Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 287/2025-T
Data da decisão: 2025-12-02   Outros 
Valor do pedido: € 162.881,69
Tema: Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) – Natureza jurídica - Competência dos tribunais arbitrais em razão da matéria - Inconstitucionalidade
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SUMÁRIO:

1.              A CESE para o ano de 2022 reveste a natureza jurídica de imposto, considerando as alterações legislativas operadas no regime instituído pelo artigo 228º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro de 2013, pela Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro de 2018.

2.              Nesta conformidade, o Tribunal Arbitral dispõe de competência material para decidir o litígio em apreço, pois a competência dos tribunais arbitrais do CAAD, em matéria tributária, abrange a apreciação de pretensões relativas a impostos administrados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 2º do RJAT). 

3.              O artigo 2º, alínea k) do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o nº 1 do artigo 3º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que em 1 de Janeiro de 2022 sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, viola o artigo 13º da CRP.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I - RELATÓRIO 

1. No dia 24 de março de 2025, A..., S.A. com o NIPC nº...,  com domicílio fiscal no ..., ...,  ..., ..., ...-...  ... (doravante, abreviadamente, designada por Requerente), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), peticionando a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e, em consequência, da autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) no montante de €162.881,69, relativa ao ano de 2022.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (AT).

 

1.1. Do Pedido

A Requerente formula o seu pedido nos seguintes termos:

“Nestes termos, e nos demais de direito que V.a Exa doutamente suprirá, requer a V. Exa que se digne a julgar totalmente procedente o presente p.p.a., por fundado e provado, e em consequência que V. Exa. se digne a:

i.anular a (auto) liquidação contestada com base em todos os vícios acima elencados, com as devidas consequências legais, e;

ii. reconhecer à Requerente o direito a juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 100.º da LGT.”

 

1.2. Da tramitação do processo.

No dia 26/03/2025, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 24/03/2025, foi aceite e automaticamente comunicado, e, expressamente à AT, em 31/03/2025.

A Requerente apresentou o pedido e pronúncia arbitral (PPA) assinado e com a indicação do valor da utilidade económica do processo, juntando procuração, comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem e seis documentos.

Em 21/04/2025, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, em 16/05/2025, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16/05/2025, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 03/06/2025.

Em 03/06/2025, o Tribunal Arbitral proferiu o despacho a que se refere o artigo 17º do RJAT, o qual foi notificado nesta data.

No dia 07/07/2025, a Requerida apresentou a sua Resposta defendendo-se por exceção e por impugnação, tendo procedido também à junção do processo administrativo (PA). 

Em 07/07/2025, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho, que foi notificado às Partes em 08/07/2025, dispensando a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e concedendo um prazo de vinte dias para alegações facultativas e simultâneas, podendo a Requerente responder à exceção alegada pela Requerida.

Em 17/09/2025, a Requerida apresentou as suas alegações reiterando a sua posição.

Em 17/09/2025, a Requerente apresentou as suas alegações reiterando a sua posição e respondeu à exceção deduzida pela Requerida.

 

B. PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

Para fundamentar a sua pretensão, alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

Com a apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral, (PPA) visa submeter à apreciação do douto Tribunal Arbitral a ilegalidade do ato de autoliquidação de Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) aqui impugnado, e cujo valor a Requerente pagou.

Entende a Requerente de que a autoliquidação sub judice padece de graves vícios de ilegalidade, por ser inconstitucional, o que determina a sua anulabilidade nos termos do artigo 163º do CPA, aplicável ex vi artigo 29º, alínea d), do RJAT.

Quanto à natureza jurídica da CESE no exercício de 2022, é inequívoco que esta assume natureza de imposto, entendimento partilhado não só pela Requerente, mas também pela doutrina mais autorizada e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional e dos demais tribunais superiores.

A qualificação da CESE como imposto tem relevância decisiva, desde logo na determinação dos parâmetros constitucionais que devem orientar a interpretação e aplicação do respetivo regime jurídico.

Os vícios que inquinam a autoliquidação contestada resultam do próprio regime da CESE, na medida em que as normas estruturantes deste regime violam os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação pelo lucro real, da tutela da confiança e da proporcionalidade, vícios esses que determinam a sua ilegalidade e consequente anulabilidade.

Sendo qualificada como um imposto para o ano de 2022, a CESE enquadra-se no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, pelo que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer do presente pedido.

