Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 406/2025-T
Data da decisão: 2025-12-08  IRS  
Valor do pedido: € 174.414,31
Tema: IRS – Mais-valias – Reinvestimento
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SUMÁRIO:

I - Se a AT tivesse cumprido o seu dever de correção, teria necessariamente concluído pela anulação da liquidação, na medida do valor reinvestido, e eventualmente emitido uma nova liquidação de IRS, considerando as declarações de substituição entretanto realizadas.

II – Esta nova liquidação teria considerado os rendimentos declarados e excluiria na justa medida os ganhos reinvestidos.

III – A não emissão dessa liquidação corrigida implica que a Requerente foi indevidamente tributada, ficando por suportar um imposto que não era devido, situação que não pode prevalecer.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Vítor Braz e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte: 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

     I.         RELATÓRIO

A..., NIF..., residente na ..., ..., ...- ... Porto, considerando que a Reclamação Graciosa (documentos n.ºs 1 e 2 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos) foi expressamente indeferida, reclamação esta apresentada sobre a Demonstração da Liquidação de IRS n.° 2024... e da demonstração de acerto de contas 2024... (documento 2024...) do ano de 2021 (documentos n.ºs 3 e 4, que se junta, e dão por integralmente reproduzidos), veio, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do identificado diploma, apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, contra atos tributários da Autoridade Tributária, nomeadamente sobre o indeferimento da Reclamação Graciosa que versou sobre o pedido de ilegalidade da identificada liquidação e atos conexos (suprarreferidos), bem como a ilegalidade dos atos suprarreferidos.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 23 de abril de 2025. 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 17 de junho de 2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. 

O TAC encontra-se, desde 7 de julho de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta a 26 de setembro de 2025.

No dia 10 de outubro de 2025, este Tribunal proferiu o seguinte despacho:

“1. Designa-se o dia 20 de outubro de 2025, pelas 10h00 horas, nas instalações do CAAD como data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.

2. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A audiência foi realizada na data definida, sendo que na sequência da mesma ambas as partes apresentaram alegações.

 

 II.           DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

O Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

a)     Discute-se, na situação em apreço, a legalidade da tributação de mais-valias em sede de Declaração de IRS, de uma venda e reinvestimento do imóvel de habituação própria e permanente do agregado familiar de um não residente nacional.

b)    A Requerente apresentou uma reclamação graciosa, com data de abertura de 28 de Novembro de 2024 (documento n.º 1), nos termos dos artigos 68.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo como objeto a declaração de nulidade (artigos 70.º e 102.º, n.º 3, do CPPT, e artigo 161.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo - CPA).

c)     O processo da Reclamação Graciosa foi instaurado no dia 28 de Novembro de 2024 e distribuída com o número ...2024... (documento n.º 1).

d)    Em termos sucintos: com referência ao ano de 2021, a ora Requerente requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativo ao ano de 2021, com um valor total a pagar de € 174.414,31, bem como do indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios (documento n.º 5, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

e)     O processo correu no Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária (CAAD) sob o processo nº 530/2023-T.

f)     Nesse âmbito, foi alegado o seguinte: no dia 23 de Janeiro de 2015, a Requerente e o seu marido adquiriram, pelo preço de €360.000,00 (Trezentos Sessenta Mil Euros), o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das Freguesias de ... e ..., descrito sob o número ... na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais, onde foi construído o edifício descrito no artigo seguinte (documento n.º 6, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

g)    Posteriormente, a Requerente e o marido realizaram obras de construção no imóvel identificado no artigo anterior, o que deu origem a um imóvel composto de edifício de dois pisos, destinado a habitação, piscina e logradouro, sito em ..., na Rua ..., n.º..., União das Freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número..., da freguesia de..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .

h)    No dia 25 de Julho de 2017, a Requerente e o seu marido mulher receberam do BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., a título de empréstimo para a construção do imóvel identificado em ... (com o fim de ser destinado a habitação própria e permanente), a quantia de € 570.707,00 (Quinhentos Setenta Mil Setecentos Sete Euros) (documento n.º 7, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

i)      Na escritura de mútuo e hipoteca foi declarado que o imóvel adquirido se destinava a habitação própria permanente (documento número 7).

j)      No dia 16 de Julho de 2021, a Requerente e o seu marido venderam o imóvel identificado em 6.º pelo preço de Euro 2.500.000,00 (Dois Milhões e Quinhentos Mil Euros) (documento número 8, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

k)    Na escritura de compra e venda do imóvel identificado em 6.º, a Requerente e o seu marido foram identificados como sendo residentes na Rua ..., n.º ..., ..., Cascais.

l)      No dia 16 de Julho de 2021, o valor do capital em dívida do empréstimo Crédito Habitação era de € 435.816,00 (Quatrocentos Trinta Cinco Mil Oitocentos Dezasseis Euros), sendo o montante devido pela liquidação antecipada do mesmo de € 2.179,08 (Dois Mil Cento Setenta Nove Euros e Oito Cêntimos) (documento número 9, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

m)   O imóvel identificado em 6.º foi vendido com o valor da hipoteca pago ao banco mutuante (BANCO SANTANDER TOTTA, S.A.).

n)    A compra e venda do imóvel referido em 6.º teve a intervenção das sociedades B..., LDA. e C... UNIPESSOAL, LDA., tendo a Requerente e o seu marido pago a quantia de €121.539,38 (Cento Vinte Um Mil Quinhentos Trinta Nove Euros Trinta Oito cêntimos) (documentos n.ºs 10 e 11, que se juntam e dão por integralmente reproduzidos).

o)    No dia 24 de Fevereiro de 2022 data posterior à realização da venda - artigo 10.º), a Requerente e o seu marido D... (NIF ...) adquiriram um novo imóvel (documento n.º 12, que se junta e dá por integralmente reproduzido): fracção D, do imóvel sito Av. ..., n.º ... e ..., Rua de  ..., n.º ... e ..., e Rua ... n.º ..., n.º ..., ...-...  Porto, 

p)    Descrito na conservatória do registo Predial do Porto, sob o número .../..., da freguesia do ..., Concelho do Porto,

q)    Inscrito na predial urbana sob o artigo ...-P (União das freguesias de ... e ... e concelho do Porto), com intenção de a usar como sua habitação própria e permanente, bem como do seu agregado familiar.

r)     A Requerente, conjuntamente com o seu marido, procedeu à realização de obras de acabamento e conclusão no novo imóvel adquirido (identificado nos artigos 15.º a 17.º), uma vez que o mesmo foi adquirido em estado de construção inacabada, cabendo aos compradores (incluindo a ora requerente) a responsabilidade pela sua finalização.

