SUMÁRIO:
I – O n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF impede a aplicação deste benefício fiscal nos casos nele tipificados, tendo uma natureza de norma anti-abuso, pretendendo obviar a situações de duplicação do benefício da RCCS, em casos de participações societárias em cascata, garantindo que o incentivo seja usado apenas uma vez sobre os mesmos montantes de capital (os mesmos fundos), em vários níveis de participação, com o objectivo de que o benefício seja aplicado apenas quando exista uma efectiva capitalização da empresa que o utiliza, o que não ocorre se os mesmos fundos forem utilizados para proceder a dois ou mais aumentos de capital em cascata.
II- Não se entende como, nem ficou provado, que in casu tenha existido uma utilização em cascata dos fundos usados no aumento de capital da Requerente em 2020.
DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar este Tribunal Arbitral Singular, constituído em 11 de Junho de 2025, acorda no seguinte:
I – Relatório
A... S.A., sociedade anónima, com o número de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede em ..., ... ..., e pertencente à área do Serviço de Finanças de Mafra, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciação da legalidade do acto de Liquidação Adicional de Imposto Sobre as Pessoas Colectivas (“IRC”), com o nº n.º 2024..., datado de 13 de novembro de 2024, relativo ao ano de 2021, e respectiva liquidação de juros indemnizatórios, das quais resultou a demonstração de acerto de contas com o n.º 2024..., com o valor total a pagar de €29.934,99 e com data-limite de pagamento de 2 de Janeiro de 2025.
A Requerente procedeu ao pagamento do valor que resultou da referida demonstração de acerto de contas no montante total de € 29.934,99.
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 31 de Março de 2025 e aceite nos termos regulamentares aplicáveis, tendo a Requerente optado pela não designação de árbitro.
Por despacho de 23 de Maio de 2025 foi designada para árbitro a ora subscritora. Tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 11 de Junho 2025, foi comunicada às partes a Constituição Tribunal Arbitral.
Por despacho de 17 de Junho 2025, foi ordenada a notificação da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”) para apresentar a sua resposta, o que esta não fez. Juntou o processo administrativo, em 7 de Outubro de 2025, após ter sido notificada para o efeito, tendo essa junção do processo administrativo sido notificada à Requerente.
Por despacho arbitral de 23 de Setembro de 2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18º. do RJAT e notificadas as partes para apresentação de Alegações, querendo, no prazo de 16 dias sucessivos. A Requerente entendeu não apresentar Alegações, considerando a ausência de Resposta da Requerida. A Requerida apresentou Alegações a 7 de Setembro de 2025.
Posição da Requerente
Fundamenta, a Requerente, o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade anónima que pertencia, à data relevante dos factos, ao Grupo D... e que tem como atividade principal o fabrico e venda de produtos lácteos, nomeadamente queijos frescos, requeijão e queijos fatiados.
À data de 31 de Dezembro de 2018, o capital social da Requerente ascendia a € 2.500.000,00, detido na íntegra pela sua sócia única B..., SGPS, S.A. (“B...”). A 31 de Dezembro de 2019, o capital social da Requerente foi aumentado em € 2.500.000,00, em dinheiro, mediante a emissão de quinhentas mil novas ações no valor nominal de cinco euros cada uma, passando a cifrar-se em € 5.000.000,00.
Em 31 de Dezembro de 2019, a Requerente, detentora da totalidade do capital social na sociedade C..., realizou um aumento de capital na esfera desta última no montante de € 2.250.000,00, realizado em dinheiro e subscrito pela acionista, passando o respetivo capital a cifrar-se após o aumento em € 4.000.000,00.
Na declaração modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 2019, a Requerente não deduziu qualquer montante a título do benefício fiscal da Remuneração Convencional do Capital Social (“RCCS”).
A 13 de Agosto de 2020, a B... realizou um aumento de capital na esfera da Requerente no valor de € 2.000.000,00, passando o respetivo capital da Requerente a cifrar-se em € 7.000.000,00, composto por 1.400.000 ações com o valor nominal de € 5,00.
Em consequência, e por referência ao aumento de capital referido no ponto anterior, a Requerente considerou o montante dedutível de € 140.000,00 a título do benefício fiscal da RCCS.
Nos exercícios de 2019 e 2020, a C... e a Requerente não distribuíram quaisquer montantes, a título de dividendos ou de qualquer outra natureza, às respetivas acionistas – i.e., Requerente e B..., respetivamente.
No exercício de 2020, a Requerente não realizou qualquer aumento de capital nas suas subsidiárias.
Em 31 de Maio de 2022, a Requerente entregou a respetiva declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, por referência ao exercício de 2021, tendo deduzido, entre outros valores, € 140.000,00 a título do benefício fiscal da RCCS.
