Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 529/2014-T
Data da decisão: 2015-02-20  Selo  
Valor do pedido: € 47.776,24
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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I – RELATÓRIO

 

1        A…, SA, NIPC[1] …,com sede na …, MAIA apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à anulação de acto tributário de liquidação de imposto de selo sobre a propriedade de imóveis inscritos na matriz sob os artigos urbanos nº ... e ... da freguesia de ... do concelho do Porto, respeitantes a dois terrenos para construção, conforme notificações oportunamente recebidas referentes ao ano de 2013, no montante total de € 47 776,24,cuja fundamentação invocada para tal liquidação se resume à aplicação da verba 28.1 da TGIS[4],que a requerente considera inaplicável à situação concreta.

2        O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 28/07/2014.

3         Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 11/09/2014, designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro singular, que comunicou, ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa, a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

4        O tribunal foi constituído em 26/09/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5        Com o seu pedido, visa o requerente, a anulação da liquidação em questão por entender, que a nova redacção dada à verba 28.1 da TGIS, pela Lei 83-C/2013, só ter aplicabilidade a partir de 01 de Janeiro de 2014 e a liquidação em causa respeitar a 2013.

6        Suporta o seu ponto de vista, em síntese, para além do que dispõe o artigo 103 nº 3 da CRP, no estabelecido no nº2 do artigo 12º da LGT e no facto da verba 28 da TGIS, com a redacção da Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro não contemplar a tributação em IS de  terrenos para construção.

7        Na  resposta, a AT, não invoca a aplicabilidade da verba 28 da TGIS, com redacção da Lei 83-C/2013, antes considera que a verba 28 da TGIS na redacção da Lei 55-A/2012 determina a tributação dos terrenos para construção, uma vez que estes têm natureza jurídica de prédios com afectação habitacional considerando que na determinação do seu VPT[6] se tem em conta o coeficiente de afectação de habitação, previsto no artigo 41º do CIMI[7].

8        Neste sentido cita o Acórdão 04950/11 de 14/02/2012 do TCA[8] Sul que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, embora partindo do edifício a construir, tendo por base o projecto.

9        Nesta perspectiva, entende que a liquidação posta em crise deve ser mantida por estar conforme com a legislação aplicável.

 

II - SANEAMENTO

 

 

 

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Notificada a requerente para se pronunciar quanto ao pedido formulado pela requerida com vista à dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, nada disse no prazo estipulado, tendo o tribunal entendido o silêncio como concordância com o pedido e com a desnecessidade da produção de alegações escritas ou orais, considerando estarem reunidos os elementos de facto necessários e suficientes para decidir de Direito.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, cumpre decidir.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

a)      Saber se os terrenos para construção, que na determinação do seu VPT lhe foi aplicado o coeficiente de afectação habitacional e apurado um valor igual ou superior a € 1 000 000,00, caem no âmbito da sujeição a IS[9] previsto na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

b)      E se na liquidação do IS em causa nos presentes autos houve erro imputável aos serviços.

 

2 – Matéria de Facto 

 

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)      A requerente é proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz urbana da freguesia de ..., concelho do Porto, sob os artigos ... e ....

b)      Nos referidos terrenos não existe qualquer implantação de construção.

c)      O IS em questão respeita ao ano de 2 013.

d)      Em momento algum a AT invoca a nova redacção dada à verba 28 da TGIS pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro com vista a justificar as liquidações de IS aqui em crise.

e)      Conforme documentos juntos o IS em causa foi pago em 28 de Abril de 2014 a 1ª prestação, em 25 de Julho de 2014 a 2ª prestação e a 3ª terceira e última prestação foi paga em25/11/2014

 

3        – Matéria de Direito

 

a)       A requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral considera, em primeira linha e em síntese, a inaplicabilidade da verba 28 da TGIS, na redacção que lhe foi data pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro aos terrenos para construção.

b)      Os factos tributários sujeitos a tributação ocorreram em 2013 e, apoiando-se quer no artigo 103 nº 3 da CRP e, artigo 12º da LGT conclui que a nova redacção da referida verba 28 só terá aplicação a partir de 01 de Janeiro de 2014, sendo por esta via ilegais as liquidações em crise.

c)      Na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, dado que não se trata de prédio com afectação habitacional, mas tão só com capacidade de edificação e que o legislador ao utilizar a expressão “afectação habitacional” de forma alguma se poderá aceitar que tenha querido fazer remissão para o artigo 41º do CIMI, haverá erro quanto aos pressupostos ao mesmo tempo que considera haver vício de fundamentação, motivo que também, por esta via, as liquidações padecem de ilegalidade.

d)     Por sua vez, a requerida entende que os terrenos para construção têm natureza jurídica de prédios com “ afectação habitacional” uma vez que na determinação do seu VPT se tem em conta o coeficiente de afectação de habitação, previsto no artigo 41º do CIMI e cita neste sentido o Acórdão 04950/11 de 14/02/2012 do TCA Sul que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, embora partindo do edifício a construir, tendo por base o projecto, pelo que considera que as liquidações em causa devem ser mantidas e a AT ser absolvida do pedido.

