SUMÁRIO
Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se a Requerente obteve a plena satisfação dos pedidos em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação contestado.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
I. Relatório
1.A..., viúva, de nacionalidade francesa, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., ... ..., França, doravante designado por “Requerente”, apresentou, em 28 de maio de 2025, pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024..., de 27 de setembro de 2024, referente ao ano de 2020, no valor global de € 4.134,02, referente a imposto e juros compensatórios, mais peticionando a restituição dos valores indevidamente pagos em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também designada por Requerida ou AT.
2. Em suma, a Requerente não se conforma com a liquidação de IRS por entender que deveria ter sido considerado apenas 50% das mais-valias resultantes da venda do direito sobre o seu imóvel, por aplicação do n.º 1 e n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, na versão em vigor à data da referida alienação.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 29 de maio de 2025, e posteriormente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 17 de julho de 2025, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.
5. Em 17 de julho de 2025, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.
6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 5 de agosto de 2025.
7. Por despacho de 6 de agosto de 2025, foi notificado o dirigente máximo do serviço da administração tributária, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
8. Em 13 de outubro de 2025, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos que por despacho da Subdiretora-geral de 9 de outubro de 2025, foi revogado o ato de liquidação contestado de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2020, tendo junto igualmente o referido despacho.
9. Em 15 de outubro de 2025, a Requerente apresentou requerimento ao Tribunal a informar que “notificada do despacho que antecede e, bem assim, revogação do ato pela Autoridade Tributária, vem, nos termos do artigo 13.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, informar V. Ex.ª que não pretende o prosseguimento do procedimento.”.
10. Por despacho de 3 de novembro de 2025, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações.
II. Saneamento
1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. O processo não enferma de nulidades.
III. Matéria de facto
1. Factos provados
Dão-se como provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
A) A Requerida emitiu o ato de liquidação de IRS n.º 2024..., de 27 de setembro de 2024, referente ao ano de 2020, do qual resultou o montante total a pagar de € 4.134,02, sendo € 3.658,87 refentes a IRS e € 475,15 referentes a juros compensatórios;
B) Em 28 de maio de 2025, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
C) A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, por correio electrónico de 29 de maio de 2025;
D) Em 5 de agosto de 2025 foi constituído o Tribunal Arbitral;
E) Em 13 de outubro de 2025, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos que por despacho da Subdiretora-geral de 9 de outubro de 2025, foi revogado o ato de liquidação contestado de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2020, tendo junto igualmente o referido despacho;
F) Do despacho revogatório de 9 de outubro de 2025 consta expressamente, para além da revogação do ato de liquidação contestado, com vista à sua subsequente correção, bem como o deferimento do pedido da Requeredo a receber juros indemnizatórios;
G) Em 15 de outubro de 2025, a Requerente apresentou requerimento ao Tribunal a informar que “notificada do despacho que antecede e, bem assim, revogação do ato pela Autoridade Tributária, vem, nos termos do artigo 13.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, informar V. Ex.ª que não pretende o prosseguimento do procedimento.”.
2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.
3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Os factos provados acima elencados baseiam-se, segundo o princípio da livre apreciação da prova, nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, cuja autenticidade não foi colocada em causa, no requerimento junto pela AT, bem como na posição assumida pela Requerente no seu articulado, que não foi questionado.
Dão-se por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos, todos os documentos juntos pela Requerente no PPA, o requerimento posterior da Requerente, bem como o Requerimento e despacho revogatório da AT.
IV. Matéria de Direito
1. Inutilidade superveniente da lide
O ato de liquidação de IRS objeto de contestação pela Requerente foi objeto de revogação pela Requerida após a constituição do Tribunal Arbitral.
Em resultado da referida revogação, veio a Requerente informar que não tinham interesse na manutenção da instância, por considerarem integralmente satisfeitas as suas pretensões.
Assim, inexiste nesta fase objeto processual sobre o qual deva pronunciar-se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância. De resto, são as partes que, em resultado da revogação do atos contestado, estão de acordo quanto à extinção da instância arbitral.
O objeto do processo arbitral é um acto de liquidação de tributos, do tipo dos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT.
Revogado o ato impugnado e reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira o direito da Requerente a juros indemnizatórios, como peticionou, estão satisfeitas as pretensões formuladas pela Requerente.
Por conseguinte, não tem utilidade o prosseguimento do processo.
Por isso, verifica-se uma exceção dilatória que é causa de extinção da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
2. Encargos do processo
De acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral».
Pelo que se referiu, ocorre uma causa de extinção da instância que é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois apenas revogou a liquidação depois de constituído o Tribunal Arbitral.
A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, a causa de extinção da instância é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que lhe é imputável a responsabilidade pelas custas do presente processo.
V. Decisão
De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:
a) Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do presente processo.
VI. Valor do processo
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.169,58, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
VII. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 7 de dezembro de 2025
O Árbitro,
Pedro Miguel Bastos Rosado