Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 101/2025-T
Data da decisão: 2025-12-02  IRC  
Valor do pedido: € 118.188,88
Tema: IRC; doação de imóveis; variação patrimonial positiva; caducidade do direito de liquidação
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SUMÁRIO:

 

I - Os incrementos patrimoniais que não se encontrem refletidos no resultado líquido do exercício e cuja sustentação não se enquadre em nenhuma das exceções do artigo 21.º, n.º 1, do CIRC são tributados como variações patrimoniais positivas.

 

II - Relativamente à doação dos imóveis a uma sociedade residente, era no ano em que essa transmissão gratuita ocorreu que os rendimentos ficaram sujeitos a tributação, como variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido do exercício, e não no ano da sua relevação contabilística, ainda que como um aumento de capital próprio suportado no mesmo ato de liberalidade. 

 

III - De harmonia com os n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar os impostos sobre o rendimento caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, sendo que o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. António Pragal Colaço e Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 7 de Abril de 2025 acordam no seguinte:

 

I. Relatório

 

1.             A..., LDA., NIPC..., com sede na Rua..., n.º ..., ... ..., (adiante designada por “A...” ou “Requerente”), nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, requereu a constituição de Tribunal Arbitral coletivo, visando anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., emitida com data de 18 de outubro de 2024 (que inclui a liquidação de juros compensatórios com o n.º 2024...), referente a IRC do exercício de 2021, que determinaram um valor adicional a pagar no montante de 118.188,88 € (incluindo o valor de 10.114,57 € de juros compensatórios), peticionando ainda juros indemnizatórios e a devolução integral do imposto pago.

 

2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada também por Requerida ou AT.

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 24 de janeiro de 2025 e foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 27 de janeiro de 2025.

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou comos árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 18 de Março de 2025, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de abril de 2025, sendo que no dia 8 de abril de 2025 foi a Requerida notificada para apresentar a sua Resposta e remeter cópia do processo administrativo (“PA”), e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

6. Em 20 de maio de 2025, a Requerida apresentou a Resposta e juntou aos autos o processo administrativo (PA).

 

7. A Requerente sustenta o pedido que formula alegando, em síntese:

 

a. Entre a data da sua constituição e o dia 07 de setembro de 2020, a sociedade teve o seguinte objeto social: “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Gestão imobiliária. Arrendamento de imóveis. Exploração agrícola. Realização de eventos.”

 

b. Desde 8 de setembro de 2020, o seu objeto social consiste em “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Atividades de alojamentos turísticos com e sem restaurante. Outros estabelecimentos hoteleiros com e sem restaurante. Alojamento mobilado para turistas. Turismo no espaço rural. Outros locais de alojamento. Arrendamento de imóveis. Exploração agrícola. Organização de eventos. Atividades desportivas e de lazer. Restauração”.

 

c. Através de escritura de doação outorgada em 4 de julho de 2012, no Cartório Notarial de B..., em Espinho, a Sra. C..., NIF ... e seu marido D..., NIF ... doaram à Requerente diversos prédios rústicos e urbanos, tendo sido atribuído a essa liberalidade o valor global de 532.096,31€, igual ao valor patrimonial tributário somado de todos os prédios.

 

d. A Requerente, nessa altura, era detida pelos três filhos dos doadores.

 

e. A aquisição dos prédios por doação foi registada nas competentes Conservatórias do Registo Predial, por inscrição a favor da Requerente, na sequência de apresentações a registo efetuadas no mesmo mês de julho de 2012.

 

f. Nas contas do exercício de 2012 da Requerente, foram contabilizados, a propósito desta doação:

1.     gastos com contencioso e notariado no montante de 3.690,31€;

2.     gastos com o imposto do selo, no montante de 4.264,06€, respeitando ao pagamento do Imposto de Selo liquidado à Requerente por virtude da doação.

 

g. Estes gastos foram mencionados na informação que consta da página 45 da IES de 2012 apresentada pela Requerente.

 

h. Igualmente, a doação foi participada à AT para efeitos de liquidação de imposto do selo, conforme se pode inferir do teor do DUC ..., de 6 de julho de 2012.

 

i. A variação patrimonial positiva ocorrida em 2012 para a Requerente, resultante daquela doação, não foi contabilizada pela mesma nesse exercício, nem nos seguintes, tendo os imóveis sido objeto de contabilização apenas em 2021, pelo que nesse exercício declarou um prejuízo de 8.970,27€, por não ter registado tal variação patrimonial positiva.

 

j. A contabilização dos imóveis em 2021 foi efetuada com contrapartida em “Resultados Transitados”, não tendo sido acrescido tal valor ao lucro tributável do referido exercício de 2021, atendendo a que o facto tributável ocorreu em 2012, encontrando-se caducada a hipótese de liquidação de IRC referente a factos tributários ocorridos em 31 de dezembro de 2012.

 

k. No âmbito de uma ação inspetiva ao IRC do ano de 2021, realizada sob a ordem de serviço nº OI2023..., foi notificado à Requerente o correspondente Relatório de Inspeção Tributária por ofício sem número e sem data, mas assinado em 10 de outubro de 2024.

 

l. Com fundamento nesse RIT foi realizada correção ao IRC de 2021 a suportar pela Requerente, por virtude do acréscimo à matéria coletável do referido exercício do montante de € 532.096,31, correspondendo ao preciso valor atribuído à doação dos imóveis, ocorrida por escritura outorgada em 4 de julho de 2012.

 

m. Entendeu a AT que, como a liberalidade só teria sido relevada contabilisticamente em 2021, deveria ter sido refletida para efeitos fiscais no mesmo exercício e influenciado o respetivo resultado líquido, com a consequente tributação no ano de 2021, sendo a mesma então tributável a título de IRC como variação patrimonial positiva.

 

n. Entende o RIT que só em 2021 a contabilidade e as demonstrações financeiras da Requerente passaram a evidenciar “para o exterior a sua real, verdadeira e apropriada situação patrimonial” logo, “considera-se por uma questão de consistência e de justiça” (…) que no período em que a doação foi contabilizada também haveria a obrigação de reconhecer um lucro tributável. 

 

o. Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação adicional de que A Requerente pede a anulação.

 

p. Articula ainda a Requerente que caducou o direito à liquidação por parte da Requerida, nos termos do artigo 45.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT).

 

8. A Requerida deduziu Resposta, defendendo-se por impugnação, invocando em suma que:

 

a. A Requerente não lançou a doação na sua contabilidade de 2012, nem reconheceu essa liberalidade para efeitos do IRC, mas contabilizou no exercício de 2012 os encargos referentes a esta liberalidade, reconhecendo-os diretamente como gastos fiscais, constituindo estes gastos no valor de 8.970.27€, a quase totalidade do montante do prejuízo fiscal declarado nesse exercício, tendo direito a poder deduzir nos períodos seguintes.

 

b. A assembleia geral da Requerente aprovou as contas relativas ao exercício de 2012 com a presença de todos os sócios.

 

c. Foi verificada a contabilização da liberalidade no ano de 2021 através de um lançamento a débito numa conta de inventários, pelo valor global atribuído à liberalidade na escritura de doação, 532.096, 31€, por contrapartida da conta de capital próprio 56- Resultados Transitados (Anexo 5 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT)), ou seja, o referido lançamento não influenciou o resultado líquido do referido pedido (resultado contabilístico), o qual, nesse ano consistiu num prejuízo de 4.176,45€.

 

d. Pela análise da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRS de 2021 entregue pela Requerente em 3 de junho de 2022 (Declaração n.º...), constatou-se que aí não tinha sido declarado a variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido contabilístico, conforme determina o artigo 21.º do CIRC, a qual corresponde ao valor global atribuído aos bens descritos na escritura de doação referida, e que contabilisticamente só foi reconhecida em 2021.

 

e. O valor de 532.096, 31€ deveria ter sido inscrito no Campo 702 [Variações Patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período (artigo 21.º) e quota-parte do (…)], do Quadro 07 (Apuramento do Lucro Tributável) da referida Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC. A não inscrição deste valor resultou para a Requerente na declaração para aquele período um Prejuízo Fiscal de 3.206,99€.

f. Da análise dos documentos arquivados na pasta de suporte à contabilidade de 2021 que foi facultada, no âmbito do procedimento inspetivo, não foi encontrada qualquer justificação para o reconhecimento da doação de 2012, só ter sido reconhecida na contabilidade do exercício de 2021.

 

g. O documento de suporte do lançamento efetuado em janeiro de 2021, com o número “1/13”, consiste numa folha com a mera relação dos prédios doados e uma cópia da escritura de doação, sendo composto o referido documento por um total de oito (8) folhas.

 

h. Foram solicitadas à Conservatória do Registo Predial de Ovar, as certidões prediais de 2 (dois) imóveis objeto da doação de 2012, por se considerar a informação relevante para a ação inspetiva, a fim de se aferir se das inscrições e averbamentos, constava qualquer informação que pudesse ter interesse para os factos em análise, nomeadamente, se tinha sido solicitado o registo da doação.

 

i. Verificou-se nas Certidões solicitadas que, em 2 de dezembro de 2012, cerca de cinco meses depois da celebração da escritura de doação dos prédios, foi registado que tinha sido instaurada uma ação judicial contra a Sra. C... e seu marido, bem como contra a Requerente, a pedir a “anulação da escritura de doação outorgada em 4 de Julho de 2012, no Cartório Notarial de B..., sito na Rua..., rés do chão, Espinho, nos termos do 247º do C.C., com todas as legais consequências, designadamente desafectação dos bens imóveis objecto das doações do património do sujeito  passivo, “A..., Lda,” NIF ... e consequente incorporação dos mesmos no património dos sujeitos passivos, D... e mulher, C...”.

 

j. Invoca a Requerida que, face à ação de anulação de doação era totalmente imprevisível para a Requerente aferir se a liberalidade que lhe foi efetuada naquele exercício se iria manter, pois como articula a requerente no art.º 25 do seu p.p.a., que se o tivesse feito, além de ter que suportar o pagamento de imposto relacionado com bens que esta desconhecia se posteriormente

iriam continuar na sua posse, a Requerente não estaria preparada para suportar os impostos sem ter de se socorrer de suprimentos dos sócios.

 

k. No entanto, nada impedia a Requerente de contabilizar a liberalidade no exercício de 2012, pelo que não o fazendo, ao omitir declarar a variação patrimonial positiva obtida, a Requerente incumpriu com o estabelecido no disposto no artigo 18.º, n.º 2 do CIRC, o que constitui uma violação prevista e punível nos termos do artigo 119.º, n.º 1 e artigo 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.

 

l. Foi solicitado à Conservatória Predial de ..., uma vez que foi a mesma que efetuou a referida inscrição, cópia dos documentos de suporte do referido registo, tendo sido por ela remetidos 38 folhas, de onde se podem retirar dois factos:

1.     A ação foi apresentada ainda antes do final do exercício de 2012, pelos dois sócios não gerentes da Requerente, ou seja, por dois dos filhos da doadora dos bens à empresa, pelo que se pode concluir, que na base da referida ação estiveram essencialmente divergências familiares.

2.     É expressamente salientado no ponto 25.º da petição apresentada pelos autores da ação, conforme a seguir reproduz: “Neste sentido, esta doação fez com que se incorporasse na sociedade um incremento patrimonial tributado em sede de IRC do qual a sociedade não está preparada para suportar, nem reúne condições ou meios para comportar, sem recorrer a suprimentos dos sócios, onde se incluem os AA”.

 

m. Invoca jurisprudência do CAAD, no Acórdão, processo n.º 316/2022-T, de 18/07/2021, e o Acórdão do CAAD, processo n.º 377/2020-T, de 07/07/2021, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05/12/2024, processo n.º 582/05 BELRS

 

n. Em suma, discorda do mencionado pela Requerente quanto à notificação do RIT, arrima-se nas medidas de modernização administrativa e arrima-se “in totum” nos factos e no Direito vertido no RIT.

 

9. Por Despacho Arbitral, de 23 de maio de 2025, foi dispensada a reunião do art.º 18.ºdo RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, cf. artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, tendo-se também facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do despacho.

 

10. A Requerente apresentou as suas alegações em 17 de junho de 2025 e a Requerida em 20 de junho de 2025.

 

II. Saneamento

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

 

O processo não enferma de nulidades. Não foi suscitada matéria de exceções.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

III. Fundamentação

 

III.1.   Matéria de facto

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, denominada A..., LDA., NIPC..., com o capital social de € 6.000,00 e sede na Rua ..., n.º ..., ... ... OVAR, abrangida pelo Serviço de Finanças de Ovar, sendo tributada em IRC pelo regime normal (cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

B) Entre a data da sua constituição e o dia 7 de setembro de 2020, a Requerente teve o seguinte objeto social: “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Gestão imobiliária. Arrendamento de imóveis. Exploração agrícola. Realização de eventos.”, sendo que a partir de 8 de setembro de 2020 o objeto social consiste em “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Atividades de alojamentos turísticos com e sem restaurante. Outros estabelecimentos hoteleiros com e sem restaurante. Alojamento mobilado para turistas. Turismo no espaço rural. Outros locais de alojamento. Arrendamento de imóveis. Exploração agrícola. Organização de eventos. Atividades desportivas e de lazer. Restauração.” 

(cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

C) Por escritura de doação outorgada em 4 de julho de 2012, no Cartório Notarial de. B..., em Espinho, lavrada de fls. 85 a fls, 91, do livro de notas para escrituras diversas número ..., a Sra. C..., NIF ... e seu marido D..., NIF ... doaram à Requerente representada por E..., quinze prédios rústicos e oito prédios urbanos, tendo sido atribuído a essa liberalidade o valor global de 532.496,31€, igual ao valor patrimonial tributário somado de todos os prédios, tendo este ato sido devidamente registado na Conservatória competente em Julho de 2012 (cfr. Documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e “PA”, cujos teores se dão como reproduzidos). 

 

D) A doação dos imóveis referidos em C) foi participada pela Requerente à AT em 6 de julho de 2012, através da participação nº ..., para efeitos de liquidação de imposto do selo (verba 1.1. da Tabela Geral), do qual resultou a liquidação nº ..., no montante de 4.264.06€ (cfr. Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e “PA”, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

E) Nas contas do exercício de 2012 da Requerente, foram contabilizados os seguintes lançamentos:

1º    gastos com contencioso e notariado no montante de 3.690,31€;

2º    gastos com o imposto do selo, no montante de 4.264,06€, respeitando ao pagamento do Imposto do Selo liquidado à Contribuinte por virtude da doação. (cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

F) Não tendo a Requerente contabilizado em 2012 na conta de Existências os prédios urbanos e rústicos doados.[1] (cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

G) A Requerente veio a contabilizar tal facto patrimonial em 2021, com o lançamento a débito numa conta de inventários conforme o quadro seguinte,

 

por contrapartida da conta (SNC) Capital Próprio 56 - Resultados Transitados a crédito, pelo que tal lançamento contabilístico não influenciou o resultado líquido do período, nem a matéria tributável de IRC desse ano, como variação patrimonial positiva, nem nesse ano nem em qualquer dos anos anteriores (cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

H) Na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de 2021, entregue pela Requerente em 3 de junho de 2022 (Declaração n.º...), a mesma não declarou o valor dos imóveis doados em 2012 (cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

I) A Requerida procedeu a uma ação inspetiva à Requerente, tendo como objeto o IRC do ano de 2021, realizada sob a ordem de serviço nº OI2023..., assinada pela Requerente em 16 de maio de 2024, a qual deu origem a um Relatório de Inspeção Tributária assinado pela Requerente em 10 de outubro de 2024 (cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

J) O parecer do Chefe de Equipa constante do relatório final de inspeção diz o seguinte:

“O procedimento inspetivo externo, a que se refere o presente relatório teve a sua origem num procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo.

Da análise efetuada, e conforme consta devidamente fundamentado no presente relatório, conclui-se que a sociedade beneficiou de uma liberalidade (doação de imóveis) relevada contabilisticamente em 2021 com o incremento do capital próprio na rubrica “Resultados Transitados”, sem que refletisse essa variação patrimonial positiva para efeitos fiscais, uma vez que a sua contabilização não influenciou o resultado líquido do exercício, conforme determina o n.º 1 do art.º 21.º do CIRC.

Concordo assim com as correções técnicas em sede de IRC para o ano 2021:

Exercício de 2021

1. Correções de natureza meramente aritmética:

1.1. EM SEDE DE IRC:

1.1.1. Liberalidade (variação patrimonial positiva) não acrescida para efeitos de apuramento do resultado tributável (n.º 1 art.º 21.º do CIRC) … 532.096,31 EUR

O sujeito passivo foi notificado para, querendo, exercer no prazo de 15 dias, o direito de audição (artigos 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA) relativamente ao respetivo Projeto de Relatório de Inspeção. Uma vez expirado o prazo limite estabelecido, conclui-se que o SP não exerceu o direito de audição, nem manifestou a intenção de proceder à regularização da sua situação tributária, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 58-A do RCPITA.

Assim, reiteram-se as conclusões do projeto de relatório e, nesses termos foi preenchido o documento de correção em sede de IRC para o ano 2021, e levantado o competente auto de noticia por contraordenação (art.º 119.º do RGIT) relativamente à infração praticada.

À consideração superior,

...- ...

CHEFE DE EQUIPA

Emitido a 2024-10-09

(cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

K) O qual mereceu o seguinte despacho por parte do Chefe de Divisão:

Concordo.

Este relatório conclui o procedimento de inspeção nos termos do artº 62 º do RCPITA.

O SP não exerceu o direito de audição, previsto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, nem manifestou a intenção de proceder à regularização da sua situação tributária, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 58.º do RCPITA. Conclui-se, portanto, pela manutenção das correções de natureza meramente aritméticas propostas no projeto de relatório, em sede de IRC, conforme consta do capítulo V do relatório.

Deste modo, altero, relativamente ao exercício em referência, nos montantes propostos neste relatório, o resultado tributável (IRC), nos termos do n.º 3, do art.º 16.º do CIRC.

Dê-se andamento ao documento de correção emitido, bem como ao auto de notícia levantado.

O contribuinte deverá ser notificado nos termos do artigo 77º da LGT e do artigo 62º do RCPITA.

O CHEFE DE DIVISÃO,

Por delegação, do Diretor de Finanças de Aveiro

Alfredo Abrantes

(cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

L) As correções técnicas à Demonstração de Resultados por Natureza conforme RIT, foram as seguintes:

(cfr. “PA”, cujo teor se dá como reproduzido). 

 

M) Em resultado dessa corecção a Requerida procedeu à emissão da seguinte liquidação:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cfr. Liquidação junta com o pedido de pronúncia arbitral, e “PA”, cujos teores se dão como reproduzidos). 

 

N) A Requerente pagou o imposto constante da liquidação adicional de IRC em 3 de dezembro de 2024 (cfr. Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e “PA”, cujos teores se dão como reproduzidos). 