s)     No ano civil de 2022, a Requerente entregou à AT via internet a sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, fazendo inscrever na mesma o seu estado civil “separado de facto” não optando pela tributação conjunta dos rendimentos, indicou no campo 8 B – Residência Fiscal a sua situação de não residente” (04) e de residente noutro país (6) com o código 250 (correspondente a França) (documento n.º 13, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

t)      No anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS, a Requerente inscreveu no mesmo a aquisição do imóvel identificado em 8.º pelo valor de €566.322,03 (Quinhentos Sessenta Seis Mil Trezentos Vinte e Dois Euros) em Julho de 2021, e a venda do mesmo pelo valor de €1.250.000,00 (Um Milhão Duzentos Cinquenta Mil Euros) em Julho de 2021, a sua quota-parte de 50%% e o montante de € 60.769,69 (Sessenta Mil Setecentos Sessenta e Nove Euros Sessenta Nove Cêntimos) de despesas e encargos.
 

u)    No mesmo anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, a Requerente, no Quadro 5 A relativo ao Reinvestimento do Valor da Realização de Imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente”, fez inscrever no campo 5005 (Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004) o montante de € 219.822,39 (Duzentos Dezanove Mil Oitocentos Vinte e Dois Euros e Trinta e Nove Cêntimos) e no campo 5006 (Valor de realização que pretende reinvestir - sem recurso ao crédito) o montante de € 1.030.177,61 (Um Milhão Trinta Mil Cento Setenta e Sete Euros Sessenta Um Cêntimos).

v)    Durante o ano civil de 2022, o marido da Requerente entregou à AT via internet a sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, fazendo inscrever na mesma o seu estado civil de Separado de Facto”, não optando pela tributação conjunta dos rendimentos, indicou no campo 6 – Agregado Familiar, no campo B D1 Dependentes, os NIF dos filhos menores do casal, e no campo 8 A – Residência Fiscal a sua situação de residente no Continente” (01) (documento n.º 14, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

w)   A propósito: a Requerente e o seu marido indicaram que estavam “separados de facto”, pois essa foi a informação prestada pelos serviços da AT pelo facto da Requerente estar a viver em França. No entanto, a Requerente e o seu marido não estavam separados, nem qualquer um dos dois tinha o propósito de não restabelecer a comunhão.

x)    “Separados de Facto” é um conceito jurídico que implica que não existe comunhão de vida entre os cônjuges (Requerente e marido) e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer. Estas circunstâncias não se verificavam no caso concreto, ainda que não vivessem juntos (24/7) pelo facto da Requerente estar a trabalhar em França (o que, aliás, era uma situação temporária, como se veio a constatar).

y)    No mesmo anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, o marido da Requerente fez inscrever a aquisição do imóvel identificado em 6.º pelo valor de €566.322,03 (Quinhentos Sessenta Seis Mil Trezentos Vinte e Dois Euros) em Julho de 2021, e a venda do mesmo pelo valor de €1.250.000,00 (Um Milhão Duzentos Cinquenta Mil Euros) em Julho de 2021, a sua quota-parte de 50%% e o montante de € 60.769,69  (Sessenta Mil Setecentos Sessenta e Nove Euros Sessenta Nove Cêntimos) de despesas e encargos.

z)     No mesmo anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, o marido da Requerente, no Quadro 5 A relativo ao Reinvestimento do Valor da Realização de Imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente”, fez inscrever no campo 5005 (Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004) o montante de € 219.822,39 (Duzentos Dezanove Mil Oitocentos Vinte e Dois Euros e Trinta e Nove Cêntimos) e no campo 5006 (Valor de realização que pretende reinvestir - sem recurso ao crédito) o montante de € 1.030.177,61 (Um Milhão Trinta Mil Cento Setenta e Sete Euros Sessenta Um Cêntimos).

aa)  Na demonstração de liquidação de IRS do marido da Requerente com o número 2022... da AT, é indicado um rendimento global e um valor apurado a reembolsar de 971,47 euros (novecentos setenta e um euros quarenta e sete cêntimos) (documento n.º 15, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

bb) À data da venda do imóvel identificado em 6.º, o marido e os filhos menores da Requerente tinham a sua residência própria e permanente no mesmo.

cc)  A declaração modelo 3 de IRS apresentada pela Requerente deu origem à demonstração de liquidação de IRS 2022... com o valor a pagar de Euro 174.414,31 (CENTO SETENTA E QUATRO MIL QUATROCENTOS CATORZE EUROS TRINTA E UM CÊNTIMOS).

dd) Posteriormente (a 29 de Junho de 2022), a Requerente apresentou nova declaração de IRS referente a 2021 (documento n.º 16, que se junta e dá por integralmente reproduzido), fazendo referência ao seu estado civil - casado (campo 4), optando pela não tributação conjunta dos rendimentos (campo 5A).

ee)  Indicou ser não residente (campo 8B), com país de residência 250 (França).

ff)   No anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS (campo 4), a Requerente inscreveu no mesmo a aquisição do imóvel identificado em 6.º pelo valor de Euro 566.322,03 (QUINHENTOS SESSENTA E SEIS MIL TREZENTOS VINTE E DOIS EUROS TRÊS CÊNTIMOS) em Janeiro de 2018, a venda do mesmo pelo valor de Euro 1.250.000 (UM MILHÃO DUZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS) em Julho de 2021, a sua quota-parte de 50%.

gg) No mesmo anexo G da (nova) declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, a Requerente, no Quadro 5 A relativo ao Reinvestimento do Valor da Realização de Imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente”, fez inscrever no campo 5005 (Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004) o montante de Euro 219.822,39 (DUZENTOS DEZANOVE MIL OITOCENTOS VINTE E DOIS EUROS TRINTA E NOVE CÊNTIMOS) e no campo 5006 (Valor de realização que pretende reinvestir - sem recurso ao crédito) o montante de Euro 1.030.177,61 (UM MILHÃO TRINTA MIL CENTO SETENTA E SETE EUROS E SESSENTA E UM CÊNTIMOS).

hh) Nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (CIRS), serão excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar desde que o valor de realização – deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel - seja reinvestido na aquisição de nova habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, no prazo de 36 meses posteriores à transmissão (data da realização).

ii)    Para poder beneficiar deste regime, a Requerente declarou a intenção de reinvestimento no Anexo G do modelo 3 da sua declaração de IRS.

jj)    A Autoridade Tributária foi notificada para responder por despacho arbitral de 26 de Setembro de 2023, e, por requerimento de 20 de Outubro seguinte, veio juntar o ato de revogação da liquidação impugnada constante do despacho da Subdiretora Geral do IRS, datado de 13 de Outubro de 2023, bem como a informação dos serviços em que é proposta a revogação do ato tributário (documento n.º 5).

kk) Tendo a Autoridade Tributária anulado administrativamente os atos de liquidação impugnados (antes do encerramento da discussão), verificou-se a impossibilidade superveniente da lide, o que constitui causa de extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.

ll)    A decisão do CAAD (documento n.º 5), já transitou em julgado e constitui caso julgado.

mm)               Posteriormente, a Requerente apresentou uma declaração de substituição, destinada a corrigir o valor das despesas referentes ao reinvestimento que, por lapso, não haviam sido devidamente incluídas na modelo 3 submetida em 2022, relativamente ao exercício de 2021 (documento n.º 17, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

nn) Tal declaração de substituição foi submetida no dia 10 de Outubro de 2024.

oo) No mesmo anexo G desta nova declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021, a Requerente, no Quadro 5 A relativo ao Reinvestimento do Valor da Realização de Imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente”, fez inscrever no campo 5005 (Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004) o montante de Euro 219.822,39 (DUZENTOS DEZANOVE MIL OITOCENTOS VINTE E DOIS EUROS TRINTA E NOVE CÊNTIMOS) e no campo 5006 (Valor de realização que pretende reinvestir - sem recurso ao crédito) o montante de Euro 1.030.177,61 (UM MILHÃO TRINTA MIL CENTO SETENTA E SETE EUROS E SESSENTA E UM CÊNTIMOS).

pp) No que respeita ao campo 5008, foi indicado que o “valor de realização reinvestido no ano da alienação (após a data da alienação – sem recurso ao crédito)” corresponde a €9.763,13.

qq) Isto significa que, no exercício de 2021, foi esse o montante efectivamente reinvestido, sem prejuízo de terem sido efectuados outros reinvestimentos em exercícios posteriores, dentro do prazo de 36 meses previsto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.

rr)   Tais elementos não deveriam alterar a decisão da Autoridade Tributária no que concerne à liquidação do imposto a pagar (ignorando a decisão proferida pelo CAAD a que corresponde o documento n.º 5, ora junto).

ss)   Por outras palavras, o indicado ajuste não alterou o valor do imposto a pagar previamente decidido, mantendo-se a anulação da liquidação inicial determinada pela decisão do CAAD.

tt)    Ou seja, não existiu qualquer alteração referente ao imposto a pagar, mas uma alteração informativa do valor reinvestido no ano de 2021.

uu) Com data de 13 de Dezembro de 2024, a Autoridade Tributária notificou a contribuinte para exercer a audição prévia previsto no art.º 60.º da LGT, devendo para o efeito remeter documento escrito endereçado a estes serviços da Administração Tributária (documento n.º 20, que se junta e dá por integralmente reproduzido). 

vv) De acordo com a Autoridade Tributária, a contribuinte: 

A)   submeteu em 29/06/2022 declaração modelo 3/IRS/2021, com o anexo G, tendo inscrito no quadro 4 do mesmo a alienação onerosa do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...-U-..., valor € 1.250.000,00 em julho de 2021 e valor de aquisição de € 566.322,03 em janeiro de 2018, despesas e encargos € 60.769,69, quota-parte 50%.

B)   E no quadro 5 A declarou a intenção de reinvestimento, valor de realização que pretendia reinvestir € 1.030.177,61, valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem € 219.822,39. 7. Dessa declaração resultou a liquidação no 2022..., valor a pagar no montante de € 174.414,31, contra a qual apresentou reclamação graciosa, alegando, resumidamente, que a questão fundamental consiste em saber se se consideram ou não verificados os pressupostos para a exclusão de tributação de mais-valias, sendo que a requerente era não residente em Portugal aquando a alienação do imóvel, mas o seu cônjuge e filhos menores tinham no imóvel, nessa mesma data, a sua residência própria e permanente.

ww)                Do indeferimento tácito da reclamação graciosa no ...2022..., a reclamante requereu a constituição de tribunal arbitral (Processo no 530/2023-T), tendo a AT, no seguimento da notificação para responder, revogado o ato da liquidação impugnada “com base em informação dos serviços em que se declara que deverá ser-lhe reconhecido o direito à exclusão da tributação em mais-valias, procedendo-se à suspensão da tributação até à concretização do próprio reinvestimento”.

xx) Pelo que a AT procedeu à anulação da liquidação no 2022... em 30/04/2024.
E em 10/10/2024, a ora reclamante submeteu 2a declaração modelo 3/IRS/2021.
1O quadro 4 do anexo G não sofreu qualquer alteração, contudo a reclamante acrescentou, no quadro 5 A do mesmo anexo G, campo 5008 – valor de realização reinvestido no ano da alienação: € 9.763,13.

yy) E no campo A1, identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento (no território nacional), identificou, relativamente aos campos 5007 e 5011, o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...-U-...-D, quota-parte 50%

zz)  Dessa declaração resultou a liquidação aqui em crise. 

aaa)                 A Autoridade Tributária entendeu ainda que ao contrário do alegado pela reclamante, a mesma não se limitou a proceder a uma alteração informativa do valor reinvestido no ano de 2021”, nem resulta, de uma análise atenta à declaração de substituição apresentada, que não houve alteração material nos factos ou valores declarados que justifique nova liquidação”. 

Vejamos porquê.

·      Já o mencionamos acima (ponto 12), a reclamante, no campo A1(identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento (no território nacional), identificou o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...-U-...-D.

·      Ora, de acordo com as instruções de preenchimento da declaração modelo 3, anexo G, o quadro 5 A1 (identificação matricial do imóvel objeto do reinvestimento), destina-se à identificação do imóvel EM QUE FOI CONCRETIZADO O REINVESTIMENTO.

·      Ou seja, a reclamante declarou ter concretizado o reinvestimento no imóvel inscrito no referido quadro 5 A1, no ano da alienação, 2021, não tendo inscrito qualquer montante a título de reinvestimento (inscreveu o valor de € 9.763,13 (na prática, zero”), quando, recorde-se, tinha declarado pretender reinvestir o montante de € 1.030.177,61). 

·      Deste modo, afigura-se-nos que a liquidação aqui em causa foi efetuada com base na declaração modelo 3 de IRS submetida pela reclamante e observando as regras estabelecidas no Código do IRS.

·      Tendo as normas legais sido corretamente aplicadas, e a liquidação sido elaborada tendo em conta os preceitos legais aplicáveis, inexistindo assim, o alegado vício referido pela reclamante. 

bbb)                De resto, quanto ao requerido Mais deverá ser confirmado de que não há lugar ao pagamento de qualquer montante relativo à liquidação de IRS de 2021, conforme já decidido”, diremos que a decisão proferida pela DSIRS não vai (nem poderia ir) no sentido de a reclamante não ter a pagar qualquer montante a título de IRS/2021, mas sim, no sentido de a liquidação ser suspensa até ao momento em que se verifique a concretização do reinvestimento ou até ao momento em que finde o prazo até ao qual seria possível concretizar o reinvestimento sem que o tivesse feito.

ccc)                 O que aconteceu in casu, de acordo com o exposto acima. 

ddd)                A Autoridade Tributária propôs o indeferimento da reclamação graciosa. 

eee)                 Posteriormente, com data de 21 de Janeiro de 2025, notificada à contribuinte na data 23 de Janeiro de 2025, a Autoridade Tributária indeferiu a Reclamação Graciosa (documento n.º 21, que se junta e dá por integralmente reproduzida). Efectivamente, foi proferido despacho de Indeferimento, pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Competência própria.

fff) A contribuinte foi ainda notificada da possibilidade de recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias nos termos do n.º 2 do art.º 66.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou impugnar judicialmente no prazo de três meses, como previsto no art.º 102.º também do CPPT, a contar da data em que se concretizou a notificação nos termos do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT.

ggg)                Conforme alegado, a notificação concretizou-se no dia 23 de Janeiro de 2025.

hhh)                Com data de 21 de Dezembro de 2024, foi instaurado um processo de execução fiscal, com processo número ...2024... e que é relativo à situação supra-descrita (documento n.º 22, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

iii)  A ora Requerente procedeu, no ano de 2021, à alienação de um imóvel destinado a habitação própria e permanente do seu agregado familiar, pelo valor de €1.250.000,00.

jjj)  No apuramento da mais-valia, consideraram-se:

A)   Valor de aquisição: €566.322,03;

B)   Despesas: €60.769,69;

C)   Valor de capital em dívida: €219.822,39.

D)   A mais valia bruta foi de €622.908,28, sendo o valor máximo passível de reinvestimento (para exclusão de tributação) de €1.030.177,61 (valor de venda deduzido do capital em dívida).

kkk)                A Requerente declarou expressamente a intenção de reinvestir a totalidade desse montante, nos termos do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS.

lll)  O reinvestimento tem vindo a ser efectuado de forma faseada:

2021: €9.763,13 (documento n.º 17);

2022: €816.348,15 (documento n.º 18, que se junta e dá por integralmente reproduzido);

2023: €15.417,00 (documento n.º 19 que se junta e dá por integralmente reproduzido).

mmm)           Isto significa que, no exercício de 2021, o montante efectivamente reinvestido foi de €9.763,13, sem prejuízo de terem sido efectuados outros reinvestimentos em exercícios posteriores, dentro do prazo de 36 meses previsto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.

nnn)                Por esse motivo, a Requerente procedeu à entrega de uma declaração substitutiva relativa ao ano de 2021, a 23/06/2024 com correcção da identificação do imóvel e regularização parcial dos dados do reinvestimento (documento n.º 17).

ooo)                Os valores reinvestidos em 2022 e 2023 foram declarados pela Requerente, tendo sido submetidas as correspondentes declarações (documentos 18 e 19).

ppp)                No que concerne a 2022: No anexo G da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2022, a Requerente, no Quadro 5 A e no campo 5009, foi indicado que o “valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte da alienação (após a data da alienação – sem recurso ao crédito)” corresponde a €816.348,15.

qqq)                No que concerne a 2023: No anexo G da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2023, a Requerente, no Quadro 5 A e no campo 5010, foi indicado que o “valor de realização reinvestido no terceiro ano seguinte dentro dos 36 meses após a data da alienação (sem recurso ao crédito)” corresponde a €15.471,00.

rrr) No final de 2023, faltava reinvestir €188.649,33, o que terá sido concretizado dentro do prazo legal de 36 meses após a alienação, que expirou a 16/07/2024.

sss)Não obstante, foi emitida pela AT nova liquidação, em 10/10/2024, com o valor de imposto de €174.414,31, desconsiderando os reinvestimentos já realizados e o prazo legal ainda em curso.

ttt)  O artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS permite ao sujeito passivo beneficiar da exclusão de tributação das mais-valias provenientes da alienação de imóvel destinado a habitação própria e permanente, desde que declare a intenção de reinvestir e efetue tal reinvestimento no prazo de 36 meses após a alienação.

uuu)                A declaração inicial da Requerente indicava essa intenção. A concreta distribuição dos montantes reinvestidos por vários anos fiscais não tem impacto na validade do direito ao benefício fiscal, desde que o reinvestimento seja efectivamente concretizado dentro do indicado prazo.

vvv)                A interpretação da AT é ilegal ao condicionar a exclusão de tributação à existência de declaração de rendimentos anual com menção dos montantes reinvestidos, quando a lei apenas exige a concretização do reinvestimento no prazo de 36 meses e a declaração da intenção.

www)            Mais: a liquidação foi efetuada com base em declarações anteriores ao termo do prazo legal, sem aguardar a eventual conclusão do reinvestimento, circunstâncias que são violadoras dos n.ºs 5 e 7 do artigo 10.º do Código do IRS.

xxx)                A questão fundamental em discussão nos presentes autos é a legalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2021, emitida pela Autoridade Tributária, no montante de 174.414,31€, com fundamento na não concretização integral do reinvestimento do valor de realização de uma mais-valia resultante da alienação de imóvel destinado a habitação própria e permanente (documentos n.ºs 3 e 4).

yyy)                Mais concretamente, discute-se se a AT podia, antes de decorrido o prazo legal de 36 meses para o reinvestimento (prazo esse que findou em 16/07/2024), proceder à liquidação de imposto com base na ausência de declaração dos valores reinvestidos nos anos de 2022 e 2023, quando já foi declarada a intenção de reinvestir e esse reinvestimento está a ser efetivamente realizado de forma faseada.

zzz)                 A Requerente entende que a liquidação é ilegal, pois foi emitida prematuramente, sem aguardar o decurso do prazo legal para reinvestimento; Desconsidera os valores efetivamente já reinvestidos; Parte de uma interpretação restritiva e não conforme com o artigo 10.º, n.ºs 5 e 7 do Código do IRS.

aaaa)              Mais requer a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a praticar todos os atos necessários ao restabelecimento da situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados, considerando que a Requerente poderá vir a suportar encargos a título de emolumentos de registo predial, e de imposto de selo, decorrentes da constituição de hipoteca destinada a caucionar o pagamento da quantia exequenda no processo de execução fiscal (que já corre termos), montantes esses que deverão ser liquidados em sede de execução da sentença, acrescidos dos correspondentes juros de mora até integral restituição.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)     A Subdiretora-Geral para a área de Gestão Tributaria - IR, com os fundamentos da informação n.º 309/25, da Direção de Serviços do IRS (DSIRS), procedeu à revogação parcial da liquidação impugnada, em virtude de não ter sido aceite qualquer montante a título de reinvestimento, nos seguintes termos:

“i) Antes de mais, deve referir-se que, tal como a requerente também menciona na sua petição, já houve outro pedido de pronúncia arbitral referente ao mesmo ano fiscal.

A esse pedido foi atribuído o n.º CAAD530/2023-T e reportava-se aos requisitos referentes ao reinvestimento do valor de realização previstos no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, mais concretamente, a afetação do imóvel (o alienado) a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Relembre-se que estava em causa o ato de liquidação de IRS nº 2022..., com valor a pagar de 174.414,31 €.

Por ter sido considerado que o imóvel alienado era a habitação própria e permanente do agregado familiar da requerente (relembre-se que a mesma era residente no estrangeiro, mais concretamente em França), foi proferido despacho pela senhora Subdiretora-Geral, em 2023OUT13, a revogar o ato contestado (a liquidação n.º 2022..., referente ao IRS do ano fiscal de 2021, com o montante a pagar de 174.414,31 €).

No seguimento desse deferimento, em 2024ABR27 foi efetuada a liquidação n.º 2024..., sem valor a pagar ou reembolsar.

Posteriormente, em 2024OUT10, a aqui requerente apresentou declaração de substituição, que divergia da anterior nas seguintes inscrições:

• no campo 5008 (valor reinvestido no ano da alienação) do quadro 5A do anexo G inscreveu o montante de 9.763,13 €;

• no quadro 5A 1 do mencionado anexo G inscreveu a identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento.

Essa declaração deu origem à liquidação n.º 2024..., de 2024OUT11, com imposto a pagar no montante de 174.414,31 €.

Ou seja, o montante de imposto a pagar corresponde exatamente ao valor constante da liquidação n.º 2022..., e que foi objeto do pedido de pronúncia anteriormente interposto pela requerente (tendo o ato sido revogado).

Quer isto dizer que não foi aceite qualquer montante a título de reinvestimento.

Ora, essa liquidação contradiz a decisão de revogação do ato contestado no anterior CAAD (mencionado supra).

E, como tal, não deveria ter sido elaborada.”

(…)

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser concedido provimento parcial ao solicitado, tal como exposto supra.”

b)    Pelo que, neste conspecto, deve ser decretada a extinção parcial da instância, por a inutilidade superveniente parcial da lide, em conformidade com o previsto na al. c) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

c)     Já no que concerne ao valor de realização reinvestido em 2021 (no campo 5008 do quadro 5 do anexo G), que foi inscrito na declaração de substituição apresentada em 2024OUT10, como salienta a pronúncia da DSIRS junta aos autos, que damos por reproduzida, na parte relevante, a pretensão da ora Requerente não pode proceder:

“Esta questão (reinvestimento em 2021) nunca tinha sido inscrita nas anteriores declarações apresentadas pela aqui requerente.

Ou seja, é uma matéria totalmente nova.

E que não é imputável à Autoridade Tributária, mas sim à requerente.

Ora, estabelece o n.º 3 do artigo 59º do CPPT o seguinte:

“3 - Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:

a) Seja qual for a situação da declaração a substituir, se ainda decorrer o prazo legal da

respetiva entrega;

b) Sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:

I) Nos 30 dias seguintes ao termo do prazo legal, seja qual for a situação da declaração a substituir;

II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação, para a correção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;

III) Até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade, para a correção de erros imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto superior ao anteriormente liquidado.”.

Assim, pretendendo que o valor a pagar seja inferior (por força do reinvestimento parcial em 2021), deveria ter entregue a declaração de substituição até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa.

Conforme disposto no n.º 2 do artigo 140º do Código do IRS, “em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.”

Relembre-se que o termo do prazo legal para a entrega da declaração de rendimentos respeitante ao IRS de 2021 ocorreu em 2022JUN30.

Tendo a requerente apresentado a declaração de substituição em 2024OUT10, foi ultrapassado o prazo de entrega da declaração.

Como tal, esta é mais uma razão pela qual a declaração de substituição não deveria ter sido liquidada.

Veja-se a esse propósito o n.º 6 do artigo 59º do CPPT, que estabelece que:

“6 - Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do ato tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas.”.

iii) Além disso, consultada a escritura de compra do segundo imóvel (melhor identificado nos autos), verifica-se que a outorga da mesma ocorreu em 2022FEV24.

Quer isto dizer que a requerente (e o marido) obteve a propriedade do segundo imóvel (onde pretende reinvestir o valor de realização do primeiro imóvel) somente em 2022.

Como tal, ainda que a declaração de substituição entregue 2024OUT10 pudesse ser validada, não poderiam as novas inscrições (nomeadamente, o reinvestimento de 9.763,13 €) produzir efeito.

Isto porque não pode considerar-se reinvestimento um valor que foi aplicado antes do imóvel ser propriedade da requerente.”

d)    No que concerne ao pedido de pagamento de uma indemnização para eventual prestação de garantia futura, a título de hipoteca, como salienta a pronúncia da DSIRS junta aos autos, que damos por reproduzida, na parte relevante, a pretensão da ora Requerente não pode ser apreciada nos presentes autos, sendo, por consequência, o Tribunal Arbitral, incompetente em razão da matéria, para apreciar o presente pedido.

 

 III.         SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 IV.         FUNDAMENTAÇÃO

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a)     Do indeferimento tácito da reclamação graciosa no ...2022..., a reclamante requereu a constituição de tribunal arbitral (Processo no 530/2023-T), tendo a AT, no seguimento da notificação para responder, revogado o ato da liquidação impugnada “com base em informação dos serviços em que se declara que deverá ser-lhe reconhecido o direito à exclusão da tributação em mais-valias, procedendo-se à suspensão da tributação até à concretização do próprio reinvestimento”.

b)    Pelo que a AT procedeu à anulação da liquidação no 2022... em 30/04/2024.
E em 10/10/2024, a ora reclamante submeteu 2a declaração modelo 3/IRS/2021.
1O quadro 4 do anexo G não sofreu qualquer alteração, contudo a reclamante acrescentou, no quadro 5 A do mesmo anexo G, campo 5008 – valor de realização reinvestido no ano da alienação: € 9.763,13.

c)     E no campo A1, identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento (no território nacional), identificou, relativamente aos campos 5007 e 5011, o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...-U-...-D, quota-parte 50%

d)    Dessa declaração resultou a liquidação aqui em crise. 

e)     A Autoridade Tributária entendeu ainda que ao contrário do alegado pela reclamante, a mesma não se limitou a proceder a uma alteração informativa do valor reinvestido no ano de 2021”, nem resulta, de uma análise atenta à declaração de substituição apresentada, que não houve alteração material nos factos ou valores declarados que justifique nova liquidação”. 

Vejamos porquê.

