Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 310/2025-T
Data da decisão: 2025-12-02  IRS  
Valor do pedido: € 141.134,33
Tema: IRS – Reinvestimento do valor de realização do imóvel; residência fiscal
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SUMÁRIO:

 

1-Cumprida a obrigação prevista no artigo 19º, nº 3, da Lei Geral Tributária, têm os sujeitos passivos a seu favor uma presunção de que o seu domicílio fiscal corresponde ao domicílio constante do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes.

2-Tendo-se provado que o Requerente, após a aquisição do imóvel em causa comunicou à AT que tinha aí o seu domicílio fiscal, beneficia da presunção prevista no n.º 12 do artigo 13.º do CIRS, competindo, por isso, à Requerida provar que o domicílio fiscal não correspondia à habitação própria e permanente do Requerente, o que consideramos não ter sido feito.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

A..., contribuinte fiscal número ..., residentes na Rua ..., Nº..., ...-... Alvor, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 3.º, alínea a) do n.º1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando a anulação da liquidação de IRS n.º 2024..., incluindo a liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., relativa ao período de tributação de 2020, com o valor total de € 141.134,33.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 02-04-2025, o Requerente alega, em síntese, que o ato tributário que constitui o objeto do presente processo se encontra ferido de ilegalidade, porquanto, não foi considero o reinvestimento integral efetuado pelo Requerente do valor de alienação do prédio inicial num novo prédio de habitação própria permanente, com o cumprimento dos demais pressupostos legais.

            

2.1 A título prévio, o Requerente demonstra e fundamenta a sua legitimidade e a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

2.3 Quanto ao pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alienou, em 8 de maio de 2020, o imóvel de habitação própria permanente, denominado por Lote 65, sito na ..., freguesia da ..., Portimão, pelo valor de € 750.000,00, através de uma permuta, mediante a qual adquiriu, em simultâneo, e pelo mesmo valor, o prédio urbano destinado à habitação, sito em ..., União das Freguesia de ... e ..., concelho de Lagoa (Doc. 2).

2.4 No contrato de permuta, o Requerente declarou que o novo imóvel se destinava à sua habitação própria permanente.

2.5 Também nas declarações fiscais para liquidação do IMT e do Imposto do Selo, o Requerente fez igualmente constar que o novo prédio adquirido se destinava exclusivamente à habitação própria e permanente, tendo a AT liquidado o IMT e Imposto do Selo em conformidade.

2.6 O Requerente afetou de imediato o novo prédio urbano à sua habitação própria permanente, conforme se pode verificar na caderneta predial urbana emitida em 20 de agosto de 2020 (Doc. 9).

2.7 Estão, por isso, verificados os pressupostos para a exclusão de tributação dos ganhos por reinvestimento integral do valor de realização na aquisição de um novo prédio para habitação própria permanente, nos termos do artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, do CIRS.

2.8 O imóvel adquirido veio a ser alienado onerosamente, em 24 de setembro de 2020.

2.9 Na declaração modelo 3 relativa ao período de 2020, o Requerente declarou a alienação do prédio inicial (Lote 65, sito na ..., freguesia da..., Portimão), bem como o reinvestimento na aquisição do novo imóvel (..., União das Freguesia de ... e ..., concelho de Lagoa), bem como a alienação deste último.

2.9 No momento da submissão eletrónica da declaração, o sistema deu erro com a expressa indicação “o mesmo prédio não pode ser vendido e alvo de reinvestimento no mesmo ano” (Doc. 11).

2.10 Face à impossibilidade de submissão da declaração, a AT procedeu à liquidação oficiosa do IRS de 2020 (Docs. n.ºs 1.1, 1.2 e Doc. n.º 12), em que:

a) Considerou que o imóvel foi adquirido em 11 de março de 2020, pelo valor de € 217.890,00, correspondente ao VPT do imóvel nessa data, sem atentar aos diversos momentos de aquisição do mesmo (Docs. n.ºs 3.1, 3.2, 4,, 5.1 e 12);

b) Não considerou os custos de aquisição do imóvel, designadamente o IMT e o Imposto do Selo, que seriam do seu conhecimento;

c) Não considerou a aquisição do novo imóvel permutado para efeitos de reinvestimentos;

d) Não considerou a alienação do prédio urbano reinvestido.

2.11 Em 20-12-2024, o Requerente submeteu uma nova declaração de IRS, validada pela AT (Doc. n.º 13.2), mas sem que tenha sido liquidada.

