SUMÁRIO:
1.O artigo 112.º, relativo às taxas gerais de IMI, exige deliberação municipal para fixar a taxa dentro dos intervalos legais e para aplicar reduções. Essa exigência não se estende ao agravamento do artigo 112.º-B, que opera como regime especial e substitutivo do regime normal, aplicando-se automaticamente quando verificados os pressupostos legais, como a localização dos imóveis em zonas de pressão urbanística.
2. O agravamento do IMI até 920%, nos termos do artigo 112.º-B do CIMI, é desproporcionado e inconstitucional, existindo medidas alternativas menos gravosas e a intensidade da medida compromete direitos fundamentais, violando os artigos 2.º, 18.º, 103.º e 104.º da CRP e o artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH.
ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (Presidente), Jónatas Eduardo Mendes Machado e Alexandra Iglésias (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1 RELATÓRIO
1.A..., Lda, com o número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º ... andar, ...-... Setúbal, tendo sido notificada da nota de liquidação de IMI com o número 2024 ...., no montante de 69.154,00€, referente ao ano de 2024, para a qual concorreram os terrenos para construção sitos na freguesia de ... e na freguesia de ..., ambas do concelho e distrito de Setúbal, de que é proprietária, e que infra se identificam quanto à sua inscrição matricial, veio, em 02.07.2025, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 2º e 10º do RJAT, apresentar pedido de Pronúncia Arbitral em matéria tributária.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 04.07.2025, e automaticamente notificado à Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os três árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 20.08.2025.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico e, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 09.09.2025.
5.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 15.10.2025, onde, por impugnação, sustentou a improcedência do pedido, por não provado, e a absolvição da Requerida.
6. Por não ter sido requerida e ter sido considerada desnecessária a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o Tribunal Arbitral proferiu despacho em 17.10.2025, com dispensa da mesma se as partes não se opuserem no prazo de 5 dias, tendo concedido às partes a faculdade de produzirem alegações finais no prazo de 10 dias, cuja contagem se inicia após o decurso do mencionado prazo de 5 dias.
1.1 Dos factos alegados pela Requerente
7. A Requerente é proprietária e única possuidora dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ..., ... todos da freguesia de ..., do concelho e distrito de Setúbal, e ainda do artigo ... da freguesia de ..., concelho e distrito de Setúbal, os quais consubstanciam terrenos para construção, tendo sido notificada da liquidação de IMI n.º 2024..., no montante de 69.154,00€, referente ao ano de 2024.
8. Da notificação do ato tributário consta que as taxas são fixadas por deliberação da Assembleia Municipal, nos termos do artigo 112.º do CIMI, e resulta que na liquidação do IMI foram considerados, quando aplicáveis, os regimes de salvaguarda e/ou de atualização do VPT previstos na lei e verificadas as condições de aplicação dos artigos 11º-A e 112º-A do CIMI e n.º 1 do artigo 46º do EBF.
1.2 Argumentos das partes
9. A Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações acima mencionadas com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:
a) Analisando as disposições legais constantes dos artigos 11.º-A e 112.º-A do Código do IMI, bem como o n.º 1 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, mencionadas na nota de liquidação, a Requerente manifesta estranheza quanto à sua aplicação ao caso concreto. Com efeito, considera não se enquadrar no regime previsto para «prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos», previsto no artigo 11.º-A do CIMI, uma vez que esta norma parece destinar-se a pessoas singulares com agregado familiar, o que não corresponde à sua situação, dado tratar-se de uma sociedade comercial;
b) A Requerente entende não ser aplicável o regime relativo a «prédios de sujeitos passivos com dependentes a cargo», previsto nos n.os 9 e 9-A do artigo 112.º do CIMI, pois, sendo uma pessoa coletiva, não possui dependentes. Finalmente, questiona também a aplicação do artigo 46.º do EBF, que se refere a prédios destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar — circunstância que, pela sua própria natureza, não pode verificar-se no caso da Requerente, tratando-se esta de uma entidade coletiva;
Falta de fundamentação
c) Os fundamentos avançados pela AT não são adequados e aptos para legitimar a liquidação ora contestada, motivo pelo qual se verifica a falta de fundamentação substancial da liquidação, vicio esse que determina a sua anulação;
d) A nota de cobrança do imposto e a sua liquidação não evidenciam qualquer fundamentação quanto à majoração/minoração inscrita na nota de liquidação, motivo pelo qual, a Requerente não compreende quais os reais e precisos motivos que levaram a AT a majorar o IMI, pelo que, formalmente, o dever de fundamentação não se encontra devidamente cumprido, bem como a sua função exógena, na medida em que, não permitiu ao sujeito passivo compreender os motivos utilizados para a decisão materializada na liquidação de IMI;
Ausência de deliberação municipal
e) Os normativos evidenciados nas liquidações não determinam a majoração realizada, pelo que se verifica a existência de um erro de facto quanto aos preceitos, pressupostos e normativos aduzidos na liquidação;
f) Os elementos tidos em consideração pela AT não correspondem à realidade dos factos, indicando pressupostos errados e não aplicáveis à Requerente, pelo que as normas legais fundamentadoras das liquidações em crise, não lhe são minimamente aplicáveis;
g) De acordo com a segunda sessão ordinária da Assembleia Municipal de Setúbal ocorrida a 28.02.2023, foi deliberada a delimitação de três zonas de pressão urbanística do concelho de Setúbal, simultaneamente áreas de reabilitação urbana, a saber, ARU Setúbal, ARU Setúbal Central e ARU Azeitão, não havendo deliberação que permita a majoração do IMI para os terrenos para construção nas áreas de pressão urbanística delimitada pela Câmara Municipal de Setúbal;
h) Do documento referido nos n.ºs1 e 4 do artigo 2.º-A do Anexo II ao Decreto-Lei n.º 67/2019, de 21 de maio, mormente o n.º 6 do Jornal de Deliberações (boletim municipal) referente ao período entre 16 a 31.03.2023 – o único que determina a área de pressão urbanística delimitada pelo Município de Setúbal – resulta que ele é omisso quanto aos terrenos para construção, prevendo apenas agravamentos em prédios em ruínas, devolutos ou degradados, não se extraindo que o IMI dos terrenos para construção seja passível de ser majorado ao abrigo das alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 112.º B do CIMI;
i) Aquela deliberação apenas existe e é materializada para o IMI de 2023, não existindo qualquer deliberação para o ano de 2024 que legitime a liquidação do IMI em apreço, ou existindo e não tendo sido dada nota de tal deliberação à Requerente deve igualmente todo o processado ser anulado, por falta de audição prévia quanto à decisão que ofende direitos da Requerente;
Violação dos princípios constitucionais
j) A liquidação viola grosseiramente os princípios constitucionais de proibição do excesso, da igualdade, da proporcionalidade, do direito de propriedade, do direito a um processo administrativo justo e principalmente o princípio da capacidade contributiva;
k) Ainda que não se conheçam as razões e os fundamentos que alicerçam aquela proposta de atribuição do uso habitacional ao terreno, sempre se dirá que, através da mesma não serão alcançados os objetivos decorrentes da falta de habitação nas zonas delimitadas de pressão urbanística do concelho de Setúbal, atendendo a que o mercado imobiliário e os custos atuais de construção de habitação nova não permitirão contribuir para suprir ou mesmo atenuar a alegada necessidade de habitação;
l) A qualificação/atribuição ora realizada para o terreno para construção que determina uma onerosidade acrescida em sede de IMI, nunca contribuirá para a redução da carência de habitação, atendendo a que o preço de transmissão dos imóveis não se mostrará ajustado aos cidadãos que atualmente carecem de habitação, apenas sendo conseguida através da reabilitação de prédio devolutos, degradados e em ruínas e principalmente e sobretudo pela disponibilização dos imóveis propriedade do Município de Setúbal aos seus munícipes;
m) Não será o agravamento do IMI determinante para que a Requerente inicie quaisquer as obras de construção de imóveis habitacionais e ofereça imóveis para venda a preços mais reduzidos, assim suprindo as eventuais deficiências de habitação no concelho, quando, à data, esta não pode concluir que essa construção lhe seja rentável e adequada face às necessidades atuais de habitação;
n) No limite estamos perante um normativo legal que, caso os contribuintes não se substituam ao Estado, garantindo a habitação aos seus cidadãos, “confisca” gradualmente os terrenos através da tributação em sede de IMI;
o) No caso da aplicação da verba 28.1 do IS que passou a sujeitar àquele imposto os terrenos “para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, o Acórdão n.º 250/2017, de 24.05.2017, pronunciou-se no sentido de que a mera titularidade de um terreno que, no futuro, poderá servir de solo a um imóvel de habitação não é suscetível de gerar uma capacidade contributiva análoga àquela de que já dispõem os titulares de prédios urbanos habitacionais, esses sim com a possibilidade de auferir rendimentos desses imóveis, ou com a mera possibilidade de os habitar, sendo inconstitucional a tributação dos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação;
p) O agravamento do IMI previsto no artigo 112.º-B do CIMI não é compatível com os direitos fundamentais e com os princípios do Estado de direito democrático consagrados na Constituição, pois ele traduz-se num aumento de 920% face ao valor base do imposto, sem que tenha havido qualquer alteração no património da Requerente, designadamente no valor patrimonial ou de mercado do imóvel, nem nos seus recursos ou capacidade contributiva;
q) Tal agravamento ofende os direitos de iniciativa e propriedade privada, na medida em que penaliza os proprietários pela posse de terrenos para construção que não tenham capacidade financeira para realizar a construção ou que vislumbrem que essa construção possa não ser a mais adequada e com a viabilidade necessária;
r) As sociedades comerciais visam o lucro, donde a gestão económica e financeira das pessoas coletivas de direito privado português deverá ser realizada apenas e só pelos órgãos sociais dessas entidades, devendo as instituições públicas absterem-se de intervir, ainda que de forma indireta, nas decisões e na gestão operacional das sociedades;
s) O valor de um terreno para construção representa apenas uma expectativa jurídica — o direito de nele se poder construir —, não correspondendo a uma valorização efetiva, pelo que a mera integração desses terrenos em zona de pressão urbanística, sem alteração do seu valor patrimonial ou económico, não justifica uma majoração da taxa em 920%, aumento arbitrário e desprovido de fundamento em novos factos económicos e violador do princípio da capacidade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 103.º da Constituição, segundo o qual a tributação deve refletir a real capacidade económica de cada sujeito passivo;
t) Da preparação e publicação do próprio normativo é ausente qualquer fundamentação técnica que permita concluir e mesmo acolher a necessidade e proporcionalidade do efeito da majoração determinada no artigo 112.º-B do CIMI, para atingir os fins desejados, não sendo possível identificar a razão pela qual o pagamento à taxa normal do IMI foi considerado insuficiente, de um lado, e, de outro, uma justificação para o agravamento para o décuplo da taxa de IMI e, consequentemente, da respetiva coleta;
u) Estão em condições iguais, por isso devendo contribuir com o mesmo imposto, os contribuintes que têm igual capacidade de pagar e estarão os contribuintes em diferentes condições, devendo satisfazer diferente imposto, aqueles que têm distinta capacidade de pagar, independentemente dos encargos públicos (dos bens públicos que o Estado decida produzir) ou da utilidade que destes se possa retirar;
v) O Estado deve programar e executar uma política de habitação integrada na gestão territorial, garantindo rede adequada de transportes e equipamento social, não podendo isso colidir com outros princípios constitucionais fundamentais, mormente o direito à propriedade privada, não podendo, para os terrenos para construção em apreço, para já, ser conferida a atribuição do uso habitacional;
w) O aumento da taxa do imposto municipal sobre os imóveis para o décuplo é manifestamente desproporcionado com a taxa normal do imposto e é demasiado onerosa para os destinatários, consubstanciando uma medida excessiva e uma compressão excessiva do direito de propriedade, assim se violando este direito fundamental e princípio da proibição do excesso previstos nos artigos 2.º e 62.º da CRP;
x) Com a majoração consumada e materializada nas liquidações de IMI, a Requerente, querendo manter o imóvel na sua esfera jurídica, terá um encargo igual ao próprio VPT do imóvel caso mantenha essa propriedade por um prazo de cerca de 20 anos, findos os quais a Requerente terá efetuado pagamentos acumulados de valor superior ao valor do próprio prédio;
y) O artigo 112-º-B do CIMI, que onera o IMI dos terrenos para construção, encontra-se ferido de constitucionalidade por desrespeito ao princípio da igualdade na medida em que, sem qualquer justificação ou fundamento, discrimina a propriedade dos sujeitos passivos do imposto de forma desproporcionada e sem equidade;
z) Dispondo o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido e não tendo Requerente em nada contribuído para a emissão da liquidação contestada, a AT é responsável pelo pagamento de juros indemnizatórios calculados entre a data do pagamento da liquidação contestada e a decisão de anulação da liquidação, acrescido de juros de mora, desde essa data, até ao efetivo reembolso
10. A AT respondeu por impugnação, sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a absolvição da Requerida de todos os pedidos, com base nos argumentos sinteticamente elencados:
Falta de fundamentação
a) Relativamente à fundamentação da liquidação impugnada, a documentação junta pela Requerente evidencia uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito identificadores do ato de liquidação de IMI, em observância do n.º 2 do artigo 77.º da LGT, que estipula que a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria coletável;
b) No presente caso, no ato de liquidação impugnado verifica-se com clareza a referência à identificação matricial dos prédios inscritos, seu valor patrimonial, o ano do imposto, a data de liquidação, a norma legal aplicada em concreto do CIMI e a taxa utilizada para determinar o montante de imposto e o valor da coleta;
