SUMÁRIO:
I. A aplicação do regime do Residente Não Habitual (RNH) implica a verificação e o controlo administrativos das condições de acesso definidas no artigo 16.º, n.ºs 8 a 12 do Código do IRS, permitindo, em consequência, a concessão de um regime fiscal favorável, em sede de IRS.
II. Independentemente de se poder qualificar como um "benefício automático", quanto aos seus efeitos, a lei impõe ao interessado o dever legar de solicitar a sua inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual, de onde decorre que a administração fiscal pode aceitar ou não aceitar essa inscrição, ato que tem a natureza de autónomo ou de ato destacável para cuja sindicância judicial o meio próprio é a ação administrativa especial.
III. Se a inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual não tiver sido efetuada, e outros vícios lhe não tiverem sido apontadas, as liquidações de IRS, entretanto efetuadas com base nas declarações submetidas pelo contribuinte não enfermam de qualquer ilegalidade.
DECISÃO ARBITRAL
A..., titular do número de identificação fiscal..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., ...-..., ..., Setúbal (doravante designada por "Requerente"), requereu a constituição de Tribunal Arbitral e apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo por objeto imediato a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (RG) e mediato os atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS") n.ºs 2024..., relativo ao período de 2022, e 2024..., relativo ao período de 2023 e contra a liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referentes aos anos fiscais de 2022 e 2023, peticionando uma anulação no valor global de € 19.862,82
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante Requerida ou AT).
I – RELATÓRIO
I - 1. O pedido
No PPA a Requerente pede a anulação:
- do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa n.° ...2024...,
- das liquidações de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2022 (total), e n.° 2024..., relativa ao ano de 2023 (parcial),
- da liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., reembolsando-se o valor pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios devidos.
I - 2. O litígio
O pleito tem por objeto a aplicação, ou não, do Regime dos Residentes não Habituais (RNH) às liquidações de IRS dos anos de 2022 e 2023.
I - 3. Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, submetido em 29-04-2025, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 02-05-2025, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66¬B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou árbitro do Tribunal Singular o signatário que comunicou a sua aceitação nos termos legalmente previstos.
Em 24-06-2025, as partes foram devidamente notificadas da designação do árbitro e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal foi regularmente constituído 14-07-2025, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
Em 14-07-2025, foi proferido o despacho previsto no artigo 17.º do RJAT, mandando-se notificar a AT para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar Resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
Em 29-09-2025, a Requerida apresentou a Resposta, na mesma data juntou aos autos o respetivo processo administrativo e não requereu prova adicional.
Em 29-09-2025, foi proferido despacho deste Tribunal, determinando-se a notificação à Requerente para, "...no prazo de 10 dias, responder, querendo, às exceções invocadas pela Requerida na sua Resposta".
Em 15-10-2025, a Requerente apresentou resposta às exceções invocadas.
Em 15.10.2025, foi proferido despacho arbitral que, na parte aqui relevante, determinava: "1. Ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de prova necessárias (cf. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), o Tribunal Arbitral dispensa a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e, bem assim, a apresentação de alegações.».
II - SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.
As partes são legítimas e encontram-se devidamente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
As exceções invocadas pela Requerida e que, no entender da Requerente, são improcedentes, serão apreciadas no capítulo dedicado à Matéria de direito, antes de se passar, se for caso disso, ao conhecimento de mérito.
III – PROVA
III-1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão do litígio:
A) b) A Requerente é residente em território português desde 01-01-2022, conforme histórico do seu cadastro fiscal (cf. Doc. 12/PPA).
B) A Requerente não foi residente em território português nos cinco anos anteriores ao ano de 2022 (Facto consensual).
C) A Requerente, não obstante ter cumprido as formalidades para obter o número de identificação fiscal português, não solicitou a inscrição como RNH (Facto consensual).
E) A Requerente submeteu a declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2022 em 25-06-2024, com anexo J - Rendimentos obtidos no estrangeiro (cf. Doc. 5/PPA).
F) A Requerente submeteu a declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2023 em 28-06-2024, com anexo J - Rendimentos obtidos no estrangeiro (cf. Doc. 6/PPA).
G) Com base na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2022, a Requerida emitiu, em 03-07-2024, a liquidação n.º 2024..., com um total a pagar de € 9.792,26, que inclui o montante de 372,60 de juros compensatórios e que a Requerente pagou em 10-07-2024 (cf. PA/Inf. RG/FACTOS)
H) Com base na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2023, a Requerida emitiu, em 17-07-2024, a liquidação n.º 2024..., com um total a pagar de € 10.124,60, e que a Requerente pagou em 25-07-2024 (cf. PA/Inf. RG/FACTOS).