2.12 Conclui, assim, pela ilegalidade da liquidação ora impugnada, pelo que requer a sua anulação.

 

3. Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, considerando dever manter-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, decidindo-se pela absolvição da entidade requerida, nos seguintes termos:

3.1 Quanto aos factos, acrescenta:

a) O ora requerente, em 18-05-2020, outorgou escritura de permuta, tendo entregue o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º... da freguesia da ... e recebido o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... da União de freguesias de ... e ... .

b) O imóvel recebido foi alienado em 24-09-2024.

c) O requerente alterou o domicílio fiscal para a morada deste imóvel, em 19-08-2024, um mês antes da sua alienação.

d) Consultada a escritura outorgada em 24-09-2024 verifica-se que o pagamento do sinal por parte da compradora ocorreu em 18-03-2024, antes da alteração do domicílio fiscal do aqui requerente para o imóvel e antes anda de ser proprietário do imóvel).

3.2 O requisito da permanência na “habitação” (a lei não usa o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Não há, por isso, uma coincidência entre domicílio fiscal e habitação própria permanente. 

3.3 O domicílio fiscal corresponde ao lugar da residência habitual do contribuinte que funciona como sua sede para efeitos jurídico-fiscais, nomeadamente para qualquer tipo de contacto necessário com a administração fiscal; a residência própria e permanente traduz a ligação que uma pessoa tem com um local onde habita, reside ou vive e frequenta, realidade que se consubstancia na utilização de um local onde se confecionam refeições, se recebem e se confraterniza com amigos, onde se praticam atos de higiene, e se dorme, tudo com alguma regularidade.

3.4 O regime jurídico tributário do nº 5 do art.º 10 CIRS que admite a exclusão total ou parcial de ganhos/ Categoria G de tributação radica na opção por parte do legislador de não onerar fiscalmente a efetivação do direito fundamental à habitação, favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente, no sentido em que esta constitua o centro essencial da vida pessoal e familiar dos contribuintes e ou do seu agregado.

3.5 Dos elementos constantes nos autos (bem como nas bases de dados da Autoridade Tributária) não se retira que o imóvel, na data da alienação em 24-09-2024, fosse a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

3.6 O que fica demonstrado é que o imóvel não se destinava a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, tal como exposto supra e pela total inexistência de documentos respeitantes a bens ou consumos, como seria de esperar num imóvel habitado, que o comprovem.

3.7 Conclui, por isso, a Requerida que o pedido referente ao reinvestimento não pode ser deferido, tendo em conta que não estão reunidos os requisitos legais para a aceitação do peticionado.

3.3 Quanto ao valor de aquisição do imóvel alienado em três momentos diferentes, consultados os autos e as bases de dados da Autoridade Tributária, é possível concluir que o mencionado imóvel (inscrito na matriz predial urbana sob o

    em três fases:

- Em 23-08-2007, adquiriu metade da nua-propriedade por doação, com o valor atribuído de € 50.000,00;

- Em 24-01-2012, adquiriu a outra metade da nua-propriedade por compra, no valor de € 50.000,00;

- E adquiriu, em 11-03-2020, a restante quota-parte do imóvel por renúncia da mãe ao usufruto vitalício, no montante de € 87.156,00.

Somados os valores atualizados destas aquisições, o valor é inferior ao indicado na liquidação oficiosa feita pela AT, o que demonstra que o sujeito passivo foi beneficiado e não prejudicado.

3.4 Conclui, assim, pela improcedência do pedido arbitral, mantendo-se o ato de liquidação impugnado.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 02-04-2025, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 11-06-2025.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. 

 

9. As partes, devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03). 

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando que “Não havendo lugar a produção de prova constituenda nem tendo sido suscitada matéria de excepção, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT”, por despacho de 12-07-2025, tendo as partes apresentado alegações finais.

 

11. Foi indicada como data limite para prolação da decisão arbitral o dia 11-12-2022.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base no acervo documental junto aos autos, mormente o processo administrativo e documentos que o integram, se consideram provados:

 

12.1 O Requerente alienou, em 18 de maio de 2020, o imóvel de habitação própria permanente, denominado por Lote 65, sito na ..., freguesia da..., Portimão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ..., pelo valor de € 750.000,00, através de uma permuta, mediante a qual adquiriu, em simultâneo, e pelo mesmo valor, o prédio urbano destinado à habitação, sito em ..., União das Freguesia de ... e ..., concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .

 

12.2 O imóvel alienado foi adquirido em três momentos diferentes:

- Em 23-08-2007, o Requerente adquiriu metade da nua-propriedade por doação, com o valor atribuído de € 50.000,00;

- Em 24-01-2012, o Requerente adquiriu a outra metade da nua-propriedade por compra, no valor de € 50.000,00;

- O Requerente adquiriu, em 11-03-2020, a restante quota-parte do imóvel por renúncia da mãe ao usufruto vitalício, no montante de € 87.156,00.