c) Considerando que a fundamentação deve conter os elementos de direito e de facto que permitam ao sujeito passivo compreender o motivo da liquidação, afigura-se-nos que o ato de liquidação de IMI evidenciado na nota de cobrança junta pela Requerente encontra-se suficientemente fundamentado, uma vez que cumpre na íntegra com as exigências consagradas no artigo 119.º do CIMI, a que acresce a referência expressa ao artigo 112.º, do CIMI – que comporta o intervalo de taxas aplicáveis aos diferentes tipos de prédios, e que remete, no seu n.º 16, para o artigo 112.º-B do mesmo Código, pelo que que não houve qualquer falta de fundamentação;
Ausência de deliberação municipal
d) Do artigo 112.º-B do CIMI resulta que, se os terrenos para construção estiverem localizados em solo urbano e se o plano municipal de ordenamento de território lhes atribuir aptidão para uso habitacional e se forem qualificados pela sua localização, como estando em zona de pressão urbanística (ZPU), ficam sujeitos ao agravamento da taxa de IMI até ao décuplo da taxa prevista da alínea c), do n.º 1, do artigo 112.º do CIMI, agravada em cada ano subsequente, em mais 20%;
e) De acordo com o disposto no artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2006, de 08.08, na redação em vigor, considera-se ZPU aquela em que se verifique dificuldade significativa de acesso à habitação, por haver escassez ou desadequação da oferta habitacional face às necessidades existentes ou por essa oferta ser a valores superiores aos suportáveis pela generalidade dos agregados familiares sem que estes entrem em sobrecarga de gastos habitacionais face aos seus rendimentos, dispondo o n.º 3 que a delimitação geográfica da ZPU é da competência da assembleia municipal respetiva, sob proposta da câmara municipal, baseando-se a sua delimitação em concreto no Anexo I do mesmo diploma;
f) O ato de delimitação da ZPU da freguesia aqui em causa (...) foi determinado em 16.02.2023, e, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 2.º-A do referido Decreto-Lei, essa delimitação tem a duração de cinco anos, (podendo ser alterada ou objeto de prorrogação, com redução ou ampliação da área delimitada, nos termos previstos nos números anteriores), não havendo falta de delimitação da ZPU para efeitos de agravamento da taxa;
g) A AT não tem qualquer intervenção na decisão de aplicação da majoração de taxas, prevista no artigo 112.º-B do CIMI, aos “terrenos para construção” inseridos no solo urbano e cuja qualificação em plano municipal de ordenamento do território atribua aptidão para o uso habitacional, sempre que se localizem em ZPU definidas em diploma próprio;
h) A aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 112.º-B, do CIMI, depende da delimitação geográfica da ZPU, que é da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, apenas se exigindo deliberação da assembleia municipal, nos termos do n.º 3 desse artigo, para aumentar o limite previsto na alínea b) do n.º 1;
i) No caso dos autos, tratando-se de terrenos para construção, com aptidão habitacional, localizados em zonas de pressão urbanística, identificados nos termos do n.º 16 do artigo 112.º CIMI, não existem dúvidas que estão preenchidos os requisitos para a sujeição ao agravamento da taxa de IMI até ao décuplo da taxa de IMI fixada pelo Município, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do CIMI;
j) A AT solicitou ao município de Setúbal esclarecimento sobre a aplicação da majoração, inexistindo evidência que a mesma seja removida em relação aos prédios cujo imposto foi impugnado, sendo mantida a taxa agravada para aqueles terrenos para construção localizados em ZPU, nos termos do artigo 112.º-B do CIMI;
Violação de princípios constitucionais
k) Não compete à AT pronunciar-se acerca da inconstitucionalidade das normas, não lhe cabendo – quando não esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artigo 18.º, n.º 1, da CRP) – recusar a aplicação de preceito legal alegadamente inconstitucional, por estar sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente (art.º 266.º da CRP e art.º 55.º da LGT);
l) A AT não acompanha o entendimento da Requerente quando alega que o artigo 112.º-B do CIMI é inconstitucional, porquanto a diferente valoração e tributação de terrenos para construção inseridos no solo urbano e cuja qualificação em plano municipal de ordenamento do território atribua aptidão para o uso habitacional, sempre que se localizem em ZPU, sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, agravar a taxa de imposto daqueles prédios, não havendo violação dos princípios da proporcionalidade, do direito de propriedade, do direito a um processo administrativo justo e principalmente do princípio da capacidade contributiva;
m) A Constituição exige que se realize uma articulação e ponderação entre direitos fundamentais reconhecidos e bens ou interesses constitucionalmente protegidos, o que implica que o conteúdo e os limites desses direitos sejam determinados em atenção àqueles bens protegidos, sendo que no caso se está perante um agravamento do imposto relativamente a determinadas características dos prédios, tendo o legislador definido um específico pressuposto económico constitucionalmente válido para ter influência significativa nas decisões económicas dos contribuintes.
