Sumário:
1. Quer a notificação por via postal, quer a notificação por meios eletrónicos constituem formas alternativas válidas de comunicação entre a administração tributária e os contribuintes, não sendo mutuamente exclusivas.
2. As notificações das pessoas coletivas devem ser dirigidas aos seus representantes legais na respetiva sede social.
3. O facto de a carta de notificação em matéria tributária não conter a indicação do legal representante não afeta a sua validade [da notificação], desde que a comunicação seja concretizada, de forma direta ou indireta (através de funcionário, capaz de transmitir os termos do ato, que se encontre no local onde normalmente funciona a administração), nesse legal representante.
4. No caso concreto, a carta de notificação foi devidamente endereçada à sede da sociedade, aí recebida e assinado o respetivo aviso de receção por pessoa perfeitamente identificada, pelo que deve considerar-se validamente efetuada a notificação, dado não se ter verificado circunstância impeditiva do conhecimento do representante legal, o que não foi sequer alegado.
5.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (presidente), Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 7 de julho de 2025, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., Unipessoal, Lda., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Amarante, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) tendo em vista a apreciação da ilegalidade, e consequente anulação, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, bem como da liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) que constitui o objeto daquela, com referência ao período de tributação de 2022, emitida sob o número 2024..., no valor a pagar de € 98 354,41, incluindo os juros compensatórios inerentes, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), bem como do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 24 de abril de 2025, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e, de seguida, notificado à AT.
Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, em prazo, a aceitação do encargo. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 17 de junho de 2025, não tendo sido manifestada oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 7 de julho de 2025.
Em 24 de setembro de 2025, a Requerida apresentou Resposta, com defesa por exceção e por impugnação e, na mesma data, juntou o processo administrativo (“PA”).
Em 1 de outubro de 2025, a Requerente exerceu o contraditório sobre a matéria de exceção e juntou documentos adicionais.
O Tribunal Arbitral, por despacho de 31 de outubro de 2025, por entender fundada a matéria de exceção suscitada pela Requerida, dispensou a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente e a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). As Partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações simultâneas e a Requerente para pagar a taxa arbitral subsequente, tendo sido fixado o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT. A AT apresentou as suas alegações em 13 de novembro de 2025.
Posição da Requerente
A Requerente invoca erro nos pressupostos de direito (vício de violação de lei), por considerar que a liquidação oficiosa emitida pela AT por falta de apresentação, em prazo legal, da Declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao período de tributação de 2022, é anulável por erro – excesso – de quantificação dos rendimentos, assentando numa ficção de rendimentos e gastos sem adesão à realidade. Argui, ainda, ofensa do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva.
A Requerente alega ter apresentado a IES relativa ao exercício de 2022 em 15 de julho de 2023, dentro do prazo legal, e que, em 4 de junho de 2024, submeteu a Declaração Modelo 22 que estava em falta do período de 2022 com os rendimentos efetivos. Mais refere que no decurso do procedimento de reclamação graciosa apresentou elementos documentais comprovativos dos rendimentos declarados, que permitem o apuramento direto da matéria coletável.
Na perspetiva da Requerente, cabia à AT, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da verdade material, afastar a presunção e determinar os rendimentos com base nas declarações submetidas e na escrituração da Requerente.
Posição da Requerida
A Requerida começa por arguir a extemporaneidade do ppa, por ter sido ultrapassado o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, contado da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o que obsta ao prosseguimento dos autos e determina a sua absolvição da instância.
Suscita também a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, na medida em que as correções foram efetuadas através da aplicação de métodos indiretos (ao abrigo do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC), matéria que entende estar excluída da vinculação da AT à jurisdição arbitral, de acordo com a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (“Portaria de Vinculação”).