Ainda que, por hipótese académica, a CESE fosse qualificada como contribuição financeira, a jurisprudência arbitral é pacífica em considerar que a competência do Tribunal se afere pela forma como o Autor configura a ação, e não pela qualificação jurídico-tributária prévia do tributo.

Face a tudo o exposto, entende a Requerente que a CESE de 2022 aqui em apreciação:

Deve ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), a norma do artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, na redação aplicável em 2022;

Deve ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva (artigo 13.º da CRP), a mesma norma, na parte em que determina a incidência sobre o valor dos elementos do ativo aí previstos;

Deve ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), a mesma norma, na redação aplicável em 2022;

Deve ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da CRP), a prorrogação da vigência da CESE para o ano de 2022, em conjugação com a referida norma do regime jurídico da CESE;

Deve ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), a norma constante do artigo 1.º, n.º 2, do regime da CESE, conjugada com o artigo 2.º, alínea k), na medida em que impõe um ónus fiscal desproporcional, destituído de qualquer correlatividade com uma prestação ou benefício, inexistente ou sequer previsível em 2022.

Assim, deve ser anulada a autoliquidação impugnada e reconhecido à Requerente o direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto indevidamente pago (€ 162.881,69).

 

C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por exceção e por impugnação, nos termos adiante indicados, em síntese, no que concerne à decisão da causa:

 

Por exceção

Invocou a incompetência do presente Tribunal Arbitral, considerando que a CESE uma vez que a qualifica juridicamente como contribuição financeira, não tendo a evolução normativa verificada a virtualidade de alterar a sua qualificação jurídica.

A Requerida afirma que a sua posição tem como suporte decisões quer dos tribunais arbitrais, quer dos Tribunais Superiores do nosso ordenamento jurídico, máxime do Tribunal Constitucional que assim a qualificaram.

A Requerida cita e transcreve vária jurisprudência, alegando que todos os considerandos feitos pelo Tribunal Constitucional, não obstante concernentes a outros sujeitos passivos valem, mutatis mutandis, para os sujeitos passivos da alínea k) do art.º 2.º do mesmo Regime, na qual se inclui a aqui Requerente.

Com efeito, muito embora, a Requerente, na qualidade de sociedade dedicada à atividade de comércio por grosso de petróleo bruto e dos produtos derivados da sua transformação, nomeadamente, combustíveis líquidos ou gasosos (gasolina, gasóleo, fuelóleo, butano, propano, etc.), pretenda colocar-se à margem de qualquer benefício resultante da redução da dívida tarifária da do SEN através da aplicação da receita obtida com a CESE, como argumento de ausência de bilateralidade ou sinalagmaticidade para a subsunção do tributo no conceito de imposto, 

Ora, no enquadramento legal da CESE vigente no ano de 2022 subsistem como finalidades desta contribuição o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental e a redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e a sua afetação ao Fundo Ambiental produz efeitos que beneficiam não só os sujeitos passivos que se dedicam à atividade electroprodutora do SEN, mas também os sujeitos passivos que exercem atividade no âmbito armazenagem, aprovisionamento e distribuição de combustíveis derivados de petróleo, como a aqui Recorrente.

 

A evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional concorre, pois, para concluir que também a Requerente, atento o exercício da atividade de comércio grossista de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro), se encontra integrada no grupo homogéneo composto pelos subsetores do sector energético e pode ser considerada responsável e beneficiária das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar, pelo que a norma de incidência subjetiva prevista no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2022 pelo art.º 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro, a CESE manteve-se em vigor para o ano de 2022). 

 

Em suma, entende a Requerida que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo de uma forma sistemática a qualificar a CESE como uma contribuição financeira

 

A Requerida afirma que considerando o âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, por força do disposto no RJAT (artigos 2.º e 4.º) e na Portaria de Vinculação (artigo 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT e, sendo a espécie tributária da CESE qualificada como contribuição financeira (e não um imposto), não se encontra este Tribunal Arbitral não tem competência material.

 

Da Defesa por Impugnação

Relativamente à vinculação da Requerida ao princípio da legalidade afirma o seguinte:

Nos presentes autos, importa realçar, como resulta do peticionado, que está em causa o propósito de desaplicação do regime da CESE pela sua alegada ilegalidade/inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos ou a sua não aplicação face da condição subjetiva da Impugnante.

Ora, determina o n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, encontrando-se tal princípio concretizado no n.º 1 do art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que estabelece que: «os órgãos da Administração pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos»; conforme reconhecido pela doutrina, que cita.

Assim, a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos. 266º n.º 2 da CRP, 3º n.º 1 do CPA e 55º da Lei Geral Tributária (LGT).

Daqui resulta que, não caberá à AT questionar a aplicação de uma norma dimanada de um órgão de soberania, sendo que, encontrando-se a(s) norma(s) legal(is) que instituem e regulamentam a CESE vigentes no ordenamento jurídico nacional (ao qual a AT se encontra vinculada), mais não restaria à AT senão aplicá-la, não podendo tal aplicação acarretar qualquer ilegalidade do ato de liquidação.

Donde se conclui que a pretensão aduzida pela Requerente colide com os poderes da Requerida e com a sua vinculação à lei e à Constituição, na medida em que a apreciação por parte da ora impugnada acerca da ilegalidade/inconstitucionalidade que vem invocada implicaria a violação clara e objetiva dos preceitos legais referidos e a violação da própria Constituição.

No que toca à suscitada inconstitucionalidade da norma cumpre dizer o seguinte:

A Requerida afirma também que há decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional que analisaram o regime jurídico da CESE, globalmente considerado, tendo decidido pela não inconstitucionalidade do mesmo. Por outro lado, outras decisões do Tribunal Constitucional incidiram sobre disposições especificas do regime jurídico da CESE.

E aqui sim, há efetivamente decisões que julgaram algumas alíneas do artigo 2.º do RJCESE inconstitucionais, mas, sem ter sido declarada em nenhuma das decisões a inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Posto isto, da jurisprudência constitucional e do STA resulta evidente a impossibilidade de acolher o argumento da Requerente no sentido de subsumir a CESE como imposto, pelo que o regime da CESE não belisca o princípio da capacidade contributiva, como concretização do princípio da igualdade, nem com o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, nem com os princípios da confiança e da proporcionalidade, invocados pela Impugnante no seu PPA.

Este tributo, de valor extremamente significativo, teria de continuar a ser gerido pelo SEN até ao seu pagamento integral, sinalizando-se a presença e persistência do problema transitório e excecional no contexto do grande setor energético a cuja assistência o FSSSE está adstrito por via estatutária. Cfr. Ponto 12. do Acórdão n.º 65/2025, da 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional, de 23-01-2025, no âmbito dos Autos de Recurso n.º 495/24.

E, no que se refere à violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva há que referir que se trata de princípios que não se aplicam às contribuições, como dita a doutrina e jurisprudência.

Atento o supra exposto, o artigo 2.º alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), não é violadora do disposto no artigo 13.º da CRP. 

Portanto, é insofismável à luz da evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional que a CESE configura uma verdadeira contribuição financeira, não violando quaisquer princípios constitucionais, o regime que sujeita a CESE os operadores titulares de licenças de exploração de centros electroprodutores com recurso a fontes renováveis que integram o Sistema Elétrico Nacional, onde o Requerente se insere.

Pelo que a decisão ora colocada em crise pela Requerente não merece qualquer censura, devendo, por isso, permanecer incólume na ordem jurídica.

Quanto ao pedido de Juros indemnizatórios, a Requerida defende que não são devidos juros indemnizatórios, atendendo ao disposto no n.º 1 do art.º 43º da LGT 

Entende que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, do qual tenha resultado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

Pelo exposto, a Requerente não comprovou ter procedido ao pagamento de CESE num valor superior ao devido, não estando reunidos os pressupostos para a condenação da AT no reembolso do valor de CESE liquidado e pago, nem no pagamento de juros indemnizatórios.

Tudo sem descurar, que, como ficou contestado, também não existe qualquer erro de facto e ou de direito nas autoliquidações aqui em crise.

Assim, o valor pago pela impugnante a título de CESE era devido e foi pago corretamente, do que resulta a impossibilidade de este pedido proceder.

Nestes termos, deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção de incompetência material do CAAD, a qual dá lugar à absolvição da instância da Requerente;

Caso assim não se entenda, deve o pedido ser julgado improcedente por falta de sustentação legal.

 

D. RESPOSTA DA REQUERENTE À MATÉRIA DE EXCEÇÃO

A Requerida argui a exceção de incompetência material do tribunal arbitral, com fundamento na qualificação da CESE como contribuição financeira e não como imposto, defendendo que, por essa razão, o litígio se encontra fora do âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação.

A Requerente começa por se debruçar sobre a qualificação jurídica da CESE. O argumento central da Requerida é o de que a CESE não configura um imposto, mas sim uma verdadeira contribuição financeira, estando, por isso, fora do escopo da arbitragem tributária ao abrigo do RJAT, que a Requerente rejeita.

Com efeito, o entendimento da Requerida afigura-se como incorreto por duas razões em particular: (i) em primeiro lugar, a CESE, após as alterações ocorridas ao seu regime jurídico em 2018, deve ser vista como um imposto; (ii) em segundo lugar, independentemente da qualificação da CESE como imposto ou não, o CAAD tem competência para apreciar o respetivo pedido de pronúncia arbitral. 

Conforme a Requerente teve oportunidade de demonstrar ao longo da reclamação graciosa e, bem assim, do pedido de constituição de tribunal arbitral, a CESE é, inequivocamente, desde 2018, qualificada como um imposto pelos tribunais nacionais, em particular, pelo Tribunal Constitucional.

A mudança jurisprudencial de paradigma deu-se graças às alterações promovidas na alocação de receita da CESE e respetiva discricionariedade, leia-se, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro.

Mas admitindo que o Tribunal arbitral tenha alguma dúvida a este respeito, valerá a pena recordar que, no Acórdão n.º 101/2023, proferido a 16 de março de 2023, o Tribunal Constitucional veio, pela primeira vez, admitir a inconstitucionalidade do regime da CESE para 2018, por violação do princípio da igualdade.

O argumento fundou-se na exigência da CESE a um subsetor que não era responsável pelo financiamento do deficit tarifário, qualificando-se, assim, como um imposto. 

E desde aí que se espoletou uma catadupa de decisões jurisprudenciais declarando a CESE, após 2018, como um imposto e motivando, assim, a declaração da sua inconstitucionalidade.

Logo de seguida, no Acórdão n.º 196/2024 o Tribunal Constitucional, declarou a inconstitucionalidade do tributo, fundamentando que este, na prática, evoluiu para a natureza de um imposto a partir de 2018, e seguiram-se outros acórdãos neste sentido, que enumera. 

Pelo que não existem dúvidas de que a CESE, após 2018, não pode mais ser qualificada como uma contribuição financeira, mas sim, como um imposto. 

A Requerida não, pode contrariar o óbvio: a CESE para 2022 é, também ela, concebida como um imposto para sujeitos passivos como a Requerente.

Passando para a incompetência material do CAAD, a Requerente afasta concretamente a exceção invocada pela Requerida: de incompetência material do CAAD para apreciar contribuições financeiras

Concluindo que a qualificação jurídica da CESE enquanto imposto ou contribuição é questão de mérito a ser apreciada pelo Tribunal arbitral, e não pode ser erigida em critério de admissibilidade processual. 

O Tribunal arbitral é, assim, materialmente competente para conhecer da legalidade dos atos cuja legalidade se encontra a ser sindicada no âmbito do presente processo arbitral, devendo julgar improcedente a exceção de incompetência material invocada pela Requerida e, em consequência, admitir a presente ação arbitral para apreciação do mérito da causa, nos exatos termos em que foi configurada pela Requerente.

 

E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS 

O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

O processo não enferma de nulidades.

Em virtude de ter sido deduzida exceção pela Requerida, relativa à competência do presente Tribunal Arbitral, em razão da matéria, impõe-se o conhecimento prioritário da mesma.

 

II. DECISÃO

A.            MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos provados

Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

a)A Requerente é uma operadora do setor do transporte, distribuição e comercialização por grosso e a retalho de biodiesel e seus derivados, incluindo a gestão de áreas destinadas a serviços de comercialização de combustíveis, lubrificantes e outros serviços a automobilistas, comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor. 

b)A Requerente tem como código de atividade empresarial o 46711, referente ao comércio por grosso de produtos petrolíferos, que compreende “o comércio por grosso de petróleo bruto e dos produtos derivados da sua transformação, nomeadamente, combustíveis líquidos ou gasosos (gasolina, gasóleo, fuelóleo, butano, propano, etc.), óleos, massas lubrificantes, bases petroquímicas (ex: nafta), betumes e vaselinas”. 

c) Em 26 de outubro de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação deste imposto através da apresentação da Declaração Modelo 27, referente ao exercício de 2022, de acordo com os artigos. 2ª e 7º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

d)A Requerente apurou um valor de CESE a pagar de €162.881,69, tendo procedido ao seu pagamento.

e)A Requerente apresentou, no dia 25 de outubro de 2024, reclamação graciosa contra a autoliquidação a que foi atribuído o n.º ...2024... .

f)A 3 de dezembro de 2024, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento referente à reclamação graciosa por si deduzida.

g)Através do ofício nº .../DJT/2024, datado de 23/12/2024, enviado por carta registada nessa data, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa da mesma data. (cfr. doc. 6 junto com o PPA).

h)A Requerente deduziu o Pedido de Pronúncia Arbitral em 24/03/2025.