1.3. Saneamento
11. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
12. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1, do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade processual e mostram-se devidamente representadas.
13. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir para a decisão sobre o mérito da causa.
2 FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Factos dados como provados
14. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
a) A Requerente é proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos..., ..., ... e..., da freguesia de ... (...) e sob o artigo..., da freguesia de ... (...), todos do concelho e distrito de Setúbal, da espécie “terrenos para construção”, e com aptidão “habitação”;
b) De acordo com a segunda sessão ordinária da Assembleia Municipal de Setúbal ocorrida a 28.02.2023, foi deliberada a delimitação de três zonas de pressão urbanística do concelho de Setúbal, simultaneamente áreas de reabilitação urbana, a saber, ARU Setúbal, ARU Setúbal Central e ARU Azeitão, não havendo deliberação específica sobre a majoração do IMI para os terrenos para construção nas áreas de pressão urbanística delimitada pela Câmara Municipal de Setúbal; (Doc.2)
c) Relativamente aos prédios mencionados pela Requerente, a coleta do IMI de 2024 ascende ao valor de 58.517,27€, correspondendo a diferença para o total do imposto liquidado ao IMI respeitante a outros prédios na esfera do sujeito passivo, o qual não se mostra impugnado nesta ação arbitral; (Docs. 1 e 2)
d) Em 2025.04.08, foi efetuada a liquidação de IMI n.º..., no valor total de imposto de 69.339,58€, que deu origem a nota de cobrança da 1.º prestação, com a identificação do documento n.º 2024 ..., no valor de 23.113,18€; (Doc. 1)
e) d) Em 02.07.2025 a Requerente apresentou pedido de pronuncia arbitral.
2.2 Factos não provados
15. Não se provou que a Requerente tenha procedido ao pagamento do IMI, pois esta não carreou para os autos qualquer elemento demonstrativo do facto alegado. Com relevo para a decisão do caso em juízo, não existem outros factos dados como não provados.
2.3 Motivação
16. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
17. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). No que se refere aos factos provados essenciais, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova (unicamente) documental junta aos autos pelas Partes.
2.4 Questões decidendas
Falta de fundamentação
18.No presente caso, entende o presente tribunal que no ato de liquidação impugnado se verifica com clareza suficiente a referência à identificação matricial dos prédios inscritos, ao seu valor patrimonial, ao ano do imposto, à data de liquidação, à norma legal aplicada em concreto do CIMI e à taxa utilizada para determinar o montante de imposto e o valor da coleta.
19. Considerando que a fundamentação deve conter os elementos de direito e de facto que permitam ao sujeito passivo compreender o motivo da liquidação, afigura-se-nos que o ato de liquidação de IMI evidenciado na nota de cobrança junta pela Requerente se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que cumpre na íntegra com as exigências consagradas no artigo 119.º do CIMI, a que acresce a referência expressa ao artigo 112.º, do CIMI – que comporta o intervalo de taxas aplicáveis aos diferentes tipos de prédios, e que remete, no seu n.º 16, para o artigo 112.º-B do mesmo Código, pelo que que não houve qualquer falta de fundamentação.
Aplicação do agravamento e deliberação municipal
20. Importa em seguida examinar a questão de determinar se a aplicação do agravamento do IMI previsto no artigo 112.º-B do CIMI, para prédios devolutos ou terrenos para construção localizados em zonas de pressão urbanística (ZPU), depende de deliberação municipal ou resulta diretamente da lei, uma vez delimitada a ZPU.
21. O artigo 112.º-B estabelece, no seu n.º 1, que a taxa aplicável aos prédios devolutos ou terrenos para construção em ZPU é agravada até ao décuplo da taxa prevista no artigo 112.º, com acréscimos anuais de 20%, até ao limite de vinte vezes a taxa normal. Esta norma tem natureza imperativa e não remete para qualquer deliberação municipal quanto à aplicação do agravamento base.
22. A intervenção municipal é exigida apenas para a delimitação da ZPU, nos termos do Decreto-Lei n.º 67/2019, mediante proposta da Câmara e deliberação da Assembleia Municipal, devidamente publicada. Sem esta delimitação, não há base legal para aplicar o regime agravado. Assim, a deliberação municipal é condição para definir a área de aplicação, mas não para aplicar o agravamento previsto na lei.
23. O n.º 3 do artigo 112.º-B prevê que a Assembleia Municipal pode deliberar aumentar o limite máximo do agravamento em 50% ou 100%, consoante os casos. Esta faculdade é discricionária e depende de deliberação expressa. Contudo, esta competência refere-se apenas ao aumento do teto legal, não à aplicação do agravamento base.
24. Por outro lado, o artigo 112.º, relativo às taxas gerais de IMI, exige deliberação municipal para fixar a taxa dentro dos intervalos legais e para aplicar reduções. Essa exigência não se estende ao agravamento do artigo 112.º-B, que opera como regime especial e substitutivo do regime normal, aplicando-se automaticamente quando verificados os pressupostos legais.
25. A interpretação sistemática confirma esta conclusão: o legislador quis criar um mecanismo automático de penalização para imóveis devolutos ou terrenos inativos em áreas críticas, evitando depender de decisões anuais das assembleias municipais. A exigência de deliberação apenas para aumentar o limite reforça que o agravamento base decorre diretamente da lei.
26. A ratio legis também parece sustentar esta leitura. O objetivo é combater a especulação e promover a disponibilização de terrenos para construção em zonas com grave carência habitacional. Subordinar a aplicação do agravamento a deliberações adicionais criaria entraves à eficácia da medida, contrariando a urgência que justifica a sua criação.
27. A prática administrativa confirma esta interpretação: a AT aplica o agravamento do artigo 112.º-B com base na delimitação da ZPU comunicada pelo município, sem exigir deliberação específica para cada agravamento. Apenas quando há majoração do limite máximo é necessária comunicação adicional.
28. Assim, pode concluir-se com segurança que, uma vez delimitada e publicada a ZPU, a aplicação do agravamento previsto no n.º 1 do artigo 112.º-B resulta diretamente da lei e não depende de deliberação municipal. A deliberação é necessária apenas para delimitar a ZPU e, eventualmente, para aumentar o limite máximo do agravamento.
29. Em síntese, a estrutura normativa e a lógica do regime apontam para uma aplicação automática do agravamento base, visando a eficácia da política pública de combate à especulação e promoção do direito à habitação, sem prejuízo da competência municipal para definir áreas críticas e graduar a intensidade da medida dentro dos limites legais.
Inconstitucionalidade do agravamento de IMI
30. Coloca-se, porém, uma outra questão sob a análise do presente tribunal, envolvendo um agravamento do IMI que pode atingir 920% da taxa base, aplicável a prédios devolutos ou terrenos para construção em ZPU. Este regime visa incentivar a rápida disponibilização de terrenos para edificação de novas habitações, especialmente para as classes média e mais desfavorecida, num contexto de crise habitacional reconhecida pelo legislador e constitucionalmente relevante à luz do artigo 65.º da CRP.
31. O direito à habitação é um direito fundamental, cuja concretização exige políticas públicas eficazes. A escassez de oferta habitacional, agravada pela especulação imobiliária, justifica medidas que induzam comportamentos favoráveis à construção e ocupação de imóveis. O Estado, portanto, tem um interesse público legítimo e constitucionalmente protegido em adotar instrumentos que promovam esse objetivo.
32. Contudo, a legitimidade do fim não basta para validar qualquer meio. A Constituição impõe limites ao poder tributário, consagrando nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 103.º e 104.º princípios como a proporcionalidade, a igualdade e a tributação segundo a capacidade contributiva e o rendimento real. O artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH reforça esta exigência, impondo um “justo equilíbrio” entre o interesse geral e a proteção do direito de propriedade.
33. A análise deve seguir a tríplice dimensão do princípio da proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Pergunta-se: é o agravamento do IMI um meio adequado para atingir o fim? É necessário, ou existem alternativas menos gravosas? E, finalmente, é proporcional em sentido estrito, isto é, o sacrifício imposto ao contribuinte é justificado pelo benefício público obtido?
34. Quanto à adequação, a medida parece apta a induzir comportamentos, pois aumenta significativamente o custo de manter imóveis devolutos, criando um incentivo económico para a sua disponibilização. A relação entre o agravamento e o objetivo é direta: penaliza a inação e favorece a construção. Assim, sob o prisma da estrutura de incentivos, a norma aparenta cumprir o requisito da adequação.
35. No entanto, a adequação não é absoluta. A intensidade do agravamento — até 920% — aproxima-se de uma sanção e descola-se da função do IMI como imposto sobre propriedade. A medida deixa de ser meramente indutora e assume carácter punitivo, o que levanta dúvidas sobre a sua compatibilidade com a natureza tributária e com os limites constitucionais. Acresce que, afetando a crise da habitação principalmente as classes médias e mais desfavorecidas, o agravamento exponencial do IMI não deixará de ser economicamente repercutido no custo do imóvel junto dos respetivos adquirentes dessas classes, frustrando a intencionalidade da medida e pondo em causa a sua adequação.
36. Quanto à necessidade, importa verificar se existem meios alternativos menos restritivos que possam alcançar o mesmo fim. O legislador poderia recorrer a políticas de incentivo à construção, programas de arrendamento acessível, ou majorações graduais do IMI, evitando aumentos abruptos. A ausência de mecanismos de transição ou escalonamento indica que a solução adotada não é a menos gravosa possível. Na verdade, a criação de benefícios fiscais para quem prontamente disponibilizasse terrenos para a construção de habitação poderia revelar-se mais adequada e menos gravosa.
37. A jurisprudência nacional e internacional reforça esta análise. Embora o Tribunal Constitucional entenda que em matéria tributária, não lhe cabe, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos[1], o mesmo já admitiu que poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre outras coisas, a taxa for de montante manifestamente excessivo.
38. Por seu lado, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), no caso Gáll v. Hungary[2] reconheceu que a avaliação da proporcionalidade da tributação exige uma análise subjetiva do impacto que determinado imposto tem na situação concreta do contribuinte, advogando um “justo equilíbrio” entre a prossecução do interesse público e o gozo dos direitos fundamentais, que não imponha restrições ou encargos desproporcionais que atinjam a essência do direito de propriedade[3]. No caso N.K.M. vs. Hungary[4], o TEDH tinha avaliado a desproporção do tributo por comparação da taxa praticada com a da generalidade dos demais impostos. Ainda assim, o TEDH reconhece aos Estados considerável margem de apreciação nesta matéria, remetendo para os respetivos processos políticos e jurídicos internos[5].
39. Na mesma linha geral de orientação, entende este tribunal arbitral que a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas fiscais, nos termos do artigo 280.º da CRP, deve ser exercida com muita parcimónia e prudência, pois a tributação é um instrumento essencial para a realização das políticas públicas e para a manutenção do Estado de direito democrático e social.
40. Assim, a regra geral consiste em interpretar a norma tributária em conformidade com a Constituição, preservando a vontade do legislador e garantindo a estabilidade do sistema fiscal. Essa postura deferente evita que poder judicial se substitua indevidamente ao papel do legislador, assegurando previsibilidade e segurança jurídica.
41. Contudo, essa deferência não pode ser absoluta. Os tribunais têm o dever de verificar se a medida tributária respeita os princípios constitucionais, especialmente o da proporcionalidade (v. artigo 18.º, n.º 2 da CRP), que exige adequação, necessidade e equilíbrio entre os fins buscados e os meios empregados. Quando a norma impõe encargo excessivo ou desproporcional ao contribuinte, comprometendo direitos fundamentais e a tributação em função da capacidade contributiva, o controlo judicial torna-se indispensável para preservar a justiça fiscal e a supremacia da Constituição. Nisso se consubstancia o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
42. A proporcionalidade em sentido estrito exige ponderar o benefício público face ao sacrifício imposto. O agravamento extremo do IMI pode comprometer a viabilidade económica do proprietário, aproximando-se de um efeito confiscatório, atingindo o núcleo essencial dos direitos fundamental de propriedade e iniciativa económica privada. Embora o interesse público seja elevado — garantir habitação para as classes média e desfavorecida —, o custo imposto ao contribuinte é desmedido, sobretudo quando não há alteração na sua capacidade contributiva ou no valor patrimonial do bem.
43. A medida também afeta a confiança legítima e a segurança jurídica, princípios estruturantes do Estado de direito. A imposição abrupta de um encargo fiscal desta dimensão, sem mecanismos de transição, compromete a previsibilidade das relações jurídicas e a estabilidade das expectativas, violando o artigo 2.º da CRP e a correspondente jurisprudência do Tribunal Constitucional.
44. Do ponto de vista da análise económica do direito, um agravamento intenso de um imposto com efeitos apenas prospetivos pode ser mais lesivo das expectativas dos agentes económicos do que a criação de um imposto retroativo de baixa intensidade, porque a racionalidade das decisões de investimento e consumo depende da previsibilidade das condições futuras. Uma medida desse tipo pode conduzir a vendas forçadas ou à realização de operações destituídas de qualquer racionalidade estritamente económica.
45. Quando o Estado altera drasticamente a carga fiscal para o futuro, compromete planos já delineados com base em regras vigentes, afetando a confiança na estabilidade normativa e aumentando a perceção de risco regulatório. Esse impacto pode gerar custos de ajustamento elevados, desincentivar investimentos e induzir comportamentos defensivos, como a relocalização de capitais. Em contraste, um imposto retroativo de baixa intensidade, embora juridicamente mais problemático, tende a ter efeitos económicos marginais, pois não altera significativamente a estrutura de incentivos para a tomada de decisões[6].
