Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 121/2025-T
Data da decisão: 2025-12-02  IRC  
Valor do pedido: € 167.041,92
Tema: Variação patrimonial positiva - Recebimento de sinal em contrato promessa de compra e venda.
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SUMÁRIO: I - A celebração de um contrato-promessa, com pagamento antecipado de uma parte do preço, é reconhecida contabilisticamente no balanço do promitente-comprador simultaneamente como ativo e passivo, pelo que não ocorre qualquer variação patrimonial positiva. O ativo (receção de valores monetários) é consequência do concomitante registo de um passivo (adiantamento de clientes).  II - Inexistindo qualquer norma fiscal que se afaste desse enquadramento contabilístico, este apresenta plena validade fiscal.

 

DECISÃO ARBITRAL

«A..., LDA.», com o número de identificação fiscal ... e sede social no...,  ..., ..., ...-... Amadora (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

 

I.         Relatório

O pedido formulado pela Requerente consiste na declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2025... e de juros compensatórios n.º 2025..., referentes ao exercício de 2021, no valor total de € 167.041,92.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 11 de abril de 2025.

Em 20 de maio a Requerida apresentou a sua Resposta, sem suscitar matéria de exceção, e remeteu o processo administrativo.

Em 26 de maio foi notificado o despacho do tribunal arbitral de dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e de apresentação de alegações escritas.

 

Posição da Requerente

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:

i)           É uma sociedade por quotas, que se dedica à compra venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, ao arrendamento de bens imóveis, à administração e gestão de património imobiliário, à construção civil, urbanização e loteamentos de promoção própria e à reabilitação de imóveis;

ii)         Celebrou em 13 de setembro de 2021 com a «B..., S.A.» (“B...”) um Contrato Promessa de Compra e Venda (“CPCV”) sobre bem futuro, no âmbito do qual a Requerente prometeu vender e a B... prometeu comprar um imóvel que era, à data, propriedade da sociedade «C..., S.A.» (“C...”). A celebração do contrato definitivo estava, assim, dependente da prévia aquisição do imóvel pela Requerente ao C...;

iii)       O preço acordado com a B... foi de €5.000.000,00, a pagar nos seguintes termos: (i) €800.000,00 (oitocentos mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento na data de celebração do CPCV, (ii) €200.000,00, a título de reforço de sinal, no prazo de dez dias úteis a contar da assinatura do CPCV e (iii) €4.000.000,00 aquando da outorga da escritura de compra e venda;

iv)        Pelo recebimento da quantia de €1.000.000, a Requerente registou na sua contabilidade um movimento a débito (conta 12 - Depósitos à Ordem), por contrapartida de um movimento a crédito (conta 218 - Adiantamentos de Clientes), reconhecendo, consequentemente, o ativo e o passivo correspondente;

v)          A Requerente e a B... celebraram na mesma data, 13 de setembro de 2021, um contrato promessa arrendamento urbano (“CPAU”) relativamente ao imóvel em apreço, objeto do CPCV, nos termos do qual a B... prometeu dar o imóvel de arrendamento à Requerente, e esta prometeu tomar o mesmo de arrendamento;

vi)        Ao abrigo do CPAU, a Requerente pagou à B..., a título de caução, a quantia de €210.000,00 (duzentos e dez mil euros) correspondente a seis meses de renda;

vii)      A Requerente contabilizou o pagamento desta caução, registando um movimento a crédito (conta 12 - Depósitos à Ordem, por contrapartida de um movimento a débito (conta 278 - Outros Devedores e C

i)           red

ores);

 

viii)    A Requerente ainda não adquiriu o imóvel objeto do CPCV, razão pela qual ainda não foi celebrado o contrato definitivo de compra e venda e, consequentemente, o contrato de arrendamento urbano;

ix)        Em dezembro de 2022, B... intentou uma Ação de Processo Comum, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, contra, entre outros, a Requerente, peticionando pela devolução do valor do sinal em dobro. Esta ação aguarda a prolação de sentença;

x)          A 12 de setembro de 2024 foi-lhe comunicada, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2024..., o início de procedimento de inspeção de natureza interna e âmbito parcial (IRC) relativa ao ano de 2021. Desta inspeção resultaram correções à matéria tributável no valor global de € 727.777,19;

xi)        Subjacente a estas correções estava o entendimento da AT de que o recebimento pela Requerente da quantia de € 1.000.000,00 a título de sinal, e ainda não restituído à B..., constitui uma variação patrimonial positiva não excluída de tributação, concorrendo a mesma para o apuramento do lucro tributável da Requerente. Deste modo, considerando uma variação patrimonial positiva de €1.000.000, e outros ajustamentos que a Requerente não questiona, propunha a AT correções à matéria tributável de IRC da Requerente para o ano de 2021 no valor de € 727.777,19;

xii)      A 02 de janeiro de 2025 foi emitida a LIQUIDAÇÃO DE IRC com um montante a pagar de € 167.041,92;

xiii)    Não releva toda a argumentação que a AT utilizou no Relatório de Inspeção, uma vez que, toda esta informação resulta, nas palavras da AT, de informações que retirou da petição inicial intentada junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Sintra, sob a forma de Ação de Processo Comum, pela B..., S.A. contra a Requerente. Também não releva a sentença de 07.01.2021 de uma providência cautelar de entrega judicial do bem locado intentada contra a Requerente pelo C...;

xiv)     Não deixa de ser curioso que a AT considere os factos alegados numa petição inicial como verdadeiros tout court (e até como fonte de Direito), sem nunca mencionar que o Tribunal ainda não se pronunciou sobre os mesmos, ou seja, sem que exista qualquer sentença transitada em julgado;

xv)       Quanto ao procedimento cautelar, a AT em momento algum faz referência à ação principal ou ao seu desenrolar, bastando-se com uma referência genérica: “(…) foi julgada procedente, tendo sido decretada a respetiva providência cautelar de entrega judicial do bem locado por sentença de 2021-01-07 (…)”;

xvi)     Os factos mencionados tanto no Relatório de Inspeção não podem ser considerados verdadeiros, uma vez que resultam apenas da reprodução de articulados processuais de ações propostas contra a Requerente. Caso a AT pretenda sustentar a sua posição com base nesses factos, deverá pelo transito em julgado da sentença que venha a ser proferido no âmbito da ação principal;

xvii)   Nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, os registos contabilísticos da Requerente beneficiam de uma presunção de veracidade, presunção esta que em momento algum é posta em causa pela AT;

xviii) Nos termos do artigo 17.º do Código do IRC “[o] lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”;

xix)     Em termos contabilísticos, o reconhecimento dos rendimentos obtidos pelo exercício da atividade ordinária/corrente de uma entidade, enquadram-se no conceito de rédito, previsto no parágrafo 7 da NCRF 20 o “influxo bruto de benefícios económicos durante o período proveniente do curso das actividades ordinárias de uma entidade quando esses influxos resultarem em aumentos de capital próprio, que não sejam aumentos relacionados com contribuições de participantes no capital próprio”;

xx)       O rédito proveniente da venda de bens apenas pode ser reconhecido quando todas as seguintes condições estejam cumpridas: (i) a entidade tenha transferido para o comprador os riscos e vantagens significativos da propriedade dos bens, (ii) a entidade não mantenha envolvimento continuado de gestão com grau geralmente associado com a posse, nem o controlo efetivo dos bens vendidos, (iii) a quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada, (iv) seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade, e (v) os custos incorridos ou a serem incorridos referentes à transação possam ser fiavelmente mensurados;

xxi)     É indiscutível que o reconhecimento do rédito não deve ser influenciado pelo momento dos recebimentos, ainda que existam adiantamentos realizados de montantes relevantes, ou sequer, pelo momento em que exista a emissão da fatura de venda;

xxii)   No caso em concreto, se os riscos e vantagens associados ao bem não foram transferidos em 2021, não podendo o promitente comprador tomar controlo do bem imóvel nesse momento, o rédito pela venda dos bens (e o respetivo gasto de vendas associado) apenas deve ser reconhecido no período em que tal acontecer, independentemente de existirem adiantamentos no período de 2021;

xxiii) Não havendo lugar, no exercício do recebimento, ao reconhecimento de qualquer rédito, não há lugar à movimentação da Conta 8 - Resultados. E também não releva para o apuramento de qualquer outra variação patrimonial (positiva ou negativa) dado que ao reconhecer o aumento de €1.000.000,00, reconheceu também um crédito de clientes no mesmo montante;

xxiv)  O valor global de €1.000.000 recebido a título de sinal pela celebração do CPCV, constitui um mero adiantamento sobre o preço de venda, enquanto não ocorrer a tradição ou transferência do imóvel, motivo pela qual se reconhece o ativo e o passivo correspondente. Deste modo, deverá o respetivo rédito ser, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 18.º do Código do IRC, apenas considerado como rendimento (rédito) no momento (período) em que ocorrer a transferência da propriedade (celebração do contrato prometido), altura em que se apura, para efeitos de IRC, o rendimento resultante da venda;

xxv)    Nos presentes autos, considera a AT que a quantia de €1.000.000 deve ser reconhecida no período em que foi recebida, enquanto variação patrimonial positiva, porquanto, estando a celebração do contrato definitivo alegadamente inviabilizada, a Requerente não restituiu a respetiva quantia à B...;

xxvi)  Sucede que o sinal apenas deverá concorrer para o apuramento do lucro tributável do período de tributação em que ocorrer a transmissão do imóvel ou do período de tributação em que os efeitos do contrato promessa cessem em definitivo, seja por revogação bilateral, seja por sentença transitada em julgado;

xxvii)Até que haja uma decisão judicial, transitada em julgado, que determine a obrigação ou não, e em que montantes, da Requerente em restituir o sinal à B..., não pode a AT considerar ter a Requerente apurado uma variação patrimonial positiva;

xxviii)  Sem prejuízo do exposto, parece a AT dar a entender que o apuramento da variação patrimonial positiva pela Requerente também se justifica pelo facto de esta ter utilizado o valor corresponde ao sinal. Todavia, todos os movimentos identificados pela AT, foram contabilisticamente registados a débito (conta 25321120) e a crédito (conta 12350000) e pelos mesmos valores, não tendo, pois, qualquer impacto no património da sociedade, uma vez que estamos perante operações neutras.

 

Posição da Requerida

A Requerida apresentou contestação, tendo alegado que:

i)           No momento da celebração do contrato, a Requerente não era a proprietária do imóvel, daí o contrato fazer referência à venda de bem futuro. A informação transmitida à B..., foi a de que existia um contrato de locação financeira entre o Banco D... (locador) e uma empresa do Grupo a que pertence a Requerente, que, como locatária, por disposição contratual, tinha opção de compra para si ou outra empresa do Grupo;

ii)         Na certidão permanente remetida pela Requerente à sociedade compradora, constava uma locação financeira registada pelo prazo de 20 anos, a favor da sociedade E..., S.A. (locatária), tendo sido com base nesta informação, que foi firmado o CPCV sobre bem futuro;

iii)       Após a celebração do CPCV sobre bem futuro, a B..., veio a constatar que o Banco D..., S.A., havia resolvido o contrato de locação financeira e intentado um procedimento cautelar contra a locatária (sociedade E... S.A.), que correu termos sob o n.º .../20...T8LSB, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Oeste, Juízo Central Cível Sintra - Juiz ..., foi julgado procedente, tendo sido decretada a respetiva providência cautelar de entrega judicial do bem locado por sentença de 07.01.2021, já transitada em julgado à data da celebração do Contrato Promessa;

iv)        Em 24.05.2021, o Banco D..., requereu a entrega imediata do imóvel, com vista ao cumprimento da providência cautelar decretada e no dia 26.05.2021, foi proferido Despacho Judicial, ordenando a entrega do bem imóvel ao Banco D...;

v)          No dia 30.09.2021, a E... S.A., remeteu aos autos um cronograma para desocupação e entrega do imóvel, pelo que no mesmo período temporal em que era negociado o CPCV, existiam requerimentos e despachos judiciais, para determinar a data de entrega do bem imóvel ao Banco D..., sem que a B... de nada soubesse, tendo-lhe sido ocultada essa informação relevante;

vi)        No dia 09.11.2021, o Banco D..., vendeu o imóvel à sociedade F... Lda. (com o NIF...);

vii)      É seguro afirmar que, aquando da outorga do CPCV de bem futuro, havia cessado o contrato de locação financeira, inexistindo condições para a Requerente prometer vender o bem. Mais, a 2021-11-09 o Banco (proprietário do imóvel) vendeu o bem aqui em causa, a outra entidade, não sendo possível ao vendedor, no ano de 2021, desenvolver as diligências necessárias no sentido de adquirir ao seu dono o bem que prometeu vender através do CPCV;

viii)    Neste sentido, configura que a Requerente negociou o CPCV de bem futuro, sabendo que, paralelamente e em simultâneo, estava a ser exigido judicialmente a devolução do imóvel pelo Banco D..., sem nunca ter dado conhecimento à B... dessa informação, sempre fazendo crer que o contrato de locação financeira estava em vigor e existia opção de compra do bem, e assim não honrando o princípio da boa-fé;

ix)        A Requerente induziu os promitentes compradores em erro, na medida em que lhes garantiu e fez crer que iria vender no prazo estipulado contratualmente, o imóvel aqui em causa, vinculando-os a uma promessa de compra de um bem futuro e a abrir mão do montante de € 1.000.000,00 de princípio de pagamento;

x)          Não poderá o sujeito passivo efetuar a transferência do imóvel aqui em causa, para o património da B..., uma vez que este foi vendido à F... Unipessoal Lda, pelo que nestas condições, o contrato promessa celebrado entre a Requerente e a B..., tornou-se extinto por cessão unilateral;

xi)        Realça-se que, para além de não ter devolvido o montante recebido a título de sinal, após denúncia do CPCV pela B..., o sujeito passivo utilizou a referida verba como própria, tendo realizado o empréstimo da mesma à sua sócia;

xii)      Do exposto, verifica-se que o montante de € 1.000.000,00 recebido, encontra-se dissociado do CPCV de bem futuro, como comprovado ao longo do Relatório de Inspeção Tributária;

xiii)    Perante a factualidade descrita, só pode a Administração Fiscal entender que o valor de € 1.000.000,00, entregue pela B..., S.A., consubstancia uma variação patrimonial positiva na esfera da Requerente, uma vez que o CPCV de bem futuro é impossível de realizar. Tratou-se de um depósito efetuado na conta bancária de um sujeito passivo, sem que a este caiba qualquer obrigação efetiva que se lhe associe, sendo definível como variação patrimonial positiva, pois tal entrada de capital permiti-lhe diminuir os seus passivos, sem qualquer contrapartida firme e indiscutível;

xiv)     Um incremento patrimonial que não se encontre refletido no resultado do exercício e cuja sustentação não se enquadre em nenhuma das exceções do artigo 21.º, n.º 1, do CIRC, é tributado como variação patrimonial positiva;

xv)       Não cabe à AT tirar ilações sobre o facto de o sujeito passivo vir a ser condenado na devolução do sinal ou do seu dobro, uma vez que tal não ocorreu até à data da própria inspeção e só na altura em que essa questão se coloque, irá a AT pronunciar-se sobre a própria aceitabilidade do eventual gasto ou eventual variação patrimonial negativa;

xvi)     Em conformidade com o n.º 1 do artigo 24.º do CIRC, e tal como se verifica, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, o valor pago pela B... à Requerente, não se enquadra em nenhuma das exceções que não concorrem para a formação do lucro tributável, ou seja, o património da Requerente sofreu uma variação patrimonial positiva por acréscimo das disponibilidades financeiras, no montante de € 1.000.000,00, sendo que esse acréscimo patrimonial não foi refletido na contabilidade;

xvii)   Encontra-se devidamente fundamentado no RIT o motivo que levou os SIT a enquadrarem o valor recebido como um acréscimo ao património da Requerente, nomeadamente, porque assim foi considerado pela Requerente ao apropriar-se das verbas como sendo suas;

xviii) O património da sociedade beneficiou de um acréscimo de disponibilidades financeiras no montante de €1.000.000,00, valor esse que não foi refletido na contabilidade da sociedade, sendo que deverá ser considerado uma variação patrimonial de natureza quantitativa, que corresponde a uma alteração do valor do património da entidade, neste caso, de um aumento patrimonial, por evidenciar capacidade contributiva. Estamos perante uma variação patrimonial positiva, sujeita a tributação, não se verificando qualquer das exceções estabelecidas no artigo 21.º do CIRC.

 

II.        Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato de liquidação de IRC e de juros compensatórios.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades ou irregularidades.

 

III.      Prova

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

a)          A Requerente iniciou a sua atividade em 27.12.2018 e tem por objeto social a compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, o arrendamento de bens imóveis, a administração e gestão de património imobiliário, a construção civil, urbanização e loteamentos de promoção própria e a reabilitação de imóveis;

b)         Em 12 de setembro de 2024 foi comunicado à Requerente o início do procedimento inspetivo interno abrangido pela ordem de serviço n.º OI2024..., que tinha por objeto avaliar a situação tributária do sujeito passivo, nomeadamente, no que respeita às rubricas de gastos e rendimentos e os respetivos ajustamentos fiscais ao resultado líquido do exercício de 2021;

c)          Em 13.09.2021 foi outorgado entre a «B..., SA» (doravante «B... », NIPC ...) e a Requerente um contrato promessa de compra e venda (CPCV) de bem futuro, relativo a um imóvel com inscrição matricial n.º U-... (freguesia...);

d)         À data da celebração do CPCV, o imóvel era propriedade do «C..., SA». Do CPCV consta a celebração, em Junho de 2006, de um contrato de locação financeira entre a referida instituição de crédito e a «E..., SA», no qual foi estipulada uma cláusula de opção de compra do imóvel a qualquer momento durante a vigência do contrato;

e)          Em consequência da outorga do CPCV, a Requerente prometeu vender e a «B..., SA» prometeu adquirir o bem imóvel, tendo esta última pago, a título de sinal, os montantes de € 800.000,00 e € 200.000,00;

f)          Igualmente em 13.09.2021, a Requerente e a «B... » celebraram um contrato promessa de arrendamento urbano do mesmo imóvel, nos termos do qual a última daria o imóvel em arrendamento à primeira pelo prazo de 10 anos. A Requerente entregou à «B..., SA» a quantia de € 210.000,00 a título de sinal;

g)         Os dois contratos prometidos (de compra e venda e de arrendamento urbano) não foram celebrados;

h)         Em 24.05.2021, o «Banco D..., SA» intentou um procedimento cautelar contra a locatária «E..., SA», o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível Sintra (n.º .../20...T8LSB) e foi julgado procedente por sentença transitada em julgado, tendo sido decretada a entrega judicial do imóvel ao locador. Dos autos não consta qualquer informação quanto à ação principal;

i)           Em 09.11.2021 o «Banco D..., SA» alienou o imóvel em apreço à sociedade comercial «F..., LDA» (NIPC ...);

j)           Em 29.12.2022, a «B... » submeteu a petição n.º ... no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Sintra, sob a forma de Ação de Processo Comum, tendo a atual Requerente como réu. Nesta ação, a «B... » solicita a declaração de resolução do CPCV e a devolução, em dobro, da quantia entregue a título de sinal;

k)         A referida ação aguarda prolação de sentença;

l)           A quantia de € 1.000.000,00, recebida a título de sinal pela celebração do CPVC, foi pela Requerente contabilizada como ativo, mediante débito na conta 12 Depósitos à Ordem. Simultaneamente, o mesmo valor foi registado como passivo, mediante crédito na conta 218 Adiantamentos de Clientes;

m)        A quantia de € 210.000,00 paga pela Requerente a título de sinal pela celebração do contrato promessa de arrendamento urbano, foi registada como menor ativo, mediante crédito na conta 12 Depósitos à Ordem. Em contrapartida, foi registado um ativo, por igual valor, na conta 278 Outros Devedores e Credores;

n)         A Requerente concedeu um empréstimo de € 753.323,79 à sociedade «H..., LDA», o qual foi registado como ativo por débito na conta 25321120 e como menor ativo por crédito na conta 12350000;

o)        

A...

B...

Do Relatório de Inspeção Tributária (doravante “RIT”) consta, relativamente à quantia de € 1.000.000,00 recebida pela Requerente, que:

 

 

A...

B...

(…)

 

 

B...

 

(…)

 

B...

A...

E...

D...

 

 

A...

(...)

 

(…)

 

 

F...

B...

 

(…)

 

B...

B...

 

p)         Quanto ao pagamento de € 210.000,00 pago pela Requerente a título de sinal, consta do RIT que:

 

B...

 

q)         Os Serviços de Inspeção Tributária (doravante “SIT”) consideraram como indevida a dedução de IVA da quantia de € 11.500,00, correspondente ao IVA liquidado pela prestação do serviço de mediação imobiliária prestado pela sociedade «G..., LDA». Pelo que esta quantia foi considerada como dedutível em sede de IRC;

r)          Termos em que do RIT consta a correção total ao lucro tributável da Requerente no exercício de 2021, em sede de IRC, no valor total de € 727.777,19:

s)          Foram emitidas as notas de liquidação de imposto n.º 2025 ... e de juros compensatórios n.º 2025 ..., no valor total de € 167.041,92.

Os factos dados como provados assentam na documentação junta aos autos, incluindo o RIT. Com relevância para a apreciação do mérito, não foi dado como provado que o CPCV se encontre extinto na medida em que uma tal conclusão se encontra a ser dirimida em juízo cível (aguardando prolação da decisão).

 

IV.      Do Mérito 

O pedido e a causa de pedir, que circunscrevem a apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral, centram-se na qualificação como variação patrimonial positiva da quantia recebida pela Requerente a título de sinal e como consequência da celebração de um CPCV.

A Requerente entende que o registo contabilístico do sinal se encontra em conformidade com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), revelando uma total neutralidade ao nível do património líquido, atenta a coincidência entre os valores registados como ativo e passivo.

Já a Requerida, com base no RIT que suporta e fundamenta o ato tributário, contende que o património da Requerente beneficiou de um acréscimo de disponibilidades financeiras, sem qualquer contrapartida no passivo devido à extinção do CPVC,  o que é qualificável como uma variação patrimonial de natureza quantitativa e tributável por falta de previsão nas exceções elencadas no artigo 21.º do Código do IRC.

 

Antecipando a decisão, não assiste razão à Requerida. Que, sem nunca questionar o enquadramento contabilístico adotado pela Requerente, fundamenta o RIT num equívoco que confunde fluxos financeiros e económicos.

Vejamos.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRC, este tributo incide sobre a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas nesse mesmo Código e em legislação especial.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRC determina que: “o lucro tributável das pessoas coletivas (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas ou negativas verificadas no período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

O IRC encontra-se edificado em torno do princípio do rendimento-acréscimo, porquanto a determinação da base tributável se afere a partir de fluxos económicos gerados na atividade social, independentemente da sua origem e natureza e de materializarem ou não um fluxo financeiro.

Em conformidade com o modelo de aceitação parcial acolhido na aludida norma, a base tributável é definida em estrita obediência ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e, subsidiariamente, pelas disposições fiscais que dele divergirem.

No plano da contabilidade, importa destacar a coexistência de dois elementos divergentes nas unidades de medição, mas coincidentes na finalidade: o balanço e a demonstração de resultados.

O primeiro representa os elementos que compõem os ativos e passivos detidos pelo sujeito passivo. A diferença entre ambos revela o património num determinado momento temporal. Esse património diferencial entre ativo e passivo constitui o capital próprio (também comummente designado por “situação líquida”, ainda que sem qualquer confusão com a liquidez).

Já a demonstração de resultados identifica o rédito e os gastos registados no período económico e que, por diferença, permitem apurar o resultado económico (positivo ou negativo).

Note-se que este mesmo resultado líquido (por diferença entre o rédito e os gastos) constitui uma parcela do próprio balanço, sendo registado no capital próprio (diferença, como vimos entre o ativo e o passivo).

Sabendo que a contabilidade, na sua essência, mede fluxos económicos registados pelo valor histórico de entrada no património social, o capital próprio constitui, na sua aceção conceptual, o valor que os sócios, idealmente, receberiam em caso de dissolução da sociedade comercial e consequente partilha de bens.

Temos assim que todo o incremento ou diminuição do acervo patrimonial influenciam a determinação da base tributável do IRC. Dito de outra forma, todas as variações positivas ou negativos do capital próprio, que inclui o resultado líquido do exercício, constituem a base de incidência do imposto.

Finalmente, os artigos 21.º e 24.º do Código do IRC enunciam, taxativamente, as variações positivas e negativas verificados no capital próprio (e não refletidas no resultado líquido) num dado exercício económico que, excecionalmente, não revelam para efeitos de apuramento da base tributável.

 

Chegados aqui, é pacífico na nossa jurisprudência que o RIT constitui o fundamento do ato tributário controvertido, pelo que a sindicância judicial apenas poderá formular um juízo sobre a validade do ato tributário no contexto da correspondente fundamentação aduzida no RIT.

Qualquer fundamentação posterior, por incumprir com o dever legal de fundamentação que funda e legitima o ato tributário, é irrelevante (entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2024, processo n.º 01966/07.5BELSB).

 

Conforme decorre explicitamente do RIT, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que um depósito efetuado na conta bancária do sujeito passivo, sem que a este caiba qualquer obrigação efetiva que se lhe associe, é definível como variação patrimonial positiva, pois tal entrada de capital permiti-lhe diminuir os seus passivos, sem qualquer contrapartida firme e indiscutível.

Embora não o indique expressamente, o entendimento da Requerida - de inexistência de qualquer contrapartida decorrente da receção do valor monetário - alicerça-se na impossibilidade de cumprimento do CPCV. Entende a Requerida que o CPCV “tornou-se extinto”, pelo que o valor monetário recebido “encontra-se dissociado do CPCV de bem futuro, como comprovado ao longo deste Relatório”.

 

Trata-se de um raciocínio assente no negócio jurídico celebrado entre duas entidades privadas e que se encontra a ser dirimido em tribunal cível, no qual aguarda prolação de decisão. Pelo que a conclusão da Requerida - a extinção e impossibilidade de cumprimento do CPCV - depende de um conjunto de ações e juízos fora do seu controlo.

Desde logo, é desconhecida a contestação apresentada pela Requerente na ação que lhe foi movida pelo promitente-comprador. Tal como não são conhecidos os termos da ação principal apresentada pelo locador contra a Requerente, bem como a contestação que por esta terá sido apresentada.

Compreendendo-se o juízo formulado pela Requerida, mas não é possível aceitar a conclusão, definitiva e encerrada, de que o CPCV perdeu a correspondente validade. Ou seja, não é aceitável tomar por certo e concluir que o efeito do CPCV se esgota na entrega de € 1.000.000,00 pelo prometendo-comprador ao promitente-vendedor.

O que nos conduz à apreciação do registo contabilístico, e consequente transcendência fiscal, adotado pela Requerente.

Esta considerou, à luz do SNC, concretamente da Norma Contabilística e de Relativo Financeiro (NCRF) 20, que a contrapartida consiste no registo de um passivo a título de pagamento antecipado do preço.

Ou seja, não se tendo celebrado o contrato prometido, o pagamento antecipado do preço não resulta da transferência dos riscos e benefícios inerentes à transmissão da propriedade (ou a tradição, caso a mesma tivesse ocorrido), motivo pelo qual a contrapartida não radica num rédito (ou no apuramento de uma mais ou menos-valia).

Não dispondo a legislação fiscal em sentido contrário, o registo do ativo e passivo em balanço, i. e. sem passar pelo resultado líquido do exercício, é irrepreensível.

Ora, não estando esta operação refletida no resultado líquido do exercício, será que estamos perante uma variação patrimonial positiva?

A resposta é negativa, na medida em que, como facilmente se observa, os valores do ativo e passivo se cancelam por identidade de valor, conduzindo a um resultado neutro no plano patrimonial.

Um ativo de um determinado valor, que tem como contrapartida um passivo de idêntico valor, não produz qualquer alteração no balanço. Este em nada varia. Não subsiste qualquer variação no capital próprio.

O ativo (entrada de dinheiro) consiste num mero adiantamento do preço, relativamente a uma operação pendente de conclusão. Razão pela qual, o SNC determina a sua contabilização, como passivo, numa conta de adiantamento. E, como vimos, a legislação fiscal não dispõe em sentido diverso.

 

Não colhe a fundamentação aduzida no RIT, ao abrigo da qual se verifica “uma alteração do valor do património da entidade”, porquanto a AT não toma em linha de conta o registo do passivo. O qual também tem por efeito a diminuição do valor patrimonial. Sendo que o valor agregado do ativo e passivo produz um efeito zero no balanço e capital próprio.

Ou seja, há uma variação patrimonial positiva em concomitância e como consequência de uma variação patrimonial negativa.

Insiste-se que o património não consiste na mera ou simples medição de fluxos financeiros (cash-flow), antes medindo ativos e passivos que, ainda que não envolvam um influxo ou exfluxo monetário, representam uma expressão económica. É manifestamente o caso do adiantamento de clientes registado pela Requerente, conforme exigência do ordenamento contabilístico e fiscal.