 

A.2. Fundamentação da matéria de facto provada 

Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo, nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada, ou são reconhecidos pela Requerida na forma como elaborou a Resposta.

 

2.DO DIREITO

Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar.

As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas, em síntese, no Relatório desta Decisão Arbitral. 

As questões a decidir neste litígio resumem-se a este Tribunal Arbitral se pronunciar sobre se:

1. Este Tribunal Arbitral é competente para apreciar o pedido formulado pela Requerente, relativo à CESE para 2022.

2. No caso de se julgar competente, se deve ser anulada, ou não, a autoliquidação da CESE para 2022, designadamente, por inconstitucionalidade.

Assim sendo, a verificar-se essa exceção, e dado que a procedência de uma exceção dilatória determinará a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos. 576º, nº 1 e 577º, alínea a) do CPC, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, inicia-se a análise das questões pela apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral.

 

 2.1. Da competência material do Tribunal Arbitral

A Requerida, na sua Resposta, invoca a incompetência material deste Tribunal Arbitral para conhecer do objeto dos presentes autos, com base na natureza jurídico-tributária da CESE, que, em sua opinião, é uma contribuição financeira e nos limites da competência dos tribunais arbitrais estabelecidos no artigo 2º do RJAT.

Atendendo a que a decisão sobre a competência do Tribunal Arbitral depende da qualificação da CESE como imposto ou contribuição especial, vamos analisar a sua natureza jurídica.

Este Tribunal Arbitral acompanha a mais recente jurisprudência sobre esta matéria em concreto, designadamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 12-03-2024, proferido no Processo n.º 114/202, o Acórdão do STA de 12-02-205, proferido no Processo 0345/21.6BEVIS e o recente Acórdão do TCAS de 30-09-2025, proferido no Processo nº 188321.6BELRS, uma vez que se sufragam as soluções adotadas e a sua fundamentação, no que às mesmas diz respeito.

De relevar, neste conspecto, que entende-se que o aludido entendimento é inteiramente transponível para o caso dos autos, porquanto nos encontramos, outrossim, no domínio do sector das energias não renováveis, sendo que a Jurisprudência mais recente e que este Tribunal acolhe e adere sem reservas, sentencia que o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, viola o artigo 13.º da CRP.

O Acórdão do Tribunal Constitucional, proferido no processo nº 196/2024, justamente aplicável ao sector do petróleo, doutrina de forma expressa e clara essa transposição e aplicação, conforme se transcreve infra:

 “Todavia, a transposição do juízo de censura jurídico-constitucional afirmado no Acórdão n.º 101/2023 para a norma em causa nos presentes autos não prescinde de duas breves notas de autónoma fundamentação.

Em primeiro lugar, sublinha-se que os fundamentos do Acórdão n.º 101/2023 merecem integral acolhimento. A conclusão ali alcançada – de que, para as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, dissolveram o nexo com as finalidades do tributo, transformando o tributo num imposto, no que a tais entidades respeita – vale, por identidade de razão, para os comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo. Efetivamente, quanto a estas, pode afirmar-se, de igual modo, que “[…] deixou de ser possível afirmar que […] podem ser consideradas responsáveis pela [concretização dos objetivos da CESE, agora fortemente reduzidos], e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar”. A dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada pelo setor do petróleo, “[…] nem a sua redução beneficia o conjunto dos operadores integrados neste setor de modo efetivo ou direto – antes constituindo, quando muito, um benefício presumido a partir de determinadas contingências” (declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 296/2023, supra citada, pelo que “[…] não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas [comercializadoras de petróleo bruto e de produtos de petróleo] encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores” (Acórdão n.º 101/2023, adaptado à atividade em causa nos presentes autos).

Vale a referida conclusão, também, para o os tributos liquidados por referência ao exercício económico de 2019, com idênticos fundamentos, porquanto o regime instituído por aquele decreto-lei se manteve inalterado durante tal período.

2.3.2. Em segundo lugar – e é esta a outra nota que importa aqui sublinhar – , não obstaria ao juízo de inconstitucionalidade o entendimento que, por maioria, se afirmou no recente Acórdão n.º 338/2023, desta 1.ª Secção. Efetivamente, nesta decisão (e ao contrário da posição que se encontra no Acórdão n.º 296/2023, da 2.ª Secção) não se toma posição quanto á descaracterização do tributo na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro – apenas se conclui que “[…] em relação à CESE 2018, o problema não se coloca […]”, em suma, por “[…] a situação que gera a obrigação de pagar o tributo em questão [ser] a detenção pelos sujeitos passivos de determinados ativos, incidindo a CESE sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos reconhecidos na respetiva contabilidade (nos termos do artigo 3.º), com referência a 1 de janeiro de cada ano […]” e por “a autoliquidação da CESE ocorre[r], por regra, até ao final do mês de outubro”, pelo que não haveria, sequer, lugar à invocação de “[…] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa […]” à data da publicação daquele diploma (dezembro de 2018). Sucede que tais reservas levadas ao Acórdão n.º 338/2023 se aplicam apenas ao ano de 2018, perdendo pertinência a partir de 2019, uma vez que, no início deste ano, já vigorava o Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, pelo que, mesmo que se aceitasse que a questão se poderia colocar no plano de “[…] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa […]”, a inevitável conclusão seria da sua verificação e frustração.

Tanto basta para concluir que, seja por via da posição maioritária que conduziu ao Acórdão n.º 338/2023, desta 1.ª Secção, seja por via da posição minoritária expressa nas respetivas declarações de voto, o recurso sempre seria procedente.

Vale o exposto por dizer que se impõe um juízo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro), com a consequente procedência do recurso(..).”

Face ao supra expendido, e uma vez que o aludido Aresto analisa com total propriedade a resenha jurisprudencial sobre a questão em contenda, aderimos na íntegra à jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional quanto à matéria em apreço, secundando-se, assim, o entendimento de que a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2020, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. [Neste sentido, convoque-se, igualmente, os Arestos do STA, prolatados nos processos 367/23, de 5 de fevereiro de 2025, 0345/21, de 12 de fevereiro de 2025].

Destarte, a CESE sub judice, padece de inconstitucionalidade a qual justifica, a consequente a anulação dos aludidos atos tributários.”

 

De mencionar também o decidido no Acórdão do STA de 12-02-205, proferido no Processo 0345/21.6BEVIS, no que aqui nos interessa, por estar em causa o transporte e comercialização de combustíveis, destacamos o seguinte segmento desse Acórdão:

“A partir de 2019, porém, houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário. Isto é, do exercício de 2019 em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando-se a decidir no sentido da inconstitucionalidade da CESE (cfr. os acórdãos do TC n.ºs 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 338/2024 e 427/2024). 

Havendo, denote-se, uma reiteração desse juízo de inconstitucionalidade da CESE em situações em que estava precisamente em causa a tributação de empresas dos setores de distribuição de gás natural, como é o caso da Recorrente (decorre da matéria provada que – letra A – a Recorrente «dedicava-se à “distribuição de combustíveis gasosos por condutas”»), tal como foi evidenciado pelos acórdãos: 443/2024, 475/2024, 476/2024, 712/2024, 445/2024, 517/2024, 553/2024 e o 930/2024.

Esta nova linha jurisprudencial, tem na sua base o acórdão n.º 101/2023 do TC que, sem prejuízo de não ter sido acolhida pelo TC logo no contexto do exercício do ano 2018 (afastada pelos acórdãos n.º 338/2023 e 720/2023), passou, todavia, a dominar a partir do momento em que começam a estar em causa o exercício de 2019 ou seguintes. Linha essa que foi sintetizada, com mestria, pelo acórdão 197/2024, ao dizer: «a linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão n.º 101/2023 assenta na ideia de que “[…] as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva».

(...)

Ora, o cerne da linha argumentativa decorrente do acórdão 101/2023 do TC e dos que o seguiram é plenamente transponível para o caso sub judice, relativo à CESE de 2020, que se refere, justamente, a um sujeito passivo que exerce a sua atividade no âmbito do provisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados, atividade expressamente referida nos vários arestos aludidos. Assim sendo, apresenta-se como inelutável o alinhamento deste Supremo Tribunal com a jurisprudência firmada pelo TC quanto à matéria em apreço, no sentido de que, também aqui, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE – (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2020, pelo artigo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1, do artigo 3.º, do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2020, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural – padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Alinhamento, aliás, já consumado por este Supremo Tribunal em vários acórdãos, dos quais destacamos, por ser totalmente sobreponível aos presentes autos, o proferido em 5 de fevereiro de 2025, processo n.º 367/23.2BEAVR, disponível in www.dgsi.pt, cuja fundamentação, pela plena adequação ao caso sub judice, seguimos muito de perto.