46. O argumento de que a crise habitacional exige soluções urgentes não elimina a necessidade de respeitar os limites constitucionais. A urgência não legitima restrições desproporcionais que atinjam a essência do direito de propriedade. O legislador dispõe de ampla margem de conformação, mas essa margem não é ilimitada: ela deve ser exercida dentro dos parâmetros da proporcionalidade e da capacidade contributiva.
47. A ausência de correlação entre o agravamento e a riqueza tributada é particularmente problemática. O IMI é um imposto sobre propriedade, não uma sanção por inatividade. Transformá-lo em instrumento punitivo desvirtua a sua natureza e viola o princípio da tipicidade tributária, consagrado no artigo 103.º da CRP.
48. Em síntese, embora o agravamento do IMI seja adequado para induzir comportamentos, não se mostra adequado, necessário ou proporcional em sentido estrito. Existem alternativas mais adequadas e menos gravosas e a intensidade da medida compromete direitos fundamentais, violando os artigos 2.º, 18.º, 103.º e 104.º da CRP e o artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH. O interesse público na promoção do direito à habitação é indiscutível, mas deve ser concretizado por meios que respeitem os limites constitucionais e convencionais. A política fiscal pode ser um instrumento legítimo de política pública, mas não pode degenerar em confisco indireto ou sanção desmedida.
49. Conclui-se, portanto, que o agravamento do IMI até 920%, nos termos do artigo 112.º-B do CIMI, é desproporcionado e inconstitucional, decidindo-se pela sua desaplicação no caso concreto por não se está diante de uma solução equilibrada que concilie o direito à habitação com a proteção do direito de propriedade e o respeito devido aos princípios fundamentais do direito fiscal constitucional e legalmente consagrados.
40. O regime dos juros indemnizatórios no direito tributário português visa compensar o contribuinte por pagamentos indevidos resultantes de erro imputável à AT, entendendo-se este como sendo o não imputável ao contribuinte. Nos termos do artigo 43.º da LGT, estes juros são devidos quando, em reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do ato tributário, se conclua que houve liquidação excessiva por erro dos serviços. A taxa aplicável é idêntica à dos juros compensatórios (atualmente 4% ao ano), e os juros contam-se desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito ou restituição.
41. No entanto, a Requerente não fez prova de ter pago a liquidação de IMI impugnada e no contencioso tributário a “falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante” (v. artigo 110.º, n.º 6 do CPPT), pelo que neste processo não estão reunidas as condições legais para a procedência do pedido dependente de juros indemnizatórios, sem prejuízo da respetiva comprovação e obtenção, junto da Requerida, em sede de execução do presente Acórdão.
3 DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IMI com o número 2024..., referente ao ano de 2024, no segmento que resultou da aplicação da majoração da taxa de IMI em 920%, prevista no artigo 112.º-B do CIMI, norma que foi desaplicada por este Tribunal por violar os princípios constitucionais constantes artigos 2.º, 18.º, 103.º e 104.º da CRP, com as consequências legais, nomeadamente de reformulação da referida liquidação, cujo valor terá de ser apurado pela AT em execução da presente decisão;
b) Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos dependentes (e consequentes) de restituição do imposto pago e de juros indemnizatórios, sem prejuízo da respetiva comprovação e obtenção em sede de execução da presente decisão arbitral e como consequência da mesma (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT).
4 VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 69.154,00€, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
5 CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2 448.00€, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifiquem-se as partes e o Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3 da CRP e 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional e 25.º, n.º 1 do RJAT, em face do decidido sobre a questão relativa à inconstitucionalidade do artigo 112.º-B do CIMI, na parte em que prevê um agravamento da tributação em 920%.
Lisboa, 4 de dezembro de 2025
Os Árbitros
Alexandra Coelho Martins
(Presidente)
Jónatas E. M. Machado, Relator
Alexandra Iglésias
[1] Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 640/1995, de 15.11.1995.
[2] Requerimento n.º 49470/11, TEDH, 04.11.2014
[3] Cfr., para mais referências, Robert Attard, Paulo Pinto de Albuquerque, Taxation and the European Court of Human Rights, Kluwer Law, 2023, 16 ss.
[4] Requerimento n.º 66529/11, TEDH, 04.11.2013.
[5] Attard, Albuquerque, Taxation and the European Court of Human Rights… cit., 18 ss.
[6] Cfr., neste sentido, Jónatas Machado, Paulo Nogueira da Costa, Manual de Direito Fiscal, Perspetiva Multinível, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, 91 ss.