No que se refere ao mérito da pretensão deduzida, a Requerida pugna pela improcedência e desconsidera os elementos apresentados pela Requerente, porquanto os mesmos revelam erros e incongruências que impedem a sua aceitação. Por outro lado, defende que as declarações da Requerente não beneficiam da presunção de veracidade, pois isso implicaria que tivessem sido concretizadas dentro dos prazos legalmente fixados para o efeito, o que não foi o caso.
Posição da Requerente sobre a Matéria de Exceção
Em relação à caducidade do direito de ação, a Requerente sustenta que a AT não pode prevalecer-se da data da notificação da carta registada enviada com aviso de receção, pois tinha anteriormente ativado o Portal das Finanças como canal de comunicação (desde 1 de agosto de 2022). Daqui retira que a sua notificação teria de ser obrigatoriamente efetuada na sua caixa postal eletrónica ou na sua área reservada no Portal das Finanças, atento o disposto nos artigos 41.º e 38.º-A, n.º 1 do CPPT, e que, segundo o n.º 4 deste artigo 38.º-A, as notificações por transmissão eletrónica se consideram efetuadas no 5.º dia posterior ao registo de disponibilização na área reservada do Portal das Finanças.
Acrescenta que caso a AT pudesse lançar mão da notificação postal esta teria de ser efetuada na pessoa do gerente.
Conclui que a AT não a notificou pela via própria, que é a eletrónica, e que tendo recorrido a meio alternativo não cuidou de a notificar na pessoa do seu gerente, não constando que o mesmo não tenha sido encontrado, e que a AT não demonstra a qualidade do recipiente da carta. Desta forma, considera que a ação foi proposta em prazo e pugna pela improcedência da exceção.
Sobre a incompetência do Tribunal Arbitral, argui que a ação tem por objeto um ato de liquidação oficiosa de IRC, com recurso a métodos indiciários, com o uso de coeficientes próprios do regime simplificado de tributação, cujo valor é suscetível de alteração logo que o sujeito passivo entregue a declaração em falta ou deduza um pedido de revisão. Entende que se trata de matéria compreendida no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que prevê a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos. Tendo apresentado reclamação graciosa, sobre a qual recaiu decisão expressa da AT, e sendo os poderes de cognição os mesmos dos TAF, conclui que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer o pedido e que a não vinculação da AT vale apenas para os casos de inimpugnabilidade de liquidações com recurso a métodos indiretos em procedimento inspetivo sem pedido prévio de revisão, no que concerne a erros quantitativos, ou excesso de liquidação.
Exercido o contraditório e perspetivada a procedência da exceção de intempestividade, procede-se, de seguida, ao imediato conhecimento da mesma, após a fixação dos factos relevantes.
II. Caducidade do Direito de Ação
1. Factos Relevantes
Para aferir sobre a (in)tempestividade alegada pela AT, importa atender à seguinte factualidade:
A. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas enquadrada no regime geral de IRC, com contabilidade organizada – cf. fundamentação da decisão da reclamação graciosa no PA.
B. A Requerente ativou o Portal das Finanças como canal de notificação com a AT, mantendo, de igual modo, como canal de notificação a via postal, conforme se constata do documento extraído do Portal das Finanças pela própria Requerente, que aqui se transpõe no segmento relevante:

C. A Requerente submeteu a IES referente ao período de tributação de 2022 em 25 de outubro de 2023, fora do prazo legal previsto no artigo 121.º, n.º 2 do Código do IRC – cf. Documento 1 e PA.
D. A Requerente não apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao período de tributação de 2022, no prazo legal previsto no artigo 120.º do Código do IRC. Perante esta omissão declarativa, a AT notificou a Requerente da falta de entrega da declaração anual de IRC, por via eletrónica, com registo de envio por e-mail de 14 de dezembro de 2023 – cf. Documento 1 junto pela Requerida e PA.
E. Nesta sequência, não tendo sido suprida a omissão declarativa, em 20 de maio de 2024, a AT emitiu à Requerente uma liquidação oficiosa deste imposto, a qual foi posteriormente corrigida para tomada em consideração da redação do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC decorrente da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, e, por essa razão, substituída pela liquidação oficiosa final de IRC número 2024..., no valor a pagar de € 98 354,41, datada de 28 de agosto de 2024, impugnada nos presentes autos – cf. ato de liquidação junto pela Requerente (Documento 2) e fundamentação da decisão da reclamação graciosa no PA.
F. Em 4 de junho de 2024, a Requerente entregou a declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2022 que ficou na situação de “Não Liquidável” – cf. Documento 3 junto pela Requerente e fundamentação da decisão da reclamação graciosa no PA.
G. Para validação desta declaração Modelo 22 submetida fora de prazo, a AT solicitou elementos, que foram remetidos pela Requerente em 19 de setembro de 2024 e em 6 de novembro de 2024. Da respetiva análise, a AT constatou incoerências e divergências entre os valores registados na contabilidade e os elementos de outras fontes, como o e-fatura e a própria IES (no tocante a inventários), bem como a falta de apuramento de tributações autónomas – cf. fundamentação da decisão da reclamação graciosa no PA.
H. Inconformada, a Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação oficiosa de IRC número 2024..., no valor a pagar de € 98 354,41. A reclamação foi autuada sob o n.º ...2024... e indeferida por despacho de 30 de dezembro de 2024, após notificação da Requerente para exercício do direito de audição – cf. PA e Documentos 4 e 5 juntos pela Requerente.
I. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi comunicada à Requerente pelo ofício número 2025..., datado de 2 de janeiro de 2025, enviado em 7 de janeiro de 2025 por carta registada com aviso de receção, dirigida à sua sede social, sita na Rua..., n.º... . E foi aí recebida, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado por B..., em 8 de janeiro de 2025 – cf. ofício, registo postal e A/R constantes do PA.
Q. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral foi apresentado em 22 de abril de 2025 – conforme registo de entrada no sistema de gestão processual (“SGP”) do CAAD.
* * *
Os factos pertinentes foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica para a apreciação da exceção de caducidade do direito de ação, fundando-se a convicção dos árbitros na análise crítica da prova documental junta aos autos.
Não se provou que a IES relativa ao exercício de 2022 tenha sido apresentada pela Requerente em 15 de julho de 2023 e, portanto, dentro do prazo legal. O que se provou e está evidenciado em documento junto pela própria Requerente (Documento 1) é que essa IES foi submetida em 25 de outubro de 2023, como acima referenciado.
Com relevo para a análise desta matéria não se identificaram outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
2. Sobre a Caducidade do Direito de Ação
Determina o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos no artigo 102.º, CPPT, que são, de acordo com o seu n.º 1[1]os seguintes:
“a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”
Na situação vertente o ato de liquidação foi objeto de um procedimento de segundo grau, que culminou em decisão expressa, pelo que se subsume ao disposto na alínea e) supra[2], devendo os 90 dias contar-se a partir da data em que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa se considere notificada à Requerente.
De salientar que a natureza arbitral deste Tribunal e a aplicação do regime da arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do artigo 3.º-A do RJAT[3] que estabelece a aplicação das regras do Procedimento Administrativo, no procedimento arbitral, e do Código de Processo Civil, no caso de prazos processuais.
Acresce referir que os prazos para reagir, por via administrativa ou jurisdicional, contra um ato tributário são prazos substantivos, de caducidade, computados nos termos prescritos no artigo 279.º do Código Civil[4], e integram a própria relação jurídica material controvertida[5].
À luz do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável subsidiariamente conforme estabelece o artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, a caducidade do direito de ação configura uma exceção dilatória, sem possibilidade de sanação, de conhecimento oficioso, obstando ao prosseguimento do processo e ao conhecimento do mérito da causa de pedir, com a consequente absolvição do réu da instância – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de novembro de 2024, processo n.º 042/24.0BALSB[6].
Retomando o caso concreto, quando a ação arbitral deu entrada, em 22 de abril de 2025, já tinham decorrido 104 dias a contar da assinatura – efetuada em 8 de janeiro de 2025 – do aviso de receção da carta-ofício que comunicou à Requerente o indeferimento da sua reclamação graciosa.
Assim, resta saber se esta notificação por via postal é válida, pois, em caso afirmativo, é inequívoco que o prazo legal de 90 dias se encontrava expirado à data da propositura da ação arbitral, sendo esta intempestiva.
Relembra-se que a Requerente começa por se opor à validade da via postal por entender que a notificação teria de ser “efetuada por transmissão eletrónica de dados, na respetiva área reservada no Portal das Finanças”, uma vez que em 2022 tinha ativado como canal de notificação o referido Portal das Finanças, nos termos do disposto no artigo 38.º-A, n.ºs 1 e 2 do CPPT, que ainda mantém.
Porém, a Requerente não pode ignorar que além de ter ativado esse canal de notificação, manteve igualmente ativo o modo de notificação por via postal, que constitui, aliás, o regime-regra previsto no artigo 38.º do CPPT, que dispõe, no seu n.º 1, o seguinte:
“Artigo 38.º
Avisos e notificações por via postal ou telecomunicações endereçadas
1 - As notificações são efetuada obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
[…]”
O que este Tribunal extrai da regulação dos artigos 38.º e 38.º-A do CPPT é que as notificações por via postal e eletrónica não são mutuamente exclusivas, constituindo formas alternativas perfeitamente válidas de comunicação entre a Requerida e os contribuintes. Na situação concreta, demonstrou-se que, em relação à Requerente, as duas modalidades de notificação se mantiveram ativas, o que não pode deixar de significar que o contribuinte possa ser notificado por qualquer uma delas.
Por outro lado, a Requerente louva-se no disposto no artigo 41.º do CPPT, que rege a notificação das pessoas coletivas (como é o seu caso), para concluir que, não sendo notificada por via eletrónica, teria de o ser na pessoa de um administrador ou gerente.
Antes de mais, interessa notar que, nesta linha de raciocínio, a Requerente acaba por admitir a notificação por via postal, contrária ao seu argumento inicial. Porém, agora a invalidade deriva, na sua perspetiva, não da modalidade da sua efetivação (eletrónica ou postal), mas da pessoa física a quem foi feita a comunicação, que, segundo entende, tem de ser um administrador ou gerente.
Vejamos. O citado artigo 41.º do CPPT determina que as pessoas coletivas ou sociedades sejam notificadas “na sua caixa postal eletrónica ou na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A, ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem” (n.º 1). E no seu n.º 2 que: “[n]ão podendo efetuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer trabalhador, capaz de transmitir os termos do ato, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa coletiva ou sociedade.”
Ficou provado que a carta de notificação foi remetida para a sede social da Requerente, como determina a lei, tendo sido aí recebida por pessoa devidamente identificada. E se é certo que a carta devia ter sido endereçada à pessoa do gerente, o facto de o não ter sido não compromete a notificação, conquanto esta tenha sido recebida, como foi, por pessoa capaz de a transmitir ao representante legal, no local onde normalmente funciona a administração da sociedade, que é a sede desta. De notar que Requerente não alega que o seu representante legal não tenha tomado conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
A notificação não constitui um fim em si mesmo, é um meio instrumental, dirigido a um fim, o de dar conhecimento de um determinado facto ao notificando (v. artigo 219.º, n.º 2 do CPC). Tendo este objetivo sido alcançado, inexiste razão para considerá-la inválida.
Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão (do Pleno[7]) de 5 de junho de 2017, no processo n.º 01271/15, a respeito da notificação de atos tributários, conforme excerto ilustrativo que se transcreve:
“[…] as sociedades devem, por princípio e como regra geral, ser notificadas na pessoa física dos seus representantes legais, notificação que pode ocorrer tanto na sede da sociedade, como na residência destes, como em qualquer outro lugar onde se encontrem, à semelhança, aliás, do que se previa no Código de Processo Civil perante o preceito então vigente – cfr. art. 237º.
Regra que se se aplica tanto à notificação pessoal como à notificação por carta registada, como bem frisa JORGE LOPES DE SOUSA em anotação ao preceito no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”.
E porque não é ao distribuidor do serviço postal que compete, quando se dirige à sede da sociedade para entregar carta registada com A/R, adivinhar quem será o seu legal representante, ou, sequer, encetar diligências para apurar quem ele é – sabido que tal aviso deve ser assinado por esse representante legal e só no caso de este «não ser encontrado» pode ser assinado por empregado, capaz de transmitir os termos do acto, «que se encontre o local onde normalmente funcione a administração da sociedade», estando o distribuidor postal obrigado a proceder à anotação do documento oficial identificador de quem assina o A/R –, essa carta deve ser endereçada a determinada pessoa física com a expressa menção dessa específica qualidade de legal representante da sociedade.
Todavia, o facto de a carta registada com A/R não ter sido endereçada ao legal representante da sociedade não afectará a validade da notificação da sociedade desde que ela acabe por ser concretizada, de forma directa ou mesmo indirecta (através de “empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funciona a administração”) nesse legal representante. Concretização que pode ocorrer não só no local do endereço como na estação do serviço de correios onde a carta pode ser reclamada e levantada desde que naquele local tenha sido deixado aviso para o efeito.”
Como antes referido, a Requerente nunca invocou que não foi dado conhecimento da carta de notificação à gerência ou a quem esta tenha delegado as correspondentes funções. Limitou-se a defender a invalidade formal da notificação, como forma de ultrapassar a intempestividade da sua atuação processual, no que este Tribunal Arbitral, pelas razões expostas, não lhe pode dar razão.
Em síntese, a Requerente foi validamente notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida no dia 8 de janeiro de 2025, pelo que, quando a ação arbitral foi proposta, em 22 de abril de 2025, estava esgotado o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1 do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, para impugnar a liquidação de IRC pela via arbitral. Nestes termos, julga-se verificada a exceção dilatória da caducidade do direito de ação suscitada pela Requerida, com a consequente absolvição da instância (v. artigo 89.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT).
A procedência da exceção de caducidade do direito de ação põe termo ao processo, impedindo o conhecimento das demais questões suscitadas, as quais não serão conhecidas por este Tribunal Arbitral
III. Decisão
Termos em que, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolver a Requerida da instância.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 98.354,41 (noventa e oito mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos), indicado pela Requerente, correspondente à liquidação de IRC cuja anulação pretende e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1 do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas de Arbitragem
Custas no montante de € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de novembro de 2025
Os árbitros,
Dra. Alexandra Coelho Martins, relatora
Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia
Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
[1] O n.º 2 do artigo 102.º do CPPT foi revogado pelo artigo 16.º, alínea d) da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro.
[2] E não à alínea b) como indica a Requerida, dado que a decisão de uma reclamação graciosa não constitui um ato tributário, antes um ato em matéria tributária.
[3] Aditado pelo artigo 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
[4] Por remissão do artigo 20.º, n.º 1 do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
[5] Visam determinar o período para o exercício de um direito. V. acórdão do TCA Norte, processo n.º 01811/09.7BEBRG, de 23 de setembro de 2010, para maior desenvolvimento da evolução da jurisprudência do STA, e a doutrina aí citada (v. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, 1987, páginas 463-464, MOTA PINTO, Teoria Geral de Direito Civil, 2.ª edição, n.º 93, páginas 370-375, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, págs. 272/273).
[6] V. ainda, a título ilustrativo, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10 de janeiro de 2024, processo n.º 00091/22.3BECBR.
[7] Da secção de contencioso tributário.