·      Já o mencionamos acima (ponto 12), a reclamante, no campo A1(identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento (no território nacional), identificou o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...-U-...-D.

·      Ora, de acordo com as instruções de preenchimento da declaração modelo 3, anexo G, o quadro 5 A1 (identificação matricial do imóvel objeto do reinvestimento), destina-se à identificação do imóvel EM QUE FOI CONCRETIZADO O REINVESTIMENTO.

·      Ou seja, a reclamante declarou ter concretizado o reinvestimento no imóvel inscrito no referido quadro 5 A1, no ano da alienação, 2021, não tendo inscrito qualquer montante a título de reinvestimento (inscreveu o valor de € 9.763,13 (na prática, zero”), quando, recorde-se, tinha declarado pretender reinvestir o montante de € 1.030.177,61). 

·      Deste modo, afigura-se-nos que a liquidação aqui em causa foi efetuada com base na declaração modelo 3 de IRS submetida pela reclamante e observando as regras estabelecidas no Código do IRS.

·      Tendo as normas legais sido corretamente aplicadas, e a liquidação sido elaborada tendo em conta os preceitos legais aplicáveis, inexistindo assim, o alegado vício referido pela reclamante. 

f)     De resto, quanto ao requerido Mais deverá ser confirmado de que não há lugar ao pagamento de qualquer montante relativo à liquidação de IRS de 2021, conforme já decidido”, diremos que a decisão proferida pela DSIRS não vai (nem poderia ir) no sentido de a reclamante não ter a pagar qualquer montante a título de IRS/2021, mas sim, no sentido de a liquidação ser suspensa até ao momento em que se verifique a concretização do reinvestimento ou até ao momento em que finde o prazo até ao qual seria possível concretizar o reinvestimento sem que o tivesse feito.

g)    O que aconteceu in casu, de acordo com o exposto acima. 

h)    A Autoridade Tributária propôs o indeferimento da reclamação graciosa. 

i)      Posteriormente, com data de 21 de Janeiro de 2025, notificada à contribuinte na data 23 de Janeiro de 2025, a Autoridade Tributária indeferiu a Reclamação Graciosa (documento n.º 21, que se junta e dá por integralmente reproduzida). Efectivamente, foi proferido despacho de Indeferimento, pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Competência própria.

j)      A contribuinte foi ainda notificada da possibilidade de recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias nos termos do n.º 2 do art.º 66.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou impugnar judicialmente no prazo de três meses, como previsto no art.º 102.º também do CPPT, a contar da data em que se concretizou a notificação nos termos do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT.

k)    Conforme alegado, a notificação concretizou-se no dia 23 de Janeiro de 2025.

l)      Com data de 21 de Dezembro de 2024, foi instaurado um processo de execução fiscal, com processo número ...2024... e que é relativo à situação supra-descrita (documento n.º 22, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

m)   A ora Requerente procedeu, no ano de 2021, à alienação de um imóvel destinado a habitação própria e permanente do seu agregado familiar, pelo valor de €1.250.000,00.

n)    No apuramento da mais-valia, consideraram-se:

A)   Valor de aquisição: €566.322,03;

B)   Despesas: €60.769,69;

C)   Valor de capital em dívida: €219.822,39.

D)   A mais valia bruta foi de €622.908,28, sendo o valor máximo passível de reinvestimento (para exclusão de tributação) de €1.030.177,61 (valor de venda deduzido do capital em dívida).

o)    A Requerente declarou expressamente a intenção de reinvestir a totalidade desse montante, nos termos do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS.

p)    O reinvestimento tem vindo a ser efectuado de forma faseada:

A)   2021: €9.763,13 (documento n.º 17);

B)   2022: €816.348,15 (documento n.º 18, que se junta e dá por integralmente reproduzido);

C)   2023: €15.417,00 (documento n.º 19 que se junta e dá por integralmente reproduzido).

q)    Isto significa que, no exercício de 2021, o montante efetivamente reinvestido foi de €9.763,13, sem prejuízo de terem sido efetuados outros reinvestimentos em exercícios posteriores, dentro do prazo de 36 meses previsto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.

r)     Por esse motivo, a Requerente procedeu à entrega de uma declaração substitutiva relativa ao ano de 2021, a 23/06/2024 com correção da identificação do imóvel e regularização parcial dos dados do reinvestimento (documento n.º 17).

s)     Os valores reinvestidos em 2022 e 2023 foram declarados pela Requerente, tendo sido submetidas as correspondentes declarações (documentos 18 e 19).

t)      No que concerne a 2022: No anexo G da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2022, a Requerente, no Quadro 5 A e no campo 5009, foi indicado que o “valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte da alienação (após a data da alienação – sem recurso ao crédito)” corresponde a €816.348,15.

u)    No que concerne a 2023: No anexo G da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2023, a Requerente, no Quadro 5 A e no campo 5010, foi indicado que o “valor de realização reinvestido no terceiro ano seguinte dentro dos 36 meses após a data da alienação (sem recurso ao crédito)” corresponde a €15.471,00.

v)    No final de 2023, faltava reinvestir €188.649,33, o que terá sido concretizado dentro do prazo legal de 36 meses após a alienação, que expirou a 16/07/2024.

w)   Não obstante, foi emitida pela AT nova liquidação, em 10/10/2024, com o valor de imposto de €174.414,31, desconsiderando os reinvestimentos já realizados e o prazo legal ainda em curso.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, a audiência de produção de prova realizada e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1]“o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV.2.A. Quanto à inutilidade superveniente da lide (parcial)

 

Como decorre da posição da Requerida supra explanada, veio esta, em sede de Resposta, pugnar pela existência de inutilidade superveniente da lide relativamente:

a)     A Subdiretora-Geral para a área de Gestão Tributaria - IR, com os fundamentos da informação n.º 309/25, da Direção de Serviços do IRS (DSIRS), procedeu à revogação parcial da liquidação impugnada, em virtude de não ter sido aceite qualquer montante a título de reinvestimento, nos seguintes termos:

“i) Antes de mais, deve referir-se que, tal como a requerente também menciona na sua petição, já houve outro pedido de pronúncia arbitral referente ao mesmo ano fiscal.

A esse pedido foi atribuído o n.º CAAD530/2023-T e reportava-se aos requisitos referentes ao reinvestimento do valor de realização previstos no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, mais concretamente, a afetação do imóvel (o alienado) a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Relembre-se que estava em causa o ato de liquidação de IRS nº 2022..., com valor a pagar de 174.414,31 €.

Por ter sido considerado que o imóvel alienado era a habitação própria e permanente do agregado familiar da requerente (relembre-se que a mesma era residente no estrangeiro, mais concretamente em França), foi proferido despacho pela senhora Subdiretora-Geral, em 2023OUT13, a revogar o ato contestado (a liquidação n.º 2022..., referente ao IRS do ano fiscal de 2021, com o montante a pagar de 174.414,31 €).

No seguimento desse deferimento, em 2024ABR27 foi efetuada a liquidação n.º 2024..., sem valor a pagar ou reembolsar.

Posteriormente, em 2024OUT10, a aqui requerente apresentou declaração de substituição, que divergia da anterior nas seguintes inscrições:

• no campo 5008 (valor reinvestido no ano da alienação) do quadro 5A do anexo G inscreveu o montante de 9.763,13 €;

• no quadro 5A 1 do mencionado anexo G inscreveu a identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento.

Essa declaração deu origem à liquidação n.º 2024..., de 2024OUT11, com imposto a pagar no montante de 174.414,31 €.

Ou seja, o montante de imposto a pagar corresponde exatamente ao valor constante da liquidação n.º 2022..., e que foi objeto do pedido de pronúncia anteriormente interposto pela requerente (tendo o ato sido revogado).

Quer isto dizer que não foi aceite qualquer montante a título de reinvestimento.

Ora, essa liquidação contradiz a decisão de revogação do ato contestado no anterior CAAD (mencionado supra).

E, como tal, não deveria ter sido elaborada.”

(…)

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser concedido provimento parcial ao solicitado, tal como exposto supra.”

A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, atualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.

Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – neste sentido, vejam-se os ensinamentos de José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Deste modo, a instância extingue-se porque se tornou inútil ou impossível o seu prosseguimento: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar aquela extinção, sem prejuízo depois do apuramento do montante de imposto a pagar.

A inutilidade superveniente da lide é, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, uma causa de extinção da instância, a qual ocorre quando, «por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0875/14, de 30.07.2014. 

No caso concreto, apenas se considera inútil supervenientemente e parcialmente a lide a parte respeitante à liquidação n.º 2024..., de 2024OUT11, com imposto a pagar no montante de 174.414,31 €, por a mesma ter sido revogada.

Nestes moldes, e não podendo os Requerentes concordar com o referido ato tributação de liquidação adicional de IRS remanescente – da demonstração de acerto de contas 2024... (documento 2024...) do ano de 2021 – , respeitante ao valor de realização reinvestido em 2021 (no campo 5008 do quadro 5 do anexo G), que foi inscrito na declaração de substituição apresentada em 2024OUT10, como salienta a pronúncia da DSIRS junta aos autos, e considerando o ponto em causa (e aceitando a revogação parcial), vêm apresentar o presente pedido, requerendo a consequente anulação do ato tributário em apreço.

Cumpre decidir.

 

IV.2.B. Quanto ao pedido de condenação da AT no pagamento de uma indemnização por despesas futuras subjacentes à eventual e hipotética constituição de hipoteca, a Título de garantia

 

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 – primeira parte, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, entre os quais o de apreciar pedidos de indemnização por prestação indevida de garantia.

A indemnização por prestação indevida de garantia vem regulada nos artigos 53.º, da LGT e 171.º, do CPPT, que estabelecem:

“Artigo 53.º - Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”.

“Artigo 171.º - Indemnização em caso de garantia indevida

1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”.

Em ambos os preceitos transcritos se restringe a indemnização por prestação indevida de garantia à “garantia bancária ou equivalente”, entendendo-se como tal “as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”.

 No caso concreto dos autos, alega-se que já está a correr os termos da garantia prestada para suspender a execução. Isso não significa, no entanto, que o executado que tenha prestado garantia, por hipoteca voluntária (por exemplo), para suspender uma execução fiscal em que é exigido o pagamento do imposto indevidamente liquidado, não possa ser ressarcido dos danos comprovadamente decorrentes da prestação dessa garantia, em processo autónomo visando efetivar a responsabilidade civil extracontratual da AT. 

Por não ser o processo arbitral tributário o meio idóneo para decidir do pedido de indemnização concretamente formulado pela Requerente, julga-se o mesmo improcedente. 

 

IV. 2. C. Thema decidendum – Da Verificação dos requisitos substanciais do benefício de exclusão de tributação por reinvestimento da mais-valia obtida em 2024:

 

Conforme referido pela Requerente, a questão fundamental em discussão nos presentes autos é a legalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2021 – liquidação n.º 2024..., de 2024OUT11 e da demonstração de acerto de contas 2024...  (documento 2024...)–, emitida pela Autoridade Tributária, no montante de 174.414,31€, com fundamento na não concretização integral do reinvestimento do valor de realização de uma mais-valia resultante da alienação de imóvel destinado a habitação própria e permanente.

Mais concretamente, discute-se se a AT podia, antes de decorrido o prazo legal de 36 meses para o reinvestimento (prazo esse que findou em 16/07/2024), proceder à liquidação de imposto com base na ausência de declaração dos valores reinvestidos nos anos de 2022 e 2023, quando já foi declarada a intenção de reinvestir e esse reinvestimento está a ser efetivamente realizado de forma faseada.

A Requerente entende que a liquidação é ilegal, pois:

·      foi emitida prematuramente, sem aguardar o decurso do prazo legal para reinvestimento; 

·      desconsidera os valores efetivamente já reinvestidos; 

·      Parte de uma interpretação restritiva e não conforme com o artigo 10.º, n.ºs 5 e 7 do Código do IRS.

Para o caso de entendimento diverso quanto à suficiência do fundamento anterior, abordará o Tribunal de seguida a legitimidade da pretensão de exclusão de tributação da mais-valia por reinvestimento, isto é, se a Requerente tinha direito à não tributação do ganho obtido em 2021 face ao disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, na medida do respetivo reinvestimento.

O artigo 10.º do Código do IRS, sistematicamente inserido na determinação dos incrementos patrimoniais (categoria G de rendimentos), estatui quais os ganhos sujeitos a IRS aquando da alienação onerosa de direitos patrimoniais, designadamente imóveis.

No n.º 5 desse preceito, o legislador consagrou um importante benefício: a exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias obtidas com a venda de imóveis destinados a habitação própria e permanente, sempre que o valor de realização seja reinvestido na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino, nos prazos e condições fixados.

Em termos simplificados, pretende-se fomentar e facilitar a mobilidade habitacional, permitindo que um contribuinte que venda a sua casa e aplique o dinheiro numa nova casa de habitação própria e permanente não seja penalizado fiscalmente pelo ganho dessa venda.

No que ao caso dos autos interessa, o artigo 10.º, nrs. 5 e 6, do Código do IRS, exclui da tributação em mais-valias os ganhos resultantes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, no prazo de 36 meses contados da data da realização, o produto da alienação seja reinvestido, e na medida em que o seja, na aquisição de outro imóvel, exclusivamente com o mesmo destino, e desde que o adquirente o afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado.

No presente caso concreto, encontramo-nos perante reinvestimento na aquisição de um imóvel pronto para habitação, pelo que os requisitos relevantes resumem-se aos já mencionados: prazo de 36 meses para reinvestir o valor da venda na aquisição de novo imóvel para habitação permanente e obrigação de, até 12 meses após o reinvestimento, afetar o novo imóvel a residência permanente.

Analisando os factos provados à luz destes requisitos, verifica-se o seguinte:

a)     No dia 23 de Janeiro de 2015, a Requerente e o seu marido adquiriram, pelo preço de €360.000,00 (Trezentos Sessenta Mil Euros), o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das Freguesias de ... ..., descrito sob o número ... na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais, onde foi construído o edifício descrito no artigo seguinte (documento n.º 6, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

b)    Posteriormente, a Requerente e o marido realizaram obras de construção no imóvel identificado no artigo anterior, o que deu origem a um imóvel composto de edifício de dois pisos, destinado a habitação, piscina e logradouro, sito em ..., na Rua ..., n.º..., União das Freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número ..., da freguesia de..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
 

c)     No dia 25 de Julho de 2017, a Requerente e o seu marido mulher receberam do BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., a título de empréstimo para a construção do imóvel identificado e....º (com o fim de ser destinado a habitação própria e permanente), a quantia de € 570.707,00 (Quinhentos Setenta Mil Setecentos Sete Euros) (documento n.º 7, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

d)    Na escritura de mútuo e hipoteca foi declarado que o imóvel adquirido se destinava a habitação própria permanente (documento número 7).

e)     No dia 16 de Julho de 2021, a Requerente e o seu marido venderam o imóvel identificado em 6.º pelo preço de Euro 2.500.000,00 (Dois Milhões e Quinhentos Mil Euros) (documento número 8, que se junta e dá por integralmente reproduzido).

f)     Na escritura de compra e venda do imóvel identificado em 6.º, a Requerente e o seu marido foram identificados como sendo residentes na Rua ..., n.º ...,  ..., Cascais.

Dos factos provados decorre que em 2021, a Requerente manteve o seu centro de interesses no imóvel em causa, fazendo deste sua habitação permanente.

A Requerida não contestou que o imóvel adquirido pela Requerente tenha sido afeto a habitação permanente desta e do seu agregado familiar.

Em face do exposto, constata-se que todos os pressupostos legais para a exclusão de tributação da mais-valia estão preenchidos pela Requerente.

Assim, nos termos do artigo 10.º, nrs. 5 e 6, do Código do IRS, o ganho obtido com a alienação onerosa do imóvel em 2021 não se encontra sujeito a tributação em IRS, na medida do valor reinvestido.

Consequentemente, a Requerente não devia ter suportado imposto relativo a esse ganho patrimonial, na medida do valor reinvestido dentro o prazo legal de 36 meses para o reinvestimento (prazo esse que findou em 16/07/2024, na medida em que a venda foi efetuada em 16/07/2021).

A interpretação teleológica da norma mencionada reforça a solução a que o Tribunal chegou: o objetivo é permitir a renovação da habitação principal sem custos fiscais injustificados, promovendo a mobilidade habitacional.

Ou seja, os motivos subjacentes à exclusão da tributação em IRS das mais-valias cujos valores de realização sejam reinvestidos em habitação própria e permanente assentam na intenção do legislador de favorecer a aquisição de habitação própria e facilitar a mudança de casa.

Por outras palavras, o objetivo geral do regime de exclusão da incidência consiste em não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino.

A jurisprudência e a doutrina têm destacado esta finalidade, sublinhando que a lei quis evitar tributar ganhos que não representem uma capacidade contributiva efectiva disponível, por terem sido aplicados na compra de outra casa para habitação do sujeito passivo.

No caso sub judice, a Requerente agiu precisamente conforme ao fim visado pela lei: alienou a sua casa de habitação e adquiriu outra para habitação, preenchendo os requisitos legais - prazo, reinvestimento em habitação, afetação a habitação permanente.

E, diga-se ainda, inexiste no processo qualquer indício de que a Requerente pretendesse usar o imóvel adquirido para fim diferente de sua morada permanente, ou qualquer outro abuso do regime.

Deste modo, a impugnada liquidação oficiosa de IRS de 2021 padece de erro de direito, por ter incluído na matéria coletável ganhos que, nos termos do artigo 10.º, nrs. 5 e 6, do Código do IRS, se encontravam excluídos da tributação.

Reitera-se que este erro só não foi corrigido administrativamente porque a AT, indevidamente, não acolheu os elementos apresentados pela Requerente, não tendo sequer tentado apreciá-los, mesmo já tendo transitado em julgado uma decisão arbitral.

Daí que a liquidação impugnada é ilegal não apenas por vício formal mas também por violação direta do regime substantivo de exclusão de tributação de mais-valias.

Se a AT tivesse cumprido o seu dever de correção, teria necessariamente concluído pela anulação da liquidação, na medida do valor reinvestido, e eventualmente emitido uma nova liquidação de IRS, considerando as declarações de substituição entretanto realizadas.

Esta nova liquidação teria considerado os rendimentos declarados e excluiria na justa medida os ganhos reinvestidos.

A não emissão dessa liquidação corrigida implica que a Requerente foi indevidamente tributada, ficando por suportar um imposto que não era devido, situação que não pode prevalecer.

Assim, seja pela ilicitude procedimental (vício no indeferimento da reclamação graciosa), seja pela ilicitude material (erro na liquidação, face ao artigo 10.º, nrs. 5 e 6 do Código do IRS), a pretensão arbitral merece provimento.

Tudo razões pelas quais o Tribunal irá, a final, dar provimento aos pedidos da Requerente, de anulação da decisão final do procedimento de reclamação graciosa e de anulação da liquidação impugnada.

 

   V.         DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)    Declarar a inutilidade parcial superveniente da lide e, em consequência, absolver a Requerida da instância no que diz respeito à liquidação n.º 2024..., de 2024OUT11, no que concerne ao cálculo do imposto a pagar no montante de 174.414,31 €;

b)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e determinar a anulação da liquidação de imposto objeto dos autos respeitante à Liquidação de IRS n.° 2024... e da demonstração de acerto de contas 2024... (documento 2024...) do ano de 2021, no que concerne à falta do reconhecimento do montante de €9.763,13 inscrito no campo 5008 do Anexo G de 2021, configura reinvestimento elegível em 2021, por se enquadrar no intervalo temporal e finalidades legais do art. 10.º, n.º 5, al. a) e b), do CIRS, com as demais legais consequências.

 

 VI.         VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 174.414,31, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII.         CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.672,00, a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de dezembro de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(Vítor  Braz)

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.