Decorre do exposto a necessária desaplicação do artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE em que se funda a exigência de pagamento da CESE à Recorrente.”

 

De referir ainda o Acórdão do TCAS de 30/09/2025, que quanto à matéria aqui em apreciação, menciona designadamente o seguinte:

“(...) Por sua vez, a autoliquidação da CESE ocorre, por regra, até ao final do mês de outubro.

Por assim ser, tendo o Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, entrado em vigor “no dia seguinte ao da sua publicação” (artigo 3.º: “Entrada em vigor”), não vemos que haja expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa».

Para o regime jurídico da CESE em vigor em 2019 não sobram quaisquer questões concernentes à aplicabilidade da «alteração introduzida ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril (diploma que cria o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético) pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro» e, por isso, nada obsta a que nos presentes autos se reitere o juízo de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição, do artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, formulado no Acórdão n.º 101/2023, tendo por base, mutatis mutandis, a fundamentação desenvolvida naquele aresto.[…]”.

Assim, é de concluir que “[…] a CESE passou a constituir um verdadeiro imposto, em virtude de tal alteração de regime operada pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, haver descaracterizado o «nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência» (cf. declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 338/2023, bem como os Acórdãos n.os 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 427/2024 e 443/2024)” (Acórdão n.º 475/2024).

Trata-se, pois, de um entendimento uniforme relativamente ao juízo de censura jurídico-constitucional da norma em causa nos presentes autos.

Deste modo, reiterando o sentido da jurisprudência supra referida, resta afirmar, no presente contexto processual, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019).”

 

Este Tribunal Arbitral adere às posições assumidas nos citados Acórdãos do Tribunal Constitucional, do STA e CTAS, pelo que entende que desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, com efeitos na CESE 2019, e daí em diante, foi alterado o nexo para comutativo do tributo, passando a qualificar-se como “imposto”, desde logo, para determinadas categorias de sujeitos passivos.

Nos presentes autos está em causa a atividade da Requerente, que consiste na distribuição e comercialização de combustíveis.

Assim, estes sujeitos passivos não são presumíveis causadores da dívida tarifária ou beneficiários da redução da mesma. Nesse sentido, não se poderá fundamentar a oneração das atividades destes operadores no princípio da equivalência pelo que esta opção legislativa viola o artigo 13.º da CRP.

Assim sendo, quanto à matéria da competência do Tribunal Arbitral, e assumindo a CESE para 2022 a natureza jurídico-tributária de imposto, o presente Tribunal Arbitral é competente para apreciar litígio em apreço, uma vez que a alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, expressamente preceitua que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no CAAD compreende a apreciação de pretensões de declaração de “ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta”.

 

2.2. Da inconstitucionalidade da CESE

Quanto ao mérito, e, na linha da jurisprudência do TC, do STA, por a autoliquidação da CESE em questão, ter por base a incidência subjetiva prevista na alínea k) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE aprovado para o ano de 2022, por efeito do artigo 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro há que determinar se as normas que estão na base da autoliquidação da CESE são ou não inconstitucionais.

 

Com efeito, em resultado das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 109-A/2018, de 7 de Dezembro, no Decreto-Lei nº 55/2014, de 9 de Abril, que criou o Fundo para Sustentabilidade do Sistema do Sector Energético (FSSSE), de todo, em todo, será possível considerar que os comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo podem ser responsáveis pela concretização dos objetivo da CESE e presumíveis causadores beneficiários das prestações públicas que ao FSSSE cabe providenciar., e, em consequência de tudo o que consta do Aresto transcrito, que este Tribunal Arbitral acompanha, resulta manifesta a inconstitucionalidade do artigo 2º, alínea k) do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o nº 1 do artigo 3º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o sector energético nacional, com domicílio fiscal, ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de Janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, viola  o artigo 13º da Constituição da República, razão pela qual os atos tributários sub judice deverão se julgados anulados, por inconstitucionalidade e restituída à Requerente a quantia autoliquidada, cujo pagamento efetuou. 

Dispõe ao artigo n.º 2 k) do regime jurídico da CESE: “Sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;”

Ora, a a Requerente tem como atividade:

“o comércio por grosso de petróleo bruto e dos produtos derivados da sua transformação, nomeadamente, combustíveis líquidos ou gasosos (gasolina, gasóleo, fuelóleo, butano, propano, etc.), óleos, massas lubrificantes, bases petroquímicas (ex: nafta), betumes e vaselinas”.” 