e)      Sintetizadas as posições da requerente e da requerida, procederemos de seguida a uma análise da norma de incidência do IS sobre prédios urbanos com afectação habitacional e diga-se desde já que a requerida, em momento algum invoca, a nova redacção da verba 28.1 da TGIS que lhe foi dada pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro cuja aplicabilidade só tem lugar a partir de 01 de Janeiro de 2014.

f)       A verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012,sujeita a IS os prédios urbanos com afectação habitacional cujo VPT, apurado nos termos do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00.

g)       O CIS[10] remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (ver nº6 do artigo 1º e nº 2 do artigo 67º ambos do CIS).

h)      Se atentarmos ao artigo 6º do CIMI, nele se estabelece que os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

i)        Do seu nº 2 retira-se que prédios urbanos habitacionais “ são os edifícios ou construções para tal licenciados ou na falta de licença, que tenham como destino tal fim” e o seu nº 3 diz-nos que terrenos para construção “ são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo…”.

j)        Destes conceitos poderemos desde já concluir pela existência de autonomia entre prédios urbanos “ habitacionais” e prédios urbanos “terrenos para construção”.

k)      O legislador do IS, ao estabelecer a tributação dos prédios urbanos “com afectação habitacional”, não concretizou o conceito, pelo que teremos, por força da remissão, de ir ao CIMI e este, como já se viu, autonomiza -os, relativamente aos terrenos para construção.

l)        A expressão “afectação habitacional” não é de forma alguma patente nos terrenos para construção, nem poderá, como pretende a requerida, ser entendida com expressão integradora de outras realidades.

m)    Acompanhamos a posição preconizada no processo 49/2013 que se transcreve:” A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos nos arts. 9º do Código Civil e 11º da Lei Geral Tributária.Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art.6º do CIMI , tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da requerida no sentido de que o conceito de “afectação habitacional” decorre da norma do artigo 45º do CIMI. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Segundo a requerida, na fixação dos valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 1.º daquele Código. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. [...]. Nestes termos, resultando do art. 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".»

n)      O legislador ao pretender tributar em IS os terrenos para construção revisitou a verba 28 da TGIS, através da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e lá os introduziu, o que vem provar que na formulação da Lei nº 55-A/2012, os terrenos para construção estavam excluídos da tributação em IS pela verba 28 da TGIS e agora, através da Lei nº 83-C/2013, passaram a ser tributados, pelo que nos parece claro que o legislador considera que a expressão “afectação habitacional” não incluía os terrenos para construção.

o)      Nem se diga ainda que o facto do artigo 45º do CIMI prever a aplicação de um coeficiente de afectação habitacional na determinação do VPT dos terrenos para construção, será condição suficiente, por si só, para permitir incluí-los na norma de incidência da verba 28 aditada pela Lei nº 55-A/2012,nem tão pouco alterar a sua natureza de terreno para construção, dado que o que está aqui em causa é somente apurar o VPT que será influenciado pelo tipo das edificações a levar a efeito (que, diga-se, nem sempre são concretizadas).

p)      O Acórdão 04950/11 de 14/02/2012 do TCA Sul citado pela AT que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, embora partindo do edifício a construir, tendo por base o projecto, ponto de vista, que se circunscreve à avaliação e nada mais.

q)      Ora, como já se viu, resulta do artigo 6º do CIMI uma distinção inconfundível entre prédios habitacionais e terrenos para construção, que impede que estes sejam tributados em IS nos termos pretendidos pela requerida.

r)       Neste sentido foram já proferidas diversas decisões arbitrais, nomeadamente, processos 42,48,49 e 75, todos de 2013.

s)       A tributação aqui posta em crise só ocorreu por erro imputável aos serviços da AT, uma vez que a verba 28 da TGIS, na redacção da Lei 55-A/2012, não permitia a tributação em IS dos terrenos para construção.

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:

 

a)      Declarar que os terrenos para construção estão excluídos da tributação em IS prevista na verba 28.1 da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro.

b)      Consequentemente declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, por ter havido erro imputável aos serviços, anulando-se o acto de liquidação do Imposto de selo relativa ao ano 2013 no montante de € 47 776,24 dado que a liquidação em causa é ilegal por violar a referida norma de incidência com todas as consequências legais daí advindas, nomeadamente o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do nº1 do artigo 43º da LGT[11], calculados à taxa legal desde a data do pagamento do IS indevidamente , até à data da sua devolução.

c)      Fixar o valor do processo € 47 776,24 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[12], artigo 97º-A do CPPT[13], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[14].

 

Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respectivo montante em € 2 142,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2015

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.

O árbitro,

 

Arlindo Francisco

 



[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Colectiva

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[8] Acrónimo de Tribunal Central Administrativo

[9] Acrónimo de Imposto do Selo

[10] Acrónimo de Código do Imposto do Selo

[11] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[12] Acrónimo de Código de Processo Civil

[13] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[14]  Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária