SUMÁRIO:
I – Resulta da norma do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos mencionados nos n.ºs 1 e 7 do mesmo artigo (fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, respetivamente), obtidos por sujeitos passivos de IRC, não estavam sujeitos a retenção na fonte na esfera dos respetivos titulares, sendo considerados como proveitos ou ganhos destes, e que o montante do imposto retido ou devido aos e pelos fundos tinha a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no (então) artigo 83.º [atual artigo 90.º] do Código do IRC.
II – Os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento, na anterior redação do artigo 22.º, do EBF, eram tributados na esfera dos fundos, não estando sujeitos a tributação na esfera dos titulares das unidades de participação (segundo uma lógica de tributação à entrada e isenção à saída), contribuindo para a formação da respetiva matéria coletável e sendo o imposto suportado pelos fundos dedutível à coleta dos titulares das unidades de participação, sujeitos passivos de IRC.
III – Da literalidade da norma do n.º 3 do artigo 22.º, não resulta que o imposto pago pelos Fundos (designadamente por retenção na fonte) devesse acrescer aos rendimentos efetivamente pagos aos titulares das unidades de participação e que devesse contribuir para a formação da matéria coletável destes, pelo seu valor ilíquido.
Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Raquel Franco
e Rui Miguel Zeferino Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), com o número único de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, tendo sido notificada da decisão de indeferimento da revisão oficiosa (cfr. Documento n.º 1) promovida contra o ato tributário de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2020 ... relativo ao período de tributação de 2019 veio, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária” ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitra com vista à declaração da ilegalidade do ato tributário de autoliquidação de IRC n.º 2020 ... relativo ao período de tributação de 2019 (cfr. Documento n.º 2).
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 8 de maio de 2025.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 27 de junho de 2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 15 de julho de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta a 30 de setembro de 2025.
No dia 3 de outubro de 2025, este Tribunal proferiu o seguinte despacho:
“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.
2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.
3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação.
5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
A Requerente respondeu às exceções invocadas pela Requerida.
II. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
a) A A... é uma sociedade anónima residente para efeitos fiscais em Portugal e tem por objeto social o exercício de atividades de seguro e resseguro dos ramos Vida e Não Vida, nos termos do respetivo estatuto que rege a sua atividade.
b) No cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu, em 28 de julho de 2020, à entrega da sua declaração Modelo 22 referente ao período de tributação de 2019 (cfr. Documento n.º 3).
c) Assim, com base nos montantes vertidos na declaração entregue em 28 de julho de 2020, a Requerente apurou um lucro tributável no montante de € 45.089.701,96, e imposto a pagar no montante total de € 10.857.089,69.
d) No âmbito da sua atividade, a Requerente realizou diversos investimentos, entre os quais a subscrição/aquisição de 1.349.235 unidades de participação do Fundo B..., conforme o Aviso de Lançamento emitido pelo Banco C..., S.A. ([1])
(cfr. Documento n.º 5).
e) Paralelamente, o Fundo B..., durante a sua vigência – e até à sua liquidação – suportou imposto respeitante à proporção daquelas unidades de participação detidas pela Requerente, no montante de € 710.140,23, conforme declaração disponibilizada pela Sociedade Gestora, a D..., S.A. (doravante designada por "D..."), cfr. Documento n.º 6.
f) Daí ter a Requerente reconhecido na sua contabilidade, aquando da liquidação do Fundo, não só o rendimento que lhe era imputável pela atividade do Fundo B..., mas também o imposto pago por este na proporção das unidades de participação que detinha, o que totalizava o já referido montante de € 710.140,23, e que melhor se detalha na informação de suporte extraída do sistema (cfr. Documento n.º 7).
g) Assim, é possível verificar o tratamento contabilístico a que foi sujeito o montante de
€ 710.140,23, o qual foi reconhecido na rúbrica de rendimentos #7421231300 – “Rend Inv-AFS-Unid.Part.Fund Inv.Imob.-NV” – com a correspondente contrapartida registada na rúbrica de balanço #4600000100 – “EST.ENT.PUB-RET TERC-RENDIM.CAPITAIS” ([2]).
h) Note-se que a rúbrica #7421231300 totaliza o montante de € 2.607.630,90 ([3]), conforme balancete do período de 2019 que se junta como Documento n.º 8, dos quais € 710.140,23 dizem respeito ao imposto apurado na esfera do Fundo B... e que, em virtude da liquidação do mesmo, sempre seria atribuível à Requerente com base nas unidades de participação detidas.
i) Como tal, e considerando o regime fiscal previsto para os organismos de investimento coletivo (“OIC”) - o qual, como melhor se verá adiante, passou a prever, em função da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, uma lógica de tributação “à saída” ao invés da anterior lógica de tributação “à entrada”, a Requerente apropriou-se do crédito de imposto que lhe cabia à data e que havia sido suportado pelo Fundo B... na proporção das unidades de participação detidas pela Requerente.
j) Todavia, por lapso, a Requerente tributou (i.e., incluiu no apuramento do seu lucro tributável) este montante de crédito de imposto aquando do preenchimento da sua declaração Modelo 22, com referência ao período de tributação de 2019.
k) Quando, na realidade, este montante, de € 710.140,23, correspondia a imposto por conta pago pelo Fundo B..., referente à proporção de unidades de participação detidas pela Requerente.
l) Pelo que deveria a Requerente ter procedido à dedução deste montante ao seu lucro tributável, a título de crédito de imposto, conforme prescrito pelo n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”).
m) Neste sentido, com referência ao período de tributação de 2019, a Requerente deveria ter apurado um lucro tributável no montante de € 44.379.561,73, conforme evidenciado de seguida.
n) Em face do exposto, a Requerente pagou, indevidamente, imposto no valor total de
€ 223.248,41, dos quais € 149.129,45 resulta do impacto do lucro corrigido em IRC,
€ 63.912,62 resulta do impacto do lucro corrigido na derrama estadual e € 10.206,34 resulta do impacto no lucro corrigido na derrama municipal, tal como se pode comprovar na tabela abaixo:
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Valores em Euros
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Descrição
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2019
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Lucro tributável (Modelo 22)
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45.089.701,96
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Imposto suportado pelo Fundo B...
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(710.140,23)
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Lucro tributável corrigido
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44.379.561,73
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Impacto IRC (21%)
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149.129,45
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Impacto derrama estadual (9%)
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63.912,62
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Impacto derrama municipal (1,44%) ([4])
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10.206,34
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Imposto indevidamente pago total
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223.248,41
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o) Em reação à referida autoliquidação de IRC do período de tributação de 2019, e em face do supra exposto, a A... apresentou o pedido de revisão oficiosa no dia 6 de junho de 2024.
p) Atento o teor da aludida revisão oficiosa, a Requerente solicitava a desconsideração do rendimento, no montante de € 710.140,23, do seu resultado tributável a título de crédito de imposto.
q) Não concordando com a argumentação aduzida pela Requerente em sede de revisão oficiosa, aquela foi legalmente notificada do seu indeferimento no dia 13 de fevereiro de 2025 (cfr. Documento n.º 1).
r) Deste modo, e perante os factos descritos supra, a Requerente não pode concordar com a autoliquidação de IRC na parte correspondente ao montante de € 223.248,41.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
Por exceção - da incompetência do tribunal arbitral, em razão da matéria:
a) Antes de mais, nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT, “ com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
b) A requerente pede a revisão oficiosa da autoliquidação por si efetuada alegando o seguinte:
“22. Por lapso, a REQUERENTE tributou (i.e., incluiu no apuramento do seu lucro tributável) este montante de crédito de imposto aquando do preenchimento da sua declaração Modelo 22, com referência ao período de tributação de 2019.
23. Quando, na realidade, este montante, de € 710.140,23, correspondia a imposto por conta pago pelo FUNDO B..., referente à proporção de unidades de participação detidas pela REQUERENTE.
24. Pelo que deveria a REQUERENTE ter procedido à dedução deste montante ao seu lucro tributável, a título de crédito de imposto, conforme prescrito pelo n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”).
25. Neste sentido, com referência ao período de tributação de 2019, a REQUERENTE deveria ter apurado um lucro tributável no montante de € 44.379.561,73, conforme evidenciado de seguida.
26. Em face do exposto, a REQUERENTE pagou, indevidamente, imposto no valor total de € 223.248,41, dos quais € 149.129,45 resulta do impacto do lucro corrigido em IRC, € 63.912,62 resulta do impacto do lucro corrigido na derrama estadual e € 10.206,34 resulta do impacto no lucro corrigido na derrama municipal”
c) Ora, embora a requerente não o diga expressamente, o pedido de revisão oficiosa fundamenta-se no erro, de facto ou de direito.
d) Contudo, quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação (tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art° 78°). Como também se refere no sumário relativo ao Ac. Arbitral proferido no Proc. 318/2025-T: “I -Se o pedido de revisão oficiosa de IRC (autoliquidação) é deduzido após 2 anos e não se ancora em injustiça grave ou duplicação de coleta – o mesmo será indeferido, porque extemporâneo, se não fundado em erro imputável aos serviços.
II – E igual desfecho tem a ação arbitral consequente, ainda que ancorada na presunção do seu indeferimento tácito.”
e) Ademais, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
f) Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
g) Não se trata de restringir o pedido de revisão oficiosa, mas apenas de a Portaria de Vinculação não permitir que a AT se vincule à jurisdição dos Tribunais Arbitrais para apreciação de um pedido de revisão apresentado “in extremis” e quando já não é mais possível interpor reclamação graciosa por estar esgotado o prazo para a dedução da mesma.
h) Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
i) Argumenta ainda que o que a requerente pretende é, no fundo, obter o reconhecimento de um direito, de lhe ver ser reconhecido o pretenso direito a obter o pagamento de uma determinada quantia de imposto-decorrente de cálculos por si efetuados, conforme o referido no art. 26º do PPA.
j) Ora, admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação deste pedido representaria, salvo o devido respeito, a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT.
k) Posto isto, a pretensão jurídica formulada pela requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um acto devido, que não poderão ser obtidos por esta via.
l) Por isso, o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral para reconhecer o direito que a requerente pretende obter ou para, em alternativa à ação administrativa, condenar a AT à prática de um ato devido.
Por Impugnação
a) A Requerente entende que praticou um erro na autoliquidação do exercício de 2019, ao ter considerado, no apuramento da matéria coletável, o valor de € 710.140,23, referente ao imposto suportado pelo Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., e que lhe foi imputado aquando do pagamento, em 31-12-2019, de rendimentos resultantes da detenção de 1.349.235 unidades de participação, no montante de €1.897.490,67.
b) Pretende que seja determinada a desconsideração do rendimento no montante de € 710.140,23, no apuramento do lucro tributável da requerente a título de crédito de imposto, passando a apurar um lucro tributável no montante de € 44.379.561,73, no período de 2019.
c) Ora, até 30 de junho de 2015, o regime fiscal aplicável aos organismos de investimento coletivo (no qual se incluem os fundos de investimento especiais) e aos seus participantes encontrava- se integralmente previsto no artigo 22.º do EFB.
d) Enquanto Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, o Fundo integra-se na categoria dos organismos de investimento coletivo, isto é, das instituições que “dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes” (cfr alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, Parecer do CEF n.º 79/2011, pág. 7 e Parecer CEF n.º 69/2015, pág. 5).
e) Os Fundos representam veículos financeiros de financiamento de determinadas áreas críticas constituem um património autónomo, uma forma unificada e continuada de ação, prosseguem fins próprios e as contribuições monetárias entregues pelas entidades que os instituíram (associados e participantes) são depositadas nas respetivas sociedades gestoras, tendo estas a competência de as representar enquanto pessoas detentoras desses Fundos.
f) Face a estas características, os Fundos são considerados, no ordenamento jurídico interno, como entidades desprovidas de personalidade jurídica.
g) Contudo, possuem personalidade tributária atendendo a que as mesmas são geradoras de relações económicas de carácter comercial, atuação esta que é exercida a título principal e de forma continuada, facto manifestamente determinante para que lhes seja conferido o estatuto de sujeito passivo de relações tributárias.
h) A qualificação destas entidades como sujeitos passivos de IRC, encontra-se contemplada na alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRC: “São sujeitos passivos do IRC:
a) (…)
b) As entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributáveis em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou em IRC diretamente na titularidade de pessoas singulares ou coletivas”;
c) (…).
i) É às sociedades gestoras, que administram os interesses dos respetivos associados, participantes ou beneficiários, que incumbe o cumprimento das obrigações tributárias inerentes aos Fundos de Investimento.
j) O regime fiscal dos Fundos de Investimento previsto no art.º 22.º do EBF, tem natureza de benefício fiscal, tendo o legislador optado por um sistema de neutralidade fiscal através do qual os participantes são tributados de forma semelhante àquela a que estariam sujeitos se o investimento fosse realizado diretamente.
k) Nos termos daquele regime, os rendimentos auferidos pelos fundos de investimento imobiliário, constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, eram tributados na esfera do próprio fundo, grosso modo por via da retenção na fonte, como se de pessoas singulares se tratasse, ou autonomamente, à taxa de 25%, tal como determinava o n.º 6 do artigo 22.º do EFB.
l) Por seu turno, determinava o n.º 3 do artigo 22.º do EFB, aplicável aos rendimentos oriundos da detenção de unidades de participação em fundos de investimento imobiliários por força do n.º 7 do mesmo artigo, a não aplicação de retenção na fonte na distribuição de rendimentos aos seus participantes.
m) Em todo o caso, caso se tratassem de participantes pessoas coletivas sujeitas a IRC e não isentas, tais rendimentos teriam que ser considerados como proveitos ou ganhos (pelo montante ilíquido), passando o imposto retido ou devido pelos fundos, nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, a ter a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 90.º do CIRC.
n) Daí que, no caso de se tratarem de participantes pessoas coletivas, que inevitavelmente teriam de incluir no seu lucro tributável os rendimentos decorrentes da detenção de unidades de participação, o acerto de contas do imposto devido a final teria necessariamente que ser feito na declaração de rendimentos Modelo 22.
o) Logo, e apesar dos Fundos de Investimento constituírem pessoas coletivas, os rendimentos obtidos são tributados por retenção na fonte e/ou autonomamente, sendo posteriormente os rendimentos das unidades de participação (por distribuição, resgate ou liquidação ou partilha) englobados aos restantes rendimentos, quando obtidos por sujeitos passivos de IRC e IRS no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, ou isentos, e com opção de englobamento, quando obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito dessas atividades.
p) A solução gizada pelo legislador relativamente aos rendimentos respeitantes às unidades de participação na titularidade de sujeitos passivos do IRC obedecia a uma técnica de «quase transparência fiscal», a qual assegurava, grosso modo, que a tributação final dos rendimentos que afluíam aos Fundos, seria a que ocorreria na esfera jurídico-tributária dos participantes, funcionando o imposto retido ao fundo ou por este devido como pagamento antecipado por conta do imposto devido a final pelos titulares das unidades de participação.
q) Por conseguinte, quando os rendimentos respeitantes às unidades de participação passavam para a esfera jurídica dos participantes – sujeitos passivos de IRC, a figura dos Fundos esbatia-se – daí a designação de transparência – atingindo diretamente, através de um sistema de tributação integrada, os participantes, ficcionando a lei que também lhes «pertencia» o imposto associado aos rendimentos distribuídos ou apurados no resgate das unidades de participação.
r) É este sistema de tributação integrado dos Fundos e dos participantes, assente na técnica típica dos regimes de transparência fiscal que tem de enquadrar a interpretação da norma do art.º 22.º, n.º 3 do EBF e que aliás está refletido na redação do n.º 4 do mesmo artigo:
“Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português que, em consequência de isenção, não estejam obrigados à entrega da declaração de rendimentos, o imposto retido ou devido nos termos do n.º 1, correspondente aos rendimentos das unidades de participação que tenham subscrito, deve ser restituído pela entidade gestora do fundo e pago conjuntamente com os rendimentos respeitantes às unidades de participação”.
s) Deste modo, um sujeito passivo isento de IRC deveria ser compensado, mediante restituição, pelo imposto pago na esfera do Fundo, de modo que os rendimentos obtidos ficassem desonerados de tributação, como sucederia se os mesmos tivessem sido obtidos diretamente.
t) Nas situações em que os titulares das unidades de participação não beneficiam de isenção, o art.º 22.º, n.º 3 do EBF estabelecia que o “montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º [atual art.º 90.º] do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS.”, o que vale por dizer que se subsumia nas deduções previstas no n.º 2, em concreto, na alínea e) “A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável”.
u) Ora, justamente, as retenções na fonte a que alude o art.º 90.º, n.º 2, alínea e), do Código do IRC têm a natureza de imposto por conta e respeitam a rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos que tenham sido incluídos no lucro tributável/matéria coletável, pelo montante ilíquido do imposto retido na fonte.
v) Por isso, não se pode dissociar a norma do art.º 90, n.º 2 do Código do IRC da correção prevista no art.º 68.º, n.º 2 do mesmo Código, que impõe o chamado “gross-up” dos rendimentos, nos casos em que são contabilizados pela importância efetivamente recebida, havendo então que proceder ao acréscimo do imposto suportado a título de retenção na fonte no âmbito da determinação do lucro tributável.
w) O atual regime de tributação dos OIC, instituído pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio, portanto, alterar por completo o paradigma de tributação deste tipo de entidades. Antes da entrada em vigor daquele diploma (1 de julho de 2015), a tributação incidia exclusivamente sobre os rendimentos gerados pelos Fundos, ficando os participantes, quer fossem pessoas singulares ou coletivas, dispensados de retenção na fonte.
x) Após a publicação do novo regime de tributação dos OIC, feita através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que, entre outras situações, alterou o artigo 22.º do EBF, no qual se passou a contemplar apenas o regime fiscal aplicável aos próprios OIC, tendo ao mesmo tempo sido aditado ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artigo 22.º-A, que passou a contemplar o regime de tributação aplicável aos participantes.
y) Donde foi introduzido um regime transitório que visou designadamente garantir que não haveria um agravamento fiscal para os contribuintes, designadamente com a possibilidade de ocorrência de situações de dupla tributação (cfr. artigo 7.º).
z) Foi estabelecido, pois, que as novas regras, previstas no artigo 22.º do EBF, eram apenas aplicáveis aos rendimentos gerados após o dia 1 de julho de 2015, data em que entrou em vigor a nova lei, ficando os rendimentos gerados pelos OIC e os seus participantes, antes daquela data, sujeitos ao regime de tributação antigo.
aa) Se, até ao dia 1 de julho de 2015, não tiverem sido distribuídos ou resgatados os rendimentos gerados pelo OIC até essa data, consideram-se distribuídos estes rendimentos, em primeiro lugar e até à sua concorrência, sendo-lhes aplicável o disposto no regime antigo.
bb) Neste sentido a circular n.º 6/2015, de 17 de junho, sublinha no ponto 47, ilustrado com vários exemplos que, no caso de rendimentos distribuídos por um OIC, ou que derivem do resgate das respetivas unidades de participação o imposto retido ou devido, nos termos da redação anterior do artigo 22.º do EBF, é imputado aos titulares daqueles rendimentos, tendo o dito imposto a natureza de imposto por conta.
cc) Assim sendo, para efeitos de determinação do lucro tributável, os rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento deverão ser considerados pelo seu valor ilíquido, isto é, ao montante do rendimento pago decorrente da posse das unidades de participação deverá ser acrescido o montante correspondente ao imposto retido ou devido nos termos da anterior redação do art.º 22.º do EBF, o qual é considerado como imposto por conta do IRC devido a final, nos termos da anterior redação do n.º 3 do art.º 22.º do EBF, dando-se, desta forma, cumprimento ao estabelecido no n.º 2 do art.º 68.º do CIRC, que prevê, relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, que o montante a considerar na determinação da matéria coletável, é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte.
dd) É, pois, entendimento consolidado da AT que sendo a Requerente uma pessoa coletiva de direito privado sujeita e não isenta de IRC, enquadrada para efeitos de tributação no Regime Geral de Tributação, o direito à dedução, quer seja a título de retenções na fonte, quer seja a título de imposto por conta, pressupõe a obtenção de rendimentos sujeitos a tributação, ou seja, a dedução à coleta do imposto por conta associado às Unidades de Participação detidas pela A..., SA está condicionada à consideração, para efeitos de determinação do lucro tributável, do valor ilíquido gerado pelo fundo de investimento.
ee) A contabilização dos rendimentos auferidos pelo seu valor ilíquido assegura o respeito pelo princípio da igualdade na sua dimensão de tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real, tal como determina o artigo 104.º, n.º 2, da CRP.
ff) Só com a inclusão do valor bruto dos rendimentos na matéria coletável se assegura que os contribuintes são tributados pela totalidade da capacidade contributiva demonstrada, sendo certo que ainda lhes é conferido o direito a deduzir à coleta o imposto anteriormente suportado na esfera do fundo de investimento.
gg) Por outro lado, resulta do n.º 4 do artigo 22.º do EBF (na redação até 30-06-2015), que o imposto retido nos termos do n.º 1 é um montante que pertence ao titular das unidades de participação (UP) prevendo as situações em que o titular de UP não seja obrigado à entrega de declaração de rendimentos (não englobando, por isso, tais rendimentos) a lei dispõe que o imposto retido ou devido à entrada no fundo que corresponda aos rendimentos das suas UPs “deve ser restituído pela entidade gestora do fundo e pago conjuntamente com os rendimentos respeitantes a estas unidades.”
hh) Cumpre assim concluir que o montante de imposto imputável aos rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento deve ser considerado parte dos rendimentos, para efeitos da determinação do rendimento tributável, devendo ser englobado nos rendimentos recebidos do fundo, considerando-se o seu valor ilíquido da “retenção na fonte” que lhe foi imputada, como determina o n.º 2 do artigo 68.º do CIRC.
ii) Desta forma e tendo presente a neutralidade fiscal subjacente à ratio legis do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, só assim se verifica que o imposto suportado na esfera do Fundo e que corresponde ao rendimento auferido pela Requerente que vai ser deduzido em igual montante à coleta do IRC, permite precisamente neutralizar o adiantamento do pagamento do imposto e assegurar que apenas ocorre um nível de tributação, como se o investimento tivesse sido feito diretamente pela Requerente (lógica de “transparência fiscal” ).
jj) Sendo a própria Requerente que reconhece que os rendimentos foram contabilizados pelo valor ilíquido (e confirmado pelos documentos inerentes ao processo) e tendo deduzido à coleta, no campo 359 – Retenções na fonte, do Quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22, de 2019, o valor de € 710.140,23, agiu a mesma corretamente, não merecendo censura o procedimento por si efetuado.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) A requerente exerce a Atividade de Seguro e Resseguro dos ramos Vida e Não Vida.
b) É sujeito passivo de IRC, de acordo com o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 2.° do respetivo Código, estando sujeito ao regime geral de tributação.
c) Em pedido apresentado na UGC por email de 2024-06-06, a requerente, nos termos previstos no número 1 do artigo 78.° da LGT, solicitou o pedido de revisão oficiosa do ato tributário de autoliquidação em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativo ao período de tributação de 2019, consubstanciado na declaração periódica de rendimentos, modelo 22, submetida em 2020-07-28 3, da qual resultou a liquidação n.° 2020 ..., datada de 2020-08-05, de valor nulo.
d) Fundamenta o pedido de revisão num alegado erro praticado na autoliquidação do IRC, relativa ao período de tributação de 2019, consubstanciado no facto de entender ter considerado indevidamente no apuramento da matéria coletável o valor de € 710.140,23, referente ao imposto suportado pelo Fundo de Investimento Imobiliario Fechado B... e que lhe foi imputado aquando do pagamento de rendimentos resultantes da detenção de 1 349 235 unidades de participação, conforme declaração emitida pela D..., SA.
e) Argui que esse montante de € 710.140,23 sendo correspondente a imposto por conta pago pelo Fundo, referente a proporção de UP's por si detidas, devia ter sido expurgado para efeitos de determinação do lucro tributável, conforme considera estar prescrito no n.° 3 do artigo 22.° do EBF.
f) A declaração periódica de rendimentos de IRC que consubstancia a autoliquidação relativa ao período de tributação de 2019 foi submetida em 2020-07-28 10.
g) A liquidação de IRC cuja revisão é solicitada foi emitida em 2020-08-05.
h) Analisado o pedido de revisão pela UGC foi entendido que o ato tributário ora em apreço não enferma de qualquer erro.
i) Deste modo o projeto de indeferimento foi convertido em definitivo tendo sido indeferido o pedido formulado com todas as consequências legais.
j) Desta decisão foi a requerente notificada por via do ofício nº ..., datado de 10/02/25.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos ao processo e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
IV. 2.A. Quanto à exceção de incompetência material
A Requerida vem suscitar a exceção dilatória de incompetência material, alegando, para o efeito, que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
Conclui que se verifica a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A posição sustentada pela Requerida é conhecida, louvando-se essencialmente no que conclui ser o ensinamento de Jorge Lopes de Sousa. Sucede não ser esse o entendimento que vem sido perfilhado pelo STA, concretamente no seu acórdão proferido no processo n.º 01958/13, de 14 de Maio de 2015.
Citamos:
“A decisão sindicada considerou que do indeferimento do pedido de revisão dos actos tributário com base na sua intempestividade cabia acção administrativa especial. (...)
Sucede que a informação que precede o referido despacho de indeferimento, exarado como se disse em concordância com tal fundamentação, não faz apenas referência ao decurso de prazos para concluir pelo indeferimento do pedido.
Tal informação alicerça a proposta de indeferimento do pedido de revisão na seguinte fundamentação: por um lado considerou-se que o pedido de revisão apresentado com fundamento em ilegalidade não foi apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa referido na 1a parte do n° 1 do artigo 78° da LGT; por outro lado entendeu-se não ter havido erro imputável aos serviços na medida em que as liquidações de IRC foram emitidas em tempo oportuno com origem nos documentos de correcção elaborados - DC 22.
Mais se ponderou que a liquidação teve por base o relatório da inspeção tributária em que se concluiu que a não consideração como custos do conjunto de faturas nele elencadas resulta do facto de se ter apurado que as mesmas não correspondiam a serviços prestados ao sujeito passivo e, por isso, não podiam ser considerados como custos para efeitos de IRC nos termos do artigo 23° do Código de IRC.
E, com base nesta argumentação, a proposta de indeferimento do pedido de revisão concluiu que não se verificou qualquer ilegalidade nem a existência de qualquer erro imputável aos Serviços.
Em suma, no caso vertente estava em causa a legalidade do ato tributário de liquidação, sendo que a decisão do diretor distrital de finanças ao indeferir o pedido de revisão com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.
Assim, é de concluir que no presente caso, ao atacar contenciosamente aquele despacho pela via da impugnação judicial, e não por via de acção administrativa especial, a recorrente utilizou o meio processual adequado.”
O decidido pelo STA é inequívoco e é totalmente transponível para o caso ora em análise: o meio processual adequado para atacar contenciosamente uma decisão de indeferimento de um pedido de revisão por não verificação dos respetivos pressupostos – a inexistência de erro imputável aos serviços – é o processo de impugnação.
Na apreciação do pedido de revisão oficiosa, a AT considera que aquela “pode ser efectuada "no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”. Assim, “a revisão oficiosa dos actos tributários depende da verificação cumulativa de duas condições: que não tenham decorrido quatro anos após a liquidação (a menos que o tributo não tenha sido pago) e que se verifique a existência de um erro imputável aos serviços”.
Igualmente conclui a Requerida que “no caso em apreço, apesar de ainda não ter terminado o prazo de quatro anos previsto para o efeito, afigura-se-nos não ser possível proceder à revisão oficiosa dos actos em causa, por não se verificar a existência de erro imputável aos serviços”.
A decisão de indeferimento concretiza o fundamento da inexistência desse erro: “[a] substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. Ou seja, o substituto não substitui a AT, mas sim o sujeito passivo”. Pelo que “contrariamente ao raciocínio defendido pelos Requerentes, o erro praticado pelo substituto não é imputável à AT, mas sim, quando muito, ao sujeito passivo”.
A decisão identifica expressamente o fundamento para a inexistência de erro imputável aos serviços, comportando a apreciação da legalidade, na medida em que decide pela ausência de um requisito material – erro imputável aos serviços – de que depende a (im)procedência do pedido.
Podemos sintetizar a posição do STA, estando em causa o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa por intempestividade, como se segue:
· O indeferimento por intempestividade do pedido de revisão por terem sido ultrapassados os prazos previstos no n.º 1 do artigo 78.º para a sua apresentação é sindicável através de ação administrativa; e
· O indeferimento por "intempestividade" mas que, na realidade, constitui um indeferimento por inadmissibilidade legal do pedido, o que ocorre sempre que a AT considera que o pedido não é admissível face à inexistência de um erro imputável aos serviços (o que comporta a apreciação dos fundamentos que suportam o pedido de revisão), o qual é sindicado através de impugnação judicial.
Não podemos deixar de concordar com esta visão, que, a nosso ver, é expressão de um correto entendimento que resulta da natureza, legalmente expressa, do contencioso tributário como sendo de plena jurisdição.
Nas palavras de Aroso de Almeida “[o] processo de anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos possui um objecto compósito, na medida em que a pretensão que nele é deduzida pelo autor tem uma dupla dimensão: por um lado, dirige-se à concreta anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado, fundada no reconhecimento da sua invalidade; mas, por outro, também se dirige ao reconhecimento, por parte do tribunal, de que a posição que a administração assumiu com o acto impugnado não era fundada (...). Nesta segunda dimensão, o objeto do processo é, assim o acertamento negativo do poder manifestado através do ato impugnado em que ele foi praticado”.
O acórdão do STA acima citado corresponde à jurisprudência mais recente, aparecendo replicada em outras decisões dos tribunais superiores.
Sendo o objeto do processo a legalidade das liquidações impugnadas e o meio processual próprio para tal o processo de impugnação, resulta inquestionável a afirmação da competência deste tribunal arbitral em razão da matéria, atento o disposto no artigo 2.º do RJAT. Com efeito, é pacifico que a competência dos tribunais arbitrais, em razão da matéria, coincide com o âmbito do que aos tribunais judiciais cabe apreciar através do processo de impugnação.
Pelo que improcede a exceção dilatória alegada pela Requerida.
IV. 2.B. Quanto ao Thema Decidendum
A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a interpretação do disposto no artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e sua aplicabilidade à data do pagamento daqueles rendimentos (2019), face à norma de direito transitório constante do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que procedeu à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento coletivo.
Resulta dos elementos de prova fornecidos pela Requerente que relativamente aos rendimentos distribuídos no período de tributação de 2019, há uma parte que foi gerada até 30-06-2015, ou seja, rendimentos gerados anteriormente à entrada em vigor do novo regime fiscal aplicável quer aos Fundos de Investimento/Organismos de Investimento Coletivo (OIC), quer aos respetivos participantes.
E, assim sendo, é nosso entender que é-lhes aplicável o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF, na redação em vigor antes da alteração produzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, bem como o regime transitório imposto por este mesmo diploma.
Aliás, é isso mesmo que está refletido na declaração (Documento n.º 6, junto ao PPA) emitida à Requerente pela D..., sociedade Gestora do B...- FIIF, que especifica que no pagamento dos valores relativos às UP's, na sequência da liquidação do Fundo reportada a 27 de dezembro de 2019, há uma parte que é derivada de rendimentos gerados até 30 de junho de 2015, correspondendo, nos termos do regime transitório previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro e para efeitos do disposto nos números 2 a 5, 7 e 1.º do artigo 22 do EBF, na redação em vigor até 1 de julho de 2015, o imposto apurado na esfera do Fundo a € 710 140,23.
Ora, no período a que respeitam os rendimentos, dispunha o citado n.º 3 do artigo 22.º, do EBF:
“Artigo 22.º - Fundos de investimento
(…)
3 - Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º [atual artigo 90.º] do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS.
(…)”
E, de acordo com a norma de direito transitório do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em especial os seus números 1, 9 e 10:
“Artigo 7.º - Regime transitório
1 — As regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015.
(…)
9 — A tributação dos rendimentos das unidades de participação ou das ações auferidos pelos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, nos termos do novo artigo 22.º -A do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma, considerando-se, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo presente decreto -lei ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.
10 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar e até à sua concorrência, os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada pelo presente decreto-lei e que, até essa data, não tenham sido distribuídos ou resgatados, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 a 5, 7, 10 e 14 do artigo 22.º, na redação anterior.
(…)”.
Resulta da norma do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos mencionados nos n.ºs 1 e 7 do mesmo artigo (fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, respetivamente), obtidos por sujeitos passivos de IRC, não estavam sujeitos a retenção na fonte na esfera dos respetivos titulares, sendo considerados como proveitos ou ganhos destes, e que o montante do imposto retido ou devido aos e pelos fundos tinha a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no (então) artigo 83.º [atual artigo 90.º] do Código do IRC.
Ou seja, os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento, na anterior redação do artigo 22.º, do EBF, eram tributados na esfera dos fundos, não estando sujeitos a tributação na esfera dos titulares das unidades de participação (segundo uma lógica de tributação à entrada e isenção à saída), contribuindo para a formação da respetiva matéria coletável e sendo o imposto suportado pelos fundos dedutível à coleta dos titulares das unidades de participação, sujeitos passivos de IRC.
Porém, da literalidade da norma do n.º 3 do artigo 22.º, não resulta que o imposto pago pelos Fundos (designadamente por retenção na fonte) devesse acrescer aos rendimentos efetivamente pagos aos titulares das unidades de participação e que devesse contribuir para a formação da matéria coletável destes, pelo seu valor ilíquido.
Na perspetiva da AT, embora o regime descrito se tivesse mantido em vigor para os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º, do EBF, pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, e que à data do início da sua vigência não tivessem sido distribuídos, tal regime implicaria que, tendo as retenções na fonte efetuadas na esfera dos fundos a natureza de pagamento por conta do imposto devido pelos titulares das unidades de participação (artigo 90.º, n.º 2, alínea e), do Código do IRC), não poderiam as mesmas dissociar-se “da correção prevista no art.º 68.º, n.º 2 do mesmo Código, que impõe o chamado “gross-up” dos rendimentos, nos casos em que são contabilizados pela importância efetivamente recebida, havendo então que proceder ao acréscimo do imposto suportado a título de retenção na fonte no âmbito da determinação do lucro tributável”, já que, “se o legislador equiparou o “montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1” a “retenção na fonte de IRC” com a natureza de imposto por conta, associou-lhe a consequência legal que tal assimilação implica, que se traduz na inclusão no lucro tributável dos rendimentos ilíquidos (…)”. (artigos 70.º e 71.º, da Resposta).
É a seguinte a redação do n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC, em vigor à data do pagamento dos rendimentos englobados pela Requerente:
“Artigo 68.º – Correções nos casos de crédito de imposto e retenção na fonte
(…)
2 – Sempre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria coletável é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte.
(…).”
Ora, tampouco resulta do teor literal do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que os rendimentos pagos pelos fundos de investimento aos titulares das unidades de participação fossem onerados com retenção na fonte de imposto, uma vez que a norma refere expressamente que “os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte”.
Não estando os rendimentos auferidos pela Requerente em 2019, gerados nos anos anteriores a 2015 (conforme declaração junta sob o Documento n.º 6) e relativos a unidades de participação num fundo de investimento imobiliário, sujeitos a retenção na fonte, não podem os mesmos ter enquadramento no disposto no n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC.
Efetivamente, importa ter presente que a isenção de retenção na fonte sobre os rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento, obtidos por sujeitos passivos de IRC, tem natureza de benefício fiscal e que as normas que estabelecem benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica (artigo 10.º, do EBF), para que, contrariando a ratio legis, possam ser interpretadas à luz de outros normativos, designadamente do n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC.
Não sendo invocável, pelos motivos apontados, a norma do n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC, haverá, pois, que concluir, que o n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, “permitia, a um sujeito passivo de IRC, deduzir à coleta, do exercício, imposto pago (através de retenção na fonte ou não) por um fundo de investimento [i]mobiliário, sem que, previamente, na competente autoliquidação, tivesse de adicionar, a importância correspondente a esse imposto, aos demais valores constitutivos/integrantes da respetiva matéria coletável.”.
Por outro lado, não colocando a AT em causa nem o montante dos rendimentos auferidos pelas sociedades do Grupo liderado pela Requerente, respeitantes a unidades de participação num fundo de investimento imobiliário, nem o imposto suportado pelo Fundo pagador, valores documentalmente comprovados e confirmados na decisão de indeferimento da revisão oficiosa do ato tributário deduzida contra a autoliquidação de IRC do exercício de 2019, resta concluir pela ilegalidade de tal decisão, por erro sobre os pressupostos de Direito, bem como da mesma autoliquidação, na parte referente ao acréscimo das retenções na fonte suportadas pelo Fundo de investimento, que devem ser anuladas.
Quanto aos juros indemnizatórios, e nos termos do decidido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, “em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à Administração Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43.º, números 1 e 3, da LGT.”
Assim, a liquidação e cobrança de imposto em violação do Direito da União Europeia confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, o que é jurisprudência pacífica (cf., entre outros o acórdão do STA de 14.10.2020 no processo n.º 01273/08).
Porém, há que considerar que a al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
Assim, tendo em conta que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 06.06.2024, apenas serão devidos juros indemnizatórios a partir de 06.06.2025.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente a exceção invocada pela Requerida;
b) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com as demais legais consequências;
c) Anular a decisão de indeferimento expresso da revisão oficiosa apresentada contra aqueles atos tributários anulados, com as legais consequências;
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas deste processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 223.248,41, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 4.284,00, a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 11 de dezembro de 2025
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Raquel Franco)
(Rui Miguel Zeferino Ferreira)
([1]) O valor pago a título de rendimento do Fundo B... atribuível à Requerente com base nas unidades de participação detidas, expresso no Aviso de Lançamento emitido pelo Banco C..., encontra-se excessivo em € 100.712,55, montante este que foi corrigido no período de tributação seguinte, i.e. 2020, conforme extrato do lançamento contabilístico da rúbrica #6753035711, que se junta como Documento n.º 9.
([2]) A este respeito, e para melhor compreensão, cumpre referir que nos extratos contabilísticos são referidas as rúbricas de rendimento #5222001701 e de balanço #242100100 de acordo com o plano de contas usado internamente para facilitar o reporte ao nível das demonstrações financeiras consolidadas do Grupo.
([3]) A este respeito, e conforme referido anteriormente, o rendimento inscrito na rúbrica #7421231300 encontra-se excessivo em € 100.712,55, o qual foi reembolsado ao Banco C..., S.A. no período de tributação seguinte, conforme Documento n.º 9.
([4]) Corresponde à taxa média de derrama municipal aplicada na Declaração Modelo 22 do período de tributação de 2019.