 

O) Em 24 de janeiro de 2025, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

III.2. - Factos não provados  

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, não havendo mais factos relevantes.

 

III.3. - Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, os documentos juntos e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

IV. Matéria de Direito

 

IV.1 - Impugnação da legalidade da liquidação de IRC 

 

A Requerente invoca como causa de pedir a ilegalidade da liquidação adicional de IRC no montante de 118.188,88€, incluindo o valor de 10.114,57€ de juros compensatórios.

 

A questão essencial a decidir consiste em saber se a liquidação adicional padece de ilegalidade, ou não.

 

A Requerente adquiriu por doação, em 2012, vários prédios rústicos e urbanos e não procedeu à contabilização dos mesmos na sua contabilidade. 

 

Apenas o veio a fazer em 2021, através de uma conta de Activos – Inventários, por contrapartida de uma conta de Capital Próprio – Resultados Transitados. 

 

Defende a Requerente que tal variação patrimonial positiva ocorreu em 2012, que a contabilização não é um facto tributário e que ocorreu a caducidade do direito à liquidação.  

 

Defende a Requerida que, embora esteja em causa a doação de imóveis por escritura pública ocorrida em 2012, existe uma variação patrimonial positiva ocorrida em 2021 (aumento do capital próprio), pelo que, aquando da notificação da liquidação adicional em 2024, não havia caducado o direito à liquidação. 

 

Impõe-se, assim, proceder ao enquadramento normativo à data dos factos e, posteriormente, à sua interpretação com vista à subsequente aplicação ao caso sub iudice.

 

Aquando da doação de imóveis ocorrida em 2012, o artigo 21.º do CIRC dispunha que:

1 — Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de acções, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;

d) As relativas a impostos sobre o rendimento.

2 — Para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado, não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo.

 

Em 2021, aquando da contabilização pela Requerente dos imóveis a si doados em 2012, com a nova dedação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, o artigo 21.º do CIRC dispunha que:

1 — Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:
a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio; 

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;

d) As relativas a impostos sobre o rendimento.

e) O aumento do capital próprio da sociedade beneficiária decorrente de operações de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, com exclusão da componente que corresponder à anulação das partes de capital detidas por esta nas sociedades fundidas ou cindidas.

2 - Para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado, não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo.


Mais estabelece o artigo 17.º n.º 1 do CIRC que: “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”.

 

Como refere GUSTAVO COURINHA, “as variações patrimoniais são uma demonstração da pretensão de completude do IRC e da proximidade ao rendimento real (de que são um corolário), não deixando zonas por tributar. Elas ultrapassam os meros resultados contabilisticamente registados pela empresa e relevados fiscalmente e abarcam quaisquer outras oscilações de património (acréscimos ou decréscimos) apuradas no período de tributação”. (cfr. Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, p. 93.)

 

O Tribunal faz, desde já, referência à decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 939/2024, de 14 de abril de 2025, que tem a particularidade de ter sido subscrita pela Árbitra Presidente deste tribunal arbitral coletivo, na que se pode ler o seguinte:

“(…) importa ter presente que uma variação patrimonial, na terminologia do Código do IRC, corresponde a uma alteração de valor nos capitais próprios de uma entidade, e, tratando-se de uma variação patrimonial positiva, deverá traduzir-se num aumento dos capitais próprios, ou seja, num rendimento obtido ou numa anulação de um gasto, que é contabilizado numa conta dos capitais próprios, e não numa conta de rendimentos (classe 7 do SNC) ou numa conta de redução de gastos (classe 6 do SNC). 

Dito de outro modo, podem considerar-se variações patrimoniais positivas as ocorrências que fazem aumentar o património líquido de uma empresa sem que esse aumento tenha passado a integrar os capitais próprios pela via do resultado líquido do período.

As variações no capital próprio (positivas ou negativas), apesar de não influírem no resultado contabilístico, implicam um acréscimo ou uma diminuição do património da empresa e, por isso, se compreende que constituam uma componente do lucro tributável, a par dos rendimentos e dos gastos. É esse o princípio-regra que resulta das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, 21.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, do CIRC, segundo o qual as variações patrimoniais positivas ou negativas verificadas no mesmo período e não refletidas no resultado contabilístico do exercício concorrem para a formação do lucro tributável.

Em resumo, todas as variações patrimoniais que não estejam refletidas no resultado líquido do período de tributação são consideradas para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo se se encontrarem expressamente excluídas pelo legislador – artigo 21.º, n.º 1, alíneas a) a e), do CIRC.”.

 

Vejamos a questão sub iudice.

 

De acordo com a matéria de facto asseste (C.), por escritura de doação outorgada em 4 de julho de 2012 foram doados à Requerente quinze prédios rústicos e oito prédios urbanos, tendo sido atribuído a essa liberalidade o valor global de 532.496,31€, igual ao valor patrimonial tributário somado de todos os prédios, tendo este ato sido devidamente registado na Conservatória competente em Julho de 2012.

 

 A doação de um imóvel é um ato formal que exige a realização de uma escritura pública ou de um documento particular autenticado para ser válida (cfr. nº 1 do artigo 947º do Código Civil).

 

Sendo que, conforme reconhece a AT na sua Resposta, os notários participam os atos enviando até dia 15 de casa mês “À Direcção-Geral dos Impostos, em suporte informático, uma relação dos registos de escrituras diversas (…)”, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Código do Notariado. 

 

Também de acordo com a matéria de facto asseste (D.), a doação dos imóveis foi participada pela Requerente à AT em 6 de julho de 2012, através da participação nº..., para efeitos de liquidação de imposto do selo (verba 1.1. da Tabela Geral), do qual resultou a liquidação nº 199011, no montante de 4.264.06€.

 

Finalmente, de acordo com a matéria de facto asseste (E.), nas contas do exercício de 2012 da Requerente, foram contabilizados os seguintes lançamentos: 1º - gastos com contencioso e notariado no montante de 3.690,31€; 2º - gastos com o imposto do selo, no montante de 4.264,06€, respeitando ao pagamento do Imposto do Selo liquidado à Contribuinte por virtude da doação dos imóveis.

 

A doação de imóveis efetuada à Requerente, no ano de 2012, implicou, nesse mesmo ano, um aumento do património da empresa, que não resultou de operações normais do exercício, como as vendas, pelo que não são refletidas nas contas de resultados (lucro ou prejuízo).

 

Contudo, não obstante a sujeição a imposto do selo nas transmissões gratuitas, situações existem em que esta não se verifica, nomeadamente, quando ocorrem a favor de sujeitos passivos pessoas coletivas, conforme disposto na alínea e) do n.º 5 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo. 

 

Assim, não haveria lugar a liquidação de imposto do selo pela verba 1.2, embora continuasse a existir a obrigatoriedade, como se viu, de liquidação de imposto do selo nos termos previstos na verba 1.1, à taxa de 0,8% sobre o valor dos imóveis, nos termos da lei. 

 

As doações de imóveis das quais sejam beneficiários sujeitos passivos de IRC não são tributadas em sede de IMT, por não se tratarem de transmissões onerosas.


Em sede de IRC, na esfera da sociedade beneficiária dos imóveis, aqui Requerente, tal operação de doação configura uma variação patrimonial positiva, que deverá ser considerada na determinação do resultado tributável, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Código do IRC, não fazendo parte das exceções legais. 

 

Face ao exposto, a Requerente deveria, no ano em que ocorreu a doação dos imóveis, considerar esta variação patrimonial positiva para efeitos de apuramento do resultado tributável do período. Para o efeito, deveria ter inscrito o valor em questão, determinado nos termos legais, na linha 702 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22.

 

Sucede que a Requerente não o fez em 2012, apenas tendo sido a mesma relevada contabilisticamente em 2021, como incremento do capital próprio na rubrica “Resultados Transitados”. 

 

Neste ponto, não podemos deixar concordar com a AT quando alega que “(A)o não contabilizar a liberalidade no exercício de 2012, a Requerente desrespeitou os pressupostos que devem estar presentes na elaboração de qualquer contabilidade, consubstanciados nos pressupostos da fiabilidade e de representação fidedigna das transações e outros acontecimentos ocorridos com a entidade a que estes respeitam.”.

 

Todavia, a AT não pode, como decorre da matéria assente, deixar de considerar que a doação dos imóveis ocorreu em 2012 e não em 2021, como não pode alegar total desconhecimento da mesma. 

 

Assim, o Tribunal entende que o facto tributário ocorreu em 2012 (doação de imóveis que constitui uma variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido do período de tributação), e não em 2021 por um aumento do capital próprio, o qual não pode ser separado da doação anteriormente ocorrida, pois inexiste qualquer facto que possa substanciar a operação contabilística relevada apenas em 2021 (contabilização da doação), que não seja a própria doação anterior onde efetivamente ocorreu o aumento do património da empresa.

 

Por isso, é em 2012 que se considera verificado o facto tributário e não quando a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha ou devesse ter conhecimento de que ele ocorreu, ou que o mesmo tenha sido relevado contabilisticamente.

 

Aliás, no RIT, a AT expressamente reconhece que “a doação que foi feita por C... constituiu para a empresa uma liberalidade tributada em sede de IRC, nos termos do artigo 21.º do CIRC, constituindo uma variação patrimonial positiva, ou seja, o montante atribuído aos prédios doados na escritura de doação, 532.096.31€, deveria ter sido acrescido no quadro 07 da Modelo 22 de IRC, para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, o que não se verificou no ano em que ocorreu a escritura de doação, nem em qualquer dos anos seguintes. De igual forma, deveriam tais imóveis doados ser objeto de contabilização (no caso, como inventários), algo que apenas ocorreu em 2021.

 

E, também, que “(J)á no âmbito do procedimento inspetivo, após análise aos documentos arquivados na pasta de suporte à contabilidade de 2021 que nos foi facultada, não foi encontrada qualquer justificação para o reconhecimento da doação de 2012 só ter sido reconhecida na contabilidade desse ano (2021). 

 O documento de suporte do respetivo lançamento, efetuado em janeiro de 2021 e ao qual foi atribuído o número “1/13”, consiste numa folha com a mera relação dos prédios doados e uma cópia da escritura de doação, sendo o referido documento composto por um total de oito (8) folhas (Anexo 6).”

 

Sucede que a AT dispõe de meios inspetivos para apurar os factos tributários mesmo quando não são cumpridas obrigações declarativas, pelo que tem o dever de diligenciar para ao averiguar a tempo de efetuar liquidações relativas a factos não declarados, se for caso disso, sendo para esses casos de deficiência de cumprimento de obrigações declarativas que se pode justificar a admissibilidade de liquidação no prazo de 4 anos (ou mais) e não nos prazos normais previstos para os casos em que as liquidações são baseadas nas declarações. 

 

Até porque, no caso em apreço, ocorreu, no ano fiscal de 2012, a participação da doação e a contabilização de custos associados à mesma, o que poderia ter justificado uma ação inspetiva muito antes do ano de 2021, ou, pelo menos, ter pedido esclarecimentos à Requerente.

 

Por isso, relativamente à doação dos imóveis, era no ano em que essa transmissão gratuita ocorreu (2012) que os rendimentos ficaram sujeitos a tributação, e não no ano da sua relevação contabilística, ainda que agora como um aumento de capital próprio suportado naquele mesmo ato de liberalidade. 

 

Porém, a AT entende “não existir nenhum normativo legal que exclua da tributação, em sede de IRC, a variação patrimonial registada na contabilidade do exercício de 2021” (cfr. RIT no “PA”).

 

Vejamos: 

 

O único vício que a Requerente imputa à liquidação impugnada é o da caducidade do direito de liquidação, no que respeita a um facto tributário ocorrido no ano de 2012.

 

Os artigos 45.º e 46.º da LGT estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 45.º

Caducidade do direito à liquidação

1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2. No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

 

Artigo 46.º

Suspensão do prazo de caducidade

1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.

2. O prazo de caducidade suspende-se ainda:

a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;

b) Em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o decurso do prazo dos benefícios;

c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição;

d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão;

e) Com a apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até à notificação da respectiva decisão.

 

Por sua vez, o artigo 101º do CIRC estabelece o seguinte:

 

Artigo 101.º

Caducidade do direito à liquidação

A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária.

 

De harmonia com os n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar os impostos sobre o rendimento caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, sendo que o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

 

Por isso, as liquidações relativas ao ano de 2012 teriam de ser notificadas validamente até 31 de dezembro de 2016 (prazo de quatro anos, previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT), uma vez que até esta última data não ocorreram quaisquer períodos de suspensão ou de interrupção. 

 

O prazo de caducidade suspende-se durante a ação inspetiva externa, desde que a sua duração não exceda 6 meses (artigo 46.º, n.º 1, da LGT), mas, no caso em apreço, a ação inspetiva extrema só teve lugar em 2024 depois de já se ter operado a caducidade do direito de liquidação, pelo que não há que considerar qualquer período de suspensão da caducidade do direito de liquidação.

 

E como se refere no Acórdão do STA de 10 maio de 2017, Processo 0699/16, - “as razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correcções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para as reflectir em períodos seguintes, pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situações que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário.” (sublinhados nossos)

 

Se, em sentido lato, é sempre uma injustiça o facto de um contribuinte não pagar imposto relativamente a rendimentos que auferiu em determinado momento, o certo é que o instituto da caducidade e os princípios da confiança e da segurança jurídica prevalecem sobre um princípio de justiça nos termos em que é enunciado.

 

Por isso, não tendo a notificação da liquidação adicional de IRC sido efetuada dentro do prazo de caducidade, no que respeita a um facto tributário atrás enunciado ocorrido no ano de 2012, a mesma enferma de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, de harmonia com o preceituado no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

Pelo que terá de proceder, na sua totalidade, o pedido apresentado pela Requerente. 

 

IV.2 – Impugnação da liquidação de juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.8, da LGT), pelo que enferma do mesmo vício e também a sua notificação se aplica o prazo de caducidade do direito de liquidação.

 

Este vício justifica igualmente a anulação da liquidação de juros compensatórios impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

IV.3 - Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

A Requerida não põe em causa o pagamento do imposto, limitando-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida dos pedidos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente contra a liquidação de IRC n.º 2024..., bem como a consequente liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referentes a IRC do exercício de 2021, que determinaram um valor a pagar no montante de 118.188,88€, incluindo o valor de 10.114,57€ de juros compensatórios.

 

Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada desta quantia global, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de 118.188,88€ (cento e dezoito mil, cento e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos).

 

A ilegalidade desta liquidação é imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efetuou o pagamento (3 de dezembro de 2024) até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V. Decisão

 

Em face do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à questão da ilegalidade e pedido de anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., bem como a consequente liquidação de juros compensatórios o n.º 2024..., referentes a IRC do exercício de 2021, que determinaram um valor adicional a pagar no montante de 118.188,88€, incluindo o valor de 10.114,57€ de juros compensatórios; 

b)    Anular estes atos de liquidação adicional de IRC e de liquidação de juros compensatórios;

c)     Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga, no montante global de 118.188,88€, e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente; 

d)    Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto IV. 3. deste acórdão;

e)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo, nos termos do ponto VII. deste acórdão. 

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do artigo 97.º A n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 118.188,88€ (cento e dezoito mil, cento e oitenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em 3.060,00 € (três mil e sessenta euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de dezembro de 2025

 

Os Árbitros 

 

 

(Regina de Almeida Monteiro- Presidente)

 

 

 

(António Pragal Colaço - Adjunto vencido conforme declaração)

 

 

                                               

 

(Pedro Miguel Bastos Rosado – Adjunto e Relator por vencimento)

 

 

 

 

 

Declaração de voto vencido

 

 

Tendo sido designado inicialmente como Relator do presente processo, acabei por ser vencido quanto à decisão que havia preconizado. Assim, defendo o seguinte Sumário:

I.      O princípio da especialização dos exercícios previsto no art.º 18.º do CIRC, visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento, aplicando-se então o regime do acréscimo.[2]

II.     Uma variação patrimonial positiva (VPP) é um aumento no património líquido de uma empresa ou entidade que não é gerado pelos resultados de um exercício, como lucros, mas por outras fontes, como a entrada de capital dos sócios ou receitas gratuitas não tributáveis, incluindo-se a cobertura de prejuízos pelos sócios sem contrapartida ou incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.

III.  O princípio da justiça integra a hermenêutica do princípio da periodização do lucro tributável, mas não abrange a omissão do registo de uma doacção como activo em 2012, apenas registado em 2021, pelo que neste deve ser tributado como variação patrimonial positiva.

A Requerente invoca como causa de pedir a:

•          Ilegalidade da liquidação adicional de IRC no montante de € 118.188,88 (incluindo o valor de € 10.114,57 de juros compensatórios)

A questão essencial a decidir, gira em torno (consiste em) de saber se a liquidação adicional padece de ilegalidade, ou não. A Requerente adquiriu por doacção em 2012, vários prédios rústicos e urbanos e não procedeu à contabilização dos mesmos na sua contabilidade. Apenas o veio a fazer em 2021, através do registo contabilístico numa conta de Activos – Inventários, por contrapartida de uma conta de Capital Próprio – Resultados Transitados. O Balanço da Requerente ficou assim com um acréscimo de Activo e um acréscimo no seu Capital Próprio, não tendo sido reflectida na conta de resultados líquidos qualquer operação, porquanto apenas se movimentaram contas de Balanço.

Defende a Requerida que estamos na presença de uma variação patrimonial positiva. Vejamos:

Dispõe o artigo 21.º do CIRC:

“Artigo 21.º

Variações patrimoniais positivas

1 — Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

a)As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio; 

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;

d) As relativas a impostos sobre o rendimento.

e) O aumento do capital próprio da sociedade beneficiária decorrente de operações de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, com exclusão da componente que corresponder à anulação das partes de capital detidas por esta nas sociedades fundidas ou cindidas.

2 — Para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado, não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo.”

Uma variação patrimonial positiva (VPP) é um aumento no património líquido de uma empresa ou entidade que não é gerado pelos resultados de um exercício, como lucros, mas por outras fontes, como a entrada de capital dos sócios ou receitas gratuitas não tributáveis, incluindo-se a cobertura de prejuízos pelos sócios sem contrapartida ou incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito. A VPP é geralmente tributada em sede de IRC (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas), a menos que se enquadre numa das exceções previstas na lei, como a cobertura de prejuízos.

Dúvidas não existem que estamos perante uma variação patrimonial positiva.[3] Algumas das excepções ser-lhe-ão aplicáveis? Pensamos que não. Não estamos perante entradas de capital, - o que poderia ter acontecido se tivesse sido efectuado um aumento de capital em espécie, nem estamos perante um instrumento de capital próprio, nem mais-valias potenciais ou latentes, reservas de reavaliação, nem impostos sobre o rendimento, nem obviamente ganhos associados a um contrato de associação em participação, nem aumento de capital emergente de fusão, cisão, entrada ou permuta de activos. A nosso ver e em resumo, não restam dúvidas que estamos perante uma variação patrimonial positiva que é tributada.[4] [5]   

Mas outro prisma deve ser também ser abordado, que corresponde ao efectivamente arguido pela Requerente, qual seja, a periodização do lucro tributável, essencialmente prevista no art.º 18.º do CIRC.

Dispunha o art.º 18.º do CIRC à altura dos factos:

“Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

3 — Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1:

a) Os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade;

b) Os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução;

c) Os réditos e os gastos de contratos de construção devem ser periodizados tendo em consideração o disposto no artigo 19.º

4 — Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, não se tomam em consideração eventuais cláusulas de reserva de propriedade, sendo assimilada a venda com reserva de propriedade a locação em que exista uma cláusula de transferência de propriedade vinculativa para ambas as partes.

5 — Os réditos relativos a vendas e a prestações de serviços são imputáveis ao período de tributação a que respeitam pela quantia nominal da contraprestação.

6 — A determinação de resultados nas obras efectuadas por conta própria vendidas fraccionadamente é efectuada à medida que forem sendo concluídas e entregues aos adquirentes, ainda que não sejam conhecidos exactamente os custos totais das mesmas.

7 — Os gastos das explorações silvícolas plurianuais podem ser imputados ao lucro tributável tendo em consideração o ciclo de produção, caso em que a quota parte desses gastos, equivalente à percentagem que a extracção efectuada no período de tributação represente na produção total do mesmo produto, e ainda não considerada em período de tributação anterior, é actualizada pela aplicação dos coeficientes constantes da portaria a que se refere o artigo 47.º

8 — Os rendimentos e gastos, assim como quaisquer outras variações patrimoniais, relevados na contabilidade em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial não concorrem para a determinação do lucro tributável, devendo os rendimentos provenientes dos lucros distribuídos ser imputados ao período de tributação em que se adquire o direito aos mesmos.

9 — Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

10 — Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indirecta no capital a que se refere o número anterior são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.

11 — Os pagamentos com base em acções, efectuados aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, em razão da prestação de trabalho ou de exercício de cargo ou função, concorrem para a formação do lucro tributável do período de tributação em que os respectivos direitos ou opções sejam exercidos, pelas quantias liquidadas ou, se aplicável, pela diferença entre o valor dos instrumentos de capital próprio atribuídos e o respectivo preço de exercício pago.

12 — Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 43.º, os gastos relativos a benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, são imputáveis ao período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respectivos beneficiários.”

Interessam-nos então os números 1,2,3 e 5.

Diz-nos o art.º 17.º do CIRC que o lucro tributável das pessoas colectivas é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do Código.

O princípio da especialização dos exercícios previsto no art.º 18.º do mesmo compêndio, visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento, aplicando-se então o regime do acréscimo.

O Código do IRC, no seu artigo “17.º - Determinação do lucro tributável”, na sua alínea a) do n.º 3, estipula que, para permitir este apuramento, a contabilidade deverá estar organizada de acordo com a normalização contabilística, pelo que a aplicação do princípio também é obrigatória em matéria de fiscalidade, aliás como também assim impõe o artigo 18.º - Periodização do lucro tributável, no seu n.º 1.

Este princípio, embora não seja absoluto, tem em vista não permitir ao contribuinte manipular o apuramento do lucro tributável de acordo com aquilo que for mais conveniente para a respectiva tributação, devendo as circunstâncias imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas que não permitiram ao contribuinte determinar-se pelo cumprimento da regra da imputação dos custos ou proveitos ao exercício do ano a que diziam respeito previstas no nº 2 do artigo 18.º, serem por este invocadas e provadas.

A Requerente fez prova de alguma imprevisibilidade ou desconhecimento manifesto, do facto de não ter contabilizado no exercício de 2012 a mencionada doacção? Cremos que não. Outorgou a escritura, praticou o acto consumado, por conseguinte não poderia ser desconhecido ou imprevisível. Apenas por negligência sua, não procedeu à sua contabilização!

Afigura-se-nos incontroverso que a doacção deveria ter sido relevada pela Requerente na sua contabilidade enquanto “proveito/ganho/rédito” do exercício de 2012.

A contabilização do facto patrimonial em exercício económico-fiscal diferente tem sido abordada a propósito dos gastos e não dos “proveitos”. A mesma jurisprudência tem balizado a questão em dois polos. Por um lado, a consagração do princípio da especialização como de conteúdo forte. “I- O princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afetação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa,[6] mas devendo ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, da justiça.” [7]

E por outro, esta avaliação não se sobrepõe à obrigatoriedade de, ainda estando em prazo a possibilidade de correcção do valor de imposto por parte da Autoridade Tributária, esta dever obedecer ao princípio da especialização efectuando as correcções aos exercícios-económico fiscais dos anos a que as mesmas digam respeito e não juntando tudo apenas num.[8]

O princípio da justiça acaba então por ser elemento de discussão e fundamentação, quando já não é possível proceder-se à correcção aos exercícios-económicos, por caducidade das liquidações.

Deve então este princípio ser interpretado e relevado como conteúdo da norma da periodização do lucro tributável, assim caracterizado, “Numa situação em que não é colocada em causa a efetividade dos custos e a sua documentabilidade, e já não é possível fazer-se a correção simétrica, por razões de tempestividade, então a AT deve abster-se de tributar, ressalvadas, claro, as situações em que tenha existido uma intenção deliberada de transferência de custos com o intuito de lesar o Estado.” [9]  

Há um traço comum e inquestionável nestas decisões dos Tribunais e também dos Acórdãos da CAAD.

a)         O princípio é construído a propósito dos gastos ou perdas;

b)        O mesmo é axiomático desde que, seja comprovada a efetividade dos custos e a sua documentabilidade, exista prejuízo, ou seja injusta para o contribuinte e não exista lesão para o Estado deliberada intencionalmente; [10]

c)         Que seja impossível corrigir os exercícios onde as correcções deveriam ser efectuadas;

Mas no caso dos presentes autos estamos antes perante um “ganho/redito/proveito” e desde logo não parece que se possa aplicar o princípio da justiça.

Por um lado,” a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reconhecer que a aplicação do princípio da justiça prevalece sobre o princípio da legalidade estrita, nomeadamente em situações em que da violação deste não há prejuízo para o interesse público. (...)”

Julgamos ser claro desde logo, que o facto patrimonial que a Requerente coloca em crise, foi contabilizado no exercício de 2021, e foi a esse exercício que a Requerida procedeu à liquidação adicional. Também nos parece claro, que em 2012 a Requerente pela prática de uma “não acção”, omitiu o registo de um activo. É verdade, que se o tivesse registado nesse momento, tal não seria um ganho/proveito/redito, pois poderia ser contabilizado em “compras”, ou em imobilizado, contas POC da altura.  Mas com essa omissão, a consideração de ganho com a contabilização só em 2021, só o deve ao seu próprio comportamento. Repare-se que existiriam várias hipóteses de contabilização do facto patrimonial e nada nos indica nos autos que a classificação contabilística que foi agora realizada seria que a seria realizada em 2012! Também nos parece claro, que face à configuração que a Requerente deu, existe um prejuízo para o interesse público. E também nos parece claro, que a existência de uma acção judicial, não constitui motivo para omitir registo contabilístico. Primeiro, porque a contabilidade deve ter o registo de todos os factos patrimoniais e em segundo, porque existia a possibilidade da criação de uma provisão para depreciação de existências, ou para contencioso, por litigiosidade, que se fosse dedutível até lhe teria sido favorável e não desfavorável, conforme argumenta.

Parafraseando novamente o que se escreveu na decisão da CAAD, “Mas, não se pode olvidar que o princípio da legalidade estrita (subordinação à Constituição e à lei) é também um princípio constitucional enunciado no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, pelo que a optimização da aplicação conjunta desse princípio e dos princípios da justiça e da proporcionalidade será atingida reservando a aplicação destes para os casos em que se seja manifesta a inaceitabilidade das consequências da aplicação da solução normativa especificamente prevista para determinada situação. (...)” 

Parece-nos claro que face ao quadro fáctico seria inaceitável era não considerar o registo do facto patrimonial realizado em 2021 como variação patrimonial positiva a relevar no campo respectivo do quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC.

Uma última menção para a questão aludida do art.º 45.º da LGT. O facto tributário que vimos de analisar não é o facto tributário da doacção, mas sim o aumento do capital próprio da sociedade em 2021, pela contabilização dessa doacção. E tanto assim o é, que conforme supra mencionado, se tivesse sido integrado na contabilidade em 2012, tinha um enquadramento contabilístico, mas como foi enquadrado em 2021, já teve outro. Não está em causa um enquadramento contabilístico de 2012 que nem sequer existiu, mas a contabilização de um facto de 2012, por acréscimo do Activo, por contrapartida de Resultados Transitados e logo do capital próprio. Esse aumento do capital próprio deu-se em 2021 e é uma variação patrimonial positiva. Esse é o facto tributário. 

Decidiria assim pela improcedência total do pedido da Requerente.

 

 

(António Pragal Colaço)

 



[1] À altura dos factos regia o Plano Oficial de Contabilidade (POC), sendo que actualmente rege o Sistema de Normalização Contabilística, (SNC), de acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, o SNC é de aplicação obrigatória para as sociedades comerciais e outras entidades abrangidas pelo Código das Sociedades Comerciais, sem prejuízo das disposições do artigo 4.º do mesmo diploma;

[2] Parágrafo 22 da estrutura conceptual do SNC - «(...) a fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas (...).» Parecer Técnico OCC PT27005 - maio, 2022, in.www.occ.pt;

[3] Conforme aludido pela Requerida na sua Resposta “variações patrimoniais são uma demonstração da pretensão de completude do IRC e da proximidade ao rendimento real (de que são um corolário), não deixando zonas por tributar. Elas ultrapassam os meros resultados contabilisticamente registados pela empresa e relevados fiscalmente e abarcam quaisquer outras oscilações de património (acréscimos ou decréscimos) apuradas no período de tributação.”, Gustavo Lopes Courinha, in. Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, p. 93.

[4] Em bom rigor nem é por este prisma que a Requerente ataca a liquidação, mas por outro aspecto que analisaremos já de seguida;

[5] Em suma, uma variação patrimonial positiva corresponde aos acontecimentos que fazem aumentar o património líquido da empresa sem que esse aumento tenha passado a integrar os capitais próprios por via dos resultados líquidos do período. Por assim ser, toda a variação patrimonial que não seja refletida no resultado líquido do período de tributação, são considerados para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo se se encontrarem excluídas, à data, pelo supra transcrito artigo 21º alíneas a) a d), do CIRC, tendo em conta, desde logo, o princípio da tributação pelo lucro real (art 104º da CRP), cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 582/05.BELRS, de 5/12/2024, Isabel Silva, in.www.dgsi.pt;

[6] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 1528/07.7BELSB, de 13/5/2021, Patrícia Manuel Pires, in.www.dgsi.pt;

[7] In. Ibidem. Igual conteúdo emerge do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0304/15.8BELLE de 07-09-2022, Aníbal Ferraz, Sumário: I - A atuação e defesa do princípio da especialização dos exercícios/regime de periodização económica deve ser conciliada com a operância de outros primados, atuantes ao nível da disciplina jurídica global dos tributos, norteadores da atividade da autoridade tributária e aduaneira (AT), particularmente, os princípios da legalidade e da justiça, objetivando o melhor equilíbrio, possível, entre os respetivos domínios, de molde a obter um resultado justo, capaz de, por um lado, defender o interesse público da obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades e, por outro, respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos.

[8] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 1126/05.0BELSB, de 28-01-2021 Lurdes Toscano, Sumário: I - Nos termos do art. 18º do CIRC, os proveitos e custos, assim como outras componentes positivas ou negativas, do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.

II - Tendo em consideração o princípio da especialização dos exercícios, a AT tinha o ónus de proceder ao correspondente acerto nos exercícios em que aqueles custos ocorreram, ou seja, em 1998 e 1999, o que não fez, pois apenas corrigiu o exercício de 2000; O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 0610/15.1BELRA, de 27-10-2021, Pedro Vergueiro, considera essa obrigatoriedade como pertencendo ao princípio da justiça, ambos in.www.dgsi.pt. Isto acontece na nossa opinião porque o mesmo Acórdão considera este princípio como integrador do princípio da especialização dos exercícios. Consideramos no entanto, que é este último princípio fiscal que obriga a tal.  

[9] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 1528/07.7BELSB, de 13/5/2021, Patrícia Manuel Pires, in.www.dgsi.pt;

[10] Cfr. Acórdão da CAAD, Processo nº 697/2020-T, de 3/1/2022,  3. Pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não se pode escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça.