Sumário:
I. O conceito de habitação própria permanente não se confunde com o de domicílio fiscal.
II. As mais-valias imobiliárias não são tributadas por força do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, se o sujeito passivo provou que o imóvel alienado correspondente à sua habitação própria permanente, ainda que aquele não seja o local do seu domicílio fiscal.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A..., titular do número de identificação fiscal..., com domicílio fiscal na ..., ... Lisboa, (“Requerente”), requereu, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) e nos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a decisão de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico apresentado contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada contra o ato de liquidação n.º 2023..., respeitante ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) de 2022, bem como, sobre este ato de liquidação.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).
Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente Tribunal Arbitral singular em 11-04-2025, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.
B) História Processual
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicita, em síntese, a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022, bem como a anulação das decisões de indeferimento do Recurso Hierárquico e da Reclamação Graciosa apresentados pela Requerente. Consequentemente, pede a restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega, em suma, que reinvestiu o produto da venda do seu anterior imóvel (no Lumiar), que constituía a sua habitação própria e permanente, na aquisição de um novo imóvel (em Odivelas). Sustenta que este novo imóvel em Odivelas foi imediatamente afeto à sua habitação própria e permanente desde a data da sua aquisição, a 11-04-2022. A Requerente alega que, apesar de ter tido dificuldades na alteração online do seu domicílio fiscal, demonstrou inequivocamente, através de diversa documentação, que residia no novo imóvel de Odivelas, cumprindo assim os pressupostos para beneficiar da exclusão de tributação de mais-valias, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS. Conclui que liquidação oficiosa de IRS, referente ao ano de 2022, padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto, o que acarreta igualmente a ilegalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa e, nessa medida, da decisão de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico apresentados.
A Requerente apresentou prova testemunhal, a prestação de declarações de parte, 17 documentos, procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial.
Foi proferido despacho arbitral, tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
A Requerida apresentou a sua resposta, colocando como questão central a de saber se o imóvel adquirido em Odivelas foi efetivamente afeto à habitação própria e permanente da Requerente, requisito essencial para a exclusão da tributação das mais-valias. A Requerida alega que o domicílio fiscal da Requerente nunca esteve situado na morada do novo imóvel e que, para efeitos da presunção prevista no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS, não se presume que tal imóvel constitua a sua habitação própria e permanente.
Ademais, considera a Requerida que a Requerente não logrou ilidir esta presunção, uma vez que a prova apresentada (i.e.,faturas de consumos, recibos de condomínio e um atestado de residência) se mostra insuficiente e dúbia. A Requerida argumenta que os documentos não comprovam de forma inequívoca que o imóvel constituía o centro da sua vida pessoal e familiar, salientando, ainda, que algumas faturas não estão em nome da Requerente e que o atestado da Junta de Freguesia não tem força probatória para atestar a residência permanente da Requerente.
Conclui a Requerida que, por não estarem reunidos os requisitos previstos nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS, os ganhos obtidos com a transmissão do imóvel anterior não podem ser excluídos de tributação, pelo que a liquidação de IRS se mostra correta e em conformidade com a lei, não havendo lugar a qualquer restituição de imposto ou pagamento de juros indemnizatórios. Deste modo, requer que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado totalmente improcedente e, em consequência, a Requerida seja absolvida de todo o peticionado no pedido e mantida na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
III. Matéria de facto
A) Matéria de Facto Provada
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
i) Em 10-11-2017, a Requerente adquiriu, através de escritura pública de compra e venda, a plena propriedade da fração autónoma designada pela letra BH do prédio inscrito na matriz predial urbana ... sob o artigo ..., sito na Rua ..., ...-... Lumiar Lisboa (“imóvel do Lumiar”), pelo qual pagou o preço de € 285.000,00.
ii) Entre 10-11-2017 e 11-04-2022, a Requerente habitou no imóvel do Lumiar, encontrando-se o seu domicílio fiscal fixado nessa morada durante esse hiato temporal;
iii) Entre 01-01-2021 e 11-04-2022, a Requerente habitou no referido imóvel com o seu companheiro, B..., em condições análogas às dos cônjuges, que, durante este período, também fixou o seu domicílio fiscal nessa mesma morada;
iv) A Requerente e B... apresentaram, em conjunto, a declaração Modelo 3, referente ao IRS do ano de 2021;
v) Em 11-04-2022, a Requerente e B... venderam o imóvel do Lumiar e, ao mesmo tempo, adquiriram, através de escritura pública de permuta e compra e venda, a plena propriedade da fração autónoma designada pela letra AC do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., sito na Rua ... ..., Odivelas (“imóvel de Odivelas”);
vi) A Requerente adquiriu 78/100 avos indivisos do imóvel de Odivelas, pelo preço de € 741.000,00, tendo B... adquirido os restantes 22/100 avos indivisos, pelo preço de € 209.000,00;
vii) Para efeitos do pagamento do preço da sua quota parte do imóvel de Odivelas, a Requerente também cedeu, em permuta, o imóvel do Lumiar, ao qual atribuiu o valor de € 390.000,00;
viii) Para o pagamento do remanescente do preço, a Requerente recorreu a financiamento bancário, tendo contraído um empréstimo no valor de € 295.000,00 junto do Banco Santander Totta;
ix) A partir da data de aquisição do imóvel de Odivelas, a Requerente e B... passaram a habitar no referido imóvel, ou seja, o imóvel de Odivelas passou a ser, a partir daquela data, a sua habitação própria e permanente;
x) Em dezembro de 2022, a Requerente e B... separaram-se e alienaram o imóvel de Odivelas;
xi) B... deixou de viver no imóvel de Odivelas naquela data, tendo a Requerente continuado a habitar no imóvel até à data da venda do mesmo, em maio de 2023;
xii) A Requerente indicou, no quadro 5A do Anexo G da declaração de IRS, relativa ao ano de 2022, o reinvestimento das mais-valias obtidas com a transmissão do imóvel do Lumiar na aquisição do imóvel de Odivelas;
xiii) A Requerente foi notificada de um ofício da AT, datado de 15-06-2023, através do qual tomou conhecimento da abertura de um procedimento de divergência, relativo aos valores declarados na aludida Modelo 3 de IRS, bem como de uma proposta de correção aos valores inscritos no quadro 5A e no campo 5005 do Anexo G;
xiv) Nos termos do referido Ofício, a AT considerou que a Requerente não teria alegadamente afetado o imóvel Odivelas à sua habitação própria e permanente, motivo pelo qual pretendeu sujeitar a tributação o valor da mais-valia obtida com a transmissão do imóvel do Lumiar;
xv) A Requerente foi notificada do ato de liquidação oficiosa de IRS n.º 2023..., referente ao ano 2022, nos termos da qual foi apurado um montante de imposto a pagar de € 107,00;
xvi) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o referido ato de liquidação de IRS, à qual foi atribuído o n.º ...2023..., requerendo a anulação da referida liquidação de IRS e a devolução do imposto pago em excesso no valor de € 25.525,07;
xvii) Em 09-10-2024, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa;
xviii) Em 10-10-2024, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico da mesma, ao qual viria a ser atribuído o n.º ...2024..., sobre o qual recaiu decisão de indeferimento;
B. Matéria de Facto Não Provada
Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
C. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.
Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.
IV. Questão a decidir
A questão que cabe apreciar no âmbito do presente processo prende-se com a legalidade das decisões de indeferimento que recaíram sobre o Recurso Hierárquico e a Reclamação Graciosa apresentados contra o ato de liquidação de IRS em crise e, muito concretamente, determinar se o imóvel de Odivelas foi efetivamente afeto à habitação própria e permanente da Requerente, requisito essencial para a exclusão da tributação das mais-valias.
V. Matéria de direito
A. Da legalidade dos atos sub judice
O presente litígio arbitral centra-se na legalidade da liquidação de IRS n.º 2023..., que incidiu sobre as mais-valias geradas pela venda de um imóvel, e nas subsequentes decisões de indeferimento que recaíram sobre a Reclamação Graciosa e o Recurso Hierárquico apresentados pela Requerente. O cerne da disputa reside na interpretação e prova do conceito de «habitação própria e permanente», requisito fundamental para a aplicação da exclusão de tributação previsto no artigo 10.º do Código do IRS.
A Requerente fundamenta a sua pretensão na convicção de ter cumprido todos os pressupostos legais para beneficiar dessa exclusão, uma vez que alega ter reinvestido o produto da venda da sua anterior habitação própria e permanente, o imóvel do Lumiar, na aquisição de um novo imóvel, o imóvel de Odivelas, ao qual deu, de forma imediata e efetiva, o mesmo destino.
Sustenta que, desde a data da aquisição (i.e., em 11-04-2022), passou a residir no imóvel de Odivelas de forma contínua, fazendo dele o seu lar e o centro da sua vida pessoal.
Para substanciar esta alegação de residência de facto, em oposição à morada fiscal desatualizada, a Requerente apresentou um conjunto de documentos, incluindo faturas de consumos essenciais (e.g., eletricidade, gás e telecomunicações), comprovativos de pagamento de condomínio e um atestado de residência, que, no seu entender, demonstram inequivocamente a sua vivência no local.
No que concerne à divergência com o seu domicílio fiscal oficial, a Requerente justifica-a com dificuldades técnicas e burocráticas no processo de alteração online, argumentando que esta falha formal não pode sobrepor-se à realidade material dos factos.
Conclui, assim, que a decisão da Requerida padece de um erro de facto e de direito, ao ignorar as provas apresentadas e ao apegar-se a uma formalidade que não espelhava a sua verdadeira situação residencial.
Por seu turno, a Requerida contrapõe estas alegações com base numa argumentação estritamente focada na presunção legal e na insuficiência probatória. A tese defendida pela Requerida assenta na presunção legal decorrente do domicílio fiscal, estabelecida no Código do IRS, segundo a qual a habitação própria e permanente do sujeito passivo é a que consta no seu registo fiscal.
Atendendo a que a Requerente nunca atualizou a sua morada para o imóvel de Odivelas, a Requerida alega que a presunção legal é a de que este imóvel não constituía a sua habitação permanente.
Cabia, portanto, à Requerente ilidir esta presunção com provas robustas e inequívocas, o que, no entender da Requerida, não ocorreu.
Nesta análise, a Requerida considera a prova apresentada "dúbia" e inadequada. Sustenta a Requerida que as faturas de consumo não provam quem efetivamente residia no imóvel, salientando que documentos cruciais, como as faturas de gás, eletricidade e os recibos de condomínio, não estavam em nome da Requerente.
Quanto ao atestado da Junta de Freguesia, a Requerida considera insuficiente para provar a "permanência" da residência, sendo apenas um indício de morada, para mais, baseado na própria declaração da interessada.
Deste modo, a Requerida conclui que a Requerente não logrou comprovar que o imóvel de Odivelas constituía o "centro nefrálgico" da sua vida pessoal e familiar, falhando assim em demonstrar um requisito essencial para aceder à exclusão de tributação. Assim, pede a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado totalmente improcedente e, em consequência, absolva a Requerida de todo o peticionado no pedido e manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos: «[s]ão excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;»
Por seu turno, a alínea a) do n.º 6 do referido normativo estabelece que «[n]ão haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;»
Do exposto, resulta que, para que a Requerente possa beneficiar da exclusão da tributação de mais-valias em apreço tem de preencher os seguintes requisitos cumulativos:
(i) Que o imóvel alienado tenha sido destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar;
(ii) O reinvestimento do valor de realização do primeiro imóvel, para os fins indicados, ocorra dentro do prazo máximo de 36 meses, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino exclusivo; e
(iii) O novo imóvel seja afeto a habitação própria do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nos doze meses posteriores ao termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;
Dos autos resulta inexistir discordância quanto aos dois primeiros requisitos, já quanto ao terceiro questiona-se o significado da afetação da habitação adquirida, ou seja, saber se estamos perante «a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar», e a verificação de tal exigência.
Ora, a questão do domicílio fiscal e da habitação própria e permanente é clarificada com os n.ºs 12 a 15 do artigo 13.º do Código do IRS, que preveem o seguinte:
«12 – O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
13 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo:
a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou
b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
14 – A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.
15 – Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.»
Para este efeito, importa, ainda, aludir ao artigo 19.º da Lei Geral Tributária, o qual estabelece o seguinte: «1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(…)
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.»
Nos termos das mencionadas disposições legais, presume-se, então, que o domicílio fiscal, enquanto local da residência habitual do sujeito passivo, corresponde à sua habitação própria e permanente.
Sem prejuízo daquela presunção, aqueles são conceitos jurídicos distintos, conforme sublinhou o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), no acórdão proferido em 02-02-2023, no processo n.º 3172/10.2BEPRT, ao referir que «[o]s conceitos de domicílio fiscal e habitação própria e permanente não são sinónimos, ainda que, desde 2015, o CIRS faça presumir a segunda do primeiro, presunção essa ilidível».
Ao serem aqueles conceitos jurídicos distintos, e ao poder o sujeito passivo apresentar prova em sentido contrário para ilidir a presunção, o que releva em última análise para efeitos da exclusão de tributação das mais-valias prevista no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, é aferir o concreto local da habitação própria e permanente do sujeito passivo, com base na prova produzida nos autos, por ser aquele o conceito jurídico a que se reporta a norma de incidência.
Neste mesmo sentido, sublinhou o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no acórdão proferido em 14-11-2018, no processo n.º 01077/11.9BESNT que «(...) no supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (…) não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afetação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal.»
Ou seja, a presunção de que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente, contudo o sujeito passivo pode a todo o tempo, apresentar prova em contrário, e a AT pode demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações nelas constantes.
Tendo isto presente, cumpre por fim precisar qual o conceito de «habitação própria permanente», recorrendo-se para o efeito às considerações do TCAS no acórdão proferido em 02-02-2023, no processo n.º 126/11.5BELRS, onde este Tribunal referiu que «(…) no concernente ao requisito da permanência na habitação, o qual deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade, mas sem qualquer cadência cronológica absoluta, impondo-se, apenas para efeitos da exclusão tributária que o beneficiário aí organize as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação, sendo atos demonstrativos da fixação do centro da sua vida pessoal a ocorrência de “[c]ondições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc.”(8), mas sem que uma intermitência, devidamente justificada, possa demandar e legitimar a tributação, arrendando, per se, a aduzida exclusão.»
Ora, em virtude da matéria de facto dada como provada nos presentes autos através da prova apresentada (i.e., faturas de consumos, recibos de condomínio e um atestado de residência), ressalta o facto de efetivamente a Requerente e B... terem passado, a partir de abril de 2022, a receber a sua correspondência na respetiva morada do imóvel de Odivelas.
Por outro lado, refira-se não ser minimamente verosímil que a Requerente tenha continuado a habitar no imóvel do Lumiar que transmitiu a sua propriedade, por permuta, a um terceiro sem relações próximas com a Requerente ou B... e, se assim não ocorreu, tinha a Requerida o ónus de provar, mediante prova suficiente, que a Requerente permaneceu a habitar o imóvel do Lumiar após a data da sua venda.
Ademais, este Tribunal não vislumbra qualquer facto suscetível de colocar em causa ou abalar as declarações da Requerente relativamente à sua habitação própria permanente no imóvel de Odivelas no período em referência, pelo que devem aquelas declarações presumirem-se verdadeiras e de boa-fé, conforme estipula o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.
Deste modo, verifica‑se que a Requerente passou a habitar o imóvel de Odivelas desde a data da respetiva aquisição, tendo aí residido a maior parte do seu tempo e aí estabelecendo o seu centro de interesses familiar, social e profissional.
Por conseguinte, conclui-se que o imóvel de Odivelas foi a habitação própria permanente da Requerente, estando assim preenchido os requisitos de que dependia a isenção de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, já que o preenchimento dos demais requisitos não é controvertido nos presentes autos.
Em face do exposto, julga-se totalmente procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos atos tributários impugnados, impondo-se a sua anulação em conformidade.
B. Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
Em face da solução dada à questão relativa à determinação da habitação própria e permanente da Requerente, para efeitos da exclusão da tributação das mais-valias, em sede de IRS, a favor do Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões.
C. Dos juros indemnizatórios
O Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º da LGT.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, concluiu-se, nos termos acima expostos, que, quer a decisão de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico apresentado contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada, quer o ato de liquidação de IRS n.º 2023... padecem do vício de violação de lei que lhe são imputados no pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daquele ato é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Consequentemente, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, atualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).
VI. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, ordenar:
a) A anulação da decisão de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico n.º ...2024..., apresentado pela Requerente contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;
b) A anulação da decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa n.º ...2023..., apresentada pela Requerente contra o ato de liquidação de IRS;
c) A anulação parcial do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022;
d) A restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
VII. Valor do processo
Fixa-se ao processo o valor de € 25.525,07, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VIII. Custas arbitrais
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 1.530,00, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de dezembro de 2025
O Tribunal Arbitral,
Sérgio Santos Pereira