 

Todavia, o RIT considera que, no seguimento da alienação do imóvel, o objeto contratual que o CPCV materializa é impossível de alcançar.

À Requerente não seria possível prometer vender um imóvel que o proprietário já alienou a um terceiro. Mais, a Requerida destaca - corretamente - que esta informação já era conhecida à data de celebração do CPCV e ao longo do prazo acordado pela partes para a celebração do contrato prometido.

Ou seja, o património da Requerente teria aumentado em € 1.000.000,00 como consequência de um CPCV que já se sabia ter-se tornado “extinto”.

Sucede que este raciocínio se apresenta como incompleto.

Desde logo, porque inexiste qualquer informação que nos conduza a uma tal conclusão. Embora a providência cautelar apresentada pelo proprietário (de entrega do imóvel locado) tenha transitado em julgado e o próprio imóvel já tenha sido alienado, não há qualquer informação quanto à ação principal.

A própria ação movida pelo promitente-comprador aguarda prolação da decisão em primeira instância.

Na verdade, o destino do imóvel - e, para o que aqui nos interessa, do pagamento antecipado de € 1.000.000,00 - poderá não estar encerrado. Sendo certo que as decisões judiciais, quando transitadas em julgado, originarão novos impactos económicos no balanço e/ou no resultado líquido dos diversos intervenientes.

Note-se que a Requerida não coloca em crise a contabilização do passivo por parte da Requerente. Começa por encarar o ativo como firme e definitivo (ou seja, como um valor de que a Requerente se apropriou e que perdeu a sua natureza de adiantamento, atenta a impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa). Ao mesmo tempo, o RIT não tece qualquer consideração sobre o passivo. Ou seja, não questiona que o passivo carece de cancelamento ou regularização.

Ora, mesmo a aceitar-se o entendimento de que o contrato-promessa se extinguiu - o que, como vimos, não é possível em vista dos processos judiciais em curso - a consequência seria a inversão da contabilização inicial: a devolução do preço (variação patrimonial negativa) e o cancelamento do passivo (variação patrimonial positiva).

O efeito, como bem se vê, mantém-se: não existe qualquer variação patrimonial, dado que o efeito é neutro.

A Requerida salienta, na sua resposta, que “não cabe à AT tirar ilações sobre o facto de o sujeito passivo vir a ser condenado na devolução do sinal ou do seu dobro, uma vez que tal não ocorreu até à data da própria inspeção, e só na altura em que essa questão se coloque, irá a AT pronunciar-se sobre a própria aceitabilidade do eventual gasto ou eventual variação patrimonial negativa”.

No entanto, é precisamente o que consta do RIT: a AT retira a conclusão de extinção do contrato-promessa, ao mesmo tempo que restringe a consequência dessa extinção ao ativo (recebimento monetário). Ignorando que esse ativo só foi registado como contrapartida de um passivo: ocorreu o pagamento de um preço antecipadamente à outorga do contrato prometido.

Não é possível pugnar pela manutenção do ativo, esquecendo a necessidade de cancelar o passivo. Sendo certo que a AT nenhuma consideração tece quanto à manutenção desse mesmo passivo, ou seja, aceita a continuidade do registo desse passivo.

Verifica-se uma deficiência na apreciação do regime contabilístico e fiscal, dado que o RIT considera o recebimento de um valor monetário como um bem em si mesmo e desligado de qualquer operação económica. Como se um recebimento pudesse ser afastado, ou criteriosamente retalhado, da operação económica subjacente. Aceitando-se o ativo que flui dessa operação, enquanto se olvida o passivo que é consequência desse ativo.

 

O mesmo volta a suceder quanto a Requerida tece considerações sobre o empréstimo de € 753.323,79 realizada pela Requerente a uma outra sociedade que participa no seu capital social, concluindo que “o sujeito passivo utilizou a referida verba como própria, tendo realizado o empréstimo da mesma à sua sócia”.

O dinheiro é, por definição fungível. E sem dúvida que o incremento da liquidez, por via da antecipação do preço, poderá ter facultado a realização de um empréstimo. Todavia, tal não permite concluir pela apropriação económica do ativo como se este se houvesse tornado propriedade definitiva e inelutável da Requerente.

Com efeito, a Requerente limitou-se a substituir um ativo (dinheiro) por outro ativo (empréstimo). E, mais uma vez, sem que tal provoque uma variação patrimonial.

O RIT considera que tal se realizou “sem encargos”, o que poderá indicar não ter sido estipulado o pagamento de um juro. A ser o caso, tal careceria de análise em sede do princípio da plena concorrência e das correspondentes regras de preços de transferência, o que está para além do fundamento do ato tributário controvertido.

Como nota final, esclarece-se que idêntica conclusão é, com os mesmos fundamentos supra indicados, aplicável à variação patrimonial negativa de € 210.000,00 decorrente do pagamento antecipado da renda por parte da Requerente. Dado que este pagamento (a redução de ativo por exfluxo financeiro) também teve como contrapartida o aumento de um ativo (na conta de outros devedores). Razão pela qual não se verificou qualquer variação patrimonial negativa.

 

V.        Decisão

Face ao exposto, decide-se julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação do ato tributário controvertido de IRC e juros compensatórios.

 

VI.      Valor do Processo 

Fixa-se ao processo o valor de € 167.041,92, indicado pela Requerente, respeitante ao montante da liquidação de IRC e juros compensatórios cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VII.    Custas 

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

CAAD, 2 de dezembro de 2025

O Tribunal Arbitral,

 

 

Rita Correia da Cunha, com voto de vencido em anexo

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado

 

José Luís Ferreira (relator)

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

Não posso acompanhar a decisão da maioria do Tribunal, nem quanto ao sentido da decisão, nem quanto à matéria de facto e respetiva fundamentação, nem quanto à matéria de direito relevantes. 

Entendo que o Tribunal Arbitral deveria ter julgado o PPA totalmente improcedente, e absolvido a Requerida do pedido.

Passo a enunciar a minha discordância em maior detalhe.

Em primeiro lugar, entendo que o Sumário da Decisão Arbitral deveria ser o seguinte:

I.              O Retório de Inspeção Tributária (RIT) tem força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, cumprindo ao sujeito passivo (i) impugnar, de forma discriminada, os factos contidos no RIT, e (ii) oferecer prova para abalar a fé de que gozam os factos contidos no RIT ao abrigo do artigo 76.º, n.º 1, da LGT (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13-04-2010, processo n.º 02800/08, e de 26-06-2014, processo n.º 07148/13; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12-01-2017, processo n.º 00250/15.3BEPRT; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2022, processo n.º 14565/18.7T8PRT.P1.S1).

II.            A resolução de um contrato promessa não depende de intervenção do Tribunal, operando por simples declaração de um contraente ao outro contraente (cf. artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil).

III.          Tendo o contrato promessa cessado num período de tributação sem que tenha sido determinado ou efetuado o reembolso do sinal pelo promitente vendedor, o valor recebido a título de sinal pelo mesmo consubstancia, nesse período de tributação, uma variação patrimonial positiva na esfera do sujeito passivo, tributável em sede de IRC, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do CIRC.

Em segundo lugar, quanto à questão decidenda, identifico a mesma nos seguintes moldes:

As partes contendem quanto à qualificação como variação patrimonial positiva, tributável em sede de IRC, de uma quantia recebida em 2021 pela Requerente a título de sinal (€1.000.000,00) e como consequência da celebração de um contrato de compra e venda de bem (imóvel) futuro (“CPCV”) com a sociedade B.... À data da outorga do CPCV (13 de setembro de 2021), o imóvel prometido era da propriedade do C..., S.A. (“C...”). Até à data, a Requerente e a B... não celebraram o contrato definitivo de compra e venda do dito imóvel.

Considerando a posição das partes vertida nos respetivos articulados e os documentos juntos aos autos, torna-se claro que as partes não diferem quanto à interpretação das normas contabilísticas e fiscais aplicáveis. De facto, a resposta à questão decidenda (i.e. a questão de saber se o Sinal recebido pela Requerente em 2021 é tributável nesse ano em sede de IRC) depende essencialmente de saber se o CPCV se extinguiu em 2021 (como defende a AT Requerida), ou se o CPCV se mantém ainda na ordem jurídica (como defende a Requerente).

Em terceiro lugar, importa elencar a matéria de facto que entendo por provada e respetiva fundamentação.

Factos provados

Com relevo para a decisão, entendo que os seguintes factos se devem julgar provados:

- A Requerente tem por objeto social a compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; o arrendamento de bens imóveis; a administração e gestão de património imobiliário; a construção civil, urbanização e loteamentos de promoção própria; a reabilitação de imóveis (cf. RIT, e alegado no artigo 12.º do PPA - facto não controvertido).

- A Requerente é uma sociedade por quotas, cujo capital social é detido em 100% pela H...LDA., que por sua vez é controlada pela sociedade I... GESTORA PARTICIPACOES SOCIAIS S.A. (cf. RIT junto ao PPA como Documento 9, e alegado no Considerando B do contrato promessa junto ao PPA como Documento 2 - facto não controvertido).

- Em 2016, o C..., S.A. (“C...”) celebrou um contrato de locação financeira com referência ao imóvel com inscrição matricial n.º U-... (freguesia de ...) (“Imóvel”), pelo prazo de 20 anos, com a sociedade E..., S.A. (empresa do Grupo J..., a que pertence a Requerente), que, como locatária, por disposição contratual, tinha opção de compra para si ou outra sociedade do Grupo (cf. alegado nos Considerandos A e C do contrato promessa junto ao PPA como Documento 2, no RIT juntos aos autos como Documento 9, e alegado nos artigos 16.º e 17.º da resposta ao PPA).

- O C... resolveu este contrato de locação financeira por cartas datadas de 04-10-2019 (e recebidas em 08-10-2019 e 09-10-2019) e, posteriormente, intentou um procedimento cautelar contra a sociedade E... S.A. (que correu termos sob o n.º .../20...T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Oeste, Juízo Central Cível Sintra – Juiz ...), o qual foi julgado procedente, tendo sido decretada a respetiva providência cautelar de entrega judicial do bem locado por Sentença de 07-01-2021 (já transitada em julgado à data da celebração do CPCV) (cf. RIT junto ao PPA como Documento 9, e alegado no artigo 20.º da resposta ao PPA).

- Nesta sequência, no dia 26-05-2021, foi proferido Despacho Judicial ordenando a entrega do bem imóvel pela E... S.A. ao C... (cf. RIT junto ao PPA como Documento 9, e alegado no artigo 21.º da resposta ao PPA).

- Em 13-09-2021, foi outorgado um contrato promessa de compra e venda de bem futuro (“CPCV”) mediante o qual a Requerente prometeu vender e a sociedade B..., SA (doravante “B...”) prometeu comprar o referido Imóvel, ainda da propriedade do C... (cf. Documento 2 junto ao PPA, e RIT junto ao PPA como Documento 9 - facto não controvertido).

- O preço acordado com a B... foi de €5.000.000,00, a pagar nos seguintes termos: (i) €800.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento na data de celebração do CPCV, (ii) €200.000,00, a título de reforço de sinal, no prazo de dez dias úteis a contar da assinatura do CPCV (doravante “Sinal”), e (iii) €4.000.000,00 (quatro milhões de euros) aquando da outorga da escritura de compra e venda (cf. Documento 2 junto ao PPA - facto não controvertido).

- A Requerente cumpriu com o pagamento do Sinal e respetivo reforço das datas acordadas através de cheque (cf. RIT junto ao PPA como Documento 9 - facto não controvertido).

- Nos termos do contrato-promessa em causa, a tradição do imóvel ocorreria na data da escritura, que deveria ser celebrada no prazo de 45 dias a contar da assinatura do contrato-promessa em apreço (cf. Documento 2 junto ao PPA -facto não controvertido).

- A cláusula sétima do CPCV, sob a epígrafe “Incumprimento Definitivo”, dispunha o seguinte:

(cf. Documento 2 junto ao PPA - facto não controvertido).

- A cláusula oitava do CPCV, sob a epígrafe “Condição Suspensiva”, dispunha o seguinte:

(cf. Documento 2 junto ao PPA - facto não controvertido).

- Pelo recebimento da quantia de €1.000.000, a título de Sinal, a Requerente registou na sua contabilidade um movimento a débito, na “Conta 12 - Depósitos à Ordem”, por contrapartida de um movimento a crédito, na “Conta 218 - Adiantamentos de Clientes”, reconhecendo, consequentemente, o ativo e o passivo correspondente (cf. Documentos 3 e 4 juntos ao PPA - facto não controvertido).

- À data da celebração do CPCV (13-09-2021), a Requerente e a B... celebraram um contrato-promessa de arrendamento urbano do mesmo imóvel (bem futuro), nos termos do qual a última daria o imóvel em arrendamento à primeira pelo prazo de 10 anos, tendo a Requerente entregue à B... a quantia de €210.000,00 a título de caução (cf. Documento 5 junto ao PPA - facto não controvertido).

- A Requerente contabilizou o pagamento desta caução, registando um movimento a crédito, na “Conta 12 - Depósitos à Ordem”, por contrapartida de um movimento a débito, na “Conta 278 - Outros Devedores e Credores, movimentando, consequentemente, exclusivamente contas de ativo (cf. Documentos 3 e 4 juntos ao PPA - facto não controvertido).

- Decorrido o prazo de 45 dias estipulado no CPCV para celebração do contrato definitivo (28-10-2021), a Requerente não comunicou à B... a data da escritura pública de compra e venda e não manifestou intenção de prorrogar o aludido prazo (cf. RIT junto ao PPA como Documento 9). 

- Em 09-11-2021, a B... remeteu uma carta à Requerente a resolver o CPCV e a exigir, em dobro, a restituição do Sinal pago, na qual se pode ler:

 

(cf. RIT junto ao PPA como Documento 9).

- Em 09-11-2021, o C... (ainda proprietário do imóvel prometido) alienou o imóvel em causa à sociedade comercial F..., Lda. (cf. RIT junto ao PPA como Documento 9, e alegado no artigo 23.º da resposta ao PPA).

- Em 29-12-2022, a B... submeteu a petição n.º ... no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Sintra, sob a forma de Ação de Processo Comum, tendo a atual Requerente como réu, invocando, entre o mais: (i) o incumprimento do prazo estipulado para celebração do contrato de compra e venda definitivo e solicitando ao Tribunal a declaração de resolução do CPCV com este fundamento, (ii) a não verificação da condição suspensiva de o Imóvel ser adquirido pela Requerente e solicitando ao Tribunal a devolução, em dobro, da quantia entregue a título de sinal, e (iii) subsidiariamente, a declaração de anulabilidade do CPCV com fundamento em dolo da Requerente, que induziu a B... em erro na fase pré-contratual (cf. RIT junto ao PPA como Documento 9 e documentação em anexo).

- Em 12-09-2024, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2024..., iniciou o procedimento de inspeção de natureza interna e âmbito parcial ao IRC de 2021 da Requerente, tendo este procedimento por objeto avaliar a situação tributária da Requerente, nomeadamente, no que respeita às rubricas de gastos e rendimentos e os respetivos ajustamentos fiscais ao resultado líquido do exercício em causa (cf. RIT junto ao PPA como Documento - facto não controvertido).

- Do Relatório de Inspeção Tributária emitido no âmbito deste procedimento inspetivo (doravante “RIT”) consta, relativamente à quantia de €1.000.000,00 recebida pela Requerente a título de Sinal, o seguinte:

 

A...

B...

(...)

 

(…)

[A Requerente acrescentou em sede de audição prévia]

 

B...

 

[Com referência ao alegado pela Requerente em sede de audição prévia]

 

E...

B...

D...

B...

 

 

D...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

B...

 

 

A...

A...

B...

B...

B...

 

B...

 

 

B...

D...

 

 

 

 

E...

D...

D...

D...

 

E...

 

 

B...

A...

...

F...

D...

D...

B...

 

 

 

B...

A...

E...

D...

A...

B...

D...

A...

 

 

 

 

F...

B...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

F...

 

 

D...

 

 

 

 

B...

 

 

B..

B...

B...

 

 

A...

 

 

 

B..

B...

 

 

A...

B...

B...

B...

F...

D...

 

(cf. RIT junto ao PPA como Documento 9).

- Com base no RIT, foram emitidas as notas de liquidação de imposto n.º 2025 ... e de juros compensatórios n.º 2025..., no valor total de € 167.041,92 (cf. Documento 1 junto ao PPA - facto não controvertido).

- A Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos em 03-02-2025.

Fundamentação da matéria de facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código do Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Quanto ao ónus da prova, tem razão a Requerente quanto defende que, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), cabe à AT a prova dos factos constitutivos da existência de uma variação patrimonial positiva, e que, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, os dados e apuramentos inscritos na contabilidade da Requerente presumem-se verdadeiros. Com base nos documentos contabilísticos da Requerente, deram-se por provados os seguintes factos:

Pelo recebimento da quantia de €1.000.000, a título de Sinal, a Requerente registou na sua contabilidade um movimento a débito, na “Conta 12 - Depósitos à Ordem”, por contrapartida de um movimento a crédito, na “Conta 218 - Adiantamentos de Clientes”, reconhecendo, consequentemente, o ativo e o passivo correspondente (cf. Documentos 3 e 4 juntos ao PPA)”.

A Requerente contabilizou o pagamento desta caução, registando um movimento a crédito, na “Conta 12 - Depósitos à Ordem”, por contrapartida de um movimento a débito, na “Conta 278 - Outros Devedores e Credores, movimentando, consequentemente, exclusivamente contas de ativo (cf. Documentos 3 e 4 juntos ao PPA)”.

A Requerente impugna factos alegados no RIT por a AT ter utilizado informações que retirou (a) da petição inicial intentada junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Cível de Sintra, sob a forma de Ação de Processo Comum, pela B..., S.A. contra a Requerente, e (b) da Sentença de 7 de janeiro de 2021 de uma providência cautelar de entrega judicial do bem locado intentada contra a Requerente pelo C... (cf. artigo 40.º do PPA). Alega a Requerente que (i) a referida petição inicial encontra-se sujeita ao princípio do contraditório (via contestação), (ii) não existe sentença transitada em julgado na referida Ação de Processo Comum, e (iii) a referida providência cautelar é necessariamente instrumental ou dependente da interposição de uma ação principal, à qual a AT não faz referência do Projeto de RIT (cf. artigos 41.º a 47.º do PPA). Com estes fundamentos, conclui a Requerente que: (1) “todos os factos mencionados tanto no PROJETO RELATÓRIO como no Relatório de Inspeção não podem ser considerados verdadeiros, uma vez que resultam apenas da reprodução de articulados processuais de ações propostas contra a REQUERENTE” (cf. artigo 47.º do PPA); e (2) “caso a AT pretenda sustentar a sua posição com base nesses factos, deverá aguardar a pronúncia do Tribunal competente, ou seja, pelo transito em julgado da sentença que venha a ser proferido no âmbito da ação principal” (cf. artigo 48.º do PPA).

Que dizer?

Primeiramente, interessa relembrar o valor probatório do RIT, tal como entendido pelos Tribunais Superiores. No sumário do Acórdão de 13-04-2010, processo n.º 02800/08, o Tribunal Central Administrativo Sul reconhece força probatória plena ao RIT:

“2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor”.

No sumário do Acórdão de 26-06-2014, processo n.º 07148/13, o Tribunal Central Administrativo Sul disse o seguinte:

“(i) O valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório. (ii) Assim, o valor probatório do relatório da inspecção tributária só poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Já o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 12-01-2017, processo n.º 00250/15.3BEPRT, veio esclarecer em que medida o sujeito passivo pode abalar o valor probatório de um RIT. Começando por relembrar o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da LGT (nos termos do qual as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei), o Tribunal veio dizer o seguinte:

“a “fé” creditada às informações (objetivas) da inspeção tributária apenas poderia ser afastada por meio de prova “que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto”.

se o contribuinte pretende contrariar a “fé” creditada aos factos objetivos expostos no relatório não lhe basta negá-los, impugná-los ou simplesmente contestar a sua força probatória pela falta de documentos que os comprovem. Porque o facto de não constarem do Relatório final da Auditoria realizado pela IGF (ou mesmo no Relatório da Inspeção Tributária) todos os documentos de suporte aos factos relatados não impede que se considerem provados, se contra eles a IMPUGNANTE não ofereceu prova bastante para abalar a “fé” de que gozam os factos objetivos constantes do relatório”.

Desta jurisprudência retira-se que o RIT tem “força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei”, e que cumpre ao sujeito passivo impugnar os factos contidos no RIT, e oferecer prova para abalar a fé de que gozam os factos contidos no RIT (ao abrigo do artigo 76.º, n.º 1, da LGT).

Em segundo lugar, interessa recordar que os Tribunais Superiores têm considerado que, em sede de recurso, nos termos do artigo 640.º do CPC, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto”; “E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2022, processo n.º 14565/18.7T8PRT.P1.S1). 

Tenho que a mesma exigência vale, mutatis mutandis, para a impugnação de factos contidos no RIT.

Regressando ao caso concreto, impõe-se concluir que (i) a Requerente pretendeu impugnar os factos constantes do RIT por remissão genérica, sem discriminar que factos pretendia impugnar, e que (ii) a Requerente não ofereceu qualquer prova para abalar a “fé” de que gozam os factos objetivos constantes do RIT nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LGT. Assim sendo, impõe-se concluir que a Requerente não ilidiu a “força probatória plena” do RIT, conforme lhe competia.

Pelo exposto, com base no RIT junto aos autos, tenho como provados os seguintes factos controvertidos:

“Em 2016, o C..., S.A. (“C...”) celebrou um contrato de locação financeira com referência ao imóvel com inscrição matricial n.º U-... (freguesia...) (“Imóvel”), pelo prazo de 20 anos, com a sociedade E..., S.A. (empresa do Grupo J..., a que pertence a Requerente), que, como locatária, por disposição contratual, tinha opção de compra para si ou outra sociedade do Grupo”.

“O C... resolveu este contrato de locação financeira por cartas datadas de 04-10-2019 (e recebidas em 08-10-2019 e 09-10-2019) e, posteriormente, intentou um procedimento cautelar contra a sociedade E... S.A. (que correu termos sob o n.º .../20...T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Oeste, Juízo Central Cível Sintra – Juiz ...), o qual foi julgado procedente, tendo sido decretada a respetiva providência cautelar de entrega judicial do bem locado por Sentença de 07-01-2021 (já transitada em julgado à data da celebração do CPCV)”

“Nesta sequência, no dia 26-05-2021, foi proferido Despacho Judicial ordenando a entrega do bem imóvel pela E... S.A. ao C...”

“Decorrido o prazo de 45 dias estipulado no CPCV para celebração do contrato definitivo (28-10-2021), a Requerente não comunicou à B...  a data da escritura pública de compra e venda e não manifestou intenção de prorrogar o aludido prazo”.

“Em 09-11-2021, a B... remeteu uma carta à Requerente a resolver o CPCV e a exigir, em dobro, a restituição do Sinal pago.”

“Em 09-11-2021, o C... (ainda proprietário do imóvel prometido) alienou o imóvel em causa à sociedade comercial F..., Lda.”

Os restantes factos relevantes não são controvertidos.

Em quarto e último lugar, passo a descrever a apreciação da matéria de direito que me parece mais correta e adequada no caso sub judice.

Tal como referido supra, considerando a posição das partes vertida nos respetivos articulados e os documentos juntos aos autos, torna-se claro que as partes não diferem quanto à interpretação das normas contabilísticas e fiscais aplicáveis, e que as partes acordam que o Sinal pago pela Requerente (€1.000.000,00) em 2021 - como consequência da celebração do CPCV com a sociedade B... em 13 de setembro de 2021 - constitui uma variação patrimonial positiva, tributável em sede de IRC, quanto o CPCV cesse os seus efeitos. 

As partes contendem sobre se, para efeitos de IRC, o CPCV entre a Requerente e a B... cessou em 2021: 

- A AT defende que o CPCV cessou unilateralmente em 9 de novembro de 2021, porquanto, nessa data, (i) a Requerente deixou de poder adquirir o imóvel em causa (o proprietário transferiu o mesmo para terceiros) e, consequentemente, de poder transmitir o imóvel para a B..., e (ii) a B... remeteu uma carta à Requerente a resolver o CPCV;

- A Requerente defende que, para efeitos de IRC, os efeitos do CPCV apenas podem cessar em definitivo por revogação bilateral, ou por sentença transitada em julgado, o que não se verificou em 2021 (nem posteriormente, até à data).

Cumpre apreciar.

Quanto à resolução do CPCV em apreço, interessa começar por sublinhar que, ao contrário do que entende a Requerente, a mesma não depende de intervenção do Tribunal, operando por simples declaração de um contraente ao outro contraente (cf. artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil). A este respeito, refere o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 22-05-2025, processo n.º 2719/22.6T8PRD.P1, o seguinte:

Quanto à resolução do contrato, a lei substantiva nacional optou por um sistema declarativo, o que significa que a resolução opera por simples declaração à parte a quem é direccionada, sem necessidade, por conseguinte, de intervenção constitutivo-condenatória do tribunal. 

Ou seja: a resolução opera ope voluntatis e não ope judicis, como flui do artigo 436.º, nº 1 do Código Civil). 

Por outro lado, a natureza potestativa da declaração de resolução confere-lhe características da unilateralidade recipienda, da irrevogabilidade, da incondicionalidade e da concretização dos respectivos fundamentos, tudo como decorre dos artigos 224.º, n.º 1, 1.ª parte e 230º, n.º 1 do mesmo diploma legal. 

Finalmente, a declaração negocial que traduza a resolução do contrato não está sujeita a forma especial, ainda que o contrato que, por intermédio dela, se pretenda destruir, o esteja, podendo mesmo operar de forma tácita, nos termos do artigo 217.º do Código Civil”.

Significa isto, no caso sub judice, que a resolução do CPCV não está dependente de revogação bilateral, ou da Sentença a proferir pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Sintra, na Ação de Processo Comum intentada pela B... contra a Requerente. Sendo certo que este Tribunal ainda não condenou a Requerente na devolução do sinal em dobro à B..., também é certo que o CPCV pode ser resolvido mediante declaração da B... comunicada à Requerente. Na verdade, o direito de uma parte de resolver um contrato-promessa, nos termos dos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, não se confunde com o seu direito da B... de exigir à Requerente nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, e da cláusula 7 do CPCV, que contém uma cláusula resolutiva expressa que confere o direito a resolver o contrato em caso de incumprimento e à restituição do sinal em dobro.

Quanto aos fundamentos da resolução do CPCV no caso em análise, interessa distinguir o incumprimento definitivo de contrato-promessa (a) por impossibilidade da prestação, designadamente pela alienação do bem a terceiro, e (b) por perda do interesse do credor na prestação, em consequência da sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele. Tal como referiu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 22-05-2025, processo n.º 2719/22.6T8PRD.P1, com referência ao incumprimento de um contrato-promessa:

Como, desde há muito, vem sendo entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, o incumprimento definitivo pode revelar-se por diversos meios: 

a) - A impossibilidade da prestação, por destruição da coisa ou pela sua alienação a terceiro, sem qualquer reserva; 

b) - Pelo decurso de prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; 

c) - Pela recusa peremptória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar; ou ainda 

d) - Pela perda do interesse do credor na prestação, em consequência de mora do devedor ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (interpelação admonitória - artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil)”.

Quanto ao incumprimento definitivo de contrato-promessa por impossibilidade (culposa) da prestação, dispõe o artigo 801.º do Código Civil:

“1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.

2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”. (sublinhado nosso)

In casu, tal como resulta da matéria assente, a B... comunicou a resolução do contrato a 09-11-2021, por a Requerente não ter cumprido o prazo de 45 dias para celebração do contrato definitivo, e por a já não ser possível à Requerente adquirir o Imóvel que prometeu vender. Quanto aos efeitos da resolução contratual, a mesma tem, em regra, efeito retroativo (cf. artigo 434.º, n.º 1, do Código Civil).

Pelo exposto, tenho que assiste razão à AT quando defende que o CPCV cessou unilateralmente em 09-11-2021, porquanto, nessa data, (i) a Requerente deixou de poder adquirir o imóvel em causa (o proprietário transferiu o mesmo para terceiros) e, consequentemente, de poder transmitir o imóvel para a B..., e (ii) a B... remeteu uma carta à Requerente a resolver o CPCV com os fundamentos supra referidos. Significa isto que a Requerente já não tem a obrigação de celebrar o contrato definitivo prometido, ficando apenas por apurar se o incumprimento definitivo do CPCV é culposo ou não, e se a Requerente tem obrigação de devolver o Sinal em dobro. 

Em suma: tendo o CPCV cessado em 2021 (como defende a AT), conclui que o valor de €1.000.000,00, entregue pela B... à Requerente nesse ano, consubstancia uma variação patrimonial positiva na esfera da Requerente, tributável em sede de IRC, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do CIRC.

 

Rita Correia da Cunha