SUMÁRIO:
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Quando a lei e o direito da UE permitem a utilização de um crédito fiscal até certo limite, não pode uma norma inferior impedir o uso do RFAI para o concretizar.
2. A Requerida considerou o montante de 18.750.000 Euros, que constitui o limiar de notificação à Comissão Europeia, a que se referem as disposições conjugadas do artigo 7.º do CFI e a alínea n) do n.º 20 das OAR, como sendo o valor máximo do benefício fiscal, pelo que, baseando-se as correções tributárias em tal fundamento, as liquidações impugnadas enfermam de violação de lei.
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Nos termos do nº 2 do art. 124º do CPPT deve conhecer-se, em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu, assim se assegurando tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente), Dr. Nuno Filipe Raposo Jacinto (Adjunto e Relator) e Prof.ª Doutora Cristina Aragão Seia (Adjunta), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., ..., B..., S.A. com o número de identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., ... e C..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., ... ... ..., ..., doravante abreviadamente e conjuntamente designadas por “Requerentes”, apresentaram Pedido de Pronúncia Arbitral (adiante “PPA”), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”) e no artigo 99.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT).
O presente PPA tem por objeto a ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do período de tributação de 2020, na parte contestada.
É ainda peticionada a condenação da AT na devolução às Requerentes do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, conforme ao artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 16-04-2025.
Os Requerentes optaram por não designar Árbitros.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foram os árbitros designados pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 03-06-2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 25-06-2024.
A 26-06-2025, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional nos termos e prazo do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, o que apresentou, em 15-09-2025.
Por despacho arbitral de 01-10-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por estar em causa uma mera questão de direito.
II. SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES
II. 1. Das Requerentes
As Requerentes iniciam o PPA enunciando os pressupostos do mesmo. Deste modo e resumidamente, o pedido tem como objeto “a liquidação adicional de IRC e as liquidações de juros compensatórios, respeitantes a 2020, de que foi a A... notificada enquanto sociedade dominante de Grupo D..., grupo tributado ao abrigo do RETGS”. Adicionalmente, as Requerentes mencionam que “a liquidação de IRC concretizou, ao nível do Grupo, as correcções individualmente sustentadas ao resultado tributável de algumas das sociedades naquele incluídas, efectuando ainda correcções ao cálculo do imposto do Grupo D...”.
Na conclusão desta introdução, as Requerentes abordam o tema da tempestividade do PPA, referindo que “A data limite de pagamento da liquidação (9 de Janeiro de 2025) determinou o início do prazo de 90 dias para a dedução de pedido de pronúncia arbitral (…) prazo que termina apenas em 9 de Abril de 2025, pelo que o presente pedido se mostra totalmente tempestivo”.
Após esta introdução, foram apresentadas as correções determinadas pela inspeção tributária e a explanação do objeto do presente PPA, referindo-se que a AT “desenvolveu acção de inspecção interna à B... no que respeita ao exercício de 2020, iniciada em 16 de Abril de 2022, tendo esta sociedade sido notificada do Relatório Final de Inspecção em 18 de Agosto de 2024”, também, relativamente ao exercício de 2020, a AT “conduziu acção de inspecção interna à C..., iniciada em 28 de Fevereiro de 2023, tendo esta sociedade sido notificada do Relatório Final de Inspecção em Setembro de 2024”.
Na sequência desta ações inspetivas, foi aberta a ordem de serviço n.º OI2024..., tendo a AT efetuado “uma acção de inspecção interna ao Grupo D..., iniciada em 10 de Maio de 2024, tendo notificado a A... do respectivo Projecto de Relatório de Inspecção em Outubro de 2024 (..) A A... foi notificada do Relatório Final de Inspecção do Grupo em Novembro de 2024 (…) Neste último RIT, a AT concretizou as correcções sustentadas a nível individual quanto a algumas das sociedades do Grupo, incluindo a B... e a C..., e correcções ao cálculo do imposto do Grupo D...”, determinando-se a “liquidação adicional de IRC n.º 2024... e das liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2024... e 2024..., no seguimento da qual se apura um valor a pagar de € 2.066.637,49 até 9 de Janeiro de 2025”, correspondente ao Acerto de contas n.º 2024..., tendo-se procedido ao pagamento do valor adicionalmente liquidado dentro do prazo legal , i.e. a 31/12/2024.
O presente PPA coloca em causa as seguintes correções:
i) Correcção ao cálculo do imposto pela reposição de benefícios fiscais de € 831.715,38, respeitante à B...;
ii) Correcção ao cálculo do imposto pela reposição de benefícios fiscais de € 512.015,03, respeitante à C... .
As correções contestadas, materializam-se no montante de € 1.343.730,41 respeitante à reposição de benefícios fiscais e de € 179.726,25 respeitante a juros compensatórios e de mora.
As Requerentes afirmam que o “investimento feito nas últimas décadas pelo Grupo D... incluiu dois contratos de investimento celebrados entre o Estado Português e a C..., em 2014, e entre o Estado Português e a B..., em 2017” tendo, em ambos os casos, sido reconhecida a importância estratégica, para o desenvolvimento regional (no distrito de...), equilíbrio da balança comercial, atração de pessoas e redução do desemprego como ficou patenteado na defesa apresentada pelo Estado Português perante a Comissão Europeia, tendo este obtido uma decisão favorável.
As Requerentes afirmam, que foi essencial à aprovação deste auxílio “a constatação de que, sem o auxílio, o investimento em causa não poderia ser realizado”, não compreendendo que “anos volvidos sobre os vários investimentos efectuados (…) o Estado Português, através da AT, vem agora dar o dito pelo não dito, e recusar ser possível o aproveitamento do valor total do auxílio que, pelo mesmo Estado Português, foi defendido perante a Comissão Europeia e expressamente aprovado por esta”. Acresce que, a este montante já foram investidos “mais 100 milhões de Euros em investimentos de substituição para assegurar a perenidade da fábrica de pasta de ..., a qual data de 1953 e que emprega hoje 248 pessoas”.
As Requerentes mencionam ainda que “a AT actua contra decisão da Comissão Europeia que autorizou expressamente o incentivo ao projecto ... a conceder pelo Estado Português mediante um incentivo financeiro reembolsável e um benefício fiscal concedido na forma de crédito de imposto, utilizável em sede de IRC (cf. Decisão C(2019) 5594 da Comissária Margrethe Vestager que se junta como doc. n.º 9 em anexo). (…) Na decisão emitida pela Comissão Europeia em 31 de Julho de 2019, ficou estabelecido ser de 26,2 milhões o «montante ajustado de auxílio» para o “projecto de investimento único”, em valores de 2014. (…) Valor que nem a AT alega ter sido ultrapassado, ou sequer alcançado, mesmo somando os incentivos financeiros com os benefícios fiscais, qualquer que seja o período considerado”.
Culminando na verdadeira questão do processo que é a de que “a AT afasta a decisão da Comissão Europeia não pela violação de qualquer dos seus termos, mas apenas com base na tese peregrina de que, tendo o auxílio sido usufruído, por opção do contribuinte, através de um incentivo regional, a saber RFAI, que lhe confere igualmente crédito de imposto, utilizável em sede de IRC, então, ao invés, dos limites referidos, estabelecidos pela Comissão Europeia, e integralmente respeitados, o limite do incentivo seria, independentemente das aplicações relevantes, de apenas € 18.750.000,00, valor que corresponde, na verdade e tão-somente, ao limiar da notificação dos auxílios de Estado (e não a qualquer limite máximo aplicável a auxílios estatais com finalidade regional) (…) Isto mesmo foi formalmente reconhecido pelo próprio Estado Português, representado pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E. (“AICEP”)”.
Quanto à matéria de facto, as Requerentes argumentam que, num primeiro passo, “No final de 2014, o Grupo D... adoptou uma estratégia para diversificar seu portfólio industrial e comercial e entrar num mercado, o do tissue, que tinha um potencial de crescimento maior do que o mercado de papel de impressão e escrita (UWF) que havia sido, até então, o único mercado de papel — além do mercado da pasta — fornecido pela A... . (…) 10 anos volvidos, o tissue representa já 23% das vendas do Grupo D... que, em 2024, ascenderam a mais de 2.088 milhões de Euros, sendo o Grupo o terceiro maior exportador nacional, com o maior valor acrescentado bruto de origem nacional (…) O primeiro passo para a implementação da referida estratégia de diversificação foi a aquisição da empresa E... S.A., em Fevereiro de 2015, que detinha fábrica de ... em ... (…) Esta fábrica produz cerca de 60 ktons de papel tissue”.
O segundo passo na estratégia das Requerentes foi no sentido de “criar uma nova planta para a produção e conversão de papel tissue e que está na origem deste dissídio”. Deste modo, no “início de 2015, o Grupo D... começou a explorar a possibilidade de construir uma planta de produção de papel tissue ao lado de sua recentemente ampliada fábrica de produção de pasta em ..., tendo incorporado em Março desse ano a F..., S.A., hoje B...”.
Com este projeto, “visava-se diversificar a gama de produtos e aumentar a integração vertical através da introdução da produção de papel tissue, à semelhança do efectuado anteriormente nos sites da ... e de ... com o papel UWF”. Contudo, ao analisar “o investimento necessário e os resultados financeiros esperados, os quais se mostravam insuficientes face ao primeiro, o Conselho de Administração da A... concluiu que, sem um eventual incentivo estadual, o investimento não poderia prosseguir por não ser suficientemente rentável”, o que se veio a verificar já que “com referência ao final de 2021, as vendas e o EBITDA sido inferiores ao projectado em 26,3% e 47,6%”. Assim, o “auxílio posteriormente atribuído constituiu incentivo imprescindível ao Grupo D... à adopção de uma decisão de investimento ponderada”, tendo, por isso, a candidatura (ao denominado projeto...) sido realizada em novembro 2015 e a respetiva decisão favorável ocorrido em fevereiro de 2017.
O projeto ... implicou “um investimento de 120 milhões de Euros, resultando na implementação, em ..., de uma máquina de produção de papel, com 4 linhas de transformação, dotada de tecnologia inovadora, visando posicionar o Grupo D...como o terceiro maior produtor ibérico de tissue, com uma capacidade total de produção de 130.000 toneladas, sendo 120.000 toneladas de converting (produto acabado) (…) para além de activos industriais de grande escala e sofisticação, beneficiaria (e beneficia) ainda da integração a montante com uma fábrica, também do Grupo D..., de pasta de eucalipto de elevada qualidade, operada pela C..., o que lhe possibilita obter vantagens competitivas, não só quanto aos custos de produção, mas sobretudo no que tange a eficiências energética e ambiental. (…) Como resultado do investimento e tirando partido da localização estratégica junto ao porto de ..., o Grupo D... pretendia impulsionar as suas exportações de papel tissue, com produtos de alta qualidade e elevados níveis de serviço”.
Após este enquadramento, as Requerentes descrevem o processo de candidatura aos incentivos financeiros e fiscais obtidos junto do AICEP, cujos méritos foram avaliados nos termos do Regime Contratual de Investimento, “tendo-se concluído pelo seu interesse especial e estratégico para a economia portuguesa” e cujos principais argumentos foram de que o projeto “reveste caráter inovador a nível internacional e nacional”, “tem um efeito de arrastamento nas actividades a montante e a jusante, principalmente nas PME”, “tem impacte no desenvolvimento da região de implantação”, “apresenta interesse estratégico para a economia portuguesa”, “contribui para o aumento das exportações nacionais de bens ou serviços” e “contribui para a criação de postos de trabalho altamente qualificados”. Assim, a 13/12/2017 foi celebrado entre a AICEP (em representação do Estado Português) a A..., a B... e a G..., SGPS, S.A. um contrato de investimento (cf. doc. n.º 13), tendo sido estabelecido “como objectivo o investimento de € 120.476.103,80 a realizar pela B...”, bem como “objectivos de criação de emprego, de volume de vendas (em toneladas) e de valores de valor acrescentado bruto”.
Resultante do mencionado contrato, “o Estado assumiu o compromisso de atribuir ao projecto um incentivo financeiro reembolsável até ao valor máximo de € 42.166.636,33, no qual se inclui o montante de € 1.861.090,00 atribuído ao abrigo da regra de “minimis” (…) O incentivo atribuído corresponde à aplicação da taxa de 35% sobre o montante das despesas consideradas elegíveis (…) Naquele contrato ficou previsto que o incentivo reembolsável seria atribuído pelo prazo total de 8 anos, no qual se incluía um período de carência de capital de 2 anos, sendo concedido sem pagamento de juros ou outros encargos e sendo reembolsado em prestações semestrais, iguais e sucessivas, que tiveram início em 2 de Maio de 2022”.
Ainda assim, o referido projeto ficou sujeita às seguintes condições:
(i) Demonstração pela B... de um adequado financiamento do projeto por capitais próprios.
(ii) A concessão do incentivo financeiro fica condicionada à aprovação do projeto pela Comissão Europeia;
(iii) O pagamento do incentivo financeiro fica sujeito às condições que resultarem da decisão da Comissão Europeia.
Relativamente ao supramencionado ponto (ii), e por se tratar de um investimento acima dos 100 milhões de Euros, o Estado Português notificou (em 31 de Outubro de 2017) a Comissão Europeia dos auxílios regionais a conceder à B..., submetendo o necessário formulário, tendo-se seguido um processo de Due Dilligence e emitindo a Comissão Europeiadecisão favorável em 31 de Julho de 2019 (cf. Decisão C(2019) 5594 da Comissária Margrethe Vestager).
No seguimento desta explanação, as Requerentes detalham o processo de cálculo do montante máximo de auxílio aprovado pela Comissão Europeia, referindo que “a AICEP procedeu ao cálculo da intensidade de auxílio tendo (…) alcançando o valor máximo de 26,7 milhões”. Aproveitando o ensejo para mencionar que, nos termos do parágrafo (57) da decisão da Comissão, o auxílio regional foi concedido cumulativamente por um incentivo financeiro reembolsável e um benefício fiscal concedido na forma de crédito de imposto, utilizável em sede de IRC.
A Comissão Europeia concluiu que “intensidade máxima do auxílio notificado a conceder pelo Estado Português para o investimento da B... na fábrica de papel tissue, de 17,5%, foi adequadamente determinada” entendendo que “o «montante ajustado de auxílio» para o projecto de investimento único, de 26,2 milhões em valores de 2014, tinha igualmente sido adequadamente calculado e era respeitado pelo incentivo proposto”. Mais ainda, “a Comissão Europeia considerou que os efeitos positivos substanciais do auxílio no desenvolvimento regional da área de ... (..., ...) e, em particular, os efeitos do investimento na geração de emprego e rendimento, superariam claramente quaisquer efeitos negativos no comércio e na concorrência”. Em resumo, a Comissão Europeia decidiu “não levantar objecções ao auxílio, com base no facto de ser compatível com o mercado interno”.
Antes de entrar na parte do Direito, as Requerentes aproveitam para caraterizar o novo investimento - como parte de um projeto de investimento único e iniciado em 2014. Deste modo, o projeto “de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de...”, iniciado pela B... em 2014, que foi considerado pela AICEP para efeitos de aferição dos limites aplicáveis perante um “projecto de investimento único” foi um projecto de investimento plurianual que consistiu na expansão da actividade da unidade industrial da C... de 294 mil toneladas, para 353 mil toneladas, e na instalação das tecnologias mais inovadoras disponíveis no mercado com vista ao reforço da posição tecnológica e de produtividade da empresa”, registando-se um investimento superior a 56 milhões de euros, no período que “decorreu entre 1 de Março de 2014 e 30 de Junho de 2015”.
Contudo, por força do tempo disponível e do encerramento do “projecto de apoio, as aplicações relevantes foram inferiores, no período considerado, tendo, por isso, o investimento remanescente sido efectuado posteriormente e objecto de consideração no RFAI”.
Por fim, as Requerentes explanam as deduções dos créditos fiscais em cada ano:
i) em 2014, a C... declarou “benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo na sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (quadro 071 do Anexo D) desse ano no valor de € 1.171.648,56 resultante de investimento realizado no montante de € 9.763.738,00, o qual foi repercutido na Modelo 22 de IRC da sociedade dominante do Grupo fiscal (RETGS) de então, a H... SGPS, S.A.”.
ii) em 2015, a “C... procedeu à concretização da parte remanescente do investimento, no valor de € 39.557.804,67, tendo gerado nesse período uma dotação de € 4.746.936,56, a qual foi apenas inscrita na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC da sociedade dominante do grupo fiscal, até 30 de Junho de 2015, então, como referido, a H... SGPS, S.A.”. Ainda relativamente a este projeto “foi atribuído ainda um incentivo reembolsável até ao valor máximo de € 11.260.000,00, correspondente à aplicação da taxa de 20% sobre o montante das despesas consideradas elegíveis, tendo sido concedido sem pagamento de juros ou outros encargos, sendo reembolsado em prestações semestrais, iguais e sucessivas” e assim o “valor efectivamente recebido ascendeu a € 9.752.529,64, sendo que a C..., procedeu ao reembolso total daquele valor até 30 de Junho de 2022”.
iii) ainda em 2015, a C... necessitou de “realizar investimento adicional, tendo as aplicações no valor de € 3.167.631,02 (não incluídas no Contrato Fiscal de Investimento já mencionado) conduzido ao apuramento de RFAI em montante de € 644.886,01, deduzidos na modelo 22 de IRC da então sociedade dominante, H..., SGPS, S.A.”.
iv) em 2015 (II), “sendo já a sociedade dominante do Grupo fiscal a D..., também pela C..., foi efectuado investimento de modernização e expansão da mesma unidade fabril de pasta, tendo as aplicações no valor de € 4.072.714,56 conduzido ao apuramento de RFAI em montante de € 829.148,55”.
v) em 2016, “a C..., concretizou mais investimento de modernização e expansão da unidade fabril por si operada, tendo as aplicações no valor de € 1.424.041,95 conduzido ao apuramento de RFAI em montante de € 356.010,49”.
vi) em 2020, a C... realizou investimentos relevantes que “ascenderam € 6.357.183,21, tendo a C... declarado, em sede de RFAI e em 2020, um benefício no valor total de € 1.589.295,80”.
Na parte do Direito, as Requerentes começam por analisar a aplicação da decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos de que beneficiaram a B... e a C... no período de 2014-2020, salientando a sua conclusão [parágrafo (156)], respectivamente, suportada nos parágrafos (81) e (123), em que se refere “not to raise objections to the aid on the grounds that it is compatible with the internal market pursuant to Article 107(3)(a) of the Treaty on the Functioning of the European Union”.
As Requerentes ainda mencionam que “de acordo com todas as contas efectuadas pela AT, quer seja na acção de inspecção conduzida à B..., quer naquela conduzida à C..., a AT nunca alcançou um valor de incentivou usufruídos pelo Grupo D... acima de 26.2 milhões de Euros”.
É, de seguida, apresentado pelas Requerentes o Quadro 13 do RIT individual à C..., onde a AT elenca a totalidade dos benefícios deduzidos/usufruídos entre 2014 e 2017 pela C... e pela B...:

E, também, o Quadro 14 do RIT individual à C..., no qual a AT elenca a totalidade dos benefícios deduzidos/usufruídos entre 2017 e 2020 pela C... e pela B...:

Assim, as Requerentes, veem agora com surpresa “a AT a questionar e a afastar a aplicação da decisão da Comissão Europeia de se atribuir um incentivo no montante máximo de 26,2 milhões de Euros, sustentando que, afinal, seria só de € 18.750.000,00 o montante máximo de auxílio permitido para o projecto ... e a parte que exceda este último valor deveria ser corrigida e objecto de inclusão na liquidação adicional impugnada a título de uma suposta reposição de benefícios fiscais”.
Após este ponto, as Requerentes fazem um enquadramento do RFAI, comentando a fungibilidade do mesmo e dos benefícios fiscais contratuais para efeitos do RGIC, mencionando que os “benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI são ambos instrumentos fiscais que visam incentivar o investimento empresarial, promover o desenvolvimento económico e aumentar a competitividade das empresas. (…) Estes instrumentos têm um objectivo comum, visam promover o investimento produtivo e impulsionar o crescimento económico, proporcionam deduções à colecta do IRC e procuram melhorar a capacidade competitiva das empresas portuguesas, incentivando a modernização e inovação”.
Para além disto, “os benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem ambos auxílios com finalidade regional (…) Nesse sentido veja-se o Parecer do Tribunal de Contas relativo à Conta Geral do Estado de 2022, na página 186, que na parte relevante se reproduz de seguida: “Quanto aos BF contratuais ao investimento produtivo o relatório constatou que existem poucos beneficiários e que este BF não tem vantagens sobre o RFAI, recomendando a sua extinção e propondo a revisão e reforço do RFAI”, o que, na opinião das Requerentes, explica “a queda do peso relativo dos benefícios contratuais no total dos benefícios fiscais de dedução à colecta do IRC”.
As Requerentes afirmam, ainda assim, que “não se cumulou o RFAI com o benefício fiscal contratual, relativamente às mesmas aplicações”, acrescentando “quanto ao tissue considerou-se exclusivamente o RFAI e relativamente à pasta considerou-se o RFAI apenas para as aplicações relevantes posteriores a Junho de 2015, o que também é aceite e não questionado pela Administração Tributária”.
Posto isto, as Requerentes concluem que “os promotores de projectos de investimento, para maximizar o benefício aplicável, poderão recorrer a um sistema misto que combine os vários programas de benefícios fiscais previstos no CFI, como aliás efectuado pelo Grupo D..., através da sua sociedade dominante, no período de 2014 a 2020 e aceite pela própria Administração Tributária” e assim sendo “as diferenças existentes entre o RFAI e os benefícios fiscais ao investimento são limitadas e de natureza interna, e não comunitária, pois o regime de incentivos regionais é uno e indivisível, e não provocam qualquer alteração substancial ao projecto ... e ao respectivo modo de financiamento que pudessem transformar o auxílio aprovado em auxílio distinto daquele analisado pela Decisão SA.49461 da Comissão em 2019”.
No que respeita à notificação efetuada com referência ao projeto..., “não existiu qualquer alteração às finalidades ou aos termos do investimento a realizar pela B... face àqueles que foram objecto de comunicação pelo Estado Português à Comissão Europeia”, uma vez que “a opção pelo RFAI no investimento do tissue resultou exactamente de a A... ter tomado conhecimento de que outros concorrentes nacionais no mercado do tissue, como a ... e a ..., tinham exercido a mesma opção pelo RFAI ao invés de benefícios fiscais contratuais, bem como da sua interpretação do regime que, como vimos, é validada pela doutrina”.
As Requerentes concretizam o seu raciocínio, expondo que “o auxílio deve visar um objectivo de interesse comum, especificamente o desenvolvimento económico de regiões menos desenvolvidas” e neste sentido entende a Comissão que “tendo em conta o valor máximo do auxílio em causa, que esta foi limitado ao mínimo necessário para induzir o investimento ou projecto” e que “os efeitos positivos do auxílio superam os potenciais efeitos negativos sobre a concorrência e o comércio entre os Estados-Membros”.
As Requerentes afirmam, pois, que a própria AT reconheceu “que o auxílio tinha um efeito de incentivo, levando o beneficiário a mudar o seu comportamento de forma a realizar investimentos ou projectos que não ocorreriam na ausência do auxílio”, assim como “o montante máximo do auxílio aprovado naquela decisão, 26,2 milhões de Euros, não foi ultrapassado”.
Em resumo, as Requerentes afirmam que “um auxílio que já tenha sido autorizado pela Comissão Europeia não pode depois ser considerado ilegal, excepto se tiverem sido efectuadas alterações substanciais ao auxílio que alterem a sua natureza, transformando-o efectivamente num novo auxílio, por se terem alterados os pressupostos essenciais considerados e que levaram à sua concessão, como seja o tipo de investimento, o mercado relevante, o efeito de incentivo, o que não aconteceu in casu” e, deste modo, “não tendo o limite do incentivo de 26,2 milhões de Euros, valor actualizado a 2014, sido ultrapassado pelo grupo D..., não haveria (rectius, não existe) fundamento para as correcções sustentadas”, “no que respeita à correcção à B..., atinente somente ao período de 2014-2017, como aquela sustentada à C..., quer no que tange ao período de 2014-2017, quer quanto ao período de 2017-2020”, uma vez que “tendo o projecto ... sido autorizado pela Comissão Europeia e não tendo o valor máximo do auxílio pela mesma considerado sido ultrapassado, então o mesmo não pode ser objecto ou fundamento de qualquer correcção agora pela Administração Tributária, independentemente de aquele projecto ser incluído no período de 2014-2017 ou no período de 2017-2020”.
Sobre a determinação do montante máximo de auxílios de Estado, a análise das Requerentes é feita em cinco partes: o regime comunitário dos auxílios de Estado, a distinção entre o limiar de notificação e o montante máximo de auxílio, o montante máximo de auxílio, o erro relacionado com a consideração dupla do projeto ..., e por fim, a AT à beira do abismo…deu um passo em frente.
Começando pelo regime comunitário dos auxílios de Estado, o RFAI assenta “nos artigos 107.º a 109.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (…), que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno nos termos daquelas disposições legais (RGIC 2014) (…) bem como nas orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR 2014)”, de notar que os regulamentos “são directamente aplicáveis em todo o espaço europeu, sem necessidade de transposição para a ordem jurídica interna”, enquanto as orientações “são instrumentos de soft law, a partir dos quais é determinada a interpretação do conceito de auxílio de estado, densificando e desdobrando o conceito em vários elementos, critérios e subcritérios”.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) “tem assumido um papel essencial na construção do conceito de auxílio de estado, constituindo a sua jurisprudência um farol para a Comissão Europeia na apreciação das matérias e casos concretos de auxílios de estado, bem como para os Estados-Membros e os órgãos jurisdicionais nacionais; é justamente esta dialéctica entre a actuação da Comissão e o case law do TJUE que tem estimulado o amadurecimento do conceito”.
Deste modo, em 2020 “aplicavam-se o RGIC 2014, as OAR 2014-2020, no plano europeu, e o CFI e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, que define os CAE correspondentes a várias actividades (Portaria CAE), no plano nacional, acrescido da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, que procedeu à regulamentação do RFAI (Portaria RFAI), no sentido de assegurar a aplicação integral do direito derivado e soft law da UE”. Assim, na “articulação e na compatibilização entre os regimes jurídicos, sabendo que o CFI e as Portarias CAE e RFAI surgiram para assegurar a conformidade com o quadro legal aplicável em matéria de auxílios de estado (como se depreende das respectivas notas preambulares), “as disposições não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o direito europeu”.
A este propósito, as Requerentes mencionam o Acórdão do CAAD relativo ao processo n.º 463/2019-T, em que se defende que “o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e [as Portarias] devem ser entendidos como instrumentos de execução, efectivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos arts. 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR”, daí que esses instrumentos legislativos (ou quem os interpreta) não possam ter pretensões de aplicar requisitos mais exigentes do que que as próprias normas europeias sob pretexto de as “complementar” ou “regulamentar”, sob pena de ofender o princípio da legalidade (o mesmo raciocínio vale ipsis verbis para as instruções administrativas)”.
Deste modo, em matéria de competências exclusivas “só a UE pode legislar e adoptar actos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados-Membros produzir a legislação e regulamentação nacional em execução das disposições europeias, em aplicação do princípio do primado do direito europeu”, o que é do conhecimento da AT “vide informação vinculativa n.º 16403”.
Referindo ainda, as Requerentes que as “correcções efectuadas baseiam-se tão-somente no facto de, alegadamente, ter sido ultrapassado o valor do incentivo a partir do qual seria necessário proceder à sua comunicação à Comissão Europeia e a mesma não ter sido supostamente feita, o que vimos já não ser verdade”.
Quanto há distinção entre o limiar de notificação e o montante máximo de auxílio, as Requerentes argumentam que “a AT começa (…) por confundir o limiar de notificação de um incentivo à Comissão Europeia, com o valor máximo desse benefício”, conceitos esses que são totalmente distintos.
Deste modo, “as intensidades máximas de auxílio correspondem a limites máximos (globais) de auxílios a conceder”, enquanto “os limiares de notificação têm uma natureza apenas processual, determinando que determinados auxílios individuais, pelas suas características e/ou valor, tenham de ser obrigatoriamente notificados à Comissão”. Assim, carecem de ser notificados à Comissão Europeia os auxílios regionais ao investimento – como é o caso de benefícios fiscais contratuais ou do RFAI - que excedam o «montante ajustado do auxílio», para um investimento com custos elegíveis de 100 milhões de Euros.
Excedido o valor do investimento (100 milhões de euros), o auxílio deixa de estar em conformidade com as regras do mercado interno, o RGIC deixa de lhe ser automaticamente aplicável e a Comissão Europeia é, neste momento, chamada a intervir.
Concluindo que, “À luz das referidas disposições europeias, e em aplicação do princípio do primado do direito europeu, o limite de € 18.750.000,00, trazido à colação pela AT, não corresponde ao montante máximo admissível do auxílio. (…) Correspondendo apenas ao limiar a partir do qual ao Estado Português cumpriria efectuar comunicação à Comissão Europeia.”
No que respeita ao montante máximo de auxílio, as Requerentes afirmam que, para o seu cálculo, “a AT deveria ter considerado a parte final da fórmula constante das OAR, aplicável justamente aos casos em que o investimento é superior a 100 milhões de Euros” e o valor correspondente deve ser multiplicado por 0,34, até porque foi “deste modo que foi calculado o montante máximo do benefício, considerando conjuntamente o projecto da pasta de 2014 e o projecto ... de 2017, pela AICEP, aquando da comunicação que efectuou à Comissão Europeia”, ainda que a Comissão Europeia tenha chegado a um valor superior.
Após esta explicação, as Requerentes apresentam o Quadro 14, que consta do RIT individual à B... e o Quadro 13 que consta do RIT individual à C... .

Ainda assim, as Requerentes não deixam de mencionar que “nunca foi excedido o valor máximo total do incentivo a atribuir ao projecto (26,2 milhões de Euros)” e deste modo “respeitados os limites máximos de auxílio decorrentes das normas europeias a que acima fizemos referência, quedam-se sem qualquer fundamento as correcções efectuadas pela AT”.

Adicionalmente, referem que agora tendo todos os dados ao seu dispor, para os exercícios de 2014 a 2020, preencheram o quadro 078, do Anexo D, da Modelo 22, embora não completando o campo 781, pois “a A... nunca ultrapassou a intensidade máxima de auxílio acumulada (em percentagem) admissível de 25% para a região NUTS 2 (...) no período compreendido entre 2014 e 2020, (…) uma vez que no período de tributação de 2020 em discussão essa intensidade (em percentagem) do projecto ... é de simplesmente 14% no dito projecto único de 2014-2017 e de 15% no dito projecto único de 2017-2020”.
A AT alega que “teriam sido ultrapassados os limites máximos aplicáveis aos auxílios de Estado com finalidade regional”. Contudo, as Requerentes afirmam que “para o caso concreto, o limite aplicável é de 25%” e que, ao contrário do que a AT “erroneamente supõe numa leitura enviesada da norma, o n.º 3 do artigo 43.º do CFI simplesmente determina um «ajustamento» do limite máximo aplicável aos projectos de investimento que devam ser notificados à Comissão Europeia e esse «ajustamento» é afinal precisamente que se considere como limite o «montante ajustado de auxílio» determinado pela Comissão Europeia (…) Ora, qual foi o «montante ajustado de auxílio» determinado pela Comissão Europeia para o projecto ... que foi objecto da necessária notificação no cumprimento das regras comunitárias e no disposto no cit. n.º 3 do artigo 43.º do CFI? (…) A resposta da Comissão Europeia é cristalina “The SIP could receive a total aid of 26.2 million at 2014 value”.
As Requerentes também questionam a razão pela qual a AT adopta “a posição de corrigir a dedução de benefícios fiscais e incentivos financeiros do período de tributação de 2020 – numa aparente lógica de last in first out (LIFO) –, mas sem qualquer justificação ou fundamento para essa opção, quando, para a própria AT, o relevante é o período compreendido entre 2014 e 2020” e quando o CFI “não prevê qualquer regra sobre a forma de correcção aos benefícios fiscais quando seja ultrapassado o limite máximo de auxílio, ou seja, não determina em que período de tributação devem ser corrigidos os benefícios usufruídos”, sugerindo que, porventura, seria mais justo proceder a uma correção proporcional ao longo do período 2014-2020.
Em resumo, “o valor de € 18.750.000,00 corresponde tão-somente, para os projectos com investimentos superiores a 100 milhões de Euros, ao limiar de notificação (…) e não um qualquer limite máximo do auxílio que, por sua vez, resulta esse sim da aplicação da fórmula (…) [R × (50 + 0,50 × B + 0,34 × C) (…) Fórmula essa que foi exactamente aquela aplicada pela AICEP na notificação efectuada à Comissão Europeia e que a permitiu à Comissão alcançar um montante máximo de auxílio de 26,2 milhões de Euros considerando o projecto ... e o projecto de expansão da capacidade de produção da fábrica da pasta”.
Quanto ao erro relacionado com a consideração dupla do projeto ..., as Requerentes afirmam, desde logo, que se “o pensamento da AT no RIT individual à B... está errado, a correcção de € 512.015,03 efectuada à C... padece exactamente dos mesmos erros (…) Do valor de € 512.015,03, € 73.545,75 mostra-se relativo ao projecto único de 2014- 2017 e corresponde ao incentivo financeiro reembolsável contratado com a AICEP relativo ao investimento de expansão da capacidade produtiva da fábrica da pasta iniciado em 2014 e € 438.469,29 afigura-se relativo ao alegado projecto único de 2017-2020 e correspondente ao valor actual do RFAI de 2020 do projecto da pilha de aparas declarado pela C...”, reproduzindo o quadro 14 do RIT individual à C....

E, uma vez mais, “a AT entende, erradamente, que o montante máximo do auxílio, no caso concreto, é de € 18.750.000 (cf. ponto 184 do RIT individual à C...), ignorando, de novo, que os limites máximos se aferem em percentagem face às aplicações relevantes correspondentes, conforme mapa de auxílio regional de ajudas de estado e em função do montante efectivo de investimento (…) fazendo absoluta tábua rasa da sua própria doutrina (…) Na informação vinculativa n.º 16403 (…) Resulta, pois, do exposto que, para um investimento com aplicações relevantes de € 134.998.745,85, o montante máximo do auxílio seria, pelo menos, de € 21.724.893,4, em resultado da fórmula [R × (50 + 0,50 × B + 0,34 × C)], portanto superior ao valor de € 20.020.184,67 constante do Quadro 19 do RIT à C..., que a seguir se insere”.

As Requerentes afirmam, mais uma vez, que a “AT entende que não foi notificada a Comissão Europeia relativamente a este auxílio, padecendo de erro em tudo idêntico àquele subjacente à correcção à B... conforme já aludido, a que acresce que o facto de tal notificação não ser necessária para investimento de cerca de 11 milhões de Euros, uma vez expurgado o valor do projecto ... já comunicado e aprovado pela Comissão Europeia”.
Finalizando este primeiro trecho, as Requerentes reclamam que, neste caso, a AT ainda procedeu a um outro, como demonstra o Quadro 12 do RIT:

Ao considerar que “No período de 2014-2020, as aplicações relevantes para efeitos de benefícios fiscais ao investimento não foram de 316 milhões de Euros (€ 181.876.592,79 + € 134.998.745,85), como resulta da consideração, em duplicado, de 124 milhões respeitantes ao projecto ..., mas apenas de 192 milhões de Euros (…) A AT defende a existência de dois projectos únicos (…) a AT não esclarece minimamente como é possível e em que base legal – rectius, qual a norma do CFI, portaria ou regulamento comunitário aplicável (?) – se pode incluir o mesmo investimento (fábrica de tissue) como um subprojecto em 2 “projectos de investimentos únicos” diferentes em simultâneo (…) O projecto de investimento da nova fábrica de tissue da B... não pode ser parte final de um projecto de investimento único iniciado em 2014 e ser depois, ao mesmo tempo, o início de um novo e distinto projecto de investimento único iniciado, desta feita, em 2017”.
De seguida, as Requerentes referem que “a AT analisa primeiro um período de 7 anos, de 2014 a 2020, e depois um outro período, este já de 4 anos, mas de 2017 a 2020, considerando, de novo, as aplicações relevantes e os benefícios atribuídos em 2017, 2018, 2019 e 2020 com referência ao Projecto .... (…) A AT não expurga do exame ao projecto ... com referência ao segundo “projecto de investimento único” das aplicações relevantes e benefícios que teve já em conta no projecto único de investimento de 2014 a 2020, expurgando tão-somente as correspondentes correcções não objecto de liquidação adicional de IRC. (…) A AT olvida, porém, que estas correcções são determinadas em função dos limites máximos de auxílios de Estado aprovadas em função das aplicações relevantes de investimento (…) se fosse efectuada uma análise numa base de 3 anos, semelhante àquela efectuada com referência aos auxílios de minimis ter-se-ia de concluir que em qualquer período de 3 anos analisado a C... e a B... não beneficiaram de auxílios que ultrapassassem o limite (erroneamente) determinado de forma arbitrária pela AT de € 18.750.000,00 (…) se na prática houvesse 2 projectos únicos contínuos, ainda que com um limite máximo de € 18.750.000,00, então o Grupo D... no seu estabelecimento industrial de ... teria podido beneficiar de incentivos no valor descontado de 37,5 milhões de euros, quando efectivamente beneficiou de 29,2 milhões de euros (25,2+20,2-16,2)… para um período, todavia, de 7 anos (…) Na realidade, o que existe é um investimento de 11 milhões de Euros, expurgado da duplicação feita pela AT ao considerar os 124 milhões de Euros do projecto ... ”
Sobre a competência da AT, as Requerentes afirmam que “nenhum limite máximo do benefício foi ultrapassado (…) mesmo que não pudesse ser aplicada a decisão da Comissão Europeia (…) tendo-se atingido o limiar de notificação sem que esta tivesse sido feita, então estaria, quando muito, em causa (…) uma infracção cometida pelo Estado Português”, uma vez que é a Comissão Europeia que “detém competência exclusiva para avaliar a compatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno”.
As Requerentes acrescentam, ainda, que os “Estados-Membros devem notificar à Comissão qualquer medida que possa constituir um auxílio de Estado antes da sua execução, e que não podem pôr em prática tal medida até que a Comissão tome uma decisão final sobre a sua compatibilidade com o mercado interno”, dando conta de diversos casos.
Em resumo, fruto da jurisprudência consolidada do TJUE, é a Comissão Europeia que “detém competência exclusiva para avaliar a compatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno” - competência essa que a AT não pode negar conhecer, fruto dos processos para a recuperação de auxílios de estado ilegais das regiões autónomas dos Açores e da Madeira - devendo os tribunais nacionais abster-se de se pronunciar sobre a compatibilidade dos auxílios de Estado e, com maioria de razão, também a AT não possui esta competência. Acrescentando, ainda, que “a consequência imediata para a falta de comunicação prévia do auxílio estadual à Comissão Europeia é imposta ao Estado-Membro que incumpriu a sua obrigação e não sobre o próprio auxílio que pode até, conforme já entendeu o TJUE, ser considerado compatível com o mercado interno a posteriori”.
As Requerentes concluem este ponto, afirmando que nenhuma das disposições legais mencionadas pela AT lhe permite“proceder a qualquer correcção com vista à reposição de auxílios estatais”, dando inclusive nota de que “até à data, não foi sequer ainda publicado o despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia, mencionado no n.º 4 do artigo 25.º do CFI” e, assim, só após uma decisão da Comissão Europeia e meramente para a sua execução “estaria a AT possibilitada de aceder ao mecanismo de recuperação de auxílios ilegais.”
No ponto seguinte, as Requerentes debatem o caso especial dos incentivos financeiros, reafirmando que a AT não pode “proceder as correcções efectuadas a título de incentivos financeiros, no total de € 412.568,28 €, dos quais € 339.022,53 respeitam à B... e € 73.545,75 à C... por gritante ausência de base legal” e que “o cálculo do montante dos incentivos financeiros usufruídos pela B... e pela C... feito pela AT está pejado de erros de raciocínio”.
As Requerentes começam por dar logo nota de que “não se compreende (…) que esse benefício seja calculado tendo por referência a data de celebração do contrato de investimento e não a data da disponibilização dos fundos às sociedades o que, na prática, significa que a AT está a calcular um benefício de isenção de juros de quantias ainda não disponibilizada às próprias empresas” e “também a actualização do benefício da isenção de juros de que usufruíram as empresas tem de ser por referência à data de disponibilização dos fundos às mesmas, uma vez que foi o Estado Português que determinou a data da disponibilização dos fundos e não a A...”.
Por esta razão, as Requerentes apuraram uma diferença de € 697.109,20 entre o benefício calculado pela AT e que se exibe infra:

Adiante, as Requerentes afirmam que “os contratos ao abrigo dos quais foram os incentivos financeiros atribuídos conferem poderes para a correcção aos mesmos apenas à outra parte contratante, prevendo para o caso de não ser possível chegar a acordo uma cláusula arbitral”, facto este de que a AT está ciente.
As Requerentes também mencionam as instruções de preenchimento do quadro 078, do anexo D da declaração Modelo 22 de IRC, quando referem “se a empresa usufruir exclusivamente da DLRR e ou de incentivos financeiros, este quadro não deve ser preenchido”, bem como no que respeita ao quadro 078-A à contrario senso “Deve preencher este quadro o sujeito passivo que beneficie de incentivos fiscais ou financeiros e fiscais ao investimento com finalidade regional”, concluindo que a AT não têm “competência para qualquer intervenção ou correcção aos valores dos incentivos financeiros, os quais não têm natureza fiscal e são determinados contratualmente, devendo qualquer alteração seguir os termos dos contractos celebrados com o Estado Português”.
As Requerentes ainda apresentam um ponto sobre a duração e consequências dos procedimentos de inspeção B... e à C..., “por aqueles terem igualmente consequências no que toca à (i)legalidade da liquidação”.
Neste sentido, as Requerentes mencionam que, “em 16 de Abril de 2022 teve início a acção de inspecção à B..., tendo a mesma sido encerrada apenas em 18 de Agosto de 2024”.
Durante este período, a AT efetuou seis pedidos de elementos. Os três primeiros entre 22/04/2022 e 20/09/2022, o quarto a 13 de abril de 2023 e o últimos dois a 1/06/2023 e 13/07/2023, tendo sido solicitado apenas uma única reunião (que foi realizada no dia 25/06/2024) e tendo a AT concluído o seu projeto de relatório de inspeção a 28/06/2024.
As Requerentes mencionam também que “logo no segundo pedido de elementos remetido pela AT, cerca de 15 dias depois do início do procedimento, esta revelou estar a analisar e pretender sustentar correcção relacionada com o cálculo do limite dos auxílios estatais com finalidade regional”, o que significa que a AT durante dois anos investigou “o tema dos limites dos auxílios estatais com finalidade regional, para finalmente sustentar correcção (ilegal)”.
As Requerentes referem, ainda, que não existe qualquer razão que justifique um procedimento de inspeção interno “que se arrastou por mais de 2 anos” quando o prazo de inspeção, legalmente estabelecido é de 6 meses, não invocando a AT qualquer motivo para a prorrogação daquele prazo, nem a B... sido notificada de qualquer despacho.
No que respeita à C..., a situação é em tudo semelhante, tendo a ação de inspeção tido início a 28/02/2023 e sido concluída a 23/09/2024.
Durante este período, a AT efetuou três pedidos de elementos. O primeiro a 18/04/2023, o segundo a 1/06/2023 e o último no dia 26 de setembro de 2023. Tendo a AT concluído o seu projeto relatório de inspeção a 12 de julho de 2024 e o RIT sido datado de 18 de setembro de 2024, não tendo existido, também, qualquer prorrogação do prazo.
As Requerentes fazem, ainda, notar que a prorrogação do prazo de inspecção não é opcional “sendo, ao invés, imprescindível caso a AT pretenda estender acção de inspecção por mais de 6 meses (…) O que bem se compreende na medida em que: “[a] obrigação de resolver expressamente os procedimentos tributários tem de ser acompanhada por um prazo legal para que esta obrigação seja cumprida”, mencionando a mais recente doutrina “o procedimento inspetivo não poderá ter uma duração superior a seis meses, salvo se for prorrogado nas condições legalmente admitidas, por um ou dois períodos de três meses. A violação deste regime contaminará a validade dos atos praticados no âmbito inspetivo e os atos que deles decorram em termos consequenciais; “Uma vez incumpridos os prazos, resultam contaminados com invalidade os atos praticados no procedimento (assim como aqueles que deles dependam)” (…) O que significa que os prazos em causa não são apenas ordenadores, uma vez que visam proteger os direitos dos contribuintes confrontados com procedimento de inspecção de natureza intrusiva e que os onera negativamente”.
Adicionalmente, as Requerentes expõem que “o procedimento da inspeção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir” e que “a Lei pretendeu restringir a possibilidade de os contribuintes passarem por inspecções consecutivas, o que só poderá acontecer em circunstâncias muito especiais, essencialmente quando se funde em factos novos”.
Nesta medida, o “legislador que previu um prazo máximo para o procedimento e que determinou a sua irrepetibilidade (com vista a que os contribuintes não sejam permanentemente importunados com acções e diligências inspectivas), não terá pretendido admitir que a AT possa iniciar um único procedimento que perdure por todo o período de caducidade”. Contudo, as Requerentes afirmam ter sido precisamente isto que aconteceu. E, não apenas neste caso, como nas últimas inspeções tributárias (“É perante este tipo de situações que se tem o Grupo D... visto confrontado, de forma inegavelmente ilegal e intencional, nas inspecções tributária devolvidas ultimamente pela AT”).
As Requerentes argumentam que “o procedimento de inspecção onera negativamente o contribuinte, impedindo que este tenha a sua situação tributária estabilizada, impedindo o de conhecer atempadamente o entendimento da AT, designadamente para a conformação da sua actuação em anos posteriores, e significa uma intrusão ao normal desenvolvimento da sua actividade, uma vez que se vê forçado a alocar recursos de forma permanente à resposta às constantes e simultâneas solicitações da AT (…) Acresce que, se a AT desrespeita os prazos limite, reiteradamente, e prolonga cada inspecção por anos, num perpetuo contínuo, a mesma AT quando notifica os contribuintes para o exercício dos seus direitos, em particular, o exercício do direito de audição prévia, é escrupulosa na exigência de cumprimento dos prazos legais para o exercício desses direitos, não admitindo qualquer prorrogação dos mesmos”.
Neste sentido, expõem o caso da B..., que está a ser inspecionada continuamente desde 2020 até 2025, como se demonstra no quadro infra:

No caso da C..., a situação é semelhante, como se demonstra infra:

Obtendo a conclusão de que este método “afecta a validade dos actos realizados no procedimento inspectivo e dos actos que dele resultam”, conforme resulta da recente jurisprudência do CAAD (processo n.º 838/2023-T).
Em resumo, a realização destas ações inspetivas para além do prazo geral, sem qualquer prorrogação, constitui um vício determinante da “anulabilidade da liquidação que resultou de tais procedimentos, quer seja pela verificação de vício de procedimento decorrente da própria caducidade do procedimento tributário e consequente extinção da relação jurídica procedimental”.
Sobre a qualificação dos procedimentos de inspeção à B... e à C..., bem como as suas consequências, as Requerentes dividem a sua abordagem em duas etapas, i.e. a jurisprudência e o caso em particular.
Quanto à jurisprudência, as Requerentes afirmam “que a qualificação atribuída pela AT no que toca à natureza do procedimento de inspecção, como interna ou externa, não é vinculativa, cumprindo aferir da sua adequação e legalidade face aos actos de inspecção efectivamente levados a cabo”.
Deste modo, deverá ser analisado se as inspeções tributárias à B... e à C... se devem considerar internas (posição da AT) ou externas (como consideram as Requerentes).
As Requerentes entendem que “só uma acção investigatória, com a finalidade de vir a concretizar correcções, pode permitir sustentar (…), correcções como aquelas em apreço, em que a AT põe em causa contratos celebrados entre as sociedades referidas e o Estado Português, afasta a relevância e aplicação de decisão da Comissão Europeia e repõe benefícios fiscais (…) Pelo que se torna imediatamente evidente que a AT não conduziu in casu procedimentos de inspecção internos, mas sim procedimentos de inspecção externos”.
Analisando o caso em concreto da B... e da C..., desde o início do procedimento de inspeção “que ficou clara a intenção da AT de questionar, de alguma maneira, os benefícios usufruídos pelo Grupo D... (…) Isso mesmo resultou dos primeiros pedidos de elementos (..)o exame das diligências efectivas desenvolvidas pela AT conduz-nos também à conclusão de que não estamos ante uma qualquer acção de inspecção interna ”.
No que respeita às diligências efetuadas, verificou-se que foram feitos os seguintes procedimentos: a) Verificação da contabilidade, de livros de escrituração, de livros de atas e de outros elementos; b) Pedidos de informação e de variada documentação à AICEP; c) Reunião havida com representantes da B... . De notar que “só é procedimento interno aquele cujos actos de inspecção se traduzam numa “análise formal e de coerência de documentos”.
Assim, o procedimento “como é o caso do presente, que se reconduza a análise de elementos constantes da contabilidade, colhidos junto do contribuinte inspeccionado e de outros contribuintes, e destinada a determinar a finalidade de determinadas operações e a sua materialidade e racionalidade económica não é de “análise formal”, porque não remete à forma como foram apresentadas declarações à AT (…) E não é uma “análise de coerência de documentos” porque não se reconduz ao tratamento da informação que aflui aos serviços e despistagem de erros de concordância, estando já direccionada para a verificação da situação tributária do contribuinte”. Adicionalmente, “não é procedimento interno aquele cujos actos de inspecção devam realizar-se externamente, ainda que a análise seja realizada nas instalações da AT no seguimento do envio, em boa-fé, dos documentos solicitados ao contribuinte por correio electrónico ou via portal das finanças”.
Portanto, “parece seguro que, nessas situações, o lugar em que o procedimento é efectivamente realizado já não interfere com a classificação do procedimento”, ou seja, “há um conjunto de actos da inspecção que devem ser considerados diligências externas independentemente do local onde são efectivamente realizados”.
A AT não só realizou “8 pedidos de elementos nos procedimentos de inspecção em apreço, onde solicitou a disponibilização de facturas, de registos contabilísticos, assim como a justificação de decisões de investimento e gestão pelo Grupo D... e contratos celebrados com entidades terceiras”, como “obteve e compulsou documentos na posse de terceiros, incluindo entidades públicas, como seja a AICEP, e solicitou esclarecimentos quanto a procedimento desenvolvido entre tais entidades e a Comissão Europeia”, não compreendendo “que uma “análise formal e de coerência”, pelas equipas de inspectores mais qualificadas da AT, possa durar 28 meses (B...) e 19 meses (C...), implicarinúmeros contactos e pedidos a entidades públicas”.
As Requerentes também alertam que “se a AT pedir um esclarecimento, um contrato, uma factura, ou um documento de pagamento, tal poderá ser admissível (…) Mas será gritantemente inaceitável e inadmissível que a AT, a coberto da dita norma, “solicite documentos que se enquadram no tipo de análise a que se destina o procedimento externo de inspecção, nomeadamente a esmagadora maioria dos actos praticados com vista à obtenção dos elementos previstos no n.º 2 do artigo 29.º do RCPITA, designadamente os registos contabilísticos e os documentos com eles relacionados”, como foi o caso, na B... e na C... .
Em resumo, “em face desta materialidade (…) temos de concluir que estas não se trataram de inspecções meramente internas, apesar de qualificadas como tal pela AT”, uma vez que o seu objetivo foi “investigar factos e realidades não detectáveis pela consulta das declarações e registos contabilísticos na posse ou remetidos à AT, tendo exigido a prestação de esclarecimentos, a disponibilização de vários documentos internos e o contacto com entidades terceiras” e tratando-se de inspecções externas, as mesmas estavam sujeitas às formalidades legais previstas no RCPITA. Por tudo o acima mencionado, as Requerentes alegam que ocorreu uma violação do princípio da confiança (artigo 2.º da Constituição).
As Requerentes relembram “que o Estado Português estava empenhado, desejava, na concretização dos investimentos efectuados pelo Grupo D... em ...”, tendo defendido perante a Comissão Europeia “os muitos benefícios, económicos e sociais, daquele projecto para a região de ... e, por outro lado, fixou um benefício máximo admissível superior a 26 milhões de Euros”. Por isso mesmo, não pode agora o Estado Português “mudar de ideias e pretender, desta feita através da AT, retirar os benefícios que o mesmo Estado Português tinha reconhecido serem essenciais ao projecto ...”, pois foi com base nesta expetativa que o Grupo D... investiu mais de 120 milhões em....
Adicionalmente, “a própria AT teve comportamento que criou no Grupo D... a expectativa legítima de que aos incentivos respeitantes aos investimentos em ... estavam a ser adequadamente considerados e utilizados”, uma vez que tanto a B... como a C..., são objeto de inspeções há vários anos consecutivamente (período de 2014 a 2020), tendo em 2018 “ultrapassado o (suposto) limite de € 18.750.000,00 de benefícios usufruídos”, mas não tendo ocorrido “qualquer correcção relacionada com estes benefícios”.
Por outro lado, “se a AT entendia que, tendo sido ultrapassado o valor de investimento de 100 milhões de Euros, caberia proceder a comunicação à Comissão Europeia que entendia estar em falta, seria a esta imposto o dever de o fazer”, ora fruto da inação da AT “formou-se legítima expectativa de que a AT nada tinha a opor à utilização e usufruto dos incentivos reginais em causa pelo Grupo D..., expectativa essa agora ilegalmente defraudada”.
Por fim, as Requerentes reclamam também sobre as liquidações de juros compensatórios, relativas ao exercício de 2020, que consideram ilegais. Por um lado, as correções “determinadas e ora contestadas” não têm base legal e, por outro lado, “as liquidações de juros compensatórios no caso em apreço deveriam ser consideradas ilegais por razões substanciais”.
Tanto a doutrina como a jurisprudência defendem que “não basta o atraso da entrega da liquidação devida para efeitos da exigência de juros compensatórios”, para isto é preciso que “(i) nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação; e, (ii) a conduta do contribuinte seja censurável, a título de dolo ou negligência”, ou seja, não devem ser cobrados juros compensatórios “caso o atraso na liquidação e respectivo reembolso de recebimento alegadamente indevido seja provocado pela conduta do contribuinte e seja errónea a sua posição, mas ele tenha actuado de boa fé (…) e o erro seja desculpável”.
Em suma, é evidente que a não liquidação do IRC “alegadamente, em falta se justifica plenamente pelo facto de a mesma considerar (…) ser correcto o entendimento que adoptou designadamente quanto à interpretação da aplicação das regras do Código do IRC, do CFI e de decisão da Comissão Europeia (…) Deste modo, ainda que se considere ser erróneo o entendimento das Requerentes, o que se rejeita veementemente, sempre se diria que esses erros resultam de simples divergência, não culposa e que não permitiam concluir pela existência de dolo ou negligência”. Para além disso, é dever da AT fundamentar as liquidações de juros compensatórios - algo que não cumpriu - uma vez que o ónus da prova recaisobre si.
II. 2. Da Requerida
Sintetizam-se, desta feita, os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida, nos termos que se seguem.
Relativamente à liquidação adicional de IRC de 2020 (n.º 2024...) e às liquidações de juros compensatórios (n.ºs 2024... e 2024...), a Requerida apurou um valor total a pagar de € 2.066.637,49 pela Requerente. Esta última apenas apresentou PPA sobre os montantes relativos à reposição de benefícios fiscais (€ 831.715,38 no caso da B... e € 512.015,03 no caso da C...), alegando a Requerida que no PPA não está fundamentado “como as Requerentes chegaram ao valor indicado”.
Nesta parte introdutória, a Requerida afirma ainda que as correções por si executadas “estão devidamente refletidas no procedimento inspetivo interno de âmbito parcial que incidiu sobre o período de 2020, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2024...”, o qual tinha como objetivo verificar o cumprimento das obrigações em sede de IRC inerentes à aplicação do RETGS e que deve ser conjugado com as Ordens de Serviço n.º OI2022... de 11 de abril de 2022 (B..., S.A.) e n.º OI2023... de 23 de fevereiro de 2023 (C..., S.A.).
A Requerida argumenta que, apesar da Requerente considerar no PPA “não ter sido ultrapassado o montante máximo de auxílio autorizado e como tal a correção da reposição dos benefícios fiscais deve ser declarada ilegal”, o mesmo não corresponde à verdade, uma vez que “as pretensões das Requerentes refletem uma errada subsunção da lei aos factos”.
Entrando na parte factual, a Requerida afirma que o investimento realizado no âmbito do projeto ... (entre 2017 e 2019) pela B... S.A. foi enquadrado por esta como sendo relevante para o RFAI, tendo celebrado em 13/12/2017 um contrato de investimento com o Estado Português (na figura da AICEP), “referenciado com o número de projeto 16501”.
Neste âmbito, a Requerida solicitou a esta entidade (i.e. AICEP) “cópia dos relatórios de acompanhamento do investimento realizado, tendo-se confirmado as transferências dos seguintes montantes para a B... até 31-12-2020:”

Tendo a B... S.A., conforme estipulado no contrato de investimento, procedido “aos seguintes reembolsos do incentivo financeiro recebido:”

A Requerida afirma então que, a “06-07-2023 em resposta a uma notificação enviada no dia 01-06-2023, pelo Portal das Finanças, para confirmação de que o valor de 3.748.000,00 Euros, registado na contabilidade da empresa, correspondia à poupança de juros, veio a B..., S.A. referir que “na determinação dessa vantagem utilizou-se erroneamente e por lapso a taxa de 1,798%, mas constata-se agora que diferentemente a taxa de referência da União Europeia aplicável para este efeito é de 0,82% (-0,18 + 100 pontos de base à taxa de base), sendo que, por isso, a vantagem desse contrato deve reduzir-se-ia para todos os efeitos para o montante de cerca de €1.766.000”. Contudo, a AICEP confirmou “que a taxa base usada para o cálculo do Equivalente de Subvenção Bruta (ESB) foi de -0,08% à qual se somou a margem de 1%. Assim, a taxa de referência para apuramento do ESB é de 0,92%”.
Deste modo, “verifica-se que o montante de poupança de juros ascende a 2.012.323,24 Euros (cfr. Anexo 3 do RIT OI2022... do mapa de juros), do qual o montante de 1.964.465,04 Euros diz respeito à poupança de juros sujeita ao limite de auxílios regionais e o valor de 47.858,20 Euros sujeito ao limite de auxílios minimis”.
No seguimento do pedido à AICEP, a Requerida foi informada que “a primeira despesa apresentada se reporta a 09-03-2017”, mas na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, a B... registou um benefício fiscal em sede de RFAI, no âmbito deste projeto (i.e. projeto...), tendo indicado o “inicio do investimento no dia 01-01-2017”. A Requerente, após ser questionada (a 13/04/2023) para indicar a data de início do projeto, respondeu (a 12/05/2023) que “a data de início dos trabalhos é 31-05-2017”.
Importa, ainda, referir que a “B... não registou nas suas Declarações de Rendimentos Modelo 22 de IRC o referido benefício fiscal em sede de Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo, mas sim em sede de RFAI” e questionada (no dia 01-06-2023), pela Requerida, sobre este procedimento, a Requerente afirmou “que assim procederam “Por o RFAI ser um benefício fiscal da mesma natureza: incentivo ao investimento produtivo”. A B..., S.A. registou nas suas Declarações de Rendimento Modelo 22 de IRC de 2017 a 2020 os seguintes valores, em sede de RFAI:

Adicionalmente, no Relatório e Contas de 2020, as Requerentes mencionam o seguinte: “a atribuição de um incentivo fiscal concedido mediante o cumprimento de objetivos definidos contratualmente, cujo montante máximo previsto será de Euros 11.515.870, correspondente a 10% das despesas associadas ao projeto de investimento, conforme definido em contrato com a mesma entidade assinado em 20 de abril de 2018”.
Indo um pouco mais atrás, a Requerida salienta que o projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... se iniciou em 2014, “tendo a C..., S.A. declarado Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo na sua Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC (quadro 071 do Anexo D) desse ano no valor de 1.171.648,56 Euros resultante de investimento realizado no montante de 9.763.738,00 Euros, não sendo possível aferir diretamente a «data de inicio do investimento», uma vez que em 2014 aquela declaração ainda não disponibilizava o devido campo para registo”.
Já em 2015, a C... declarou (na Modelo 22 de IRC da sociedade dominante do grupo fiscal) “a parte remanescente do investimento, no valor de 39.557.804,67 Euros, tendo gerado nesse período uma dotação de 4.746.936,56 Euros”.
A AICEP informou a Requerida que o projeto de expansão da fábrica de pasta de ...“se iniciou no dia 30-05-2014 com um valor total de investimento no montante de 49.327.821,89 Euros, do qual o montante de 49.318.816,33 Euros relativo a aplicações relevantes”.
Contudo, o investimento realizado na fábrica de pasta de ... não se limitou ao Contrato Fiscal de Investimento, tendo a C..., S.A. realizado um “investimento em 2015 (Período de tributação entre 01-07-2015 e 30-06-2016) que considerou para efeitos de RFAI relativo ao aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, nomeadamente da capacidade produtiva de pasta BEKP da fábrica de ... (…) À data de 30-06-2016 (fim do período fiscal 2015 (II)) o total de investimento realizado no projeto ascendia a 52.495.452,91 Euros, pelo que a diferença para o montante de 49.327.821,89 Euros (3.167.631,02 Euros) foi considerada elegível para efeitos de RFAI”, conforme a Modelo 22 de 2015 (II), “a C..., S.A. declarou em sede de RFAI o valor total de 1.474.034,56 Euros”.
Adicionalmente, a Requerida menciona que, com referência a este projeto (expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de...), “foi também contratualizado com a AICEP no dia 18-06-2014 a atribuição de um Incentivo Reembolsável até ao valor máximo de 11.260.000,00 Euros, correspondente à aplicação da taxa de 20% sobre o montante das despesas consideradas elegíveis (…) atribuído pelo prazo total de 6 (seis) anos, no qual se inclui um período de carência de capital de 3 (três) anos e é concedido sem pagamento de juros ou outros encargos”.
A AICEP confirmou ainda “as transferências dos seguintes montantes para a C... até 31-12-2020, de € 9.263.266,68 (em 30/12/2015) e de € 489.262,97 (em 11/04/2016 (…) Posteriormente, a C..., S.A. procedeu aos seguintes reembolsos do incentivo financeiro recebido”

Deste modo, as poupanças de juros incidiram sobre a parte do incentivo reembolsável, o que à taxa de referência para apuramento do ESB de 1,53%, resulta num “montante de poupança de juros ascende ao valor total de 707.938,94 Euros”.
Para o conceito de projeto de investimento único “é determinante o momento de início do projeto de investimento”. Deste modo, a Requerida afirma que o projeto de investimento único (2014-2017) inclui:
Projeto ... iniciado em 09-03-2017;
Investimento de modernização e expansão de unidade fabril iniciado em 01-07-2016;
Projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... iniciado em 30-05-2014;
Investimento de modernização e expansão de unidade fabril iniciado em 01-07-2015.
Enquanto, o projeto de investimento único (2017-2020) inclui:
-
Investimento na nova pilha de aparas iniciado em 26-12-2019;
-
Investimento na remodelação da zona húmida da Tiragem iniciado em 30-11-2019;
-
Projeto ... iniciado em 09-03-2017.
Em resumo, quanto ao projeto de investimento único 2014-2017, a B..., S.A. e a C..., S.A. “apresentam um montante acumulado atualizado de auxílios de Estado regionais usufruídos no valor de 25.202.332,23 € e de aplicações relevantes também atualizadas no valor de 177.564.549,94 €” e, relativamente ao projeto de investimento único 2017-2020, “o montante acumulado atualizado de auxílios de Estado regionais usufruídos no valor de 20.202.184,67 € e aplicações relevantes também atualizadas no valor de 134.998.745,85”.
A Requerida apresenta esquematicamente, por ano e benefício fiscal, o seguinte quadro:

Importa salientar que, tanto o Projeto ... (entre 09-03-2017 até ao final de 2020) como o projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ...(entre 30-05-2014 até ao final de 2020), beneficiaram ainda de incentivos financeiros reembolsáveis.
Deste modo, e tendo em consideração as Declarações de Rendimento Modelo 22 de IRC entre 2014 e 2020, das Requerentes, os projetos de investimento único obtiveram um crédito de imposto por benefícios fiscais no montante total de 25.178.766,23 Euros, decomposto do seguinte modo:
“a. RFAI atribuídos em 2015 (II) e 2016 à C... no valor total de 1.185.159,04 Euros (ver parágrafo 82 e parágrafo 112 do presente relatório);
b. Benefícios fiscais decorrentes do Contrato Fiscal de Investimento atribuídos à C... em 2014 e 2015 (I) no valor total de 5.918.585,12 Euros (…);
c. RFAI atribuído em 2015 (II) à C... relativo a investimento com a expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... não incluído no referido Contrato Fiscal de Investimento, no valor total de 644.886,01 Euros (…);
d. RFAI atribuído em 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito do projeto ..., à B...no valor total de 17.078.603,15 Euros (…)”.
Ao que se soma a poupança de juros pelos incentivos financeiros recebidos, de 1.964.465,04 Euros (no caso da. B...) e de 707.938,94 Euros (no caso da C...).
Acrescenta-se, ainda, que os valores destes benefícios (da C..., S.A. como da B..., S.A.) foram usufruídos pelas sociedades dominantes, H... no período de tributação 2015 (I) e A..., S.A. nos períodos posteriores e até 2020, decomposto da seguinte maneira:

Nesta parte, é esclarecido pela Requerida que o projeto de investimento “nova pilha de aparas” (da C..., S.A.) “tem como data de início para os efeitos do RGIC o dia 26-12-2019, pelo que nos termos do n.º 13 do artigo 14.º daquele Regulamento, estes investimentos integram como «projeto de investimento único» qualquer investimento objeto de Auxílios de Estado ao Investimento iniciados nos três anos anteriores, ou seja, iniciados entre 26-12-2016 e 2512-2019”.
De um ponto de vista individual, as sociedades B..., S.A. e C..., S.A. “inscreveram nas suas Declarações de Rendimento Modelo 22 de IRC entre 2017 e 2020 a constituição de crédito de imposto por benefícios fiscais no montante total de 19.855.623,97 Euros sendo:
a. RFAI atribuído em 2017, 2018, 2019 e 2020, no âmbito do projeto..., à B... no valor total de 17.078.603,15 Euros.
b. RFAI atribuído em 2020 à C... no valor total de 2.777.020,82 Euros, do qual o montante de 1.589.295,80 Euros é respeitante ao investimento na remodelação da zona húmida de tiragem e o valor de 1.187.725,01 Euros é relativo ao investimento na nova pilha de aparas.”
Mais uma vez, é referido que, além destes benefícios fiscais “a B..., S.A obtém poupança de juros pelo incentivo financeiro recebido, relativo a auxílios ao investimento com finalidade regional, no âmbito do investimento no Projeto ..., no valor de 1.964.465,04 Euros, sendo que até 31-12-2020 já foi usufruído o montante de 351 202,35 Euro”.
Para efeitos fiscais, desde o período 2015 (II), a C..., S.A. e a B..., S.A., fazem parte do grupo D... (que tem por sociedade dominante a A..., S.A.), assim “os valores a ser considerados como usufruídos ou deduzidos pela C..., S.A. e pela B..., S.A. são os montantes apurados no âmbito do grupo nos períodos seguintes:”

Relativamente ao Projeto de Investimento Único (2017-2020), “não se localizou qualquer comunicação feita pelo Estado Português”.
Relativamente ao “Projeto de Investimento Único (2014-2017), o Estado Português, em 31 de outubro de 2017, notificou a Comissão Europeia dos auxílios regionais ao investimento a conceder à B..., S.A., nomeadamente auxílios obtidos no âmbito do Projeto ... iniciado em 2017, o qual, de acordo com o notificado, assentava num Contrato Fiscal de Investimento (…) Na mesma notificação foram incluídos os auxílios de Estado concedidos ao investimento iniciado pela C..., S.A. em 2014 relativo ao “projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... (…) Em 31 de julho de 2019 a Comissão Europeia informou as autoridades portuguesas da decisão de que os apoios de Estado se apresentavam compatíveis com o artigo 107.º do TFUE (…), sendo que:
▪ O projeto da B..., S.A. previa:
▪ o investimento do montante de 115,2 milhões de Euros (114,2 milhões de Euros, valor atualizado a 2017); O valor do auxílio, ascenderia ao valor total de 12,27 milhões de Euros (valor atualizado a 2017), sendo:
▪ o 11,5 milhões de Euros de créditos fiscais;
▪ o 1,7 milhões de Euros, de uma componente financeira reembolsável sem juros.
▪ O projeto da C..., previa:
▪ a concessão de auxílios com finalidade regional que ascenderiam ao total de 13 milhões de euros (valor atualizado a 2014), sendo:
▪ o 5,7 milhões de Euros seria referente a créditos fiscais; e
▪ o 7,3 milhões de Euros seria referente a uma componente financeira na forma de incentivo não reembolsável a título de prémio de realização.”
Deste modo, a Requerida afirma que o valor total de auxílios de Estado relativo ao projeto de investimento único (2014-2017) “ascenderia a sensivelmente 24 milhões de Euros, dado que o valor de 13,2 milhões de euros do projeto ... teria que ser atualizado a 2014, totalizando assim 11 milhões de euros”.
Assim, o investimento da c..., S.A. na nova pilha de aparas, iniciado em 2019, “constitui, para efeitos de cálculo do limite máximo dos auxílios estatais com finalidade regional do RGIC, parte de um «projeto de investimento único» que integra:
● o RFAI obtido pela C..., S.A. em 2020 relativo ao investimento na remodelação da zona húmida de tiragem;
● o RFAI obtido pela C..., S.A. em 2020 relativo ao investimento na nova pilha de aparas;
● o RFAI obtido pela B..., S.A. em 2017, 2018, 2019 e 2020 no âmbito do projeto ...;
● o Incentivo financeiro reembolsável com poupança de juros no âmbito do referido projeto..., no âmbito do contrato de investimento do projeto referenciado com o número PT2020 ... .”
Em conclusão, a Requerida afirma que os auxílios estatais “atribuídos a este projeto de investimento único, e usufruídos até 31-12-2020”, correspondem a:

Quanto à notificação da Comissão Europeia, a Requerida refere que a mesma “deve ser prévia à atribuição dos auxílios de Estado e que, qualquer alteração ao cenário contra factual analisado, implica uma nova notificação”, o que não se verificou (após consulta à plataforma da Comissão Europeia). Acrescentando que resulta da descrição da Comissão Europeia “que os auxílios ao investimento na C..., S.A. (atualC..., S.A.) iniciados entre 2014 e 2017 constituem um Projeto de Investimento Único com o investimento realizado pela F..., S.A. (atual B..., S.A.)”, o que, na opinião da Requerida, “não coincide com as opções seguidas pelas sociedades do grupo D... quanto aos auxílios de Estado invocados e utilizados para aquele investimento”.
Quanto a isto, importa ter em conta a opção da. B..., S.A, quanto aos incentivos fiscais relativos ao “Projeto ...”: “a. Apesar de no seu Relatório e Contas a empresa fazer menção à obtenção de um incentivo fiscal decorrente do contrato fiscal no valor de 11.515.870 Euros, a empresa não incluiu em qualquer Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC entre 2017 e 2019 (período de investimento nos termos do contrato) a constituição de qualquer crédito fiscal decorrente do contrato fiscal. b. O investimento realizado no «Projeto ...», entre 2017 e até 2020 (sendo que ainda não se encontra concluído) foi qualificado pela empresa como investimento relevante em sede de RFAI (auxílio estatal com finalidade regional enquadrado nos artigos 13.º a 15.º do RGIC) no valor de 123.890.662,59 Euros – quando o investimento previsto dado a avaliar à Comissão foi de 115,2 milhões de Euros; c. Com o investimento realizado até 2020, a empresa constituiu um crédito de imposto por benefício fiscal por RFAI nos períodos de 2017 a 2020 no valor total de 17.078.603,15 Euros; d. A empresa usufruiu ainda de um auxílio de Estado com finalidade regional de 351.202,35 Euros até 2020, na forma de poupança de juros decorrente do contrato de investimento (sendo que o valor final se estima em cerca 1.964.465,04 Euros).”
A Requerida, como descrito no RIT, volta a mencionar que a Requerente, no âmbito do “Projeto ...”, identificou o período e o valor do investimento previsto, bem como os auxílios de Estado a atribuir “por via do contrato fiscal de investimento e pelo contrato financeiro”. Ainda assim, a Requerida “preferiu aplicar o regime fiscal do RFAI tendo procedido ao alargamento, do período de investimento, do investimento objeto de auxílio fiscal face ao contratualizado (e sujeito a apreciação da comissão) bem como uma taxa de auxílio de 25% ao invés da taxa de 10,00% aceite pela comissão, não tendo ocorrido nova notificação à comissão”.
Deste modo, a Requerente foi obrigada a concluir que “sendo a intensidade máxima para aquela região de 25%, temos que o limite máximo para um grande projeto de investimento (como é o caso, cfr. §52 do art.º 2.º do RGIC), previsto no parágrafo 20.º do artigo 2.º do RGIC é de 18.750.000,00 €, pelo que se verifica que este limite encontra-se ultrapassado, nos dois projetos únicos, e não tendo a comissão europeia sido notificada (...) Pelo que foi efetuada pelos SIT, a reposição de benefícios fiscais no valor de 831.715,38 € e de 512.015,03 €, referente às sociedade B... e C... respetivamente (montante global de 1.343.730,41€) referente a benefícios fiscais deduzidas na coleta no Grupo no período de 2020”.
No que respeita às correções efetuadas sobre a reposição dos benefícios fiscais, a Requerida explica que “Deveria a C..., S.A. ter acrescido ao valor da sua coleta aquele montante de 73.545,75 Euros”, acrescentando que as Requerentes “apresentam para este projeto de investimento único o montante acumulado atualizado de auxílios de Estado regionais usufruídos no valor de 20.020.184,67 Euros e aplicações relevantes cujo valor nominal ascende a 134.998.745,85 Euros”. Contudo, como o projeto ... “também faz parte do Projeto de Investimento Único (2014-2017) e que na sequência do procedimento inspetivo à B..., ao período de tributação 2020, com a credencial OI2022... foi corrigido o montante de 831.715,38 Euros por o referido projeto exceder o limite máximo de auxílios de Estado, deverá este valor ser abatido”
O montante dos 831.715,38 Euros é calculado com base no seguinte:
● “a dedução realizada em 2020 referente à dotação de 2020 do RFAI do Projeto ... da B..., no montante atualizado de 492.692,85 Euros;
● a poupança de juros em 2020 da B... referente ao incentivo financeiro reembolsável contratado com a AICEP no âmbito do Projeto..., no montante atualizado de 339.022,53 Euros;”
Deste modo, como para a Região de ... o limite máximo para projetos de investimento são 18.750.000,00 Euros (para aplicações relevantes superiores a 100.000.000,00 Euros) e, como foram considerados 20.020.184,67 Euros, obtêm-se uma diferença de 1.270.184,67 Euros, a que deve ser abatido o valor de 831.715,38 Euros, obtendo-se assim o montante a acrescer de 438.469,29 Euros. A este propósito, a Requerida refere que: “procedeu-se assim à correção do cálculo de imposto, no campo 372 do quadro 10 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC da C..., S.A. de 2020, no valor de 512.015,03 Euros que corresponde: a. ao valor de 73.545,75 Euros usufruído em 2020 pela C... referente ao incentivo financeiro reembolsável contratado com a AICEP no âmbito do Projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... com inicio em 2014 o qual faz parte do Projeto de Investimento Único (2014-2017); b. ao valor de 438.469,29 Euros usufruído em 2020 pela C... referente à dotação de 2020 do RFAI do investimento na nova pilha de aparas, com inicio em 2019, o qual faz parte do Projeto de Investimento Único (2017-2020).”
No que respeita à Impugnação, a Requerida alega que as Requerentes invocam a questão da “ilegalidade da liquidação de IRC” sobre uma “errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice”.
Quanto à (i)legalidade de IRC, as Requerentes insurgem-se contra as correções “relativas às reposições dos benefícios fiscais” do exercício do ano de 2020, fazendo crer “que nunca foi excedido o valor máximo total do incentivo a atribuir ao projeto, quando na realidade não cumprem com o enquadramento legal, no âmbito de poderem exceder os limites estabelecidos”, uma vez que a atribuição dos benefícios fiscais “dependem do cumprimento de condições objetivas e subjetivas, estando sujeitos a limites por aplicação do quadro comunitário definidos no RGIC”.
Os benefícios fiscais são “medidas de carácter excepcional” e que resultam numa receita fiscal não arrecadada, considerados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pela União Europeia, “como auxílios de Estado e por conseguinte alvo de escrutínio no âmbito do Direito da Concorrência, aliás, como decorre já do art.º 6.º do EBF”. Acrescentando que, prevalece o entendimento de que: “As normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa.”
Quanto ao enquadramento legal, a Requerida começa por referir que o RFAI “é um incentivo ao investimento produtivo e à criação de emprego, funcionando por dedução à coleta de IRC (…) É um regime de apoio comunitário, de finalidade regional e setorial, aplicável a projetos de investimento inicial”, incluído internamente no Código Fiscal do Investimento (CFI), na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro e na Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
Os Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo têm a mesma natureza, ou seja, são apoios ao investimento e ao emprego, atuando também por dedução à coleta de IRC. A legislação interna aplicável a estes benefícios é o CFI, a Portaria n.º 282/2014 e a Portaria n.º 94/2015, de 27 de março.
O CFI (artigo 1.º, n.º 2) estabelece que, tanto o RFAI como os Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo, são regimes de auxílio ao investimento com finalidade regional, enquadrados no direito comunitário, seja no RGIC (Regulamento (UE) n.º 651/2014), seja no OAR (Orientações sobre auxílios regionais 2014-2020). Além disto, de acordo com o artigo 288.º do TFUE, “os regulamentos da UE têm aplicação direta em todos os Estados-Membros, criando direitos e obrigações que podem ser invocados junto dos tribunais nacionais”.
No âmbito do RFAI, “qualquer investimento inicial realizado pelo mesmo beneficiário ou grupo, dentro de três anos, na mesma região NUTS III, integra o mesmo projeto único”. O CFI dispõe ainda que “os benefícios fiscais devem respeitar os limites comunitários aplicáveis, remetendo para o artigo 43.º do CFI, que fixa as percentagens máximas”. Refira-se, ainda, que “para projetos acima de 50 milhões de euros, aplica-se o ajustamento do RGIC”.
Já no que respeita a Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo, também ficou estabelecido que “Investimentos do mesmo beneficiário ou grupo em três anos contam como projeto único”.
Concluindo-se que “o legislador nacional transpôs o disposto no artigo 14.º, n.º 13, do RGIC, aplicável tanto ao RFAI como aos Benefícios Contratuais”.
Importa também salientar que o RGIC incentiva ainda “a utilização de auxílios reembolsáveis, permitindo majoração da intensidade de auxílio, exceto nos auxílios com finalidade regional”.
Por fim, nas “instruções da Modelo 22 de IRC (Despacho n.º 10551/2019), o Campo 763 deve refletir o montante do incentivo financeiro usufruído, incluindo a isenção de reembolso e a poupança de juros relativa ao apoio reembolsável”.
Quanto ao conceito de projeto de investimento único, a Requerida refere que “importa esclarecer alguns elementos”, nomeadamente “a) o que significa «qualquer empresa do mesmo grupo»; b) como se conta o prazo de três anos; c) o que é considerado «início dos trabalhos»; d) o que se entende por «benefícios fiscais ou outros auxílios de Estado com finalidade regional».”
Deste modo, na legislação nacional, as empresas pertencem ao mesmo grupo quando, por participação, contrato ou outros vínculos, atuam como uma única entidade económica sob controlo comum, abrangendo as empresas associadas e parceiras. No direito comunitário, o conceito de “empresa” respeita a “qualquer entidade que exerça atividade económica, independentemente da forma jurídica, finalidade lucrativa ou modo de financiamento”, mas importa ter em consideração a seguinte ressalva “várias pessoas coletivas distintas podem constituir uma única unidade económica para efeitos de auxílios estatais, se houver controlo comum e ligações funcionais”.
Devido à falta de regulação no CFI, bem como nas portarias, o prazo dos 3 anos resulta da aplicação do “CPPT (art. 20.º) e, por remissão, o artigo 279.º do Código Civil”, tendo o STA já confirmado este entendimento.
O início do prazo dos trabalhos, ocorre: “primeiro ato de construção ou primeiro compromisso firme de encomenda de equipamentos, consoante o que ocorrer primeiro; não incluem compra de terrenos, licenças ou estudos preparatórios; em caso de aquisição, corresponde à compra dos ativos ligados ao estabelecimento adquirido.”
No que respeita ao conceito de “projeto de investimento único”, este ocorre quando: “os trabalhos de dois ou mais investimentos começam dentro de três anos; realizam-se na mesma região NUTS III; as empresas envolvidas pertencem ao mesmo grupo”. Existindo esta regra “para evitar a divisão artificial de projetos em subprojetos, escapando à notificação obrigatória ou aos limites máximos de auxílio (norma antiabuso)”.
No que respeita aos auxílios de Estado com finalidade regional, tanto o CFI como o RGIC, consideram que o RFAI e os Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo se enquadram nesta categoria. A nível comunitário, um auxílio de Estado “é qualquer apoio público que favoreça certas empresas, podendo distorcer a concorrência”, que podem assumir a forma de benefícios fiscais ou incentivos financeiros reembolsáveis, mas apenas são válidos “se respeitarem os mapas aprovados pela Comissão Europeia”. Referindo a Requerida que o legislador nacional tratou de verter art.º 14.º do RGIC no artigo 43.º do Código Fiscal ao Investimento.
No mesmo sentido, o RGIC (2014) estipula que “o montante máximo admissível do auxílio para um grande projeto de investimento, calculado de acordo com a seguinte fórmula: montante máximo do auxílio = R × (A + 0,50 × B + 0 × C)”, enquanto a Portaria n.º 297/2015 estabelece os critérios para o cálculo do equivalente de subvenção bruta, em conformidade com a legislação comunitária aplicável ao RFAI e aos Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo.
Com tudo o atrás exposto, a Requerida conclui que “Projeto ... realizado pela B..., S.A. constitui, para efeitos de cálculo do limite máximo dos auxílios estatais com finalidade regional do RGIC, parte de um «projeto de investimento único» que integra:
● RFAI obtido pela B..., S.A. em 2017, 2018, 2019 e 2020 no âmbito do projeto ...;
● Incentivo financeiro reembolsável com poupança de juros no âmbito do referido projeto....
● Benefícios Fiscal Contratuais ao Investimento Produtivo obtidos pela C..., S.A. em 2014 e 2015 (I) no âmbito do projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... iniciado em 2014;
● RFAI obtido pela C..., S.A. em 2015 (II) relativo a investimento que corresponde a investimento realizado para além do montante das despesas consideradas
● elegíveis no âmbito do Contrato de Investimento que se traduziu na obtenção do Benefícios Fiscal Contratual ao Investimento Produtivo acima referido;
● Incentivo financeiro reembolsável com poupança de juros no âmbito do projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... iniciado em 2014;
● RFAI obtido pela C..., S.A. em 2015 (II) e 2016, no âmbito dos respetivos projetos anuais.
Durante a inspeção, a AT determinou que os auxílios estatais atribuídos foram os abaixo mencionados:

Uma vez que o limite máximo para um projeto de investimento, na Região de..., é de 18.750.000 Euros (decorrente do limite regional de 25% e de aplicações relevantes superiores a 100.000.000 Euros), o Projeto de investimento único (realizado entre 2014 e 2017) excede este limite no montante de 6.452.332,23 Euros (25.202.332,23 Euros - 18.750.000 Euros).
Assim, e já que, em 2020, a B..., S.A. recebeu auxílios regionais no montante de 492.692,85 Euros, respeitante ao RFAI (de 2020) deduzido na esfera do Grupo D... (por cálculo no RETGS), a que se soma a poupança (em 2020) respeitante aos juros do incentivo financeiro reembolsável - recebido no âmbito do contrato de investimento com a AICEP - no montante de 339.022,53 Euros, deverá então a B..., S.A., acrescer ao valor da sua coleta o montante total de 831.715,38 Euros, uma vez que este valor excede o limite máximo para um projeto de investimento, que no caso da Região de ... é no valor de 18.750.000,00 Euros.
Com base no acima exposto e no art.º 43.º, n.º 1 e n.º 3 do CFI, que estabelece o limite e o respetivo ajustamento, em face do projeto de investimento único (2014-2017), procedeu-se à correção do cálculo de imposto, de 2020, na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC da B..., S.A. no valor de 831.715,38 Euros.
A correção ao montante de auxílios regionais, para o Projeto de Investimento Único (2017-2020), após o ajustamento de 2014-2017 (no valor de 831.715,38 Euros) é de 438.469,29 Euros (20.020.184,67 Euros - 831.715,38 Euros - 18.750.000,00 Euros).
Assim, a correção do cálculo de imposto na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC da C..., S.A. de 2020, foi de 512.015,03 Euros, correspondente: “a. ao valor de 73.545,75 Euros usufruído em 2020 pela C... referente ao incentivo financeiro reembolsável contratado com a AICEP no âmbito do Projeto de expansão da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... com inicio em 2014 o qual faz parte do Projeto de Investimento Único (2014-2017); b. ao valor de 438.469,29 Euros usufruído em 2020 pela C... referente à dotação de 2020 do RFAI do investimento na nova pilha de aparas, com inicio em 2019, o qual faz parte do Projeto de Investimento Único (2017-2020).”
No que respeita à notificação à Comissão Europeia, “o montante de reposição dos benefícios fiscais apurado pelos SIT não é colocado em causa pela Requerente, o que a Requerente contesta é que não deveria de existir qualquer acréscimo por considerar que o Estado Português comunicou à Comissão Europeia o projeto de investimento superior a 100.000.000,00 €”.
Aliás, considera-se que a situação apresentada pelo Estado Português à Comissão Europeia “não coincide com as opções seguidas pelas sociedades do grupo D... quanto aos auxílios de Estado invocados e utilizados para aquele investimento, nem quanto ao tipo de auxílio aprovado, nem quanto aos montantes do investimento, nem quanto à taxa de auxílio e respetivos benefícios”.
O limiar de notificação “tem uma natureza imperiosa restringindo que determinados auxílios, pelas suas caraterísticas e/ou valor, tenham de ser obrigatoriamente notificados à Comissão”, deste modo, a “ausência de notificação atempada à Comissão Europeia de um auxílio que exceda o limiar de notificação implica que a respetiva concessão/utilização se encontrará em violação do artigo 108.º n.º 3 do TFUE, e nessas circunstâncias não pode as sociedades supra identificadas usufruir do benefício apurado no período inspecionado, de 2020”.
Quanto aos procedimentos inspetivos e suas formalidades, a Requerente afirma que “foram incorretamente qualificados como internos, quando deveriam ser externos” e daí “a consequência deverá ser a nulidade das liquidações por vícios procedimentais”. Ora, importa salientar que, neste caso, as Requerentes “não vêm impugnar a liquidação da sua totalidade, pelo que nunca poderão apontar vícios no procedimento inspetivo capaz de estender o dispositivo (…) às correções relativas à reposição dos benefícios fiscais”.
A Requerida afirma, ainda, que “a qualificação e duração dos procedimentos inspetivos devem ser consideradas como não escritas, precisamente porque não será possível ao tribunal pronunciar-se sobre esta matéria”. Embora a Requerida afirme que a Requerente não tem razão, uma vez que se “permite expressamente que, em sede de procedimento interno, a AT obtenha elementos e documentos complementares no decurso da análise” e se “legitima a AT a solicitar aos sujeitos passivos todos os documentos e elementos necessários à análise, mesmo em sede de procedimento interno”.
Para além disso, o que distingue o procedimento interno do externo “é o local da realização dos atos principais, e não a natureza ou complexidade da documentação analisada”.
Tendo presentes as diligências ocorridas (abaixo descritas), as mesmas não foram efetuadas nas instalações das empresas: “a) Análise dos elementos contabilísticos e fiscais disponibilizados pelas sociedades inspecionadas, no seguimento de elementos solicitados pela IT através do Portal das Finanças; b) Pedidos de informação e de variada documentação à AICEP; c) Reunião havida com representantes da B... nas instalações da AT.”
A Requerente afirma que o procedimento de inspeção não pode ultrapassar o prazo de seis meses previsto na Lei, ainda que o referido artigo estabeleça que o procedimento de inspeção tem “natureza contínua e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses, admitindo-se, excecionalmente, a sua prorrogação por dois períodos adicionais de três meses.”
A Requerida, ainda, alerta que o limite máximo de duração do procedimento de inspeção, bem como a emissão dos despachos que prorrogam tal prazo, encontra-se diretamente vinculada à suspensão do prazo de caducidade prevista no artigo 46.º, n.º 1, da LGT. Acrescendo ainda que “O DECURSO DO PRAZO DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO DETERMINA O FIM DOS ATOS EXTERNOS DE INSPEÇÃO, NÃO AFETANDO, PORÉM, O DIREITO À LIQUIDAÇÃO DOS TRIBUTOS”.
Entende, assim, a Requerida que “a única consequência para inobservância do prazo de seis meses para a duração de uma inspeção externa, é apenas e só a não suspensão do prazo de caducidade, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, não tendo esse incumprimento qualquer outra consequência, nomeadamente em termos de vício que possa afetar a própria liquidação, conforme resulta da parte final do n.º 7 ao art.º 36.º do RCPITA”, referindo neste sentido vários acórdãos do STA.
Concluindo, deste modo, que as regras relativas aos prazos e respetivas prorrogações “não têm qualquer aplicação no caso de uma ação de inspeção interna”, bem como se a posição da Requerente fosse atendida “conduziria (…) à paralisação de procedimentos complexos de fiscalização, em prejuízo do interesse público e da eficácia administrativa”.
Em resumo, quanto a este ponto a Requerente entende que o Tribunal Arbitral não tem competência, o procedimento inspetivo foi corretamente qualificado como interno, a obtenção de elementos externos é legal e complementar, a duração do procedimento foi proporcional à sua complexidade e não se verificam vícios procedimentais invalidantes.
Sobre a alegada violação do princípio da confiança, invocado pelas Requerentes, afirmando que as expetativas alegadamente criadas pelo Estado em virtude dos contratos de investimento foram defraudadas, não seria razoável que as Requerentes esperassem “que os benefícios fiscais gozassem de imunidade a fiscalização posterior”, ainda que pudessem existir expectativas subjetivas.
A Requerida faz notar que, dentro do quadro das competências do Estado, cada órgão executou a sua função: “a) AICEP – concessão de incentivos financeiros; b) Comissão Europeia – aprovação de auxílios estatais; c) Autoridade Tributária – fiscalização da legalidade tributária.”
Recordando que os contratos de investimento celebrados com o Estado (através da AICEP) não conferem imunidade à fiscalização tributária e que a decisão da Comissão Europeia respeitou exclusivamente à conformidade do regime de incentivos com as regras de auxílios de Estado, não vinculando a AT na aplicação do direito interno, assim como a informação prestada pelo Estado português à Comissão Europeia refletiu os dados disponíveis à época.
Já no que respeita a anteriores inspeções, refira-se que cada procedimento inspetivo tem âmbito temporal e material delimitado, ou seja, “a não deteção de irregularidades numa inspeção não gera direito adquirido e o surgimento de novos elementos obriga a AT a reavaliar a situação”, salientando que se respeitou o princípio da igualdade e da transparência e não se verificou qualquer comportamento arbitrário.
Assim, o investimento realizado pelas Requerentes não é argumento para impedir a fiscalização, sendo as correções efetuadas proporcionais e limitando-se ao excesso apurado, não pondo em causa a continuidade da atividade empresarial das Requerentes.
Concluindo-se que “não se verificam os pressupostos constitucionais exigidos para a invocação do princípio da confiança”.
Por fim, quanto ao direito a juros compensatórios, a posição da administração fiscal é a de que quando “determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, (…), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação da Requerente integra a hipótese de uma infração tributária como ocorre no caso em apreço”, deste modo, devem ser mantidos os respetivos juros compensatórios.
Quanto aos juros indemnizatórios, e “não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”, não deve ser reconhecido às Requerentes qualquer direito a juros indemnizatórios, acrescentando que “inexiste qualquer erro imputável aos serviços”.
Para que a AT seja sujeita ao pagamento dos juros indemnizatórios, é necessário que estejam preenchidos determinados requisitos. Ou seja, o pagamento de juros indemnizatórios “depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (…) terá necessariamente de implicar a existência de um vício na relação jurídico-tributária, isto é, implicará um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela AT com base num ato anulado”.
Assim para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, terá de se verificar uma qualquer ilegalidade “que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços”.
E, se tal ocorrer “a AT está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Ainda assim, este não é de todo o caso, uma vez que a liquidação “decorre diretamente da aplicação da lei”.
Quanto à prova testemunhal, a Requerida que para este caso em concreto, “a prova testemunhal apresentada pela Requerente é um ato inútil (…), pelo que tal requerimento de prova deve ser indeferido”.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
IV. MATÉRIA DE FACTO
IV. 1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão:
A. As sociedades B..., C... e A... (sociedade dominante) fazem parte do Grupo D... .
B. As sociedades B... e C... desenvolvem a sua atividade no sector industrial e estão localizadas na região de ... (NUTS III).
C. Foi celebrado um contrato de investimento entre o Estado Português (representado pela AICEP) e a C..., em 2014.
D. Este contrato de investimento, que decorreu entre 1 de Março de 2014 e 30 de Junho de 2015, consistiu no aumento da capacidade produtiva da fábrica de pasta de ... e originou um investimento superior a 56 milhões de euros.
E. Uma vez que a este projeto foi atribuído um incentivo reembolsável até ao valor máximo de € 11.260.000, o auxílio não foi sujeito a notificação individual, uma vez que era inferior ao limiar de notificação (i.e. € 18.750.000).
F. Por força do tempo disponível, o investimento remanescente foi efetuado posteriormente e objeto de consideração no RFAI.
G. Para a região ..., a percentagem máxima fixa-se nos 25% e, no caso de projetos acima de 50 milhões de euros, aplica-se o ajustamento do RGIC.
H. Foi, ainda, realizado um outro contrato de investimento (a 13/12/2017), entre o Estado Português (representado pela AICEP) e a B....
I. Os investimentos iniciados pelo mesmo beneficiário (ou grupo) dentro de três anos, na mesma região, são considerados um único projeto de investimento.
J. O investimento relativo a este contrato de investimento era superior a 100 milhões de Euros – tendo para isso contribuído o denominado projecto ... – e, deste modo, o incentivo potencial a atribuir era superior ao limiar de notificação, o que obrigou o Estado Português a comunicar e a solicitar a sua aprovação à Comissão Europeia.
K. Para além da comunicação acima mencionada, não existiu qualquer outra comunicação à Comissão Europeia (conforme resulta de consulta à plataforma da Comissão Europeia).
L. A decisão da Comissão Europeia, de 31 de Julho de 2019, especifica que o investimento elegível corresponde a € 120 milhões.
M. A Comissão Europeia autorizou o incentivo, mediante um incentivo financeiro reembolsável e um benefício fiscal concedido na forma de crédito de imposto, utilizável em sede de IRC.
N. O «montante ajustado de auxílio» para o projeto de investimento único, em valores de 2014, ficou fixado em € 26,2 milhões.
O. Adicionalmente, também foi estabelecido que individualmente a intensidade máxima do auxílio do projeto ... é de 17,5%.
P. Na decisão da Comissão Europeia ficou, ainda, estabelecido que quaisquer planos para modificar o auxílio concedido teria de ser notificados à Comissão Europeia.
Q. O Estado Português assumiu o compromisso de atribuir um incentivo financeiro reembolsável até ao valor máximo de € 42.166.636,33, no qual se inclui o montante de € 1.861.090,00, atribuído ao abrigo da regra de “minimis”.
R. Neste contrato de investimento (2017) ficou previsto que o incentivo reembolsável seria atribuído pelo prazo total de 8 anos, no qual se incluía um período de carência de capital de 2 anos, sendo concedido sem pagamento de juros ou outros encargos e sendo reembolsado em prestações semestrais, iguais e sucessivas, que tiveram início em 2 de Maio de 2022.
S. O projeto ficou, ainda, sujeito às seguintes condições:
(i) Demonstração pela B... de um adequado financiamento do projeto por capitais próprios;
(ii) A concessão do incentivo financeiro fica condicionada à aprovação do projeto pela Comissão Europeia; e
(iii) O pagamento do incentivo financeiro fica sujeito às condições que resultarem da decisão da Comissão Europeia.
T. De acordo com a informação solicitada pela Requerida à AICEP, até 31-12-2020, a B... recebeu cerca de 40 milhões de Euros da referida entidade.
U. A B..., conforme estipulado no contrato de investimento, procedeu ao reembolso (do incentivo financeiro recebido), em cerca de 7,5 milhões de Euros.
V. As Requerentes reconheceram na sua contabilidade o valor de € 3.748.000, respeitante à poupança de juros referente ao projeto da B... .
W. Contudo, e após confirmação do AICEP, a taxa base usada para o cálculo do Equivalente de Subvenção (ESB) deveria ter sido 0,92%, sendo que a Requerente utilizou a taxa de 1,798%.
X. Assim, o valor referente à poupança de juros fixou-se em € 2.012.323,24.
Y. O AICEP também informou a Requerida que a primeira despesa apresentada pela B... se reporta a 09-03-2017.
Z. Apesar disso, na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, a B..., registou um benefício fiscal em sede de RFAI, tendo indicado que o início do investimento ocorreu no dia 01-01-2017.
AA. A Requerente, após ser questionada (a 13/04/2023) pela Requerida - para indicar a data de início do projeto - respondeu que a data de início dos trabalhos era 31-05-2017.
BB. A mesma incongruência de datas ocorreu na C... .
CC. Encontra-se também provado que, por sua opção, o Grupo D..., em vez do Regime Contratual de Investimento utilizou um outro incentivo regional (i.e. o RFAI), que lhe confere igualmente um crédito de imposto, utilizável em sede de IRC.
DD. A B..., S.A. registou nas suas Declarações de Rendimento Modelo 22 de IRC de 2017 a 2020, os seguintes valores, em sede de RFAI:

EE. As instruções da Modelo 22 de IRC, explicitam que o Campo 763 deve refletir o montante do incentivo financeiro usufruído, incluindo a isenção de reembolso e a poupança de juros relativa ao apoio reembolsável.
FF. Conclui-se, contudo, que não existiu uma acumulação de benefícios fiscais, ou seja, a utilização simultânea do RFAI com o benefício fiscal contratual, por parte do Grupo D... .
GG. As aplicações relevantes (i.e. € 123.890.662,59), relativas ao projeto ..., aparecem no Quadro 14 do RIT individual à B..., para o projeto de investimento único 2014-2017.
HH. Todavia, este exato valor é também apresentado no Quadro 13 do RIT individual da C..., para o projeto de investimento único 2017-2020.
II. Deste modo, nos RIT o projeto ... foi considerado, tanto no projeto de investimento único (2014-2017), como no projeto de investimento único (2017-2020).
JJ. Tendo por base as Declarações de Rendimento Modelo 22 de IRC das Requerentes, entre 2014 e 2020, os projetos de investimento único obtiveram um crédito de imposto por benefícios fiscais no montante total de 25.178.766,23 Euros.
KK. Note-se que os benefícios fiscais foram usufruídos pelas sociedades dominantes, H... no período de tributação 2015 (I) e A..., S.A., nos períodos posteriores e até 2020.
LL. A B... foi alvo de uma ação de inspeção interna (Ordem de Serviço n.º OI2022...), respeitante ao exercício de 2020, iniciada em 16 de Abril de 2022 e finalizada a 18 de Agosto de 2024 (28 meses depois), com a notificação do Relatório Final de Inspeção.
MM. Durante este período, a AT efetuou seis pedidos de elementos.
NN. Os três primeiros entre 22/04/2022 e 20/09/2022, o quarto a 13 de abril de 2023 e o últimos dois a 1/06/2023 e 13/07/2023, tendo sido solicitada apenas uma única reunião (que foi realizada no dia 25/06/2024) e tendo a AT concluído o seu projeto de relatório de inspeção a 28/06/2024.
OO. Relativamente a esta inspeção tributária, não existiu qualquer pedido de prorrogação de prazo.
PP. A B... está a ser inspecionada continuamente há 1.644 dias.
QQ. A C... foi alvo de uma ação de inspeção interna (Ordem de Serviço n.º OI2023...), respeitante ao exercício de 2020, iniciada em 28 de Fevereiro de 2023 e finalizada a Setembro de 2024 (19 meses depois), com a notificação do Relatório Final de Inspeção.
RR. Durante este período, a AT efetuou três pedidos de elementos.
SS. O primeiro a 18/04/2023, o segundo a 1/06/2023 e o último no dia 26 de setembro de 2023. Tendo a AT concluído o seu projeto relatório de inspeção a 12 de julho de 2024 e o RIT sido datado de 18 de setembro de 2024.
TT. Não tendo existido, também, qualquer prorrogação de prazo.
UU. A C... está a ser inspecionada continuamente há 685 dias.
VV. No que respeita às diligências efetuadas, foram efetuados os seguintes procedimentos: a) verificação da contabilidade, de livros de escrituração, de livros de atas e de outros elementos; b) pedidos de informação e de variada documentação à AICEP; c) reunião havida com representantes das Requerentes.
WW. A 10 de Maio de 2024, foi iniciada uma ação de inspeção interna (ordem de serviço n.º OI2024...) ao Grupo D..., tendo a mesma sido finalizada em Outubro de 2024.
XX. O Grupo D... foi notificado do Relatório Final de Inspeção, em Novembro de 2024.
YY. Neste Relatório, a AT corrigiu o cálculo do imposto do Grupo D..., determinando uma liquidação adicional de IRC (n.º 2024...) e liquidações de juros compensatórios (n.ºs 2024 ... e 2024...), num valor total a pagar (até 9 de Janeiro de 2025) de € 2.066.637,49, a correspondeu o Acerto de contas n.º 2024... .
ZZ. As correções ao cálculo do imposto do Grupo D... acima mencionadas, incluem correções ao nível individual de algumas sociedades do Grupo D..., incluindo a B... e da C....
AAA. O Grupo D... aceitou uma parte das correções efetuadas pela Requerida.
BBB. Colocando em causa as seguintes correções: i) Correção ao cálculo do imposto pela reposição de benefícios fiscais, no valor de € 831.715,38, respeitante à B...; ii) Correção ao cálculo do imposto pela reposição de benefícios fiscais, no valor de € 512.015,03, respeitante à C... .
CCC.No entender das Requerentes, as correções contestadas materializam-se no montante de € 1.343.730,41, respeitante à reposição de benefícios fiscais, e de € 179.726,25 respeitante a juros compensatórios e de mora.
DDD. O Grupo D... procedeu ao pagamento, dentro do prazo legal, do valor liquidado adicionalmente e, em sequência disso, apresentou o presente PPA.
IV. 2. Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.
IV. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
V. DO DIREITO
Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes imputam os seguintes vícios:
- Violação de lei (por erro de interpretação);
- Incompetência; e
- Procedimento (relacionado com a classificação a adotar quanto ao procedimento de inspeção).
De harmonia com o disposto no art.º 124 do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 29, n.º 1, do RJAT, «na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação» e deverá dar-se prioridade aos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos».
Começamos, então por analisar as questões relacionadas com a violação de lei, que se repartem em dois temas.
V. 1. Apreciação da questão suscitada pelos Requerentes relativamente à utilização do RFAI, em alternativa ou complementarmente ao benefício fiscal contratual
Quanto a esta questão, importa desde logo ressalvar que a decisão da Comissão Europeia reconheceu que o projeto poderia receber até 26,2 milhões de Euros de auxílio sem comprometer a compatibilidade com o mercado interno. Resulta daqui que não houve violação material dos limites do auxílio, o que mudou foi o método para usufruir do crédito fiscal (Benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo versus RFAI).
Do ponto de vista do direito interno, o Código Fiscal do Investimento (CFI) não proíbe que um investimento abrangido por um contrato de investimento possa também beneficiar de outro benefício. Na verdade, ambos os benefícios têm a mesma natureza, i.e. apoios fiscais ao investimento produtivo.
Não existe também qualquer disposição legal, que impeça a empresa de escolher o RFAI se este lhe for mais favorável (a Requerente afirma inclusive que os seus concorrentes optaram pelo RFAI - facto não desmentido pela Requerida), desde que não acumule indevidamente benefícios sobre as mesmas despesas elegíveis acima dos limites legais (cfr. Art. 13.º, n.º 1 do EBF “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os benefícios fiscais contratuais relativos às aplicações relevantes do projeto discriminadas no respetivo contrato não são cumuláveis, com quaisquer outros benefícios fiscais da mesma natureza relativamente às mesmas aplicações relevantes, incluindo os benefícios fiscais de natureza não contratual, previstos neste ou noutros diplomas legais.”). Aliás, o legislador previu expressamente mecanismos para agregar investimentos sucessivos num projeto único e fixar limites de intensidade de auxílio (em percentagem) aplicáveis a todos os auxílios combinados.
Adicionalmente, a jurisprudência arbitral recente tem afirmado que os diplomas nacionais de regulamentação do RFAI devem ser entendidos como meros instrumentos de execução do direito da UE em matéria de auxílios. Isso significa que regras administrativas internas não podem restringir indevidamente a aplicação do RFAI para além do que exigem as normas europeias. Por exemplo, no Processo CAAD n.º 750/2022-T entendeu-se que nenhuma portaria nacional pode prevalecer sobre os artigos do CFI e do RGIC de origem europeia de forma a afastar a aplicação do RFAI.
Outro aspeto, é que as Requerentes terão entendido que o RFAI e o benefício fiscal contratual tinham a mesma finalidade e natureza, algo que o AICEP – entidade pública que celebrou o contrato – não terá discordado, uma vez que decidiu não comunicar este facto à Comissão Europeia (ponto desenvolvido adiante).
Em suma, se a lei e o direito da UE permitiam o benefício fiscal até certo limite, não poderia uma norma inferior impedir o contribuinte de utilizar o RFAI para concretizá-lo. No caso em concreto, não há indícios de que qualquer norma expressa vedasse optar pelo RFAI em vez do benefício fiscal contratual ao investimento produtivo. Pelo contrário, o CFI e Portaria n.º 297/2015 consagram os princípios do RGIC (i.e. agregação de investimentos num projeto único e necessidade de notificar se ultrapassado o montante ajustado de auxílio), mas tais preceitos foram observados: o investimento foi devidamente notificado quando exigido (no arranque do projeto) e apurado o montante ajustado de 26,2 milhões de Euros. Deste modo, o crédito fiscal via RFAI era juridicamente admissível.
V. 2. Apreciação da questão suscitada pelos Requerentes relativamente ao incorreto cálculo do limite do benefício fiscal e, consequente, reposição de benefícios fiscais
Outra questão que se coloca, é se a AT calculou corretamente o limite do benefício fiscal e, consequentemente, a reposição de benefícios fiscais agora exigida.
No relatório de inspeção a AT concluiu que, por o contribuinte ter usufruído do auxílio através de RFAI em vez do benefício fiscal contratual ao investimento produtivo, dever-se-ia aplicar um limite máximo de 18.750.000 Euros aos auxílios regionais combinados do projeto (correspondente ao limiar de notificação para projetos acima de 100.000.000 Euros).
Como os auxílios efetivamente usufruídos no projeto “único” (2014-2020) terão atingido cerca de 20 milhões de Euros, a AT entendeu que houve um excesso de 1,27 milhões Euros em relação ao limite não notificado. Assim, procedeu à “reposição de benefícios fiscais”, corrigindo a coleta de IRC de 2020 no montante de 1,343 milhões de Euros.
Para fundamentar tal ação, a AT invocou disposições do CFI (artigo 43.º, n.ºs 1 e 3) – que estabelecem percentagens máximas de auxílio regional e a fórmula para grandes projetos – e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria). Importa notar que nenhuma dessas normas atribui expressamente competência à AT para efetuar correções unilaterais por motivos de auxílios de Estado.
O artigo 43.º do CFI define limites de intensidade (25% para a Região ..., neste caso) e remete, no n.º 3, para o cálculo do “montante ajustado de auxílio” nos projetos que exigem notificação. Ora, como vimos, o montante ajustado aprovado foi de 26,2 milhões de Euros, superior a qualquer auxílio efetivamente usufruído. A AT, porém, fez uma outra interpretação: considerou o montante de 18.750.000 Euros (mero limiar de notificação) como um teto absoluto de auxílio aplicável e considerou dois “projetos únicos” separados para restringir artificialmente os limites.
Esta interpretação não está em harmonia com as Orientações da UE para Auxílios Regionais (OAR), que preveem para grandes projetos uma fórmula de cálculo do teto de auxílio (50% até 50.000.000 Euros, 34% entre 50.000.000 e 100.000.000 Euros, etc.) e não um travão fixo nos 18.750.000 Euros. De facto, aplicando a fórmula das OAR ao investimento relevante (cerca de 135 milhões de Euros), o teto de auxílio seria cerca de 21,7 milhões de Euros, valor acima dos 20,02 milhões de Euros efetivamente concedidos, ou seja, nem pela ótica material houve “excesso” de auxílio. Ademais, a própria AT possuía doutrina interna (Informação Vinculativa n.º 16403) reconhecendo este cálculo mais elevado do teto permitido, o que lança dúvidas sobre a coerência da sua atuação.
V. 3. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que é objeto do presente processo, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pelos Requerentes.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelos Requerentes.
V. 4. Liquidações de juros compensatórios
V.
As liquidações de juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, tendo como pressuposto a contestada liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afetam esta, justificando-se também a sua anulação.
VI. 5. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
As Requerentes pedem ainda a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Os erros que afetam as liquidações são imputáveis à Administração Tributária, que efetuou por sua iniciativa as liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios.
Assim, as Requerentes têm direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT e 61.º do CPPT até ao integral reembolso contados desde as datas de pagamento.
VI. DECISÃO
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral coletivo:
a) Julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral e, em consequência, anular os atos de liquidação adicional de IRC n.º 2024... e das liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2024... e 2024..., no que respeita ao cálculo do imposto pela reposição de benefícios fiscais de € 831.715,38 (respeitante à B...) e ao cálculo do imposto pela reposição de benefícios fiscais de € 512.015,03 (respeitante à C...) e de € 179.726,25 respeitante a juros compensatórios e de mora.
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo nos termos do decidido em V.
VII. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 1.523.456,66 (Um milhão, quinhentos e vinte e três mil, quatrocentos e cinquenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnado.
VIII. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 20.196,00 (vinte mil cento e noventa e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de dezembro de 2025
Os Árbitros
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(Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha – Presidente)
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(Nuno Filipe Raposo Jacinto – Adjunto e Relator)
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(Prof.ª Doutora Cristina Aragão Seia – Adjunto)