I) Em 11/11/2024 submeteu declarações de substituição respeitantes aos anos 2022 e 2023, a que aditou o anexo L - Residente Não Habitual, com opção pelo método de isenção, que se encontram registadas em sistema com a menção de "erradas", razão pelo qual não deram origem a qualquer liquidação (cf. PA/Inf. RG/FACTOS).
J) Inconformada com as liquidações de IRS que lhe foram notificadas, a Requerente deduziu contra elas a RG n.º ...2024..., instaurada em 10-12-2024, no Serviço de Finanças do Seixal 2, que foi indeferida por despacho de 23-01-2025 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal, invocando delegação de competências. (Cf. Doc. 1/PPA e PA)
K) A decisão é fundada na Informação prestada no procedimento, com os seguintes fundamentos (transcrição):
O que está em causa nos autos é a aplicação do regime de tributação do Residente Não Habitual.
O estatuto de residente não habitual, revogado pela Lei n° 82/2023, de 29/12, era concedido aos contribuintes que se tornassem residentes para efeitos fiscais em território português (por reunirem alguma das condições previstas nos n°s 1 e 2 do art. 16° do CIRS), desde que não tivessem sido\ tributados como residentes fiscais em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores (art.º 16° n° 8 do CIRS na redação aplicável).
Após a inscrição no registo de contribuintes da AT, os contribuintes nestas circunstâncias adquiriam o direito a ser tributados como residentes não habituais por um período de 10 anos consecutivos. a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residentes em território português (art.° 16° n° 9 do CIRS, na redação aplicável).
Para o efeito deviam solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato de inscrição como residentes em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornem residentes em Portugal conforme previsto no n° 10 da mesma norma.
Face ao disposto nesta norma, estamos perante um benefício fiscal dependente de reconhecimento por parte da Autoridade Tributária, a pedido do contribuinte.
Entender que a inscrição como Residente Não Habitual tem natureza meramente declarativa esvaziara de sentido o disposto naquela norma pois seria entender que o legislador teria imposto naquele preceito uma obrigação absolutamente desnecessária e sem qualquer efeito legal.
Esse reconhecimento constitui um ato prévio à liquidação, não podendo os sujeitos passivos beneficiar do regime de tributação dos Residentes Não Habituais, ou seja apresentar as declarações de rendimentos acompanhadas do anexo L. sem que previamente seja reconhecido o direito ao benefício fiscal e inscrito no cadastro de contribuintes, o período de gozo do mesmo.
Sendo que a decisão de reconhecimento ou não do mesmo é um ato diretamente impugnável por via da ação administrativa, tendo natureza prejudicial relativamente ao ato de liquidação
Ora, no caso em análise, a requerente não efetuou o pedido de inscrição como Residente Não Habitual dentro do prazo legal, não tendo sido reconhecido pela Autoridade Tributária a atribuição de tal estatuto, razão por que se viu impedida de submeter as declarações com anexo L. bem como de beneficiar do regime fiscal do Residente Não Habitual.
Efetivamente o objeto da reclamação é o ato de liquidação, a qual se mostra em conformidade com os valores e opções manifestadas pela reclamante nas declarações modelo 3 e o regime legal aplicável aos sujeitos passivos residentes, sem estatuto de residente não habitual.
Pese embora se conheçam as decisões judiciais a que se refere a reclamante, certo é que as mesmas só produzem efeitos no âmbito dos processos a que se reportam, não sendo conhecida qualquer alteração do entendimento superiormente sancionado nesta matéria.
Consequentemente, afigura-se que as liquidações se devem manter.
L) O pedido de pronúncia arbitral foi submetido no CAAD no dia 29-04-2025 e aceite em 02-05-2025.
III-2. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, não existem outros factos que devam dar-se por não provados.
III-3. Motivação da decisão da matéria de facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado.
IV - O DIREITO
IV-1. Posição das partes em matéria de exceções
Cumpre em primeiro lugar apreciar e decidir a procedência ou improcedência das exceções invocadas pela Requerida.
Com efeito, a Requerida alegou as seguintes exceções na sua Resposta:
- A incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação à Requerente do regime jurídico-tributário dos Residentes Não Habituais (“RNH”).
- A inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH.
Fundamente a primeira das exceções referidas, em síntese, nos termos seguintes:
1. A Requerente peticiona a anulação das liquidações de IRS e a causa de pedir que suporta tal pretensão centra-se, em rigor, na alegada verificação dos pressupostos para a sua tributação ao abrigo do regime fiscal aplicável aos Residentes Não Habituais (“RNH”).
2. Sem o reconhecimento prévio da condição de RNH da Requerente, não há como avançar para a análise da aplicabilidade do regime consagrado no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS.
3. E, por consequência, também não se poderá proceder à apreciação do pedido de anulação das liquidações IRS impugnadas, uma vez que a ilegalidade que lhes é apontada decorre unicamente da não aplicação daquele método de isenção.
4. Em suma, a pretensão principal de anulação das liquidações depende, logicamente, do acolhimento de questão prévia: o reconhecimento da aplicação, à Requerente, do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais,
5. No n.º 1 do artigo 2.º do RJAT estabelece-se uma enumeração taxativa das matérias da competência desta jurisdição arbitral, a saber:
a. Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e
b. Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
6. Ora, a apreciação da verificação dos pressupostos da aplicação do regime RNH, não comportando, como é evidente, a análise da legalidade de qualquer ato concreto de liquidação de imposto, não se insere no âmbito da competência atribuída ao Tribunal Arbitral no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT que limita, como se viu, vimos, à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta, bem como a atos conexos, mas sempre no contexto da concretização material de uma liquidação tributária.
7. A Requerida cita doutrina e diversa jurisprudência em abono da sua tese.
Quanto à segunda exceção invocada, alega, também em síntese, o seguinte,
1. O reconhecimento do estatuto de RNH assenta num procedimento autónomo, prévio e independente das liquidações objeto dos presentes autos.
2. E ancora toda a sua argumentação no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, de 15-02-2018, que decidiu Não julgar inconstitucional a interpretação normativa retirada do artigo 54.º do CPPT, com o sentido de que a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles.
3. Cita ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) prevalecente (Acórdão do STA, Uniformizador de Jurisprudência, nº 014/19.7BALSB, de 04.11.2020) que ditou que a impugnação do ato que reconhece (ou não) benefícios fiscais é autónoma em relação ao ato de impugnação da liquidação, constituindo, conforme o Acórdão, a ação administrativa o meio processual próprio para o contribuinte contestar aquele primeiro ato.
A Requerente, por seu turno, contrapôs à argumentação da Requerida, em síntese, o seguinte, quanto à primeira exceção:
1. A Requerida reconhece, e tal resulta cristalino do pedido de pronúncia arbitral, que a Requerente peticionou a anulação das liquidações de IRS de 2022 e 2023.
2. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
3. Paralelamente, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, vincula a Requerida “à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro”, com exceção das pretensões mencionadas nas alíneas a) a c) do artigo 2.º da mencionada Portaria (as quais não se subsumem ao caso dos autos).
4. Atenta a pretensão da Requerente (anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... e a anulação (total e parcial, respetivamente) das liquidações de IRS n.º 2024... (2022) e 2024... (2023) e da liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., por estarem feridas de ilegalidade, com fundamento na não aplicação à Requerente das regras de tributação aplicáveis aos sujeitos passivos na qualidade de residente não habitual, facilmente se constata que a mesma cabe no âmbito de competência do tribunal arbitral (artigo 2.º, n.º 1 alínea a) do RJAT).
5. É, pois, manifesto que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar o pedido apresentado pela Requerente, não se verificando a alegada exceção de incompetência material suscitada pela Requerida, motivo pelo qual deve a mesma ser julgada improcedente e ser conhecido o mérito da causa, o que se requer.
Identifica inúmera jurisprudência arbitral - exclusivamente - para estribar a sua tese.
Quanto à segunda exceção:
1. Reconhecendo que a Requerente impugnou dois atos de liquidação, a Requerida alega que os mesmos não seriam diretamente impugnáveis, porquanto “o reconhecimento do estatuto de RNH assenta num procedimento autónomo, prévio e independente das liquidações objeto dos presentes autos”.
2. A Requerida invoca que o reconhecimento do regime jurídico do residente não habitual só pode ser peticionado junto do tribunal tributário por via da ação apresentado pela Requerente não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão, concluindo, assim, que existe erro na forma de processo.
3. Nos presentes autos, não estamos perante uma situação de indeferimento (expresso ou tácito) de pedido de inscrição da Requerente como residente não habitual em Portugal, o qual, pura e simplesmente, não foi formulado pelo que, não existe, no caso, nenhum ato administrativo-tributário de não reconhecimento (expresso, tácito ou presuntivo) desse estatuto.
4. Como consta do pedido de pronúncia arbitral e não foi impugnado pela Requerida, as liquidações de IRS, cuja anulação se requer, não foram precedidas de qualquer pedido de inscrição cadastral como residente não habitual.
5. Daqui resulta que não existe, no caso aqui em crise, qualquer ato de não inscrição cadastral ou de não reconhecimento como residente não habitual para efeitos fiscais que possa operar como ato pressuposto autónomo, prévio e destacável relativamente aos atos de liquidação de imposto ora sindicados (e decisão da reclamação graciosa), que são, assim, os únicos atos tributários com que a Requerente foi confrontada e contra os quais foi possível, suscitar, como atos lesivos, a sua impugnação nos termos do artigo 54.º do CPPT.
6. Em conclusão, a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável, não sendo, por isso, passível de ação administrativa conforme previsto no CPTA, em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que imponha, em derrogação do princípio da impugnação unitária (artigo 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.
7. Pelo exposto, é manifesto que os atos objeto do pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos são diretamente impugnáveis, porque se trata de atos de liquidação ilegais em virtude do vício/erro sobre os pressupostos pelo facto de a Requerida não ter aplicado à Requerente as regras de tributação legalmente previstas para os residentes não habituais que corresponderiam à situação tributária da Requerente.
8. Em conclusão, a falta de inscrição da Requerente como residente não habitual não é pressuposto de impugnabilidade, como vem sendo reiteradamente decidido pela jurisprudência arbitral antes citada.
9. Pelo que a exceção “inimpugnabilidade do ato de liquidação” deve improceder, prosseguindo os autos os seus ulteriores trâmites, o que se requer.
Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT começa-se por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
IV-2. Da competência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria
Estando em causa o âmbito de competência dos Tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, previsto no artigo 2.º do RJAT, o qual abrange na al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” entende a Requerida que, não obstante a Requerente solicitar a anulação da liquidação de IRS identificada, referente ao ano de 2023, a causa de pedir nos presentes autos centra-se na suposta condição de residente não habitual da mesma e, depois, consequentemente a suposta aplicação do respetivo regime fiscal em sede de IRS. Em sentido contrário, a Requerente entende que o pedido se limita à anulação da liquidação de IRS do ano de 2023, pelo facto da Requerida não ter aplicado o regime de RNH, apesar de a Requerente preencher os requisitos materiais para tal.
Analisado o pedido dirigido ao Tribunal, resulta claro que a Requerente pede, direta e claramente, a anulação da liquidação de IRS de 2023, com fundamento em ilegalidade, ainda que exista uma conexão com o quadro legal subjacente ao regime dos RNH, enquanto pressuposto com impacto na quantificação do imposto. Em concreto, não está aqui em causa conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente administrativa, mas sim da referida liquidação de IRS. No caso vertente, a Requerente reconhece expressamente que não submeteu qualquer pedido de inscrição como RNH.
Neste sentido, entende-se que o pedido se insere no âmbito da competência do Tribunal Arbitral conforme disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e que a exceção improcede.
IV-3. Da Inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH
Neste sentido refere-se o entendimento constante da decisão do Tribunal Constitucional prolatada no Processo n.º 514/2015-T (revisto na sequência do Acórdão n.º 718/2017 proferido pelo Tribunal Constitucional e transitado em julgado em 18 de janeiro de 2018): «Contudo, a sua escolha em não o fazer, é uma faculdade de impugnar e não um ónus. Assim sendo, atento os princípios da tutela judicial efectiva e da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, o Requerente não pode ser impedido de impugnar o acto de liquidação do IRS de 2010, com vícios próprios do acto da sua não inscrição como residente não habitual para efeitos fiscais [nosso sublinhado].
No entanto, o entendimento que resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2018, transitado em julgado em 18 de janeiro de 2018, ainda que com um voto de vencido, sendo mais recente e não obstante não ter a natureza de juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, é contrário ao entendimento anterior, na medida em que acaba por estabelecer a natureza autónoma e dependente da vontade e impulso do contribuinte, do ato de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual, o que, de resto, se afigura mais consentâneo com a sua natureza, e, consequentemente, daí decorrendo, em sede de tutela jurisdicional efetiva, a sua impugnabilidade através do meio impugnatório próprio, a ação administrativa especial[1], haja em vista a obrigação imposta pelo n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, em cujo preâmbulo se justifica nos seguintes termos: É igualmente alterada a forma de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual a que se refere o n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, com vista à implementação de um procedimento eletrónico, prevendo-se assim, no presente decreto-lei, que o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português[2].
Na verdade, nem de outro modo poderia ser, uma vez que uma coisa é a obrigação de obtenção do NIF que deve ser cumprida por todas as pessoas singulares que se encontrem sujeitas ao cumprimento de obrigações ou pretendam exercer os seus direitos junto da Administração Tributária e Aduaneira AT, mediante inscrição no registo de contribuintes, nos termos do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, outra é a inscrição, no mesmo registo, da qualidade de "residente não habitual". As obrigações são distintas, pelo que também não se confundem os deveres de inscrição, por iniciativa ou impulso do contribuinte, no registo de contribuintes que lhes dizem respeito.
Sucede, porém, que, no caso em análise, se, por um lado, foi cumprido o dever de inscrição para obtenção do NIF, por outro lado não foi exercido o necessário impulso do Requerente para a sua inscrição como residente não habitual.
O facto de o benefício fiscal em IRS que resulta do regime RNH ser automático projeta-se, apenas, na sua produção de efeitos: ex tunc. Aspeto em que não difere, sequer, dos benefícios dependentes de reconhecimento, como escreve Nuno Sá Gomes[3]: Mas o benefício pode depender de reconhecimento por acto administrativo unilateral ou mediante acordo com o contribuinte que, como vimos tem sempre natureza declarativa e não constitutiva.. . Não cobre, nem poderia cobrir, as obrigações que a lei impuser visando a sua declaração - e não a sua constituição - como é o caso. A AT mantém intactos os seus poderes de verificação e controlo dos pressupostos de que depende a fruição de um benefício automático. E só pode exercer esse controlo quando tem conhecimento da existência do benefício.
Ora, inexistindo neste caso um ato, expresso ou tácito, de indeferimento da administração fiscal relativamente à inscrição como residente não habitual do Requerente, pelo facto de esta não ter sido solicitada, e consistindo o pedido na anulação das liquidações de IRS, não procede a inominada exceção de inimpugnabilidade do ato de liquidação.
IV-4. Sobre a ilegalidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2023
Sobre este ponto, e porque aderimos à douta posição perfilhada na Decisão Arbitral de 2 de Junho de 2025, proferida no Processo 1126/2024-T, passamos a transcrevê-la, sem prejuízo das adaptações do texto ao caso concreto e, em rodapé, efetuarmos as observações que comiserarmos pertinentes.
Analisada a matéria controvertida, cabe decidir nos presentes autos se as liquidações de IRS identificadas, com referência aos anos de 2022 e 2023 da Requerente, se encontram feridas de vício de violação de lei, por indevida não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais (RNH).
Neste âmbito, importa saber se, como entende a Requerente, a inscrição do RNH tem “efeitos meramente declarativos”, correspondendo a um mero dever acessório, de natureza instrumental, e sem qualquer efeito constitutivo, sendo bastante o preenchimento das condições previstas.
A análise da matéria em discussão já foi várias vezes objeto de análise e pronúncia por tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo indicadas diferentes posições com respeito aos argumentos invocados pelas partes.
Vejamos.
O RNH constitui um estatuto de residência fiscal, cujo respetivo regime fiscal foi introduzido através de alterações no Código do IRS (artigos 16.º, 22.º, 72.º, 81.º do Código do IRS), pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09, que aprovou o Código Fiscal do Investimento – CFI (na sua versão inicial), sendo igualmente objeto de integração no CFI (Parte III - Regime fiscal do investidor residente não habitual).
A criação do referido regime fiscal seria fundamentada pelo legislador como um relevante instrumento de política fiscal internacional, tendo como objetivo incentivar à relocalização para o território português de profissionais em atividades de elevado valor acrescentado (cf. Portaria n.º 230/2019 de 23 de julho que altera a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro). Resulta do respetivo regime (não sendo controvertido) a sua natureza enquanto benefício fiscal, enquadrando-se concetualmente na definição constante do artigo 2.º, n.º 1 do EBF: «Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem».
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do EBF, «1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento»[4]. Sendo que, «O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário. (n.º 2)». [nosso sublinhado]
Pode assim entender-se que «[q]uando operam automaticamente na esfera jurídica do sujeito passivo, isso significa que, verificados objetivamente os respetivos pressupostos, nasce ope lege o direito ao benefício[5]. Se, ao contrário, o benefício decorrer de pedido do interessado à entidade a quem, legalmente, se encontre atribuída a competência para avaliar e decidir, da aptidão a usufruir do benefício, então estaremos perante um benefício dependente de reconhecimento, que terá em qualquer caso efeito meramente declarativo». [nosso sublinhado]
Em suma, ao contrário dos benefícios automáticos, para que os benefícios dependentes de reconhecimento operem, importa sempre a vontade expressa, em termos e em tempo, dos seus virtuais beneficiários[6]. Sendo certo que se mantêm os poderes de fiscalização da AT e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios (artigo 7.º, do EBF).
Entendendo-se os benefícios fiscais como factos que, estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação temporária, e como tal, da tributação-regra, releva considerar que a constituição do direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo (cf. artigo 12.º do EBF).
Considerando o enquadramento exposto e o quadro legal aplicável à data dos factos, refere-se que as condições de atribuição do direito a ser tributado como RNH, se encontram definidas no artigo 16.º, n.ºs 8 a 11, do Código do IRS, na redação dada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto):
«8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.» [nosso sublinhado]
Da análise ao referido normativo, relevam como pressupostos para efeitos de aplicação do regime de tributação em sede de IRS, aplicável ao RNH:
i. O sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos dos n.º s 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS;
ii. O sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição como residente, não ter sido residente fiscal em território português em qualquer um dos cinco anos anteriores.
Nesta sede, questiona-se se a atribuição do regime de RNH depende apenas e só do preenchimento dos requisitos do artigo 16.º, n.º 8 do Código do IRS, não dependendo da inscrição como residente não habitual, conforme resulta previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS [«O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual(…)»]. Não tendo a aqui Requerente procedido à inscrição como RNH, tem ou não o direito a ser tributada ao abrigo do respetivo regime (dos residentes não habituais), com referência aos anos de 2022 e 2023 a que respeitam as liquidações de IRS sob impugnação.
Salienta a Requerente a alteração promovida ao nível da redação legal do artigo 16.º em referência, considerando que, a redação inicial estabelecia no n.º 7 do artigo 16.º que «O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos.» Resultava então clara a obrigatoriedade de inscrição e o entendimento sobre o tema: neste sentido, Ricardo da Palma Borges e Pedro Ribeiro de Sousa, in “O novo regime fiscal dos RNH”, «Ora, o registo no cadastro de contribuintes da DGCI enquanto residente não habitual, exigido pelo n.º 7 do artigo 16.º do CIRS, constitui um caso que a lei dispõe sobre o conteúdo de uma relação jurídica – a tributária – sem abstrair dos factos que lhe deram origem. O acto formal do registo assume-se, assim, como um facto constitutivo desta relação, sendo impossível, por isso, abranger as situações constituídas anteriormente à sua data em vigor.» [nosso sublinhado]
No âmbito da presente análise, sem que resulte qualquer vínculo deste Tribunal, deve notar-se o sentido de um significativo número de processos de tribunais a funcionar no CAAD, nos quais é entendido que o regime de RNH é um regime jurídico-fiscal cujo direito se verifica sem dependência do registo formal da qualidade de RNH, o qual reveste mero carácter declarativo (neste sentido, decisões arbitrais nos processos n.º 188/2020-T, 777/2020- T, 782/2021-T, 815/2021-T, 319/2022-T, 550/2022-T, 581/2022-T, 705/2022-T, 57/2023-T, 76/2023-T).
Com base no que acima se expõe, entende-se que, ainda que tenha existido uma alteração normativa pela qual se suscite a diferente natureza subjacente ao ato de inscrição (passando a constar na lei «O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual), resulta claro que a aplicação do regime do RNH compreende uma atualização cadastral fiscal do beneficiário, mediante a verificação das condições de acesso definidas no artigo 16.º, n.ºs 8 a 12 do Código do IRS[7], permitindo, em consequência, a concessão de um regime fiscal favorável, em sede de IRS. Não se retira da lei a eliminação da necessidade de um impulso do potencial beneficiário (contribuinte). É esse o sentido que se retira do artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS. Na verdade, como bem conclui o tribunal no Processo n.º 1086/2024-T (CAAD): «Se a lei fiscal exige duas declarações autónomas (como residente fiscal e como RNH), não pode o intérprete chegar a um resultado que retira qualquer efeito útil a uma delas; para isso, o legislador teria apenas indicado a necessidade de uma só declaração, que conteria a ulterior – sendo automáticos os efeitos.»
Pelo que se explica, acompanha este Tribunal o entendimento propugnado na decisão proferida no Processo n.º 635/2023-T:
«Tudo o visto como vem de percorrer-se, entendemos, pois, que estamos perante um BF dependente de reconhecimento. BF não automático, portanto – v. art.º 5.º, n.º 1 do EBF (supra). O que logo decorre, aliás também, diga-se, do próprio estabelecimento de um prazo pelo legislador para solicitar a inscrição como RNH (cfr. n.º 10 do art.º 16.º).
Como terá ficado aproximado, em todo o contexto que se percorreu, a norma que o legislador veio expressamente introduzir em 2012, estabelecendo um prazo para ser solicitada a inscrição como RNH, retirando a característica de “renovável” ao BF tal como do normativo constava, e mantendo a possibilidade de gozo do mesmo por um período máximo de 9 anos subsequentes ao da qualificação como RNH - a obter através do que o legislador entendeu exteriorizar assim: “deve solicitar a inscrição como residente não habitual” – é uma norma anti-abuso.
Resulta-nos tal claro seja pela contextualização devida, que abreviadamente deixámos, seja pelo próprio funcionamento do regime - tenha-se em conta o disposto no n.º 11 que mantém a necessidade de verificação ano a ano das condições, como bem se compreende... por tudo o que também aflorámos -, seja, entre o mais também, se atentarmos nas regras próprias por que se pautam os benefícios a que o RNH acede. Com efeito, não será desinteressante a um sujeito passivo fazer uso do regime apenas nos anos em que os rendimentos que obtiver disso obtenham vantagem em termos de tributação, e não já noutros em que tal não suceda. V., por exemplo, o que sucede com rendimentos da Cat. A que possam ser auferidos – por hipótese até a título de indemnização por cessação de contrato de trabalho determinada antes da deslocação da residência para o nosso país, e a que apenas será de vantagem o regime se e na medida em que no país da fonte ocorra tributação o efectiva. Outras concretizações que pudéssemos conjecturar da aplicação do regime nos poderiam levar a entender neste mesmo sentido, da tentação de um fazer uso do mesmo à la carte. O que, estamos certos, o nosso legislador não terá pretendido, ao consagrar o regime em questão. Como legislador razoável que tem que se presumir que é, a legislar dentro do espírito do Sistema. E tendo em consideração tudo o mais que se referiu acima em matéria de consagração legal de BFs. (Tenha-se em atenção também o mais no art.º 9.º do CC para que somos remetidos pelo art.º 11.º da LGT).
Dito isto,
O direito a fazer utilização do BF em questão ficou, por lei, dependente de reconhecimento. Reconhecimento por acto administrativo, de efeito meramente declarativo. Como nem poderia deixar de ser, por tudo o que se viu, e até também uma vez que ano a ano terão que se reunir, à mesma, as condições para o gozo do mesmo. Por outras palavras, é sim dependente de solicitação por parte do SP a obtenção do Estatuto de RNH que lhe concede acesso às vantagens fiscais aí implicadas.
Neste sentido, com respeito ao ato de inscrição como RNH, conclui ainda o tribunal no Processo n.º 1086/2024-T (CAAD), com o qual manifesta este Tribunal a devida concordância:
«Pretende, antes, garantir o preenchimento dos pressupostos de acesso ao regime fiscal dos RNH e reflexamente os princípios da legalidade e igualdade tributária.
Assim, a concessão do estatuto de RNH não é automática nem oficiosa.
Depende de ato administrativo de reconhecimento dos seus pressupostos, como sustentaria o Acórdão do TCA Sul de 6/10/2022, proc. 01321/20.1BEBRG, ato esse tomado no âmbito de procedimento autónomo da iniciativa do interessado, nos termos do art. 14º do EBF.
Para efeitos da emissão desse ato, a AT, nos termos da Circular nº 9/2012, de 13/8, , o sujeito passivo deve apresentar no pedido de inscrição uma declaração em como não se verificaram os requisitos necessários para ser considerado residente em território português, em qualquer dos cinco anos anteriores àquele em que pretenda que tenha início a tributação como residente não habitual, nomeadamente por não preencher nenhuma das condições previstas nos nºs 1,2 e 5 do art. 16º do CIRS ou por força da aplicação de convenção para evitar a dupla tributação.
Após o pedido de inscrição como residente não habitual, incumbe à AT proceder ao controlo dos registos do requerente do estatuto de RNH no seu cadastro, por forma a validar se cumpre ou não com os requisitos legalmente previstos, nomeadamente:
i)Se esteve registado enquanto residente em Portugal perante a Autoridade Tributária;
(ii) Se submeteu declarações Modelo 3 de IRS enquanto residente em Portugal;
(iii) Se recebeu rendimentos de trabalho dependente ou rendimentos profissionais ou empresariais pagos por entidades portuguesa e que tenham sido reportados em Declarações Mensais de Remunerações;
(iv) Se beneficiou de alguma isenção de IMI enquanto residente em Portugal.
(…) O Fisco procede, assim, a um controlo, ainda que meramente provisório, dos pressupostos do regime dos RNHs, podendo solicitar elementos adicionais, comprovativos de que o requerente foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição nos cinco anos anteriores à inscrição.
Cabe-lhe verificar se a atividade desenvolvida pelo contribuinte é, ou não, de elevado valor acrescentado.»
Neste sentido, veja-se ainda o Processo n.º 893/2023-T, onde se conclui que, “Não pode um contribuinte reivindicar o estatuto de RNH sem se inscrever previamente no sítio das Finanças como determinado na lei.”
Ainda que resulte da análise das várias instruções administrativas produzidas pela AT quanto à inscrição dos RNH (Circular n.º 9/2012, de 3 de agosto, que atualizou a Circular n.º 2/2010, de 6 de maio da DSIRS; Ofício Circulado n.º 90023, emitido concomitantemente com a publicação do Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de agosto), uma clara progressão no que toca à automatização das inscrições, tal não determina a função inerente ao ato de inscrição, mas tão-só a sua facilitação administrativa.
Pela sua relevância, atentamos na posição assumida por unanimidade pelo STA, no Acórdão de 29.05.2024 proferido no processo n.º 842/23.9BESNT[8]:
«(…) cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida ao ter considerado que a qualidade de residente não habitual depende do reconhecimento por da AT e que o prazo previsto no art. 16º nº 10 do CIRS, na redacção introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01-08, é um prazo preclusivo do direito a beneficiar do regime de RNH.
Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redacção inicial da norma, que dispunha “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4º do D.L. nº 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).
Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.
No entanto, não resulta das normas supratranscritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pelo ora Recorrente.
Por outro lado, nos termos do artigo 12º do EBF, “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.
Com este pano de fundo, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.
Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS).
Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.
Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018, situação que implica a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida, com a consequente viabilização da pretensão da Recorrente no âmbito desta acção no sentido da anulação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição.
Ora, o Tribunal (STA) não deixa de entender que o pedido de pedido de inscrição como RNH é condição necessária (o que igualmente acompanhamos). Concluiu então o STA que
«III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018.»
No caso vertente, o Requerente não pede diretamente a condenação da AT à inscrição como residente não habitual, mas sim a anulação de liquidações concretas de IRS, sendo certo que, tal apenas seria admissível uma vez cumprido o pressuposto de carácter prejudicial de atualização cadastral fiscal, mediante inscrição como RNH. Ou seja, a pretensão da Requerente de anulação parcial da liquidação depende de uma questão prévia: a verificação dos requisitos para obtenção do estatuto de RNH, com o consequente acesso ao regime especial aplicável. Não se retira do quadro legal identificado uma aplicação automática do regime fiscal aplicável aos RNH, mantendo a necessidade de um impulso pelo contribuinte.
A posição que ora aqui adotamos não constitui alteração à que resulta do nosso "voto de vencido" proferido em 28-07-2025, no Processo n.º 1264/2024-T, no qual a decisão prolatada apreciou e anulou o indeferimento expresso da solicitação de inscrição como RNH dos contribuintes, quando o Tribunal Constitucional já tinha qualificado de "ato autónomo impugnável" tal solicitação e o STA tem apreciado, em recurso, decisões proferidas em ações administrativas especiais que apreciaram a questão. No caso presente, o Requerente não solicitou a inscrição como residente não habitual.
Assim, entende este Tribunal que a liquidação controvertida não padece de vício de violação de lei como vem invocado pela Requerente, pelo que se deve manter na ordem jurídica com todos os seus efeitos legais.
V. Do direito reembolso do imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios
Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o pedido acessório de reembolso do imposto e de pagamento de juros indemnizatórios (art.º 43.º da LGT).
DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de arbitral e, em consequência:
a) Manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
b) Manter na ordem jurídica, com todos os seus efeitos, as liquidações de IRS de 2022 (n.º 2024..., de 03-07-2024, e 2023 (n.º 2024..., de 25-07-2024, das quais resulta um valor total a pagar de € 19.986,86 (dezanove mil novecentos e oitenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos);
c) Julgar prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios;
d) Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
A Requerente indicou como valor da causa o montante € 19.862,82 (dezanove mil oitocentos e sessenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações que se pediu para ser anulado, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de dezembro de 2025
O Árbitro Singular,
(Manuel Faustino)
[1] O que, de resto, vem sendo acolhido pelo Venerando STA - vide Acórdão de 15-01-2025, Processo 01750/22.6BEPRT, considerando que o ato de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respetivo regime fiscal, sendo através desse ato que a administração fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse benefício.
[2] Acentuando-se, assim, a necessidade da prática de dois atos distintos, porque, também, as fontes das correspondentes obrigações são distintas.
[3] In Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF n.º 362, pp. 278.
[4] JORGE LOPES DE SOUSA, comentando o artigo 65.º do CPPT, que atualmente consagra o regime do "reconhecimento" dos benefícios fiscais - antes consagrado no EBF, artigos 14.º a 16.º, revogados pelo artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, que aprovou o CPPT - dá como exemplo de benefícios fiscais automáticos, em IRS, os relativos à deficiência fiscalmente relevante e à propriedade intelectual. A aplicação automática destes benefícios resulta sempre da indicação, no primeiro caso, do grau de deficiência, no segundo, na inscrição em campos adequados, dos respetivos rendimentos. Isto significa que os denominados "benefícios automáticos" não dispensam, na generalidade dos casos, o impulso ou a iniciativa do contribuinte.
[5] Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais nos Impostos sobre o Património, Almedina, 2014, p. 73, referindo no mesmo sentido, Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF, n.º 362, 1991, pp.277, 278.
[6] Cf. Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais (….), ob cit, p. 74.
[7] Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Almedina, 2022, págs. 75-76
[8] No mesmo sentido, o Ac. do STA de 15-01-2025, no Processo 01750/22.6BEPRT.