 

Pelo exposto, declara-se a inconstitucionalidade, por violação do artigo 13º da CRP, da norma contida no artigo 2.º, alínea K), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

 

3. Dos juros indemnizatórios

Quanto a esta matéria está regulada no artigo 24.º do RJAT, o qual expressamente determina no seu n.º 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”.

E detemina ainda, no seu n.º 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

O artigo 100.º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

Estando em causa uma autoliquidação e cobrança de imposto em violação da Constituição, tal confere ao contribuinte o direito a receber juros indemnizatórios, na senda da jurisprudência pacífica sobre esta matéria.

O artigo 43º, n.º 3 d) da LGT estabelece que: “3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

 

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia liquidada indevidamente, nos termos do disposto nos artigos. 24.º, n.º 1 alínea b) do RJAT, 43.º e 100.º da LGT, com termo inicial na data do pagamento.

 

4. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o Pedido Arbitral e em consequência:

a)             Julgar improcedente a exceção de incompetência material deste Tribunal Arbitral. 

b)             Determinar a anulação dos atos tributários impugnados;

c)             Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, com termo inicial na data de pagamento da CESE até ao seu pagamento.

d)             E, consequentemente, condenar a Requerida nas custas do processo.

 

5. Valor do processo 

Fixa-se o valor do processo em 162.881,69 euros, que foi indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária 

6. Custas 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3.672,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se. 

 

Lisboa,  2  de dezembro de 2025

 

                                                                O Árbitros

 

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e com declaração de voto)

 

                                                                     

 

                                                                     

(Marta Vicente – Vogal, com declaração de voto)

 

              

 

(José Nunes Barata – Vogal e Relator)

 

 

 

Declaração de voto

Considerando os recentes Acórdãos do Tribunal Constitucional, quanto à consideração da CESE como imposto, acompanho a decisão proferida por este Tribunal Arbitral considerando que está em causa uma atividade de comercialização de combustíveis.

Regina Almeida Monteiro

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Subscrevo integralmente a decisão, tanto quanto à improcedência das exceções levantadas pela AT, como quanto ao fundo. Faço-o, todavia, por entender que a competência para qualificar os tributos – enquanto operação instrumental à fiscalização da sua validade orgânico-formal e material – pertence, em última instância,  ao Tribunal Constitucional (artigo 221.º CRP). 

O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 677/2025, declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da CESE quando aplicada aos operadores do setor do gás. Entendeu, porém, que, atenta a finalidade a que passara a estar adstrita a receita da CESE (desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 109-A/2018), deixara de ser possível afirmar que as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural poderiam ser consideradas responsáveis pela sua concretização, e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar. 

Neste sentido, aderiu às considerações vertidas noutros arestos no sentido de que a violação do princípio da equivalência – critério material de igualdade tributária nos tributos bilaterais – implicara uma alteração na qualificação do tributo. Ao descaracterizar nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo, a CESE passou a constituir um verdadeiro imposto. 

Ora, tendo o Tribunal Constitucional qualificado o tributo como um imposto, resta-me aderir a essa qualificação, considerando o Tribunal arbitral competente em razão da matéria, nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Não posso, todavia, concordar com a fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional e com a qualificação do tributo que nele se determina. 

A meu ver, e tal como esteve subjacente ao entendimento do TC nos Acórdãos n.ºs 344/2019 (sobre a taxa SIRCA) e 101/2023 (sobre a CESE), nem todas as incoerências ou vícios do regime material do tributo contaminam o processo de qualificação. Decisivo, portanto, para a qualificação do tributo é o critério estrutural, como resulta do acórdão sobre a Contribuição sobre o setor bancário (Acórdão n.º 268/2021). Ou seja, os defeitos na fixação da incidência do tributo não se transmitem à respetiva qualificação, nem determinam a convolação de uma contribuição financeira num imposto (cf., neste sentido, Tomás Cantista Tavares / João Félix Pinto Nogueira / Marta Vicente / Filipe Cerqueira Alves, Direito Fiscal, UCP Editora, 2025, p. 80 ss.). 

Mesmo que assim fosse, ficaria por explicar por que razão o Tribunal Constitucional, tendo chegado à conclusão de que o tributo (criado por lei da AR) era, afinal, um imposto, não procedeu a uma análise da validade orgânico-formal e material do respetivo regime jurídico, desta feita de acordo com as regras constitucionais a que obedecem os impostos. 

 

Marta Vicente