocada em abono da posição da AT, deve constar-se que a mesma admite claramente antever a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, de forma a apurar a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição ao previsto no Ofício Circulado 30108/2009.
124. Além disso, o acórdão uniformizador do STA de 20.1.2021 conclui que a validade do método da afectação rela imposto pela AT no referido Ofício Circulado dependeria, apenas, do facto de ser o mais ajustado, tal se verificando neste tipo de actividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, for, sobretudo, determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.
125. A posição do Magistrado do Ministério Público no citado acórdão uniformizador conclui pela impossibilidade legal de a AT ter acolhido no aludido ofício o método aí imposto por não se extrair do art. 23.º/2 e 3 do CIVA qualquer elemento, com correspondência mínima na letra da lei, que confira à AT o poder de impor ao sujeito passivo um método de pro rata específico e parcial tal como o mesmo é configurado no ofício circulado 30108/2009.
126. Parece, pois que quando art. 23.º/2 do CIVA autoriza a AT a impor ao sujeito passivo condições especiais na determinação e cálculo do IVA dedutível, isso inclui a definição de critérios objectivos em função das particularidades da actividade desenvolvida, todavia, não admite a imposição de forma genérica de um método de pro rata parcial.
127. Conclui-se, portanto que, ainda seja que admissível em função do disposto na art. 173.º da Directiva 2006/112, o método de cálculo de dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização mista determinado pela AT no ponto 9 Ofício Circulado 30108/2009, no sentido de não se incluírem os valores relativos à componente de capital das rendas recebidas como contrapartida nos contratos de locação financeira e ALD, não é conforme o disposto no art. 23.º do CIVA, e nessa medida é insusceptível de aplicação pela mesma AT, dado o legislador nacional não ter usado da prerrogativa conferida pela Directiva IVA nesse âmbito.
128. De facto, a utilização do critério de dedução de IVA dos recursos comuns previsto no Ofício Circulado 30108/2009 não tem fundamento legal no CIVA, o que fere de ilegalidade qualquer tentativa de aplicação do mesmo uma vez que a jurisprudência europeia limita a aplicação de qualquer critério alternativo aos casos em que se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contractos,
129. E bem assim, porque para a determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua actividade,
130. E ainda porque aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega (já que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios).
A falta de prova relativa de distorções significativas da tributação
131. O art. 23.º/3 b) do CIVA condiciona a aplicação de um método alternativo à demonstração de que o método previsto conduziria a distorções significativas na tributação.
132. É certo que a AT defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico será o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o Direito europeu e nacional (nomeadamente, art. 173.º e 174.º da Directiva IVA, e o art. 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.
133. Todavia, o Ofício Circulado 30108/2009 não indica quaisquer distorções significativas resultantes da aplicação do método pro rata previsto no art. 23.º/4 do CIVA formulando-se apenas um juízo conclusivo, cujos fundamentos não são demonstrados (cf. ponto 8).
134. Pelo contrário, tal como refere a doutrina, é a solução imposta pela AT que surge como causadora de distorções na tributação (cf. José XAVIER DE BASTO e António MARTINS, ‘A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)’, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 10, n.º 1, pp. 27 ss., 46-47.)
135. Não estando demonstradas as distorções significativas na tributação que resultariam da aplicação do método previsto no art- 23.º/4 do CIVA e justifiquem o recurso a um método alternativo e, bem assim, que elas são evitadas pelo método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado 30108/2009, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Conclusões
136. Face ao exposto pode concluir-se que
A. Sendo a actividade de crédito automóvel integralmente tributada e não isenta de IVA [art. 16.º/2 h), do CIVA], o Requerente pode, em princípio, deduzir todo o IVA suportado com aquisição de bens e serviços utilizados nessa actividade;
B. Nos termos da jurisprudência do TJUE e do STA, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista, previsto no n.º 9 do Ofício Circulado 30108/2009, relativamente a contratos de locação financeira efectuados por bancos, não é admitida em termos genéricos, mas penas com carácter excepcional quando se verifique, casuisticamente, que a utilização dos bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (cf. ac. TJUE de 10.7.2014, Banco Mais, proc. C-183/13, e ac. do STA de 15.11.2017, proc. 0485/17, e de 4.3.2015, proc. 081/13 e 01017/12, e de 4.3.2020, proc. 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB);
C. A desconsideração pela AT dos valores relativos à transmissão das viaturas adquiridas no âmbito da actividade de CRP originou uma dedução de IVA inferior àquela a que tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
D. O artigo 23.º/2 do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à AT impor um método de determinação da matéria tributável por via de circular, à face dos art.os 103.º/2, 112.º/5, e 165.º/1 i) da CRP.
E. A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;
F. Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Directiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contractos. Além disso, para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua actividade. Acresce que aquele método teria de ter ainda em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios
G. Não se demonstrou que o método do pro rata previsto no artigo 23.º/4 do CIVA provoque distorções significativas da tributação, pelo que não se verifica o pressuposto em que o Ofício Circulado 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9, e, consequentemente, a imposição na situação dos atos enferma de erro sobre os pressupostos de facto;
Pelo exposto, a imposição de utilização do coeficiente de imputação específico indicado no ponto 9 do Ofício Circulado 30108/2009 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação do art. 23.º/2, 3 e 4 do CIVA, e no art. 173.º/2 c) da Directiva 2006/112, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.
Consequentemente, e atenta a legislação aplicável, deve a autoliquidação efectuada com referência ao ano 2022 ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro, não foi deduzido pelo Requerente, correspondente a 1.729.902,94 €
Juros indemnizatórios
137. O Requerente pede, além da condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago, no pagamento de juros indemnizatórios
138. De harmonia com o disposto no art. 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. O que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29.º/1 a) do RJAT.
139. Ainda nos termos do art. 24.º/5 do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que remete para o disposto nos art.os 43.º/1 e 61.º/5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
140. No entanto, em caso de autoliquidação, o erro imputável aos serviços que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela AT da impugnação administrativa (cfr. neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18.1.2017, proc. 0890/16 e de 29.6.2022, proc. 093/21). E, assim, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, no dia seguinte à data do indeferimento daquela reclamação, ou seja desde 6.1.2025
141. Assim, na sequência de declaração de ilegalidade dos actos tributários de autoliquidação de IVA, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos referidos art.os 43.º/1 da LGT e 61.º/5, do CPPT, desde 6.1.2025, calculados sobre a quantia que o Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais, até à data do processamento da respectiva nota de crédito (art.os 35.º/10 e 43.º/4 da LGT).
V. Decisão
Em face do supra exposto, decide-se
1. Julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos actos peticionados de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de 2022
E em consequência
2. Ordenar a devolução à requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados do dia seguinte da data do indeferimento da reclamação graciosa até integral reembolso;
3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 1.729.902,94 € (um milhão setecentos e vinte e nove mil novecentos e dois euros e noventa e quatro cêntimos) nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º/1 a) e b), do RJAT, e do art. 3.º/2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 22.950 € (vinte e dois mil novecentos e cinquenta euros), a pagar pela Requerida, nos termos dos art.os 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT, e artigo 4.º/5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2025
Os Árbitros
Regina de Almeida Monteiro (Presidente)
Fernando Marques Simões (vogal)
Rui M. Marrana (vogal, relator)
Texto elaborado em computador.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Não podendo acompanhar o sentido da decisão do coletivo, votei vencido.
2. Tendo em vista sustentar essa posição, adequado se mostra trazer aqui o quadro normativo nacional e comunitário que está em causa.
3. Começarei pelo quadro normativo comunitário e depois enunciarei o nacional, não deixando de reproduzir o Ofício-Circulado n.º 30.108. Vejamos.
4. A Sexta Diretiva foi objeto de reformulação que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007 e que visou, essencialmente, uma diferente sistematização de matérias e uma renumeração do seu articulado. Tal objetivo foi concretizado pela Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA e que é vulgarmente denominada Diretiva IVA.
5. A Diretiva IVA (doravante “DIVA”) no seu art.º 173.º estatui: “1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. 2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes: a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores; b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores; c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços; d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.o 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas; e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante.”
6. Por outro lado, o art.º 174º da DIVA dispõe como segue: “1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.”
7. Ainda assim e porquanto a questão submetida a julgamento apela a elementos interpretativos que não raro ainda aludem à Sexta Diretiva, entendemos adequado trazer aqui, igualmente, o n.º 5 do art.º 17º daquele normativo comunitário que estatui: “5. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo , não só para operações com direito à dedução , previstas nos n º 2 e 3 , como para operações sem direito à dedução , a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.º , para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeitos passivo. Todavia , os Estados-membros podem: a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade , se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores; b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores; c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços; d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas; e) Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.”
8. O regime da dedução do IVA suportado em inputs promíscuos, ou seja, de uso indistinto em operações que conferem o direito à dedução e que não conferem esse direito, consta do art.º 23º do CIVA que tem a seguinte redação: “1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: a) (...); b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução. 2- Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação. 3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação. 4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.(...).”
9. O enquadramento da questão submetida a julgamento apelava ainda à adequada ponderação do teor do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30.1.2009, da Área de Gestão Tributária do IVA – Gabinete do Subdiretor-geral, que refere: “Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte: 1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista. 2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (n.º 3 art.º 23º). 3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante. 4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação. 5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real. 7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista. 8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades. 9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
10. O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e que realiza operações financeiras enquadráveis na isenção prevista no n.º 27) do artigo 9.º do Código do IVA que não conferem o direito à dedução deste imposto (caso das operações de financiamento/concessão de crédito, das operações relativas a pagamentos e, em geral, das transações relativas à negociação e venda de títulos) e, simultaneamente, realiza operações financeiras que conferem o direito à dedução deste imposto (em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA), concretamente, “(...) operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres, custódia de títulos, entre outras que por esforço de síntese não se enumeram (...)”.
11. Para efeitos de exercício de direito à dedução, o Requerente é sujeito passivo misto sujeito à disciplina do acima em parte transcrito art.º 23º do CIVA.
12. Em concreto, o Requerente peticiona a anulação parcial da autoliquidação de IVA do ano 2022, em virtude de ter incorrido em erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto incorrido.
13. Aduzindo o Requerente no sentido de que “(...) se no cálculo da percentagem de dedução, tivesse, incluído os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, a percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa seria de 12%. (...) Consequentemente, o IVA adicional passível de dedução – derivado da alteração da percentagem de dedução de 7% para 12% - seria € 1.729.902,94. (...) Logo, conclui-se que, com referência ao ano 2022, o Requerente deduziu imposto a menos do que o permitido pela legislação do IVA, e exigido pelo princípio da neutralidade que rege o sistema comum deste imposto, no valor de € 1.729.902,94.”
14. Relativamente às situações em que o Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
15. Dizendo a dado passo do PPA: “É o que sucede no âmbito da aquisição de bens objeto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira -, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pelo Requerente – a locação financeira –, as quais conferem o direito à dedução. (...). Por outro lado, nas situações em que o Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA. (...) Por fim, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA. (...) Com efeito, relativamente a estes encargos comuns (ou recursos de utilização mista) não foi possível ao Requerente proceder à aplicação do outro método de dedução parcial, como a afetação real, na medida em que este método de dedução implicaria sempre a clara distinção dos bens e serviços adquiridos para cada tipo(logia) de operações – o que sempre se revelaria impraticável em determinadas situações, designadamente nas aquisições de recursos utilizados no desenvolvimento da globalidade das operações do Requerente, nomeadamente, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre muitos outros. (...) De facto, não sendo viável determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real (critérios objetivos a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), nas aquisições daqueles recursos de utilização mista, restou ao Requerente a aplicação do referido método da percentagem de dedução.”
16. A determinação da (segundo o Requerente) enfermada percentagem de dedução foi concretizada em conformidade com o disposto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária do IVA.
17. Sustentando agora o Requerente que o cálculo da referida percentagem de dedução, determinado em conformidade com o aludido Ofício-Circulado, se encontrava viciado por erro no regime jurídico aplicável ao seu direito à dedução, i.e. um “erro de direito”
18. Defendendo o Requerente que as restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveriam ter incluído na sua percentagem de dedução os valores relativos à transmissão das viaturas no âmbito da atividade de CRP.
19. Caracterizando a atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP), aduz o Requerente como segue: “(...) celebra contratos de CRP, nos termos dos quais os seus clientes adquirem veículos automóveis, novos ou usados, ficando estes a constar do seu registo de propriedade enquanto proprietários, mas sendo constituída reserva de propriedade a favor do Requerente. (...) Neste contexto contratual, o Requerente celebra, assim, num primeiro momento, um contrato de compra e venda com uma entidade terceira, adquirindo o veículo pretendido pelo seu cliente, e, num segundo momento, revende esse veículo ao seu cliente e, em simultâneo, celebra um contrato de mútuo com este último, em que é acordada a concessão de crédito que irá possibilitar ao mesmo adquirir o veículo em apreço. (...) Com a celebração do contrato de mútuo, o cliente (mutuário) do Requerente aceita que a reserva de propriedade seja convencionada a favor desta entidade, devendo tal reserva de propriedade manter-se até que o mutuante receba integralmente o crédito entretanto constituído. (...) A constituição da reserva de propriedade a favor do Requerente visa assegurar o integral pagamento, por parte do seu cliente, dos montantes devidos com referência ao contrato de mútuo celebrado, por forma a prevenir eventuais situações de incumprimento, permitindo obter a expedita restituição do bem no caso de falta de pagamento das prestações do crédito acordadas. (...) a propriedade jurídica do automóvel é transferida, desde logo, para o cliente, mesmo antes do pagamento integral das prestações resultantes do mútuo celebrado.”
20. Nos artigos 64.º e seguinte do PPA, aduz ainda o Requerente como segue: “Para o desenvolvimento da atividade de CRP, o Requerente recorre naturalmente à sua rede de balcões, bem como a diversas direções (Direção de Financiamento Automóvel, Direção de Marketing Empresas, Direção de Planeamento, Direção de Operações, entre outras), utilizando, por conseguinte, um conjunto muito significativo de recursos (exclusivos e mistos). (...). Neste âmbito, a comercialização do produto de CRP é efetuada, desde logo, pelos diversos balcões do Requerente (à semelhança de um conjunto vasto de outros produtos bancários e financeiros), envolvendo um significativo leque de recursos humanos e técnicos, tais como comunicações, material de escritório, aplicações informáticas, entre outros. (...). Adicionalmente, a atividade de CRP é coordenada pela Direção de Financiamento Automóvel, a qual assegura a gestão de todas as operações de financiamento automóvel, o que inclui naturalmente, os contratos associados ao crédito com reserva de propriedade. (...). Para o efeito, também a Direção de Financiamento Automóvel incorre num conjunto significativo de recursos necessários à prossecução desta atividade, nomeadamente na parte respeitante à disponibilização ou transmissão das viaturas aos clientes, como sejam recursos humanos, comunicações, material de escritório, contencioso e notariado. (...) Existem ainda outras direções do Requerente que contribuem para a atividade de CRP, como a Direção de Marketing de Empresas, responsável pelo desenvolvimento de ações de publicidade, as direções envolvidas na gestão de riscos (v.g., Direção de Planeamento e Direção de Operações), entre outras. (...) Assim, os bens e serviços adquiridos acima exemplificados são utilizados, simultaneamente, na prossecução da atividade de CRP, bem como a outras atividades do Requerente, consubstanciando, portanto, recursos de utilização mista. (...) O IVA correspondente a estes recursos de utilização mista não é objeto de dedução, na medida em que o Requerente, por imposição da AT, não tem vindo a considerar no cálculo do coeficiente de imputação específico os proveitos decorrentes da venda das viaturas. (...) De facto, no indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente com referência ao ano de 2022 sub judice,, a AT rejeitou o seu entendimento de que “se a fração referida comportasse numa das suas parcelas valores tributáveis que correspondem ao valor da alienação dos veículos aos clientes do crédito concedido pelo A..., o qual, como já mencionado corresponde ao valor do financiamento, ou seja, ao capital emprestado para a sua aquisição”, tal conduziria a “uma indesejável distorção nas deduções relativas ao conjunto de transações que são objeto da atividade normal do Banco (que contribuem para a obtenção do seu resultado/lucro), na medida em que possibilitaria ao A... um aumento artificial do seu coeficiente de imputação específico (...).” (...) Não obstante, entende o Requerente que, dado o efetivo consumo de recursos de utilização mista pela atividade de CRP – recursos esses concretamente relacionados com a transmissão de viaturas objeto dos contratos –, a sua não consideração no coeficiente de imputação específico conduz sempre a que a parcela do IVA incorrido nos recursos de utilização mista não tenha em consideração a plenitude da atividade de CRP, (...) O que origina uma efetiva, e injustificada, desvantagem na capacidade de dedução do Requerente. (...) Como referido supra, a atividade de CRP é necessariamente composta por duas operações distintas: a par da aquisição e revenda do bem, há sempre lugar à celebração de um contrato de mútuo entre o Requerente (mutuante) e o seu cliente (mutuário), através do qual é acordada a concessão, pelo primeiro, de um crédito que irá possibilitar ao último adquirir o bem em causa. (...) Ora, tais atividades são distintas e têm diferentes enquadramentos em IVA: tributação, nos termos gerais, da operação de transmissão da viatura ao cliente e isenção na concessão do crédito sob a forma de mútuo [cf. a subalínea a) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA]. (...) Pelo exposto, a consideração da componente de transmissão de viaturas da atividade de CRP no coeficiente de imputação específico, atendendo ao consumo de recursos necessários para a realizar, revela-se fulcral para aferir a exata medida do direito à dedução. (...) Por conseguinte, peticiona o Requerente a correção da autoliquidação de IVA do ano 2022: em concreto, a correção das declarações periódicas de imposto submetidas naquele ano, em virtude de as mesmas terem incorrido em erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto por si incorrido. (...) Consequentemente, no que respeita ao IVA incorrido no âmbito da sua atividade de CRP, tem o Requerente o direito a deduzir o montante adicional de € 1.729.902,94 (relativo à variação percentual, de 7% para 12%, do coeficiente de imputação específico).”
21. Dado o efetivo consumo de recursos de utilização mista pela atividade de CRP, recursos esses concretamente relacionados com a transmissão de viaturas objeto dos contratos, a sua não consideração no coeficiente de imputação específico conduziria a que a parcela do IVA incorrido nestes recursos não tivesse em consideração a plenitude da atividade de CRP, gerando sempre uma efetiva desvantagem injustificada na capacidade de dedução do Requerente.
22. No caso concreto da atividade de CRP existem sempre duas operações distintas, autonomizadas e com diferente enquadramento em IVA: i) tributação, nos termos gerais, da operação de transmissão de viaturas; ii) e isenção de IVA na concessão do crédito em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 27) do artigo 9.º do Código do IVA.
23. A consideração da componente de transmissão de viaturas da atividade de CRP no coeficiente de imputação específico, atendendo ao consumo de recursos necessários para a realizar, revela-se fulcral, segundo o Requerente, para aferir a exata medida do direito à dedução, em conformidade com a legislação nacional e comunitária.
24. Em jeito de conclusão dir-se-á que pretende o Requerente a correção das declarações periódicas de imposto submetidas no ano de 2022 em virtude de haver incorrido em alegado erro de direito relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto por si suportado, o que se efetivou com base nas orientações (ilegais) da AT, constantes do já referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, nisso se consubstanciando o alegado erro de direito, relativamente ao regime jurídico que rege o exercício do direito à dedução do imposto vertido nos recursos de utilização mista por si adquiridos, assistindo-lhe o direito a corrigir a sua dedução de imposto, regularizando, a seu favor, o montante de imposto que, por motivo daquele erro de direito, não deduziu.
25. No que tange à atividade de CRP a questão decidenda é a de saber se, para efeitos de desoneração do imposto suportado na incoerência de custos de utilização mista ou promíscuos e no pressuposto da utilização pelo Requerente do método da afetação real previsto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA (o que não veio sequer controvertido), devem ser considerados no numerador e no denominador da fração de cálculo que pretende imputar os custos promíscuos, os valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (por aplicação do pro rata de dedução a que se refere o n.º 4 do art.º 23º do CIVA) ou, ao invés e como diz a AT, devem ser considerados no cálculo daquela percentagem de dedução “(...) apenas o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital foi integralmente deduzido” porquanto, no seu entender, “a atividade do A... não consiste na compra e venda de bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E, dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros” (por aplicação de um coeficiente de imputação específico em conformidade com o disposto no Ofício-Circulado n.º 30108, acima transcrito e melhor identificado).
26. A questão que se coloca é a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou, sem arrimo legal para o efeito, a componente dos valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP), da mesma maneira que vem considerando relativamente à atividade de locação financeira e ALD a componente de capital integrante das rendas decorrentes de contratos de locação financeira mobiliária, da determinação da percentagem de dedução; ou, dito de outro modo, saber se aquela poderia aplicar um pro rata diferente – através da imposição de um coeficiente de imputação específico – daquele que se encontra definido no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA.
27. Adequado se mostrando trazer aqui à colação o sumariado na decisão arbitral tirada no Processo n.º 517/2021-T e onde a dado passo se diz: “Não há diferenças substanciais, para efeitos de dedução do IVA incorrido nos custos de disponibilização das viaturas, entre a locação financeira e as situações de crédito com reserva de propriedade (CRP), porquanto em qualquer dos casos o que está em causa, para o efeito apontado, é a aquisição de uma viatura escolhida pelo cliente do Banco, encontrando-se a diferença essencial entre essas operações no negócio ou contrato que é celebrado a seguir à aquisição do veículo e que, no caso de contrato de crédito com reserva de propriedade, está sujeito a regime diferente ou específico em termos de IVA, independentemente de serem os mesmos os custos associados a ambas as operações (leasing e CRP).
28. E partindo da similitude entre a atividade de CRP e de locação financeira e até de ALD, ou seja, da incontornável aplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30108, acima transcrito e melhor identificado, adequado se mostra começar por avaliar se o n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Diretiva (que conferiam aos Estados Membros a possibilidade, no caso da aplicação do método do pro rata, de impor aos sujeitos passivos que determinadas verbas fossem ou não consideradas no numerador/denominador da fórmula de cálculo) terão sido transpostos para o direito interno encontrando-se plasmados na letra do art.º 23º do CIVA.
29. É que, caso assim não houvesse sido, perante a inércia do legislador, a Autoridade Tributária não poderia invocar (como o fez no Ofício-Circulado n.º 30.108), como suporte legal para emanar tal entendimento administrativo, o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, de forma a justificar a consideração de um coeficiente de imputação específico que, efetivamente, excluía a componente de amortização financeira ínsita na renda dos contratos de leasing e de aluguer de longa duração e também, atenta a referida similitude, a componente dos valores relativos à transmissão das viaturas relacionadas com a atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade (CRP), do cálculo da percentagem de dedução tendente à imputação do IVA suportado na incoerência dos custos promíscuos do Requerente.
30. O CIVA, relativamente à dedução aplicável a bens de utilização mista, tem em vigor dois métodos: i) o da percentagem de dedução ou pro rata previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 23º do Código, estabelecendo o n.º 4 daquele normativo o cálculo da respetiva fração; ii) o da afetação real total ou meramente parcial, previsto no n.º 2 do art.º 23º do CIVA.
31. Nos termos do n.º 2 do art.º 23º do CIVA, o sujeito passivo pode efetuar a dedução do IVA suportado nos custos em que incorre segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados no exercício da sua atividade, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo ao pro rata de dedução identificado em i) baseado na afetação real em função da efetiva utilização dos bens e serviços utilizados no exercício da sua atividade.
32. Não devendo olvidar-se que na 2ª parte do aludido n.º 2 do art.º 23º do CIVA se refere o seguinte: “(...) sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou podem provocar distorções significativas na tributação.”
33. Acresce que o n.º 3 daquele mesmo normativo dispõe: “A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
34. Inferindo-se daqui que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor o método da afetação real aos sujeitos passivos uma vez verificada qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 23º do CIVA e no que aqui mais nos interessa enfocar, quando a aplicação do método da percentagem de dedução se venha revelar-se geradora de efeitos distorcivos significativos na tributação.
35. Em substituição do método da percentagem de dedução – pro rata geral baseado no volume de negócios relativo a cada categoria de operações e previsto no n.º 1 do art.º 174º da DIVA e antes previsto no art.º 19.º da Sexta Diretiva, sendo que, no direito interno, previsto no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA – a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do n.º 3 do art.º 23º do CIVA (que está ancorado na faculdade conferida pelo legislador comunitário e prevista no n.º 2 do art.º 173º da DIVA [acima transcrito] e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Diretiva) impôs a adoção de outros critérios, no seu entendimento mais adequados do que os que resultavam da aplicação do pro rata de dedução geral, fundando a adopção daqueles outros critérios na circunstância de eles permitirem aferir, com maior rigor, o grau de afectação dos bens e serviços de utilização mista. Remetendo-se aqui, a tal propósito do maior rigor no grau de afectação, para o n.º 23 do acórdão do TJUE de 8 de Novembro de 2012 (C-511/10, caso BLC Baumarket, in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62010CJ0511&from=PT ), referindo o n.º 23 da fundamentação daquela decisão o seguinte: “No caso, não se pode deixar de observar que, tendo em conta, primeiro, a finalidade do artigo 17.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva, que, como foi acima referido no n.o 18 do presente acórdão, se destina a permitir que os Estados-Membros cheguem a resultados mais precisos do cálculo do pro rata de dedução, segundo, a sistemática do artigo 17.o, n.o 5, dessa diretiva e, terceiro, o princípio da neutralidade fiscal, em que assenta o sistema comum do IVA e do qual o artigo 17.o, n.o 5, terceiro parágrafo, pode ser considerado uma execução, os Estados-Membros devem garantir, no exercício das prerrogativas reconhecidas por essa disposição, que o cálculo do pro rata de dedução do IVA pago a montante seja o mais preciso possível (v., por analogia, no que respeita à determinação do pro rata entre atividades económicas e atividades não económicas, acórdão Securenta, já referido, n.o 37).”
36. E estas asserções são válidas para o pro rata dedução geral, como válidas são para um qualquer pro rata de dedução específico que possa vir a aplicar-se em resultado da aplicabilidade conjunta do método de afetação real (parcial) que pressuponha a imputação do IVA suportado em função de critérios de objetivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços na realização das operações ativas do sujeito passivo e de um pro rata específico que permita imputar os custos de utilização mista que não puderam ser imputados em função da aludida afetação real.
37. Ora, assim sendo, o fundamento legal que estribou a emanação do Oficio-Circulado n.º 30.108, foi, exatamente, o n.º 2 em conjugação com o n.º 3 do art.º 23º do CIVA: i) o n.º 3, na sua alínea b), na medida em que ao abrigo desse normativo a Autoridade Tributária e Aduaneira impôs aos bancos que também realizassem operações de locação financeira ou ALD (e por via da aludida similitude também realizassem operações de CRP) a adoção do método da afetação real quando a aplicação do método pro rata pudesse conduzir a distorções significativas na tributação; ii) o n.º 2, porquanto, ao abrigo de tal normativo, a AT podia impor (e impôs) “condições especiais” ao método de afetação real – quando o sujeito passivo tenha optado por esse método de dedução ou até mesmo quando esse método lhe é imposto por força da alínea b) do n.º 3 do art.º 23º do CIVA – quando se verificassem aquelas mesmas distorções significativas na tributação.
38. Fazendo notar-se que o n.º 3 do art.º 23º do CIVA sempre conferiu à Autoridade Tributária e Aduaneira (desde a sua redação inicial) a faculdade de esta impor a um sujeito passivo (qualquer que ele seja e, por isso, igualmente às instituições bancárias) a determinação da dedução do IVA, no todo ou em parte, segundo critérios diferentes do pro rata geral determinado em função do volume de negócios se o sujeito passivo exercesse atividades económicas distintas ou se a aplicação do referido pro rata geral conduzisse a distorções significativas na tributação.
39. Assim sendo, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos e em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA, podia, efetivamente, obrigar os bancos que igualmente realizassem operações de CRP, locação financeira ou ALD, a efetuarem a dedução do IVA suportado na aquisição de custos promíscuos segundo o método da afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados para o exercício das suas atividades, com base em critérios de repartição objetivos que permitissem determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferissem a dedução e operações que não conferissem esse direito, impondo, se necessário, “condições especiais” que, obviamente, também poderiam passar pela imposição de um pro rata específico caso a afetação real concretizada fosse meramente parcial, ou seja, caso sobrassem inputs promíscuos que não pudessem ser imputados em função dos aludidos critérios de repartição objetivos.
40. Tais citérios de repartição objetivos, a que alude o n.º 2 do art.º 23º do CIVA, estão referidos a título meramente exemplificativo no Ofício-Circulado n.º 30.103, de 23 de Abril de 2008, do gabinete do Subdiretor-geral para a área do IVA, nos seus nºs 2 e 3 do Capítulo V que a dado passo diz: “2. Em consequência, deve determinar-se o grau, proporção ou intensidade da utilização de cada bem ou serviço em operações que decorrem de actividade económica sujeita a IVA e de operações que dela não decorrem, através de critérios objectivos, podendo ser referidos a título meramente indicativo, os seguintes: a) A área ocupada; b) O número de elementos do pessoal afecto; c) A massa salarial; d) As horas-máquina; e) As horas-homem. 3. Em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
41. E foi exatamente isso que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez quando pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, impôs àqueles sujeitos o aludido método de imputação dos custos de utilização mista ou promíscuos (de afetação real previsto no n.º 2 do art.º 23º do CIVA) e no pressuposto de que os bancos não lograriam aplicar os tais critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deveria ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de CRP, de Leasing ou de ALD.
42. Devendo enfocar-se que, neste caso e tal como é expressamente referido naquele Ofício-Circulado n.º 30.108, o pro rata especifico atrás referido, determinado de acordo como ponto 9. daquela instrução administrativa, não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA, mas antes da possibilidade conferida pelo n.º 2, in fine, daquele art.º 23.º do CIVA que, repise-se, admite que a AT pode impor “condições especiais” na utilização daquele método de afetação.
43. O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros e encargos foi, por isso, introduzido pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, devidamente ancorado no n.º 2 do art.º 23º do CIVA (e não ancorado no n.º 4 desse mesmo normativo do Código do IVA) e pelo qual, a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo concluído, relativamente aos bancos que desenvolvessem simultaneamente atividades de CRP, de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA podia conduzir a “distorções significativas na tributação”, tendo ali determinado também, no uso da faculdade prevista no n.º 3 do art.º 23.º do CIVA, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afetação real.
44. Face aos pontos 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, a afetação real poderia concretizar-se como segue: i) sendo viável e administrativamente não muito oneroso, com base em critérios objetivos que permitissem determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar-se o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades; ii) não sendo possível ou sendo administrativamente muito onerosa, a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, devia ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD e também, por via da similitude acima referida, da atividade de CRP.
45. De acordo com o n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Diretiva, transposto para o direito interno pelo n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, como visto, a Autoridade Tributária e Aduaneira podia efetivamente estabelecer “condições especiais” para o cálculo do pro rata sempre que se verificassem distorções significativas na tributação, o que determinava, in casu, que para o cálculo do pro rata apenas fossem considerados os juros e encargos, ou seja, apenas fosse considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda, ou, para a atividade de CRP, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas.
46. A propósito da questão da verificação das distorções significativas na tributação a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA, emergiu a questão do ónus probatório relativamente à existência de distorções significativas na tributação provocadas pela aplicação do método previsto nos nºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 e nomeadamente a questão de saber por conta de quem corria tal ónus probatório. Ou seja, com a emanação do Ofício-Circulado n.º 30.108 será que a Autoridade Tributária e Aduaneira fez a prova da existência de distorções significativas na tributação, conforme o que se encontra previsto no n.º 2 e alínea b) do n.º 3 do art.º 23º do CIVA? E será que era sobre ela que recaía tal ónus probatório? Será que a Autoridade tributária e Aduaneira tinha de demonstrar cabalmente a existência efetiva dessa distorção significativa na tributação por forma a poder impor desde logo o método da afetação real e, por outro lado, por forma a poder impor condições especiais nos termos e em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA?
47. O n.º 1 do art.º 74º da LGT diz: “[O] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
48. Inferindo-se dali que no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Autoridade Tributária e Aduaneira e dos contribuintes recai sobre quem os invoque, impendendo sobre a Fazenda o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correções à matéria coletável declarada pelos sujeitos passivos.
49. Dizendo, a tal propósito, o Acórdão do STA de 15.11.2017, tirado no arresto n.º 0485/17, disponível inhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/306d68b8ec0b1c8b802581df004ee563?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 o seguinte: “(...) cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)». Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA.”
50. Sendo certo que, in casu, o Requerente tinha conhecimento do entendimento advogado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (tanto assim que a autoliquidação foi empreendida em conformidade com o disposto no Ofício-Circulado n.º 30.108), no que concerne à aplicação do método da afetação real através da imposição de um coeficiente de imputação específico.
51. Ademais, revela o Requerente conhecimento da citada instrução administrativa em momento anterior à regularização efetuada na declaração periódica de IVA que está na base das autoliquidações impugnadas.
52. Do Ofício-Circulado n.º 30.108 resulta que a imposição da afetação real generalizada se destina-se a todos os bancos que igualmente desenvolvam atividades de locação financeira e ALD (e atenta a aludida similitude desenvolvam também atividades de CRP como as que estão em causa nos presentes autos), tal como, generalizada é, a imposição do pro rata especifico de dedução, no pressuposto da ausência de critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização dos bens e serviços que suportaram IVA para a realização de operações que conferem o direito à dedução e para a realização de operações que não conferem esse direito, a aplicar aos bens de utilização mista.
53. Por outro lado, do texto daquela mesma instrução administrativa, concretamente do seu n.º 8, resulta também claro que para a Autoridade Tributária e Aduaneira a aplicação do n.º 4 do art.º 23º do CIVA às operações objeto daquele entendimento é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas.
54. Dito isto expressamente naquela instrução administrativa, era quanto bastava, do meu ponto de vista, para se ter por cumprido o ónus probatório que recaía sobre a Fazenda, daqui resultando que impenderia sobre o Requerente, em face do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos impeditivos do exercício do direito nos exatos termos em que a Autoridade Tributária se arrogava naquela instrução administrativa; ou noutra perspetiva, recaía sobre o Requerente o ónus da prova dos factos constitutivos do acrescido direito à dedução do imposto a que aquele julgava ter direito, consubstanciado no aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma de cálculo do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que deem lugar a dedução, o que do meu ponto de vista não foi cumprido. Importando não olvidar, a este respeito, tudo quanto é dito nos pontos 33 a 35 da fundamentação do acórdão do TJUE de 10 de Julho de 2014, Processo n.º C-183/13, Caso Banco Mais, que pode ser consultado inhttp://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=154819&doclang=PT e donde resultava que embora a realização de operações de locação financeira por parte de um banco, pudesse implicar a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como sejam, v.g., custos relacionados com a utilização de edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais ao exercício daquelas duas atividades e de entre os quais se enumeram, a título meramente exemplificativo, os relacionados com a relevação contabilísticas das respetivas atividades ou até os relacionados com a revisão oficial de contas, na maioria dos casos essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os clientes e não pela disponibilização ao cliente dos próprios bens objecto de locação financeira.
55. Concluindo-se assim que a circunstância do Ofício-Circulado n.º 30.108 impor a utilização de um coeficiente de imputação específico, devendo ser considerado no cálculo desse pro rata específico apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD e não o valor da amortização do capital subjacente às rendas e quanto à atividade de CRP, atenta a aludida similitude, devendo considerar-se apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, não se mostrando tal hermenêutica contrária à legalidade vigente no ordenamento jurídico-comunitário, o que não pode deixar de ter consequências em sede de perfeição dos atos de autoliquidação sindicados não enfermando os mesmos de qualquer ilegalidade.
56. Além de que idêntica questão de direito à colocada pelo Requerente foi resolvida pelo acórdão de uniformização de jurisprudência do Pleno do STA (infra melhor identificada) ao consignar que pelo n.º 2 do art.º 23.º do CIVA foi efetuada a transposição para o direito interno do n.º 2 do art.º 173º da DIVA (e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Diretiva), e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira e ALD, apenas sejam tidos em conta os juros e encargos, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda. Tal como, sustento, partindo da similitude acima defendida, a AT não estava impedida de considerar que, no cálculo do pro rata das operações de CRP, apenas fossem tidos em conta os montantes que excedem o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, ou seja, apenas a parte da remuneração do Banco incluída nas prestações que retribuem o mútuo concedido.
57. O Requerente parece sustentar a ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA, respeitante a Dezembro de 2022, e bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra aquele ato tributário de autoliquidação, advogando, além do mais, que o cálculo do direito à dedução relativo aos bens e serviços de uso misto deve fazer-se recorrendo ao pro rata geral previsto no n.º 4 do art.º 23º do CIVA, ou seja, baseado no volume de negócios de cada categoria de operações, olvidando a instrução administrativa consubstanciada no Ofício-Circulado n.º 30.108, i.e., sem que, ele próprio, tivesse colocado em prática um critério de afetação real suficientemente idóneo para determinar o grau de utilização daqueles bens e serviços; mas defendendo também a inaplicabilidade do pro rata especifico imposto pelo Ofício-Circulado n.º 30.108 e que sustenta que deve ser considerado no cálculo do aludido pro rata especifico apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD e por via da acima referida similitude, quanto à atividade de CRP, também e tão-só o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas.
58. É bem certo que sobre esta temática vêm sendo prolatadas decisões arbitrais no sentido da procedência das pretensões dos respetivos Requerentes, apontando no sentido da ilegalidade dos atos tributários que aplicam o critério específico de dedução adotado pelo Ofício-Circulado n.º 30108, por violação do disposto no art.º 23.º do Código do IVA. Nesse sentido e por todos, vejam-se, v.g., as decisões tiradas nos processos nºs 11/2019-T, 72/2019-T e 921/2019-T
59. Não podendo eu olvidar que há igualmente decisões arbitrais em sentido contrário, como sejam, v.g., as tiradas nos Processos n.ºs 611/2022-T e 517/2021-T.
60. Tal procedência poderia assentar na ideia de que embora o n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Diretiva, admita que, na aplicação do método de afetação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, na transposição efetuada para o direito interno, o legislador nacional apenas prevê, concretamente no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
61. Inferindo-se daí que a imposição de um pro rata especifico, como o que está previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, não pode consubstanciar a utilização do método da afetação real; tal como o poder conferido à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo n.º 3 do art.º 23º do CIVA, não inclui a possibilidade daquela impor ao sujeito passivo a aplicação de um pro rata de dedução especifico, ou seja, ainda que se admita que no CIVA se efetuou a transposição para o direito interno do n.º 2 do art.º 173º da DIVA (acima transcrito) e que teve como antecedente histórico a alínea c), terceiro parágrafo, do n.º 5 do art.º 17.º da Sexta Diretiva, isso não permitiria sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tivesse por base a consideração no numerador e denominador da fração do montante anual correspondente aos juros e encargos associados à atividade de locação financeira e do ALD e, por via da referida similitude, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas.
62. Claro está que olvidando tais aventadas decisões (de procedência) que o entendimento administrativo firmado pelo Ofício-Circulado n.º 30.108 adveio ancorado na existência de distorções significativas na tributação e, em termos de suporte legal, estribado no n.º 2 (quanto à aplicação de critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem o direito à dedução e em operações que não conferem esse direito e ainda, no pressuposto da impossibilidade dos tais critérios objetivos, quanto à aplicação de “condições especiais” que podem bem ser a aplicabilidade do tal pro rata especifico de dedução) e no n.º 3 (quanto à imposição da afetação real) do art.º 23.º do CIVA.
63. Olvidando também que o TJUE no seu Acórdão de 10 de Julho de 2014, Processo n.º C-183/13, Caso Banco Mais, que pode ser consultado in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=154819&doclang=PT , reconheceu nos n.ºs 16 a 19 do texto decisório que a conjugação dos nºs 2 e 3 do art.º 23º do CIVA “(...) reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, e 19.°, n.° 1, dessa diretiva. Dizendo-se ainda ali que: “Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.°, n.° 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado‑Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva.”
64. Aquele acórdão do TJUE, de 10 de Julho de 2014, acima melhor identificado, diz na parte relativa ao dispositivo: “O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”
65. Sendo ainda relevante trazer aqui à colação o entendimento que tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão sub judicio. No acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 01017/12, consultável in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e3113f2b07ffb9280257e0a003bd76d?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,01017%2F12#_Section1 , em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia pelo TJUE no Caso Banco Mais (acima melhor identificado), os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordaram conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a ampliação da matéria de facto nos moldes ali mencionados e cujo sumário diz: “I - O Tribunal de Justiça EU, no proc. C-183/13 – esclareceu que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns» se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, - é possível calcular o pro rata da forma excluindo do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponde à amortização financeira. II - Por força da interpretação dada pelo TJUE em processo de reenvio prejudicial, que as partes não podiam ter em conta dadas nos articulados que apresentaram, muito antes da sua prolação, importa, pois, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. III - Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram, formulados a partir de critérios da experiência, são, ainda, a matéria de facto, o que impede que possam ser formulados ou reapreciadas pelo tribunal de revista, por neste caso, não existir qualquer erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que violem uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, em conformidade com o disposto nos arts. 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3, e 682.º, do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º, e) e 281.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.”
66. Essa orientação foi depois seguida noutros Acórdãos do STA e confirmada nos seguintes Acórdãos para uniformização de jurisprudência do Pleno do STA: i) o de 4 de Novembro de 2020, Processo n.º 027/20.6BALSB, consultável in http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e03e8550af0015a08025861d0051e497?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 ; ii) o de 4 de Novembro de 2020, Processo n.º 038/20.1BALSBhttp://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bbc6752e97b64b5d8025861c00438e82?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 ; o de 30 de Setembro de 2020, Processo n.º 095/19.3BALSB , disponível in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/54e7ae1a009d29f5802585fa005495c0?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 .
67. Não podendo eu deixar de aderir e acompanhar o sentido de tais decisões, advogando também que a Autoridade Tributária e Aduaneira não estava impedida de considerar, mesmo por via de instrução administrativa, mediante a divulgação do Ofício-Circulado n.º 30.108, que (no pressuposto da não utilização de critérios objetivos que permitissem determinar o grau de utilização dos bens e serviços de utilização mista em operações que conferem o direito à dedução e em operações que não conferem esse direito), no cálculo do pro rata especifico de dedução tendente à imputação do IVA suportado em inputs de utilização mista ou promiscua ligado a operações de CRP, apenas fossem tidos em conta os montantes que excedem o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, donde, tão-só, os juros e encargos associados aos respetivos contratos de mútuo entretanto celebrados subsequentemente à entrega dos veículos vendidos com reserva de propriedade.
68. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL .
69. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson (Cfr. acórdão do TJUE, de 10 de abril de 1984, proc. 14/83) o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Diretiva.
70. Tudo ponderado e atendendo a que, sustento, não ficou provada a preponderância ou predominância dos inputs em que a Requerente incorre com a disponibilização dos bens dados bens transmitidos ao abrigo da atividade de CRP (veículos) relativamente aos incorridos com o financiamento e gestão dos contratos de mútuo, é quanto basta para me impelir a sustentar a improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente e pela manutenção dos actos de autoliquidação sindicados, não ocorrendo, do meu ponto de vista, qualquer violação do disposto no art.º 23º do CIVA, nem mesmo qualquer violação do art.º 74º da LGT, nem qualquer ilegalidade decorrente de violação dos princípios da neutralidade fiscal do IVA, da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima dos sujeitos passivos.
71. Tudo ponderado, teria decidido pela improcedência, in totum, do pedido apresentado pelo Requerente, divergindo assim da posição que fez vencimento.
O Árbitro,
Fernando Marques Simões (vogal)