A 6 de Julho de 2024, a Requerente foi notificada do acto inspetivo, de âmbito parcial (IRC) e para o período de 2021, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2024... e veio a ser notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (“PRIT”) emitido pela AT, bem como para, querendo, exercer o seu direito de audição relativamente ao conteúdo do mesmo.
Nos termos do PRIT, a AT propôs, em suma, correções à matéria tributável de IRC no montante total de € 122.500,00, correcções que a AT converteu em definitivas no do Relatório de Inspeção Tributária, notificado à Requerente em 4 de Novembro de 2024.
De acordo com o RIT, na parte que aqui se contesta, a AT refere que: “para efeitos do aumento de capital da B... SGPS S A na A... SA, ocorrido em 2020, há que ter em consideração o aumento de capital efetuado pela A... SA na C... SA em 2019, na medida em que, por aplicação do disposto no nº 6 do artigo 41.º-A do EBF, o regime não se aplica quando no mesmo período ou nos cinco períodos de tributação anteriores tenha sido aplicado a sociedades que sejam participadas, direta ou indiretamente, pela sociedade beneficiária, na parte referente ao montante das entradas realizadas que haja beneficiado do regime, ou seja, no caso, em análise de € 2.000.000,00. Neste sentido, atendendo a que a C... SA aplicou a RCSS em 2019, então o montante das entradas de capital a considerar na esfera da A... SA será apenas de € 250.000,00 (€ 2.250.000,00 - € 2.000.000,00), por forma a evitar que o regime seja aproveitado relativamente aos mesmos montantes de capital.” A AT concluiu, assim, que “[…] o valor excedente considerado pelo sujeito passivo como benefício fiscal, € 122.500,00 (€ 140.000,00 - € 17.500,00) não é aceite fiscalmente pelo que deverá ser reduzido ao montante inscrito no campo 774 – Benefícios Fiscais, do quadro 07 da declaração de rendimentos, Modelo 22 do ano de 2021.”
E, em conformidade, a AT veio a emitir a liquidação adicional de IRC que aqui a Requerente vem contestar.
A Requerente não se conforma e não aceita as correções à matéria tributável de IRC levadas a cabo pela AT no montante total de € 122.500,00, resultante num montante de imposto e juros compensatórios de € 29.934,99, e que levou à emissão dos actos tributários sub judice, por enfermarem de vícios determinativos da sua ilegalidade, nos termos e com os fundamentos que em seguida apresenta.
Conforme previamente referido, a Requerente deduziu € 140.000,00 referente ao benefício fiscal da RCCS na respetiva declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2021, por aplicação da taxa de 7%, prevista no n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF, ao aumento de capital ocorrido em 2020 no montante de € 2.000.000,00.
Contudo, a AT refere no RIT que “[…] no ano de 2020, decorrente do aumento de capital, no ano de 2019, no montante de € 2.250.000,00 a sociedade B... SA já tinha beneficiado deste regime, pelo que, por aplicação do nº 6 do mesmo artigo, o montante das entradas a considerar pela A..., para efeitos de RCCS, é o remanescente do valor utilizado na sociedade C... SA, isto é, € 250.000,00 e, por conseguinte, o benefício fiscal será apenas de € 17.500,00.”
Ou seja, está em causa a aplicação do benefício fiscal da RCCS no exercício de 2021 e, muito concretamente, a aplicação da disposição anti-abuso específica prevista no n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF que prevê que o benefício fiscal da RCCS não é aplicável quando “(…) no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime.”
Entende a Requerente que se depreende, portanto, da norma supra que este benefício fiscal não poderá ser utilizado “em cascata”, ou seja, por exemplo, se determinada sociedade utiliza o benefício fiscal e esta mesma sociedade, detendo uma participação noutra, proceder também ao aumento de capital da sua subsidiária, esta segunda sociedade não poderá utilizar o benefício fiscal da RCCS na parte correspondente ao montante das entradas realizadas que hajam aplicado aquele benefício fiscal anteriormente.
Sem prejuízo, entende a Requerente que a norma específica anti-abuso vertida no n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF não tem aplicação in casu, porquanto o montante deduzido na esfera da Requerente, a título do benefício fiscal da RCCS, não se relaciona, direta ou indiretamente, com o aumento de capital verificado em 2019 na esfera da sociedade C..., conforme se demonstrará mais adiante.
A este respeito, é referido, ainda, que «[…] sempre que “O excessivo alcance da norma criado pela intenção anti-abusiva do legislador gera (…) um excesso de aplicação” cabe à Administração e muito especialmente aos tribunais proceder a uma interpretação restritiva como forma de impedir o excesso que constitui a aplicação da norma a todas as situações.
[…] Ou seja, essa presunção não pode ser entendida como absoluta ou jure et de jure, (artigo 350.º, nº 2 do Código Civil), mas, sim, entendida como passível de prova em contrário, sob pena de, através de um regime geral de tributação objectivamente centrado no combate à evasão e fraude fiscal, se atingir, como já dissemos, e ora repetimos, de forma ilegítima princípios estruturais do sistema fiscal e constitucionalmente consagrados, designadamente, e desde logo, o princípio da legalidade (não existe tributação sem facto tributário), da capacidade contributiva, da igualdade tributária, da legalidade e da justiça que o ordenamento jurídico-tributário não pode postergar por repugnar ao conceito de Estado de Direito.»
Deste modo, conclui-se que o n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF deve ser interpretado no sentido de que a presunção aí prevista não configura uma presunção absoluta ou jure et de jure, mas, sim, como presunção passível de prova em contrário, sob pena de se violar os princípios estruturais do sistema fiscal e constitucionalmente consagrados.
O artigo 73.º da LGT estipula que «[a]s presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.»
A norma em apreço, e muito concretamente a limitação prevista no seu n.º 6, não pode ser interpretada como absoluta no sentido de não poder ser ilidida a presunção aí prevista, quando seja provado que os fundos utilizados para aplicação do benefício fiscal da RCCS eram distintos.
Deste modo, deve considerar-se inconstitucional a norma contida no artigo 41.º-A, n.º 6, do EBF, na interpretação segundo a qual o benefício fiscal da RCCS, nunca se aplica quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do referido benefício.
A previsão da norma específica anti-abuso em apreço pretende combater apenas as situações de abuso e fraude à lei quando o benefício fiscal da RCCS é aplicado em mais do que uma entidade relacionada com recurso aos mesmos fundos.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se já no sentido da inconstitucionalidade de disposições fiscais que estabeleciam presunções inilidíveis, como sucedeu em relação à norma do artigo 14.º § 2 do Código do Imposto de Capitais, na redação do Decreto-Lei n.º 197/82, de 21 de Maio, que não permitia a ilisão da onerosidade dos mútuos feitos pelas sociedades a favor dos respectivos sócios (acórdão n.º 348/97), e à norma do artigo 26º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, na redação do Decreto-Lei nº 308/91, de 17 de Agosto, que consignava, nas transmissões por morte, não ocorrendo “arrolamento judicial dos mobiliários”, uma presunção sem admissão de prova em contrário da existência de uma determinada quota de “mobílias, dinheiro, joias, e mais objetos de uso pessoal ou doméstico”.
Esse entendimento tem sido também sufragado pela doutrina, considerando-se que essa técnica legislativa, movida por legítimas preocupações de simplificação e de praticabilidade das leis fiscais e de combate à evasão e fraude fiscais, «tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto» (cf. Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, 1998, pág. 498).
O Tribunal Constitucional, propendendo para a inconstitucionalidade desse tipo de normas e para a inaceitabilidade de presunções inilidíveis no Direito Fiscal, aponta ao legislador fiscal como limite a consagração de presunções ilidíveis com o consequente direito (e ónus) do sujeito passivo de provar a falta de fundamento, no seu caso, da presunção.
Ora, face ao enquadramento factual descrito supra, não podem restar quaisquer dúvidas de que o artigo 41.º-A, n.º 6, do EBF configura uma norma anti-abuso específica e que encerra em si uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário.
Nestes termos, a interpretação que a AT faz do n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF, segundo a qual a mesma constitui uma norma anti-abuso inilidível, viola o artigo 73.º da LGT e, bem assim, os princípios constitucionais ínsitos no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, designadamente os princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal e, bem assim, o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP.
Ora, como anteriormente referido, o n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF visa que o benefício fiscal da RCCS não seja utilizado pelos sujeitos passivos “em cascata”, isto é, impedir a utilização do benefício fiscal entre entidades relacionadas com recurso aos mesmos fundos, através da sua capitalização artificial, i.e., sem que haja uma efetiva capitalização das sociedades, através do aumento do capital social em dinheiro sucessivo daquelas entidades.
Ou seja, o legislador tributário com a introdução daquela norma anti-abuso específica não pretendeu vedar a aplicação do benefício fiscal da RCCS a toda e qualquer situação aí prevista, mas salvaguardar apenas as situações de abuso fiscal em que determinada sociedade beneficia da aplicação do benefício fiscal da RCCS e com esses mesmos fundos realiza subsequentemente uma operação de aumento de capital na sua subsidiária, permitindo que esta última aplique aquele benefício fiscal, através da sua capitalização artificial.
Como decorre da letra do próprio n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF, no caso de sociedades integrantes do mesmo grupo económico, a referida norma impede a utilização do benefício fiscal relativamente a entradas realizadas no capital social quando essas mesmas entradas já tenham sido consideradas elegíveis no apuramento do benefício em outras entidades relacionadas.
A contrario sensu, pode haver lugar à aplicação daquele beneficio por referência a entradas realizadas que não tenham estado na origem na aplicação daquele benefício fiscal na esfera de outras entidades relacionadas.
Contudo, se a proveniência dos fundos aplicados nos respetivos aumentos de capital não for a mesma, ou seja, se os fluxos que originam o aumento de capital forem independentes e autónomos, é forçoso concluir não estar vedada a aplicação do aludido benefício. Tudo porquanto neste último caso há lugar à capitalização de empresas - reforço de capitais próprios com dinheiro fresco, e não com dinheiro reciclado, evitando duplicação de rubricas contabilísticas em sociedades diferentes.
Importa salientar que a própria AT, através da informação vinculativa proferida no âmbito do processo n.º 2019 001485, também clarificou que a “ratio legis” daquela norma assenta no objetivo de afastar qualquer utilização múltipla do benefício fiscal no seio do mesmo grupo de sociedades com vista a incrementar indevidamente o montante do benefício em apreço sem que se verifique, na prática, a respetiva capitalização adicional, concluindo, naquele caso, que esta norma não visa limitar a aplicação do benefício fiscal entre sociedades irmãs, por ficar claro que «estão em causa fundos diferentes».
Aqui chegado, cabe demonstrar que o artigo 41.º-A, n.º 6, do EBF não tem aplicação in casu, porquanto o aumento de capital realizado na esfera da Requerente, em 2020, não se relaciona, como quer fazer crer a AT na sua tese erigida no RIT, direta ou indiretamente, com o aumento de capital na esfera da C... em 2019, por estarem efetivamente em causa fundos diferentes com proveniências distintas.
Primeiramente, importa destacar que o aumento de capital na Requerente foi realizado em 2020 e o aumento de capital na C... pela Requerente foi realizado no ano anterior (i.e., em 2019). Ou seja, numa primeira análise, a própria sucessão dos factos identificados pela AT no RIT faz depreender que não existiu a utilização dos mesmos fundos.
Se a Requerente realiza o aumento do capital na C... em 2019 e, em 2020, a B... realiza um aumento de capital na Requerente sem que tenha havido no hiato temporal entre aqueles dois atos qualquer fluxo financeiro entre a C... para a Requerente que comprove a transferência daquelas quantias e, por sua vez, desta última para a B..., é forçoso concluir que em nenhum cenário poderá argumentar-se que os fundos utilizados no aumento de capital na Requerente são os mesmos fundos que haviam sido utilizados para o aumento de capital na C... .
O valor do aumento do capital social realizado na esfera da Requerente em 2019 não foi aproveitado para o benefício fiscal da RCCS, porquanto a Requerente, consciente da disposição do n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF, utilizou esses mesmos fundos para realizar os aumentos de capital nas suas subsidiárias, designadamente na C..., nesse mesmo exercício.
Acresce que a Requerente não distribuiu dividendos à sua acionista em 2019 que pudessem vir a ser utilizados, em 2020, para realizar o aumento de capital da Requerente pela B... .
Fruto da operação de aumento do capital realizada na esfera da Requerente em 2020 pela B..., a Requerente deduziu € 140.000,00 referente ao benefício fiscal da RCCS, porquanto esses fundos não foram utilizados para realizar qualquer aumento de capital na esfera das suas subsidiárias, não se encontrando preenchidos os pressupostos para aplicação do n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF.
A Requerente, em 2020, não realizou qualquer aumento de capital em nenhuma das suas subsidiárias que tenha como fonte capital seu aumentado pela sócia B... e que, como tal, tenha constituído entrada realizada que tenha beneficiado do RCSS – nas palavras do artigo 41º-A, n.º 6 EBF.
Ou seja, deve considerar-se que ficou amplamente demonstrado, sem margem para qualquer dúvida razoável, que os fundos utilizados para a operação de aumento do capital social da Requerente em 2020 em nada se relacionam, direta ou indiretamente, com o aumento do capital social da C... ocorrido em 2019. Nesta conformidade, constitui entendimento da Requerente que não foi demonstrada a verificação dos pressupostos legalmente previstos para que possa ser aplicada, in casu, a cláusula específica anti-abuso, prevista no artigo 41º.-A, n.º 6 do EBF
Acresce que, conforme acima referido, a Requerente procedeu ao pagamento do montante total de € 29.934,99, decorrente da liquidação adicional de IRC e respetivas liquidações de juros compensatórios, da quais resultaram as demonstrações de acerto de contas acima identificada.
Contudo, conforme ficou demonstrado pela Requerente, as liquidações supra identificadas e postas em crise, são manifestamente ilegais.
Assim, considera a Requerente ter direito ao recebimento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor pago indevidamente, no montante total de € 29.934,99, computados desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito.
Posição da Requerida
A Requerida, por sua vez, defende a sua posição como segue.
A liquidação adicional de IRC sub judice resulta da correção efetuada pelos SIT da DF de Lisboa no âmbito do procedimento de inspeção tributária interno realizado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2024..., referente à dedução indevida ao resultado líquido para efeitos de apuramento do resultado tributável, efetuada pela A..., na declaração de rendimento Modelo22, campo 774 do Quadro 07, no montante de 140.000,00 €, a título de benefício fiscal por Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS), na medida em que não teve em conta a limitação decorrente da norma constante no n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF.
Após leitura e análise da matéria objeto do pedido de pronúncia arbitral, do Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da DF de Lisboa, entende a Requerida que não há razões para anular o ato de liquidação impugnado supra identificado.
No caso em apreço, continua a Requerida, a RCCS (remuneração convencional do capital social) era um incentivo fiscal, que visava estimular a capitalização das empresas com capitais próprios, em vez de recorrerem a financiamento externo. O benefício, que se traduzia numa dedução de 7% sobre o valor das entradas em dinheiro, podia ser utilizado no exercício em que a entrada ocorria e nos cinco períodos de tributação seguintes, com um limite de dedução de 2 milhões de euros por aumento de capital, como está previsto no n.º 1 do artigo 41.º-A do EBF (Revogado pela Lei n.º 24-D/2022 - 30/12), em vigor à data dos factos:
“1 – Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que:
a) (Revogada);
b) (Revogada);
c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
d) A sociedade beneficiaria não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes.
(…)
6 - O regime previsto no presente artigo não se aplica quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime. (Aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).”
Constata-se, assim, que aquele n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF, estabelece uma limitação à aplicação deste benefício, determinando que este não deve ser aplicado quando “no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime.”
Entende a Requerida que, de forma expressa, a letra da lei (n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF) impede a aplicação deste benefício fiscal nos casos nela tipificados, obviando situações de duplicação do benefício da RCCS, em casos de participações societárias em cascata, garantindo que o incentivo seja aplicado apenas uma vez sobre os mesmos montantes de capital, em vários níveis de participação.
No ano de 2019 a A... aumentou o capital da participada a 100%, C... (NIF...) no montante de € 2.250.000,00, tendo esta sociedade aplicado o benefício fiscal da RCCS, como se pode ver no campo 409 do quadro 04 do anexo D, e campo 774 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 (...), o montante de € 140.000,00, referente a 2019, entregue pela C... em 23.07.2020;
No ano de 2020, a única acionista da Requerente, a B..., SGPS S.A. NIF..., aumentou o capital da A... (Requerente) no montante de € 2.000.000,00;
No período de tributação em análise de 2021, a A... declarou no campo 409 do quadro 04 do anexo D, e campo 774 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 (..., o montante de 140.000,00 €, a título de benefício fiscal por RCCS, previsto no artigo 41º-A do EBF.
A A... é detida a 100% pela B... SGPS S A;
A C... é detida a 100% pela A..., pelo que se infere que a B... SGPS S A, participa diretamente no capital da A... e indiretamente no capital da C... .
Posto isto, entendemos que, tendo a C..., no período de tributação de 2020, deduzido no campo 409 do quadro 04 do anexo D, da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, o montante de € 140.000,00, por aplicação do disposto no n.º1 do artigo 41.º-A do EBF, não pode a Requerente, em 2021 usufruir do mesmo benefício, porquanto, e conforme limitação legal expressa no n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF, a aplicabilidade do presente regime determina que, em sociedades que sejam participadas diretamente ou indiretamente pela mesma sociedade, TENDO UMA DELAS JÁ BENEFICIADO DO PRESENTE REGIME (no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores), no caso a sociedade totalmente detida pela Requerente, a C... com o NIF ..., usufruiu deste beneficio fiscal desde 2019, a outra (a Requerente) apenas poderá beneficiar, na parte das entradas realizadas no capital social que a primeira não tenha beneficiado.
Deste modo, tendo em conta o montante das entradas de capital a considerar na esfera da Requerente era de apenas 250.000,00 € (=2.250.000,00 € - 2.000.000,00 €) de forma a evitar que o regime seja aproveitado relativamente aos mesmos montantes, sendo de considerar um benefício de 17.500,00 € (=250.000,00 x 7%).
Em resumo, o valor excedente considerado pela Requerente como benefício fiscal, ascende a 122.500,00 € (140.000,00 € - 17.500,00 €) que não sendo aceite fiscalmente deverá ser deduzido ao montante inscrito no campo 774 – Benefícios Fiscais, do quadro 07 da declaração de rendimentos, Modelo 22 do período de tributação de 2021, conforme correção legalmente efetuada pelos SIT.
No caso concreto, a liquidação impugnada de IRC resultou de uma ação inspetiva, de âmbito parcial em sede de IRC, ao ano de 2021, sendo inequívoco que a Requerente tomou conhecimento do relatório final inspetivo, designadamente das correções aritméticas relativas a IRC no montante de € 122.500,00 relativo ao Benefícios Fiscal da Remuneração Convencional do Capital Social. (cfr. MAPA, ponto I.1. do RIT).
Quer no próprio relatório, quer na comunicação de tal relatório foi a Requerente informada de que “Nesse sentido, para efeitos de concretização da correção vai ser elaborado o correspondente Documento de Correção (DC), em sede de IRC para efeitos de apuramento da liquidação adicional.” (ponto X do RIT).
E na respetiva notificação: “Fica por este meio notificado das correções efetuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, que resultaram da ação de inspeção levada a cabo por estes Serviços Inspetivos, ao abrigo da Ordem de Serviço OI2024... emitida para o ano/exercício/periodo(s) de 2021”.
Ora, a fundamentação consta quer do Projeto de Relatório Inspetivo (notificação efetuada a 14/10/2024), quer do RIT, o qual foi notificado à Requerente em 10.11.2024 (vide SECINNE, entregue na caixa postal eletrónica do ViaCTT em 05.11.2024, e considerado notificado em 10.11.2024), fundamentação expressa através de uma exposição clara dos fundamentos de facto e de direito das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo, nomeadamente no Capítulo V.1. IRC - V.1.1 - Benefícios Fiscais – Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS - artigo 41.º-A”) que permitem a qualquer destinatário a compreensão das razões de facto e de direito das referidas correções.
Neste caso, a Requerente claramente demonstra, ao longo do seu PPA, conhecer as razões na base da correção, ainda que com elas não concorde e das razões de facto e de direito na base da decisão da AT de proceder à liquidação adicional em crise, pelo que entendemos que a AT cumpriu o dever de fundamentação que sobre si impende.
Em face do exposto, são manifestamente improcedentes os argumentos aventados pela Requerente, devendo manter-se a liquidação de IRC referente ao período tributário de 2021, porquanto nenhuma ilegalidade lhe pode ser assacada.
Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, em nosso entender, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no Art.º 43.º da LGT.
II – Saneamento
O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.
Não foram alegadas exceções e o processo não enferma de nulidades.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Matéria de Facto
Com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
Factos Provados
i) A Requerente é uma sociedade anónima que pertencia, à data relevante dos factos, ao Grupo D... e que tem como atividade principal o fabrico e venda de produtos lácteos, nomeadamente queijos frescos, requeijão e queijos fatiados.
ii) À data de 31 de Dezembro de 2018, o capital social da Requerente ascendia a € 2.500.000,00, detido na íntegra pela sua sócia única B..., SGPS, S.A. (“B...”).
iii) A 31 de Dezembro de 2019, o capital social da Requerente foi aumentado em € 2.500.000,00, em dinheiro, mediante a emissão de quinhentas mil novas acções no valor nominal de cinco euros cada uma, passando a cifrar-se em € 5.000.000,00.
iv) Em 31 de Dezembro de 2019, a Requerente, detentora da totalidade do capital social na sociedade C..., realizou um aumento de capital na esfera desta última no montante de € 2.250.000,00, realizado em dinheiro e subscrito pela acionista, passando o respetivo capital a cifrar-se após o aumento em € 4.000.000,00.
v) Na declaração modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 2019, a Requerente não deduziu qualquer montante a título do benefício fiscal da Remuneração Convencional do Capital Social (“RCCS”).
vi) A 13 de Agosto de 2020, a B... realizou um aumento de capital na esfera da Requerente no valor de € 2.000.000,00, passando o respetivo capital da Requerente a cifrar-se em € 7.000.000,00, composto por 1.400.000 ações com o valor nominal de € 5,00.
vii) Em consequência, e por referência ao aumento de capital referido no ponto anterior, a Requerente considerou o montante dedutível de € 140.000,00 a título do benefício fiscal da RCCS.
viii) Nos exercícios de 2019 e 2020, a C... e a Requerente não distribuíram quaisquer montantes, a título de dividendos ou de qualquer outra natureza, às respetivas acionistas – i.e., Requerente e B..., respetivamente.
ix) No exercício de 2020, a Requerente não realizou qualquer aumento de capital nas suas subsidiárias.
Factos não Provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada
Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no que consta do processo administrativo, pelo que alguns factos também se podem considerar provados por acordo das partes, conforme resulta do alegado pela Requerente em sede de requerimento inicial e do que consta do processo administrativo, face à ausência de resposta da AT.
Matéria de Direito
No que concerne ao regime da RCCS, a lei refere o seguinte:
“Artigo 41.ºA: Remuneração convencional do capital social
1 - Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português, pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de 7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que:
(…)
c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
d) A sociedade beneficiaria não reduza o seu capital social com restituição aos sócios, quer no período de tributação em que sejam realizadas as entradas relevantes para efeitos da remuneração convencional do capital social, quer nos cinco períodos de tributação seguintes. (redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
2 - A dedução a que se refere o número anterior:
a) Aplica-se exclusivamente às entradas efetivamente realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária, às entradas em espécie realizadas no âmbito de aumento do capital social que correspondam à conversão de créditos em capital, e ao aumento de capital com recurso aos lucros gerados no próprio exercício, desde que, neste último caso, o registo do aumento de capital se realize até à entrega da declaração de rendimentos relativa ao exercício em causa; (redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).
b) É efetuada no apuramento do lucro tributável relativo ao período de tributação em que sejam realizadas as entradas mencionadas na alínea anterior e nos cinco períodos de tributação seguintes; (redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
c) Apenas considera as entradas em espécie correspondentes à conversão de suprimentos ou de empréstimos de sócios realizadas a partir de 1 de janeiro de 2017 ou a partir do primeiro dia do período de tributação que se inicie após essa data, quando este não coincida com o ano civil; (redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
d) Apenas considera as entradas em espécie correspondentes à conversão de créditos de terceiros realizadas a partir de 1 de janeiro de 2018 ou a partir do primeiro dia do período de tributação que se inicie após essa data, quando este não coincida com o ano civil. (redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
(,,,)
6 - O regime previsto no presente artigo não se aplica quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime. (Aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).
No caso sub judice, a norma que foi aplicada para sustentar a liquidação adicional de IRC, e que é contestada pela Requerente, foi o nº 6 do artigo 41-A, acima transcrito. A norma vem estabelecer que o regime previsto no artigo 41º-A não se aplica quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, (…) na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime. (Aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).
Ora, este nº 6 do artigo 41º-A tem a natureza de norma anti-abuso, excluindo da aplicação do benefício uma situação considerada como abusiva pelo legislador.
Contudo, é este o ponto de discórdia entre Requerente e Requerida: que interpretação dar a este nº 6; que situações tem por objectivo abranger.
O RCCS foi introduzido como benefício fiscal no artigo 41.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, com o objetivo de incentivar a capitalização das empresas através de capitais próprios, reduzindo a dependência de financiamento por dívida.
No pedido de informação prévia 23919, de Dezembro de 2022, a AT vem esclarecer o seguinte:
“Salienta-se que, com a entrada em vigor da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, foram introduzidas alterações substanciais ao benefício regulado no artigo 41.º-A do EBF, que passou a estar disponível para todas as empresas, independentemente da sua dimensão ou da qualificação jurídica dos participantes no capital (anteriormente apenas as entradas efetuadas pelos sócios pessoas singulares, sociedades de capital de risco ou investidores de capital de risco eram elegíveis). Por este motivo, foi introduzida uma limitação à utilização deste regime quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham, direta ou indiretamente, uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime (n.º 6 do referido artigo). A intenção desta norma é evitar que, através de um esquema de participação em cascata, o regime seja aproveitado em relação aos mesmos montantes, em vários níveis de participação, com utilização abusiva do regime. Trata-se, assim, de uma norma que impede a utilização em cascata, ou a utilização múltipla, no mesmo grupo de sociedades, do benefício sobre o mesmo montante de capital.
Ora, introduzindo o artigo 41º-A um benefício fiscal que visou incentivar a capitalização das empresas com fundos próprios, sem recurso a terceiros, o seu nº 6 pretende evitar uma utilização abusiva do mesmo.
E o que se poderá entender ser uma utilização abusiva do mesmo? Um único montante de dinheiro dar origem a dois ou mais aumentos de capital em cascata, não se podendo aqui entender que ocorreu a capitalização de duas ou mais empresas. Ainda que o capital social de todas tenha aumentado, a verdade é que os fundos, que são o instrumento efectivo da capitalização, passariam de uma empresa para outra, servindo apenas possivelmente de instrumento de capitalização verdadeiro numa delas.
Assim, para que seja possível a aplicação da norma anti-abuso, é então preciso fazer prova de que os mesmos fundos foram então usados em mais do que uma sociedade para aumento do seu capital social e posterior aproveitamento do benefício da RCCS.
Voltemos ao caso concreto.
A 31 de Dezembro de 2019, o capital social da Requerente ascendia a € 2.500.000,00 e foi aumentado em € 2.500.000,00, em dinheiro, pela sua accionista única (B...) mediante a emissão de quinhentas mil novas acções no valor nominal de cinco euros cada uma, passando a cifrar-se em € 5.000.000,00.
Em 31 de Dezembro de 2019, a Requerente, detentora da totalidade do capital social na sociedade C..., realizou um aumento de capital na esfera desta última no montante de € 2.250.000,00, realizado em dinheiro e subscrito pela acionista, passando o respetivo capital a cifrar-se após o aumento em € 4.000.000,00.
Ora, em 2019 poderíamos considerar que a Requerente teria utilizado os fundos do aumento de capital que foi efectuado pela sua accionista para realizar o aumento de capital na sua subsidiária C... . E, com isso, efectuar a tal utilização “em cascata” do benefício da RCCS.
Não obstante, isso não aconteceu. Na modelo 22 relativa a esse exercício apenas a subsidiária C... utilizou o referido benefício, não tendo a Requerente deduzido qualquer valor a esse título, pelo que não se pode concluir ter havido a referida utilização abusiva.
A 13 de Agosto de 2020, a B... realizou um novo aumento de capital na esfera da Requerente no valor de € 2.000.000,00, passando o capital social da Requerente para € 7.000.000,00. Foi relativamente a este aumento de capital que a Requerente entendeu utilizar o benefício da RCCS, utilização essa que veio a ser questionada pela AT e que deu origem à liquidação adicional sub judice.
Ora, o argumento da Requerida é a já referida norma contida no nº 6 do artigo 41º-A do EBF, o qual, segundo a Requerida “ (…) estabelece uma limitação à aplicação deste benefício, determinando que este não deve ser aplicado quando “no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, o mesmo seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante das entradas realizadas no capital social daquelas sociedades que haja beneficiado do presente regime.”
Na forma como aplica a norma a Requerida parece ignorar o tema de que o abuso a que se pretende obviar é a utilização dos mesmos fundos no aumento de capital de duas ou mais empresas no mesmo grupo e, dessa forma, beneficiar da dedução de RCCS mais do que uma vez com base nos mesmos fundos, não existindo assim a pretendida capitalização de cada uma das empresas que utiliza o benefício.
E a Requerida ignora este facto, muito embora nas alegações refira: “…. a letra da lei (n.º 6 do artigo 41.º-A do EBF) impede a aplicação deste benefício fiscal nos casos nela tipificados, obviando situações de duplicação do benefício da RCCS, em casos de participações societárias em cascata, garantindo que o incentivo seja aplicado apenas uma vez sobre os mesmos montantes de capital, em vários níveis de participação.”
Ora, no caso sub judice, no aumento ocorrido em 2020 na Requerente não se vê que se possa fazer a conexão de que os fundos em questão foram usados para aumentar o capital da subsidiária no ano anterior, em 2019.
Conforme referido, ainda que não provado, poderia considerar-se que os fundos do aumento de capital efectuado na Requerente em 2019, tivessem sido usados para no mesmo dia aumentar o capital da sua subsidiária. Mas, nesse ano, apenas uma das entidades, a subsidiária, utilizou o benefício pelo que não existe duplicação.
Portanto, não se vê como e não se considera provado, que tenha existido uma utilização em cascata dos fundos (€2.000.000,00) usados pela B... no aumento de capital da Requerida em 2020. E foi apenas relativamente a este aumento de capital que a Requerente utilizou o benefício da RCCS.
Pelo que se entende que a AT não teria base legal para aplicação do nº6 do artigo 41-A à situação concreta, pelo que a liquidação adicional de IRC sub judice enferma de ilegalidade.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do acto de liquidação adicional de IRC nº 2024..., datado de 13 de novembro de 2024, relativo ao ano de 2021, e respectiva liquidação de juros indemnizatórios, das quais resultou a demonstração de acerto de contas com o n.º 2024..., com o valor total a pagar de €29.934,99;
b) Condenar a Requerida a reembolsar à Requerente o montante de imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, a contar da data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito (Cfr. artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de €29.934,99, que não foi contestado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 que ficam a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Porto, 5 de Dezembro de 2025
O Árbitro
Maria Antónia Torres