 

12.3 No contrato de permuta, o Requerente declarou que o novo imóvel se destinava à sua habitação própria permanente.

 

12.4 Nas declarações fiscais para liquidação do IMT e do Imposto do Selo, o Requerente fez igualmente constar que o novo prédio adquirido se destinava exclusivamente à habitação própria e permanente, tendo a AT liquidado o IMT e Imposto do Selo em conformidade, o que se verifica também na respetiva caderneta predial.

 

 

12.5 Conforme informação constante do processo administrativo, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para o imóvel adquirido em 20-08-2020.

 

12.6 Em 24 de setembro de 2020, o Requerente alienou o imóvel sito em ..., União das Freguesia de ... e ..., concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo... .

 

12.7 Em outubro de 2021, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos relativa a 2020, mas o sistema informático não permitiu a sua submissão com a indicação de erro: “o mesmo prédio não pode ser vendido e alvo de reinvestimento no mesmo ano”.

 

12.8 Em dezembro de 2024, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2024... do ano de 2010, com valor a pagar de € 141.134,33.

 

12.9 Em 20-12-2024, foi apresentada declaração de substituição, convolada em reclamação graciosa.

 

12.10 Em 2 de abril de 2025, o Requerente apresentou junto do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa o presente pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

13. A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada, designadamente a constante do processo administrativo junto pela Requerida.

 

14. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado. 

 

 

III. Matéria de direito

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente submeteu à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2020, solicitando, consequentemente, a declaração de ilegalidade desse ato.

 

A questão que se coloca no caso é a de saber se deve ser considerado, em sede de IRS, o reinvestimento do valor realização da alienação do imóvel denominado por Lote 65, sito na ..., freguesia da..., Portimão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... na aquisição do imóvel sito em ..., União das Freguesia de ... e ..., concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo... . 

 

Na base da divergência e liquidação oficiosa da AT está o entendimento da Requerida de que o imóvel adquirido não se destinou à habitação própria e permanente do sujeito passiv.

 

Dispõe o n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)    Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular à atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário.

(...)

Para este efeito, o n.º 4 do citado artigo 10.º estabelece que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, tais como definidos nos artigos 44.º, n.º 1, al. f) e 46.º, n.º 1.

 

Se a mais-valia resultar da alineação da casa de morada de família, o n.º 5 do artigo 10.º determina a possibilidade de ficarem excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a)    O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que neste último caso exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b)    O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data de realização;

c)     O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano de alienação.

 

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

 

a)    Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento”

 

Sobre a habitação própria permanente dispõe o artigo 13.º:

(...)

12 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

(...)

15 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou da informações neles constantes.”.

Também o artigo 19.º da Lei Geral Tributária estabelece que:

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

(…)

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”.

 

Do exposto resulta que o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal, sendo ilidível a presunção estabelecida no artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS.

 

No entanto, cumprida a obrigação prevista no artigo 19º nº 3 da Lei Geral Tributária, têm os sujeitos passivos a seu favor uma presunção de que o seu domicílio fiscal corresponde ao domicílio constante do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes.

 

Inversamente, no caso de os sujeitos passivos não cumprirem esta obrigação, incumbe-lhes o ónus de provar a respetiva residência habitual.

 

Tal resulta, aliás, do disposto no número 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

No caso, provou-se que o Requerente, após a aquisição do imóvel sito em ..., União das Freguesia de ... e ..., concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., comunicou à AT que era aí o seu domicílio fiscal, beneficiando, por isso, da presunção prevista no n.º 12 do artigo 13.º do CIRS.

 

Competia, por isso, à Requerida provar que o domicílio fiscal não correspondia à habitação própria e permanente do Requerente, o que consideramos não ter sido feito.

 

Com efeito, a Requerida apresenta como prova de que o imóvel adquirido não era a sua habitação própria permanente o facto de ter aí permanecido por um período inferior a um ano, sabendo que as limitações temporais ora previstas no CIRS não se aplicam aos presentes factos, por terem entrado em vigor posteriormente.

 

Por outro lado, o argumento de que, em data anterior à aquisição do imóvel, já o Requerente prometera vendê-lo não comprova que o Requerente não tenha vivido efetivamente no imóvel.

 

A favor do Requerente, além da presunção legal, está também o facto de, durante o período em que alega ter no imóvel objeto de reinvestimento a sua habitação própria permanente, não ser proprietário de qualquer outro imóvel, bem como os contratos de eletricidade e água que juntou.

 

Pelo exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos atos tributários impugnados, impondo-se a sua anulação em conformidade.

 

O Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios, previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

 

É claro nos autos que a ilegalidade dos atos de liquidação de imposto impugnado é diretamente imputável à AT, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada interpretação (e, logo, aplicação) das normas jurídicas ao caso concreto.

 

Consequentemente, o Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios sobre a quantia paga indevidamente, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

IV. Decisão

 

Em conformidade, decide este Tribunal Arbitral:

 

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal a liquidação de IRS n.º 2024..., incluindo a liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., relativas ao período de tributação de 2020, com o valor total de € 141.134,33, anulando-as, com as demais consequências legais.

b)    Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

c)     Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo nas custas do processo.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 141.134,33.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 3.060,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 2 de dezembro de 2025

 

Árbitro Presidente

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Adjunto

 

 

 (Amândio Silva) - relator

 

O Árbitro Adjunto

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)

(vencido, com declaração de voto)

 

 

Declaração de voto. Voto vencido a presente Decisão Arbitral, na medida em que teria julga­do a arbitragem improcedente e absolvido a requerida do pedido. Com efeito, quanto a mim, a norma que exclui de tributação as mais-valias imobiliárias pressupõe necessa­ria­men­te dois ne­gó­cios — primeiro, um negócio de alienação em que se realiza uma mais-valia (ne­gó­cio de realização); segundo, um negócio de aquisição em que o valor correspondente ao preço da alienação é reinvestido numa nova habi­ta­ção própria permanente (negócio de reinves­ti­men­to). Uma permuta (que é um contrato atípico a que se aplica o regime jurídico da compra e venda, mas não é um contrato de compra e venda) não realiza essa dupla função e, salvo melhor opinião, não preenche a previsão legal da norma tributária negativa em causa nestes au­tos. Na permuta, a contraprestação não é constituída por dinheiro e, portanto, na minha o­pi­­nião, não é concetualmente possível configurar a existência de um reinvesti­men­to do va­lor de realização dessa alienação permutativa. O negócio em que a mais-valia é realizada não pode ser, ao mes­mo tempo, o negócio de reinvestimento do valor de realização. Como referi, a norma de isen­ção pressupõe dois negócios distintos e autónomos: uma alienação em que se transmite um imóvel por contraprestação de uma quantia em dinheiro; e um subse­quen­te (e neces­sariamente distinto) negó­cio em que o alie­nan­te reinveste o dinheiro assim rece­bido na alienação precedentemente levada a cabo.

No caso da presente arbitragem, a operação de alienação imobiliária geradora de uma mais-va­lia que o requerente quer ver excluída de tributação é uma alienação sob a forma de permu­ta: o valor de realização foi realizado em espécie (entrega de um imóvel, em vez do paga­men­­to de um preço em dinheiro), pelo que me parece que não se pode sequer colocar a hi­pó­­tese do seu reinvestimento e, muito menos, afirmar que o mesmo negócio é, simulta­nea­men­te, o negócio de alienação e o negócio onde alienante procedeu ao reinvestimento do valor de realização dessa alienação.

Por este motivo teria concluído que a permuta em que assenta a causa de pedir do requerente é insuscetível de preencher a factispécie da al. a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS e, nessa me­di­da, teria julgado a ação improcedente.

Quanto à causa de pedir que assenta no alegado erro na determinação do(s) valor(es) de aqui­si­ção do imóvel objeto de alienação, sou de opinião que à aquisição, pelo requerente, da pro­prie­da­­de ple­na do imóvel, na sequência da renúncia ao usufruto por parte da usufrutuária, se a­­pli­ca o disposto no art. 45.º, n.º 3, al. a), do CIRS, uma vez que se trata de uma causa aquisitiva da propriedade plena de natureza gratuita e que é autó­noma da precedente aquisição da nua-pro­prie­dade (de resto, a consolidação, na mesma pessoa, do usufruto e da nua-propriedade é uma transmissão gratuita para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo — assim, vd. art. 13.º, n.º 6, do CIS). Nessa medida, teremos, na esfera do requerente, um único facto aquisitivo da propriedade plena do imóvel, que teve lugar numa mesma data (a data da renúncia ao usufruto), cujo valor de aquisição corresponderá ao valor patrimonial tributário do imóvel por aplicação do citado art. 45.º, n.º 3, al. a), do CIRS. Assim, quanto a mim e ao contrário do alegado pelo requerente, o valor de aqui­sição utilizado na funda­men­tação do ato de liquidação impugnado não padece de qual­quer vício.

 

CAAD, 2/12/2025

 

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira