Sumário:
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O artigo 15º do RCPITA, permite a alteração e ampliação dos fins e o âmbito procedimento de inspeção bem como da sua extensão, mediante despacho fundamentado.
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A fundamentação no procedimento tributário é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada.
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As exigências contidas no art. 123º, n.º1 e n.º2, als. a) e b) do CIRC obrigam a que todos os lançamentos estejam “apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário” e “as operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.”
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Compete à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de fluxos financeiros como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS.
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O registo de gastos não documentados tem os efeitos próprios, a nível de IRC, previstos nos 23ºA, n.º1, al. b) e 88º, n.º1 do CIRC.
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A verba 17.1.4, da T.G.I.S. não exige a prova da existência de um contrato escrito de conta-corrente, como pressuposto da incidência do tributo, uma vez que o facto tributário é a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, quer haja, ou não, um contrato escrito.
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A garantia prestada sob forma de hipoteca não se encontra abrangida pelos preceitos legais que atribuem e fixam um direito indemnizatório de forma praticamente automática num procedimento simplificado previsto no art. 53º, n.º1 e n.º2 da LGT.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
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Em 22 de abril de 2025 a contribuinte A..., LDA., sociedade limitada por quotas, com o número de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede em ..., n.º ... (...), ...-... Braga, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), no n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 29 de abril de 2025.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º 2, al. a) do RJAT, foram designados os árbitros (Conselheiro Dr. Jorge Lopes de Sousa -Presidente - Prof. Dr. Tomás Cantista Tavares e Dr. André Festas da Silva-Relator-) pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os árbitros aceite nos termos legalmente previstos.
4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 07.07.2025.
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O Prof.º Doutor Tomás Cantista Tavares renunciou às funções arbitrais.
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Por despacho de 22.08.2025, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD determinou a sua substituição, como árbitro no presente processo, pelo Dr. António Alberto Franco, tendo este aceite a nomeação.
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A Requerente apresentou a sua resposta em 25 de setembro de 2025.
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O Tribunal Arbitral promoveu a organização da reunião prevista no n.º 1 do artigo 18.º do RJAT em ordem à produção da prova testemunhal arrolada pela Requerente e a inquirição da parte e das testemunhas realizou-se no dia 27.10.2025.
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A Requerida e a Requerente apresentaram as suas alegações escritas em 17.11.2025.
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Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e a consequente anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2024..., retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024 ..., de Imposto do Selo n.º 2024 ... e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2020, e condenação da AT ao pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida, bem como, das custas processuais.
II.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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A AT não fundamenta que documentos ou que movimentos analisados levaram à conclusão da necessidade do alargamento do âmbito da inspeção.
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A omissão desta formalidade acarreta forçosamente a ilegalidade da alteração em causa com fundamento em vício de forma.
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No RIT subjacente à emissão da liquidação de IRC em referência, a AT procedeu a uma fundamentação sumária com mera referência às disposições legais alegadamente aplicáveis ao caso concreto.
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Não se pode aceitar cumprido o dever de fundamentação da AT, quando todas as correções de IRC por si promovidas no RIT cingem-se à enumeração de um conjunto de atos / negócios jurídicos desconexos entre si, sem o acompanhamento da respetiva fundamentação legal.
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O RIT não contém os elementos mínimos que permitam à Requerente alcançar e perceber as razões de direito subjacentes à emissão da aludida liquidação de IRC, porquanto a AT não alegou os fundamentos de direito de forma minimamente percetível, clara, completa e congruente para a Requerente.
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Pelo direito de abastecer a Requerente em exclusividade, no total a B... pagar-lhe-ia ao longo de cinco anos e conforme referido na descrição dos termos de cada contrato, € 366.610,54 (pelo contrato da ...), € 201.227,98 (pelo Contrato ... 2015), € 92.128,80 (pelo ... 2015) e € 553.352,10 Página 19 de 61 (Contrato ...), ou seja, um total de contrapartida de exclusividade de € 1.213.319,42.
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Ou seja, e portanto, em contrapartida de fornecer a A... em exclusividade, para aqueles postos, durante cinco anos, a B... pagar-lhe-ia € 242.663,89 por ano.
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Em 2020, a B... e a Requerente acordaram que a pandemia e seus efeitos não seria causa de incumprimento dos contratos de abastecimento exclusivo, posto que seria prorrogada a vigência dos mesmos.
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Com a celebração do acordo que ora se vem de fazer referência, o total da contrapartida de exclusividade passou a ser dividido e imputado a seis anos de vigência de contrato, e não a cinco anos de vigência de contrato, à razão de € 202.219,90 por cada ano de vigência de contrato e em proporção.
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Assim, em 2020, a Requerente procedeu à diluição e reversão da imputação proporcional dos cinco anos – como a contrapartida de exclusividade de fornecimento se destinava agora a ser repercutida em 6 exercícios, havia que proceder à distribuição de rendimento para o exercício subsequente (2021) e retificar a distribuição de rendimento nos exercícios de vigência dos contratos (2016, 2017, 2018, 2019, 2020).
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Passando o rendimento sobejante (€ 202.219,90) a ser imputado no exercício subsequente, com ajustes que conduziram aos decrescidos € 190.480,50 em 2020.
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Juntamente com os contratos de fornecimento, a B... impôs à Requerente a aceitação dos seus cartões parceiros: B... ..., B... Bónus, Cartão B... ..., e Cartão ....
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Em contrapartida, a B... emitia uma fatura no sistema autofacturação.
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Em conformidade, a Requerente lançava estas “vendas” na conta 71 por contrapartida da conta caixa e a fatura emitida pela Requerente à B... era lançada a débito da conta 22 e a crédito na conta 111, tudo de acordo e em cumprimento com as normas contabilísticas aplicáveis.
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As quantias referidas no RI como adiantamentos por conta dos lucros-faturas referentes a gastos pessoais do sócio gerente - não constituem, ao contrário do que concluiu a AT em sede de ação inspetiva, quaisquer adiantamentos por conta de lucros, mas antes encontro de contas entre a Requerente e o seu sócio-gerente, bem como o recurso a fundos da sociedade por parte deste último mediante necessidade, tratando-os como empréstimos a sócios, ainda que tais movimentos se realizassem de forma informal.
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Os lançamentos identificados pela AT como tendo sido feito em contas de sócios – os únicos que dão origem ao funcionamento da presunção - não foram feitos em conta de sócios – conta 26.
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Portanto, como os lançamentos em análise não foram realizados numa conta dos sócios, não podia a AT presumir que foram feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, dado falhar a base ou a premissa da presunção.
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Com efeito, por escritura pública de cessão, divisão e permuta de participações sociais, compra e venda e hipoteca, C... promoveu a reestruturação já aludida de grupo familiar, tendo alienado e adquirido diversas participações sociais a grupo familiar empresarial dominado pelo seu irmão D... (“D...”).
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No que para o caso interessa, C... quedou-se devedor precisamente de € 1.140.000,00 a seu irmão D... por força dos negócios celebrados nessa escritura
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Para cumprir o acordado com irmão, C... teve de lançar mão de qualquer forma de obtenção de liquidez.
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O mero registo de gastos sem suporte documental por parte da Requerente não faz presumir qualquer rendimento na esfera do seu sócio-gerente, por falta de norma de incidência que o permita – uma coisa é a desconsideração enquanto custo de IRC, outra coisa – bem distinta - é a fixação de incidência em sede de IRS.
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As operações financeiras realizadas pela Requerente não revestem as modalidades de conta-corrente ou descoberto bancário (com ou sem prazo de utilização).
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No caso sub judice, apesar de poder considerar se existir uma operação financeira, inexiste qualquer contrato de crédito celebrado e utilizado sob a forma de conta corrente.
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A AT não logrou provar a existência de um verdadeiro contrato de financiamento utilizado sob a forma de conta corrente, o qual implica, antes de mais, uma obrigação, assumida pelas partes contratantes de manter uma determinada relação de negócios sob a forma contabilística de uma conta-corrente, o que não se verifica ocorrer in casu.
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Conclui-se inexistir qualquer facto tributário suscetível de preencher os pressupostos previstos na norma de incidência ínsita na verba 17.1.4 da TGIS.
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Para a suspensão do processo de execução fiscal, a Requerente constituiu hipoteca voluntária sobre imóvel, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 199.º do CPPT, a qual foi aceite pelo respetivo órgão de execução fiscal.
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Termos em que se conclui que deve a AT ser condenada ao pagamento de indemnização pela prestação indevida de garantia.
II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
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Tendo os SIT alterado o âmbito da inspeção de parcial para geral e notificado a Requerente do despacho que fundamenta essa alteração, é facilmente percetível, à luz das normas transcritas (arts. 14º e 15º do RCPITA) , que os atos inspetivos incidiriam, a partir desse momento, na sua situação tributária global e poderiam consequentemente abranger qualquer tributo, não ocorrendo o alegado vício de forma por falta de fundamentação da decisão de alargamento do âmbito da ação inspetiva.
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E mesmo admitindo, por hipótese académica e sem conceder, a preterição de alguma formalidade legal, tal omissão deve considerar-se degradada em formalidade não essencial, de acordo com o princípio do aproveitamento do ato administrativo consagrado no n.º 5 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
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Ao longo do RIT, os SIT evidenciam os factos por si apurados, relacionando-os com a contabilidade da Requerente, explicando todo o seu raciocínio, para que estes sejam enquadrados legalmente e sujeitos a imposto, referindo ainda as correções a efetuar, sempre de acordo com a lei, e as normas legais infringidas.
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É incontestável que a Requerente ficou esclarecida do itinerário concreto que levou à decisão da AT, uma vez que a própria explica expressamente, e por palavras suas, no seu PPA o «raciocínio» da AT.
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Assim, face ao que antecede e, especialmente, ao quadro normativo e jurisprudencial que se expôs, impõe-se concluir que a liquidação adicional de IRC não padece do vício da falta de fundamentação, uma vez que a mesma é claramente suficiente, tendo sido facultadas as razões e os motivos que levaram àquelas decisões, tendo a Requerente sido devidamente notificada das mesmas e, aliás, clara e inequivocamente compreendido o iter cognoscitivo da AT.
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Apuraram aqueles SIT, relativamente ao montante €190.480,50, que “o documento de suporte ao registo contabilístico, corresponde apenas ao print do diário de movimentos, gerado pelo programa de contabilidade”, consequentemente, “o decréscimo do rendimento […] não se encontra comprovado nem documentado” (cfr. RIT, a pág.229 e 230 do PA), e relativamente ao montante €527.090,50, “também não tem qualquer comprovativo que justifique tal diminuição”
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O reconhecimento contabilístico da diminuição de rendimentos (€717.571,00): decréscimo de Vendas (€527.090,50) e um decréscimo de Outros rendimentos (€190.480,50) efetuado antes do fecho de contas de 2020, foi efetuado já na data de 2021-07-08 (cinco dias antes da entrega da Declaração de Rendimentos - Modelo 22).
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Corrigindo os SIT, os efeitos de redução de rendimentos em montante €717.571,00, por inexistir documentação que permita justificar tal redução de rendimento a considerar, nos termos do art.º 20.º do CIRC.
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A Requerente alega que, devido à COVID-19, procedeu, em conjunto com outra sociedade do grupo, à formalização de um “acordo de prorrogação de contratos de compra exclusiva” com a B..., que afirma ter juntado como Documento n.º 12 ao PPA, mas verifica-se que tal acordo não consta desse documento nem de qualquer outro juntado aos autos, permanecendo, assim, sem prova a alegação de que os contratos de compra exclusiva com a B... tenham sido prorrogados nas condições indicadas no artigo 105.º do PPA.
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O acontecimento reconhecido pela Requerente (a prorrogação do prazo de um contrato de compra exclusiva, ocorrido apenas após a data de balanço de 2020, em 21/04/2021) configura uma condição surgida após a data do balanço, enquadrável na alínea b), do §3, da NCRF 24, pelo que não dá lugar a qualquer ajustamento, nem pode refletir-se no resultado contabilístico de 2020 (cfr. §8 da NCRF 24), cujo balanço já se encontrava encerrado em 31/12/2020.
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De facto, só faria sentido admitir o decréscimo de rendimentos referentes a períodos anteriores a 2021 se os rendimentos diferidos fossem reconhecidos nos exercícios de 2021 e 2022 até à data de 30/06/2022, reconhecimento este que, igualmente, não se vislumbra provado pela Requerente.
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Ora, não obstante, já ter sido demonstrado que a Requerente não observou as normas contabilísticas, também não respeitou o princípio da especialização de exercícios, previsto no artigo 18.º do CIRC, ao reconhecer em 2020 o decréscimo de rendimentos referente a todos os exercícios anteriores a 2021.
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O decréscimo daqueles rendimentos não encontra qualquer fundamentação nos registos contabilísticos, na documentação ou na fundamentação apresentada pela Requerente, devendo ser considerados como tributáveis os rendimentos anulados pela Requerente, no montante de €527.090,50, nos termos do artigo 20.º do CIRC.
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Ora, no âmbito do procedimento inspetivo (ver Capítulo V.13. “Rendimentos de capitais - Adiantamentos por conta dos lucros - Retenções na Fonte de IRS (à taxa liberatória)”, subcapítulo V.13.1. “Faturas referentes a gastos pessoais do sócio-gerente”), verificou-se o pagamento de uma fatura associada a gastos pessoais do sócio-gerente, C... (fatura n.º FAC 1/117), que foi emitida por E... Unipessoal Lda., no valor de € 15.500,00, referente à aquisição de serviços de construção civil para uma casa de habitação de propriedade do sócio-gerente, sendo considerado como gasto, na conta 62262 - Conservação e reparação de edifícios.
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Através do pagamento da referida fatura, que é da responsabilidade do sócio-gerente, a Requerente libertou valores a favor deste que, nos termos do n.º 1 e alínea h), do n.º 2, do artigo 5.º do CIRS, constituem rendimentos de capitais (Categoria E), presumindo-se efetuados a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.
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Resulta da conjugação da al. h) do n.º 2 do artigo 5.º e n.º 4 do artigo 6.º, ambos do CIRS, que se consideram rendimentos de capitais os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, presumindo-se feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
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Apesar de a Requerente, na petição apresentada, admitir que ocorreu a deslocação de rendimentos da sua esfera para a esfera do seu sócio-gerente, alega, essencialmente, que se trata de um verdadeiro mútuo e que o registo contabilístico não é feito na conta 26 SNC, isto é, uma conta de sócio, pelo que não pode operar a presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.
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Contudo, não lhe assiste razão, pois a expressão “quaisquer contas correntes dos sócios” do referido artigo não se limita aos casos em que existam lançamentos a favor dos sócios efetuados na conta SNC “26 - Acionistas/sócios”, podendo abranger lançamentos noutras contas, como no caso em apreço.
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A quantia de € 170.000,00 ao ingressar no património pessoal do sócio, pelo facto da sociedade ter reconhecido que tem uma dívida perante o sócio relativa aos mesmos, constitui um rendimento de capitais (Categoria E), sujeito a tributação nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do Código do IRS.
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A redação da verba 17.1 da Tabela Geral, anexa ao Código do Imposto do Selo é inequívoca ao estabelecer que é devido imposto do selo “pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título (…)”.
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Tendo por base o princípio da prevalência da substância sobre a forma, o que releva, para este efeito, é a efetiva utilização do crédito, conforme ficou demonstrado no Capítulo V.11 do RIT, e não a existência ou não de um contrato de crédito titulado e executado através de conta corrente, como sustenta a Requerente.
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A indemnização a que se refere o artigo 53.º da LGT, respeita apenas ao prejuízo sofrido com a prestação de «garantia bancária ou equivalente», como a caução e o seguro-caução, não abrangendo outro tipo de garantias, como a hipoteca (uma garantia real), como acontece no caso em apreço.
III. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo é o próprio.
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar, nem vícios que invalidem o processo.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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A Requerente é uma sociedade por quotas com o seguinte objeto social: «a exploração em áreas de serviço rodoviárias, lojas de conveniência e estações de serviço, das atividades de comércio de combustíveis, óleos, lubrificantes, produtos de limpeza, produtos para o sistema de arrefecimento e outros produtos, materiais e artigos para veículos automóveis e motociclos, de comércio a retalho de tabacos, lotarias, produtos alimentares, bebidas e outros artigos e produtos de conveniência, de serviços de lavagem, limpeza e assistência a veículos automóveis, de comércio a retalho de pneus e de peças e acessórios para veículos automóveis e motociclos e, ainda, das atividades de cafetaria e venda de bebidas e refeições ligeiras para consumo no próprio local, de restauração, de hotelaria e de entretenimento e lazer.»
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O capital social da Requerente ascendia, no período em referência, a € 250.000,00, detido por C... (“C...”), titular de uma quota com valor nominal de € 74.819,68, e pela sociedade F..., S.A., (“F...”) titular de uma quota com valor nominal de € 175.180,32.
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Em 20-05-2024, a Requerente foi notificada do ato inspetivo para o exercício de 2020, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2024..., de âmbito parcial para IRC.
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Em 19-07-2024, por ofício datado de 07.07.2024, a Requerente tomou conhecimento do despacho datado de 08.07.2024 de alargamento do âmbito da inspeção de parcial para geral.
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A referida notificação contém a seguinte informação:
”1 - Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2024..., em 2024-06-17, foi iniciado o procedimento inspetivo externo de âmbito Parcial – IRC, referente ao ano de 2020. 2 - No decorrer da análise aos elementos da contabilidade, verificou-se o registo de documentos de gasto duplicados com as correspondentes deduções indevidas de IVA (deduções de IVA em duplicado), bem como a existência de movimentos financeiros a favor do sócio gerente (movimentados em conta corrente), que se afiguram como adiantamentos por conta de lucros, por isso sujeitos a retenção na fonte de IRS à taxa liberatória. 3 - Considerando o referido no ponto anterior, solicita-se, nos termos do n.º 1 do art.º 15.º do RCPITA, a alteração do âmbito do procedimento de inspeção credenciado pela OI2024..., passando de âmbito Parcial, IRC, para âmbito Geral.”
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Em 13-12-2024, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), no qual a AT converteu em definitivas as referidas correções projetadas no PRIT e cujo conteúdo é o seguinte:

(…)

(…)

(…)

(…)


(...)


(…)

(…)


(…)

(…)

(…)

(…)
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A AT emitiu as liquidações adicionais de IRC n.º 2024..., retenções na fonte de IRS n.º 2024..., de Imposto do Selo n.º 2024... e de juros compensatórios.
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Para a suspensão dos processos de execução fiscal (“PEF”) associados às liquidações impugnadas e identificadas supra, a Requerente constituiu hipoteca constituída sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o número ..., inscrito na matriz predial da freguesia de ..., ... e ..., sob o artigo ... .
IV.2. Factos não provados
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Em 01.04.2021 a Requerente e a B... formalizaram um acordo de prorrogação de contratos de compra exclusiva dos contratos dos postos de abastecimento:
a) Braga – Av. ...;
b) Viana do Castelo;
c) Cerveira -...;
d) Cerveira – ...;
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O valor de €19.065,00, referente ao pagamento da fatura n.º FAC 1/117, emitida por E..., Lda. é um adiantamento por conta dos lucros do sócio C... .
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O valor de €1.183.062,90 registado a débito nas contas 2781100007 e 278210038 é um adiantamento por conta dos lucros do sócio C... .
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Os gastos não documentados, no montante de €170.000,00, são um adiantamento por conta dos lucros do sócio C... .
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos 1 a 13 juntos pela Requerente, com o pedido de pronúncia arbitral (doravante apenas ppa.) e com o requerimento de 24.10.2025 e pela posição assumida pelas partes em relação à matéria de facto.
Nos factos não provados, o número 1 foi dado como não provado porque não foi junto qualquer documento revelador de tal contrato de prorrogação. A prova por testemunhas é admissível em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada.
Neste domínio, o artigo 393.º do Código Civil (CC) preceitua o seguinte:
1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.
Por outro lado, prevê o artigo 394.º do CC: (Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele)
1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
Assim, se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível prova testemunhal. De acordo com os contratos de exclusividade firmados entre a requerente e a B... (cláusula 12ª) as alterações ao contrato teriam de ser rubricadas pelas Partes (forma escrita). No caso em apreço, a prorrogação do contrato teria de ser lavrada a escrito e, reitera-se, não foi junto aos autos o contrato de prorrogação.
Ainda assim, em sede de declarações de parte, o sócio gerente C..., inquirido sobre esta questão respondeu que tinha ocorrido uma prorrogação do contrato, mas sem efeitos retroativos. Esta última parte contraria as alegações da própria Requerente (cf. art. 109 do ppa.) As testemunha G... e H..., são colaboradoras da Requerente, e portanto com uma relação de subordinação face a esta. Quanto a esta questão, estas testemunhas, não apresentaram qualquer justificação plausível para o facto da diluição e reversão da imputação proporcional, por seis anos em vez dos cinco anos, do valor a receber pela Requerente da B..., em virtude da exclusividade, não perfazer a quantia de €190.480,50, tal como registado na contabilidade.
Face aos depoimentos contraditórios e inconclusivos foram estes factos considerados não provados.
Quanto aos factos não provados números 2, 3 e 4, deveu-se à ausência de prova que permita, com a segurança necessária, tê-los por assentes. A AT não demostrou que os valores indicados nos números 2 e 4 estão conexionados com os lucros obtidos pela sociedade. Mais, quanto ao facto não provado n.º 3, da prova produzida, nomeadamente da análise da conta n.º 2781100007, constatamos a existência de lançamentos a crédito, o que revela que a quantia foi devolvida à Requerente, o que não é consentâneo com a qualificação de adiantamento por conta dos lucros.
V – MATÉRIA DE DIREITO
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Falta de fundamentação
Começa a Requerente por alegar que a AT não fundamentou a necessidade do alargamento do âmbito da inspeção e por isso as liquidações de retenção na fonte de IRS e de Imposto de Selo são ilegais.
Assim, passando a apreciar a questão suscitadas quanto ao vício do procedimento de inspeção, analisemos o regime fiscal aplicável à presente questão.
Os artigos 14.º e 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) estabelecem o seguinte:
Artigo 14.º
Âmbito e extensão
1 - Quanto ao âmbito, o procedimento de inspecção pode ser:
a) Geral ou polivalente, quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários;
b) Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários.
2 - Considera-se ainda procedimento parcial o que se limite à consulta, recolha de documentos ou elementos determinados e à verificação de sistemas informáticos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, ou ao controlo de bens em circulação.
3 - Quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação.
Artigo 15.º
Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento
1 - Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.
2 - O âmbito e extensão do procedimento de inspecção pode ser determinado a solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, nos termos do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro.
Importa, assim, em especial para o caso sob análise ter em consideração as disposições relativas à inspeção tributária para aferir se, realmente, como invoca a Requerente, houve ou não preterição das formalidades legais acolhidas, em concreto, compete analisar o vício alegado sobre a falta de fundamentação do despacho para alteração do seu âmbito.
O procedimento inspetivo levado a cabo pela AT, tem de respeitar os termos e limites legalmente estabelecidos, por forma a que, desde logo, sejam respeitados os princípios da adequação e da proporcionalidade (cf. art.º 63.º, n.º 4, da LGT), princípios esses, aliás, cujo respeito pela administração pública, na sua atuação, encontra assento na nossa lei fundamental (cf. art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Face a legislação já exposta, estabelece o n.º 1 artigo 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, “1 - Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.”
A fundamentação é uma exigência expressamente prevista no artigo 15.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, e a sua falta ou insuficiente tem necessariamente eficácia invalidante do procedimento inspetivo, e igualmente salvaguardado pelo artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, onde estabelece “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato” e “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.
Sobre a questão da fundamentação dos atos praticados pela AT, já se pronunciou a jurisprudência em várias ocasiões, relevamos o Acórdão do STA de 15-06-2016, processo n.º 01101/15.
Como tem vindo a entender uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Refere o Acórdão do STA de 15-06-2016, processo n.º 01101/15 , “formalidades são formalidades previstas na lei como formalidades essenciais, na ausência de disposição legal em contrário, estruturantes do procedimento inspectivo, que uma vez não observadas serão invalidantes dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta, dado não poder concluir-se, face à prova produzida, com um grau de certeza razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, caso a formalidade tivesse sido cumprida, ou que o sujeito passivo prestou a sua colaboração com o acto inspectivo nesse âmbito alargado sem haver colocado em causa a falta de tal despacho”.
No caso sub judice, a AT notificou a Requerente do despacho datado de 08.07.2024.
Assim, aplicando a legislação e jurisprudência referida, cumpre apreciar se estão preenchidos os requisitos legais quanto a fundamentação da alteração do âmbito do procedimento de inspeção.
No caso em apreço, relevamos o seguinte facto já assente, n.º5, do qual consta que a fundamentação constante do despacho de 08.07.2024, preenche os requisitos dos normativos suprarreferidos, é suficiente, é expressa, e permite conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo, identifica expressamente as razões pelas quais foi decidido o alargamento do âmbito da inspeção, bem como a sua aplicação. A constatação de possíveis irregularidades em matéria de outros impostos, para além do IRC que era objeto inicial da inspeção, justifica que esta passasse a ser geral, não sendo necessário especificar, para alargamento, todos os tipos de impostos em relação aos quais possam existir irregularidades, o que só poderá ser exaustivamente apurado com a realização da inspeção.
Percebe-se a razão do alargamento do âmbito que é a existência de indícios de irregularidades quanto a outros impostos para além do IRC.
Neste sentido, o artigo 15º do RCPITA, permite a alteração e ampliação dos fins e o âmbito do procedimento de inspeção, bem como da sua extensão, mediante despacho fundamentado.
Neste sentido, a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Perante o exposto improcede o pedido de anulação das liquidações com fundamento em vicio da alteração do âmbito e extensão do procedimento inspetivo.
Ainda no que diz respeito à falta de fundamentação invoca também a Requerente este vício, agora imputando-se o relatório final do procedimento inspetivo, alegando não alcançar e perceber as razões de direito subjacentes à emissão da liquidação de IRC.
O direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias - Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º, n.º3[1]. - tendo o respetivo princípio constitucional sido densificado no art. 77º nºs. 1 e 2 da LGT.
A fundamentação tem a função de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação. A fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).
A falta ou insuficiência de fundamentação do ato, vício de natureza formal (e não substancial), verifica-se, pois, quando o respetivo ato não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório: o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato.
A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada ato (Cf. Ac. do STA, proc. n.º0787/08 de 05-03-2009 e Ac. do STA proc. n.º 0399/13.9 BEAVR de 24.04.2019).
Cabe-nos verificar se neste ato em concreto, um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, ficou em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais
Mais, realçamos e aderimos à jurisprudência reiterada pelos Tribunais superiores, segundo a qual:
“Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido…”, [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013].
Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente, é necessário que sejam percetíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.
Mas, por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
No caso em apreço, a AT fundamentou devidamente as correções, conforme consta do RIT.
As liquidações de IRS em crise resultam de correções devidamente especificadas no relatório de inspeção tributária, de que a Requerente foi devidamente notificada. Também do relatório emitido pela AT que sustenta as mesmas, encontram-se igualmente devidamente fundamentado. A fundamentação é a que consta do RIT e percebe-se.
Especificamente quanto aos pontos que o sujeito passivo se queixa vejamos a questão relativa à fatura n.º FT 2020ª6/17, emitida por I..., Unipessoal, Lda., NIF .... Refere-se no RIT que foi registada em duplicado e explica-se que «Face à duplicação do registo, verificou-se a existência de gastos e deduções de IVA indevidos».
A fundamentação de direito « IRC – art.º 23.º, n.º 1 do CIRC» é coerente com esta duplicação, diz que «são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» o que tem ínsito que cada gasto só pode ser deduzido uma vez.
O mesmo sucede com o ponto V.I.2, as aquisições intracomunitárias registadas em duplicado, que também se fundamentam no art. 23.º, n.º 1, do CIRC.
Quanto à fundamentação do ponto V.4.: explica-se que « a fatura não se destina ao SP, uma vez que foi emitida a favor de J... LDA, NIF ...9». Também aqui a AT, 23.º, n.º 1 do CIRC, justifica a correção, pois não se está perante um gasto incorrido pelo sujeito passivo.
Quanto aos restantes pontos o sujeito passivo não esclarece quais os pontos da fundamentação que, em seu entendimento, não esclarecem o sentido da decisão.
Mais, analisando o ppa. é manifesto e inquestionável que a Requerente identicamente revelou uma perfeita compreensão dos atos ora em crise, motivo pelo qual improcede o vício invocado pela Requerente. Na verdade, as divergências existentes entre a AT e a contribuinte são, como resulta do processo, questões de facto e de direito que a contribuinte no seu articulado alega e esgrime sem qualquer limitação.
Nestes termos, não se verifica o vício de falta de fundamentação, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto ao mesmo.
Perante tudo o exposto, improcede, nesta parte o vício de falta de fundamentação.
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Decréscimos de rendimentos – €190.480,50 + €527.090,50 = €717.571,00
i) €190.480,50
Nesta parte, insurge-se a Requerente pela não aceitação no RIT do decréscimo de rendimento no valor de €190.480,50. Alega a Requerente que, pelo direito de a abastecer em exclusividade a B... tinha a obrigação contratual de lhe pagar a quantia de €1.213.319,42 durante cinco anos. Em 2021 o contrato terá sido prorrogado por mais um ano. Assim, na versão da Requerente, em 2020, a Requerente procedeu à diluição e reversão da imputação proporcional dos cinco anos – como a contrapartida de exclusividade de fornecimento se destinava agora a ser repercutida em 6 exercícios, havia que proceder à distribuição de rendimento para o exercício subsequente (2021) e retificar a distribuição de rendimento nos exercícios de vigência dos contratos (2016, 2017, 2018, 2019, 2020).
Desde já se refere que, em regra, o princípio da especialização de exercícios previsto no art. 18º do CIRC impede o reconhecimento, em 2020, do suposto decréscimo de rendimentos referentes a exercícios anteriores ou posteriores.
Importa também referir que não foi junto autos qualquer contrato relativo ao posto de abastecimento da Av. ..., em Braga, que incluía período temporal entre 2015 e 2020.
Mais, o resultado pela explicação que a Requerente apresentou seria que o decréscimo deveria ser €202.219,90 o que não é congruente com a explicação que apresentou.
Prossegue a Requerente alegando que «o rendimento decrescido em 2020 é, na verdade, rendimento subsequentemente reconhecido em 2021», protestando juntar um documento (art. 112.º do ppa), mas não juntou.
Acresce que, a Requerente também não juntou qualquer acordo celebrado em 2021 entre si e a B... que indique a prorrogação do contrato de compra exclusiva.
As exigências contidas nos n.º 1 e nas alíneas a) e b) do n.º2 do art.º 123.º do CIRC obrigam a que todos os lançamentos estejam “apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário” e que as “operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos.”
Destarte, não existindo qualquer documento de suporte que justifique o decréscimo de rendimento de €190.480,50 deve manter-se a correção proposta no RIT e por isso improcede o vício invocado pela Requerente.
ii) €527.090,50
Aqui a Requerente não concorda com a não aceitação no RIT deste decréscimo de rendimento, no valor de €527.090,50, asseverando que ele resulta das vendas denominadas de ... . Alega a Requerente que o decréscimo resultou do ajuste no valor de vendas da margem perdida das vendas feitas com cartões... e com a autofacturação emitida pela B... .
Para o efeito a Requerente juntou em 24.10.2025 o registo completo de autofacturação da B.... Trata-se de faturas emitidas pela B... em nome da Requerente ao abrigo da autofacturação, que, no entender da contribuinte, justificam o decréscimo de rendimento de €527.090,50, referente a vendas ... .
Sucede que, a Requerente, sem nunca cruzar as faturas agora apresentadas com os litros vendidos/consumidos (1.410.855,13 litros), conforme quadro apresentado no artigo 5.º do requerimento de 24.10.2025, apurou um valor de vendas ... justificado, não pelo seu valor real faturado, mas com base num "preço médio por litro" de €0,52962, sem ter demonstrado como apurou "preço médio por litro". Alega a Requerente que esta correção, viola o princípio da tributação do rendimento real (art. 104º, n.º2 da CRP) e da justiça (art. 55º da LGT). Ora, ao contrário do alegado pela Requerente, não atender ao valor real faturado é que poderá por em perigo os princípios citados. Razão pela não se afigura que a decisão da AT seja contrária aos princípios da tributação do rendimento real (art. 104º, n.º2 da CRP) e da justiça (art. 55º da LGT).
O sujeito passivo refere no requerimento de junção das faturas (24.10.2025) um valor médio de preço por litro das vendas ... de 0.52962 € (total de vendas de 747.222,14 / 1 410 855.13 litros) que não tem qualquer relação com a realidade, pois todas as faturas apresentadas indicam preços de venda de todos os combustíveis superiores a 1 euro.
De seguida, a Requerente apura um valor de comissão (€220.131,64) com base numa percentagem de 29,46% (0,2946) a aplicar sobre o valor das vendas totais (€220.131,64 = €747.222, 14 X 0,2946 – artigo 8.º do requerimento). Também não está explicado como a Requerente encontrou o valor de «comparticipação correspondente a 0,2946,» pois este valor não consta dos contratos. Nos anexos 2 aos contratos refere-se uma comparticipação de 2,5 € /m3, o que dá 0,0025 € por litro (2,5 / 1000).
Em conclusão, nos termos do art. 123º, n.º1 e n.º2, als. a) e b) do CIRC, não existindo documentos de suporte que justifiquem o decréscimo de rendimento de €527.090,50 deve manter-se a correção proposta no RI e por isso improcede o vício invocado pela Requerente
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Adiantamento por conta dos lucros
i) Faturas referentes a gastos pessoais do sócio-gerente
No RI é referido que a contribuinte pagou uma fatura no valor de €15.500,00 associada a gastos pessoais ao seu sócio gerente – C... . Ao efetuar este pagamento o sócio gerente obteve uma vantagem patrimonial [€15.500,00 + €3.565,00 (IVA) = €19.065,00] que deve ser enquadrada no art. 5º, n.º1 e n.º2, al h) do CIRS – rendimentos de capitais, presumindo-se efetuada a título de lucros ou adiantamento por conta dos lucros.
Neste ponto, a AT não invoca a presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, baseando-se apenas na definição de rendimentos de capitais que consta do artigo 5.º n.º 2, alínea h), do CIRS, a qual tem a seguinte redação:
“Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;
(…)”
Tal como alega a Requerente, o art. 5.º, n.º2, al h) do CIRS não contém qualquer presunção. A AT não invoca, a este respeito, o artigo 6.º, n.º 4 do Código de IRS, pelo que também não poderá operar qualquer presunção para qualificar aquele montante (€19.065,00) a título de adiantamento por conta de lucros.
Assim, cabia à AT (art. 74º, n.º1 da LGT) provar que houve um adiantamento por conta de lucros, o que não fez. Para se preencher a estatuição legal do conceito de adiantamento por conta dos lucros previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS é necessário que fique demonstrado que as entregas feitas aos sócios ocorreram por conexão com os lucros obtidos pela sociedade (Ac. do TCANorte, de 15.05.2025, proc. n.º 00036/12.9BEAVR), o que não ocorreu nos autos.
Citando o Ac. do TCA Norte de 11.03.2021, proc. n.º 01619/10.7BEBRG:
I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de fluxos financeiros como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.
Cabe à AT o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que a contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar as transferências de capital como adiantamento por conta dos lucros da sociedade e, no caso, não se recolheram factos (índice) suficientes de que os valores recebidos pelo sócio gerente se alicerçassem em resultados do exercício dessa sociedade.
Acresce, que verificamos que nos anos posteriores a 2020 há movimentos a crédito na conta (2781100007) nos valores de € 1.105.261,65 e € 2.374.143,18 (documentos n.ºs 11 e 12 do ppa.). Este facto revela que este pagamento não foi uma transferência definitiva de meios financeiros para a esfera do sócio. Por isso não se tratará de adiantamentos por conta dos lucros, uma vez que pressuporiam que os montantes disponibilizados não fossem devolvidos.
Assim, a AT não logrou demonstrar existirem efetivamente um conjunto de indícios suficientes para enquadrar as quantias ora em crise como rendimentos da categoria E do IRS, concretamente adiantamento por conta de lucros.
Porquanto, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, concluindo-se pela ilegalidade da liquidação por vício de violação de lei.
ii) Movimentos financeiros revelados em contas correntes associadas ao sócio-gerente
A AT apurou no RIT que o saldo das contas associadas a C...– sócio gerente da requerente (contas 2181100007 e 2782100038), desconsiderando os movimentos finais, tinham um valor líquido atribuído ao sócio de €1.183.062,90. Assim, conclui a AT que a Requerente «(…) libertou meios monetários a favor do seu sócio-gerente, sem qualquer contrato de mútuo escrito, que, nos termos do n.º 1 e alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º e n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, constituem rendimentos de capitais (Categoria E), presumindo-se efetuados a título de lucros ou adiantamentos por conta dos lucros, e, daí, sujeitos a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, no momento da sua colocação à disposição, conforme prevê a subalínea 2), da alínea a), do n.º 3, do artigo 7.º do CIRS.»
Vejamos.
O artigo 5.º do CIRS, epigrafado de “Rendimentos da Categoria E”, dispõe que:
“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”.
O artigo 6.º, nº4, do CIRS, o qual sob a epígrafe de “presunções relativas a rendimentos da categoria E”, dispõe que:
“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”
Com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos. Estamos, portanto, perante presunção legal (estabelecida expressa e diretamente na lei), sendo incidente sobre o facto gerador do imposto.[2] Ora, do teor dos citados normativos retira-se que são considerados rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS, os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos titulares, desde que se demonstrem, para o efeito, os factos génese.
A presunção legal estabelecida neste concreto particular encontra-se plasmada no citado artigo 6.º, nº4, do CIRS, da qual deriva, desde logo, que a operatividade da mesma pressupõe, ab initio, um registo em qualquer conta corrente do sócio, que reflita um acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica. Daí que, o facto tributário se verifique quando ocorre a colocação do rendimento à disposição do seu titular (cf. artigo 7.º, nºs 1 e 3, alínea a), ponto 2) do CIRS).
A propósito do âmbito, delimitação e acionamento da aludida presunção diz-nos o aresto do TCA Sul, prolatado no processo nº 06368/13, datado de 31 de março de 2016, que:
“Tendo presente a noção de presunção acolhida no artigo 349.º do Código Civil (“Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”), a distinção, também legalmente estabelecida, entre presunções legais e presunções judiciais (conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida - cfr. artigo 350.º e 351.º do Código Civil) e a relevância ou distinto tratamento de que uma e outra podem ser objecto ao nível da sua infirmação (as presunções legais para serem destruídas, nos casos em que a lei o permite, têm de ser ilididas mediante prova em contrário, no caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz – cfr. artigos 350.º,n.º 2 e 351.º do Código Civil)(3), não nos assistem dúvidas quanto a que a presunção de que a Administração Tributária lançou mão constitui uma presunção legal. Isto é, o próprio legislador qualifica como “rendimentos da categoria E”, adiantamentos por conta dos lucros, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros. Ou seja, só nos casos ali expressamente previstos é que podem ser presumidos os rendimentos dessa categoria, são estas as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos, resultando esta conclusão inequivocamente dos elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da categoria E.”
Ora, vista a fundamentação fáctico-jurídica externada e o competente quadro normativo, cumpre aquilatar se a factualidade vertida no probatório legitima o acionamento da presunção, donde a tributação enquanto Categoria E.
Face à factualidade dada como provada, verificamos que:
a) O Sr. C... é sócio e gerente da Requerente;
b) Na contabilidade da Requerente o Sr. C... é o beneficiário das contas 2781100007 e 2781100007, que revelou um movimento a débito de €1.183.062,90;
c) No final do ano de 2020 a conta 2781100007 tinha um saldo a débito de €280.846,97, sendo esta a sua única dívida à sociedade.
A expressão “quaisquer contas correntes dos sócios” do n.º 4, do artigo 6.º, do CIRS, significa que a presunção contida nesta disposição não se limita aos casos em que existam lançamentos a favor dos sócios efetuados na conta 26, podendo abranger lançamentos noutras contas, como no caso em apreço (conta 27). Cf. decisões do CAAD, proc. n.º 371/2020-T, de 25.11.2020 e proc. n.º 326/2024, de 19.01.2025.
Note-se, ademais, que conforme expendido no Acórdão do TCA Norte, prolatado no processo nº 00446/11, de 07 de julho de 2016: “[a] norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”. É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros".
No mesmo sentido cita-se o Ac. do TCA Sul de 11.01.2023, proc. n.º 317/20.8 BEALM:
“VI-A norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS, não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência.”
Alega ainda a Requerente que a AT não demonstrou que teve lucros suscetíveis de proceder a adiantamentos por conta dos lucros. No que diz respeito à existência, ou não, de lucros em 2020, citando a decisão do CAAD de 28.02.2018, proferido no processo n.º 395/2017-T, cuja fundamentação aderimos:
“Assim, e desde logo, não relevará para a infirmação da presunção em apreço a inexistência de lucros susceptíveis de distribuição, uma vez que as quantias escrituradas nos termos em questão se presumem também como adiantamento de lucros.”
No mesmo sentido, vejamos a decisão do CAAD no processo n.º23/2019-T de 12.11.2019, que se cita:
“Não pode aderir-se a esta conceção de índole formalista e desprovida de suporte nas normas de incidência de IRS. A questão jurídica da admissibilidade da distribuição de lucros, designadamente no tocante ao cumprimento de rácios de capitais próprios ou outros indicadores, não é recortada como condição negativa pela norma de incidência do artigo 5.º do Código do IRS ou pelo artigo 6.º, n.º 4 do mesmo diploma. Aliás, se tal entendimento fosse procedente, estava aberto o caminho para o desfecho paradoxal de se tributarem como rendimentos de capitais os adiantamentos por conta de lucros efetuados de acordo com a legislação comercial, deixando-se sem qualquer tributação aqueles que fossem feitos em infração dessas regras. O princípio geral que rege o direito fiscal é o de que a ilicitude ou irregularidade não compromete a tributação que seja devida, de acordo com o preceituado no artigo 10.º da LGT, para além de que, como se disse acima, as normas de incidência em exame não postulam como pressuposto ou condição da tributação a observância dos requisitos previstos no artigo 297.º do Código das Sociedades Comerciais ou a existência de uma deliberação em Assembleia Geral de acionistas”
Daqui resulta que, atento o disposto no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, reunidos que estejam os seus pressupostos (ou seja, a existência de lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), presume-se que estamos perante lucros ou adiantamento dos lucros, presunção essa que, tendo presente o disposto no art.º 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), é passível de prova em contrário.
Assim, nestes casos, compete, num primeiro momento, à AT demonstrar os pressupostos da sua atuação. Demonstrados tais pressupostos, caberá ao sujeito passivo a prova de que os valores em causa não corresponderam a lucros ou seu adiantamento, nomeadamente por resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
Citando o Ac. do TCA Sul de 28.11.2019, proc. n.º 613/12.8 BEALM:
“2. A ilisão da presunção faz-se através da demonstração do contrário do facto base da presunção, ou seja, aduzindo justificação consistente para os pagamentos feitos ao sócio.”
Aqui chegados, resta apurar se a contribuinte conseguiu demonstrar que o débito nas contas 2878110007 e 2782100038 não resulta de mútuos, tal como alega a Requerente.
Em primeiro lugar, não se pode olvidar que o saldo final em 2020 da referida conta é de um débito de € 280.846,987. Assim, no próprio exercício sub judice, o sócio gerente devolveu parte da quantia, o que é incompatível com o adiantamento por conta dos lucros
Em segundo lugar, nos exercícios seguintes (2021 e 2022) o sócio gerente restituiu à Requerente a quantia de €1.105.261,65 e €2.374.143,18, respetivamente.
Estes factos justificam que se considere ilidida a presunção de adiantamento por conta de lucros, pois é incompatível com as devoluções, que são próprias dos mútuos.
Neste sentido Cf.. Ac. do TCA Norte de 22.09.2022, proc. n.º 364/10.8 BEAVR:
“Não resultando dos autos que o sócio se apropriou a título definitivo das quantias que retirou da sociedade, mas, antes, que procedeu a entregas de diversos valores à sociedade, os quais eram suficientes para reembolso dos que dela havia retirado, não estão demonstrados indícios sólidos e seguros de que as quantias aqui em causa correspondem a distribuição de lucros ou por conta de lucros.”
Entende a Requerida que o contrato de mútuo não respeita os requisitos formais exigidos pelo artigo 1143.º do Código Civil, razão pela qual não é válido. Assim, considera que estamos perante adiantamentos de lucros, os quais deveriam ter sido tributados em IRS.
É certo que, nos termos do disposto no artigo 1143.º do Código Civil, o mútuo de valor superior a € 25.000,00 só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a € 2.500,00 se o for por documento assinado pelo mutuário. Decorre no artigo 294.º do Código Civil que os negócios jurídicos celebrados contra disposição de carácter imperativo, como é o caso, são nulos.
A nulidade, nos termos do disposto no artigo 286.º do Código Civil, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. A declaração de nulidade tem efeito retroativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, devendo ser restituído tudo o que for prestado. Cf. Ac. do TRC proc. n.º 503/23.9T8MBR.C1, de25.05.2025
Efetivamente, estamos perante uma matéria de direito civil, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, as normas fiscais em análise devem ser interpretadas recorrendo aos termos próprios desta área do direito. Por outro lado, a lei fiscal, ou a aplicação que dela é feita, não pode criar previsões normativas diferentes das existentes nos diplomas próprios.
Dito de outra forma: o Código Civil prevê que os contratos de mútuo que não cumpram os requisitos de forma legalmente estabelecidos são nulos, não podendo produzir quaisquer efeitos, devendo ser restituído tudo o que foi prestado (o mutuário deve restituir o valor recebido e o mutuante deve restituir os juros eventualmente recebidos). É esta a cominação legalmente prevista para a falta de cumprimento dos requisitos de forma associados ao contrato de mútuo. No fundo, a lei determina que é como se o contrato de mútuo nunca tivesse existido, desaparecendo da ordem jurídica tanto o contrato como os seus efeitos.
Esta é a única consequência do não cumprimento dos requisitos formais previstos na lei. Não resulta, todavia, da lei, que do contrato de mútuo nulo possam advir outras consequências. E, assim, não pode aplicar-se a lei fiscal no sentido de retirar do incumprimento desta formalidade consequências diferentes das legalmente previstas. Ou seja, se o contrato de mútuo é nulo por falta de forma, pode determinar-se a restituição do que foi prestado, mas não pode considerar-se que da invalidade resulta que os montantes pagos ao abrigo do contrato têm outra natureza que não a de mútuo.
Assim, tem de se concluir que, o facto de terem sido preteridas as formalidades na celebração do contrato de mútuo não pode ter como consequência que o contrato não existiu e, portanto, estamos perante uma realidade diferente – no caso, um adiantamento de lucros. E se, perante a nulidade do contrato, as partes ficam obrigadas a restituir o que receberam, poderá, no limite, entender-se que o mesmo deve suceder neste caso, devendo o sócio-gerente restituir os valores registados na conta corrente antes identificada, mas não pode considerar-se que, por falta de cumprimento das formalidades que estão associadas à celebração deste tipo de contrato, a operação substancialmente praticada (um mútuo) deve ser qualificada de outra forma. Neste sentido cf. decisões do CAAD, proc. n.º165/2013, 06.01.2014; proc. n.º 116/2019 de 04.11.2019 e proc. n.º 236/2022 de 11.11.2022
De referir ainda que, o registo contabilístico dos montantes pagos ao sócio foi realizado numa conta 278, que é uma conta de outros devedores e credores. O registo a débito reflete um pagamento realizado pela sociedade, pelo que, o registo feito para efeitos contabilísticos é coincidente com o enquadramento que foi dado à operação. Os próprios lançamentos na contabilidade referem expressamente “Empréstimos a C...”
Portanto, verifica-se que o registo contabilístico dos movimentos associados a esta operação, no exercício em causa, está realizado em termos semelhantes ao do contrato de mútuo. Também aqui deve ser referido o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, ou seja, não tendo a contabilidade da Requerente sido posta em causa, deverá considerar-se que a mesma espelha a realidade dos factos – e, portanto, que foi efetivamente celebrado um contrato de mútuo entre a Requerente e o sócio-gerente.
Estamos, assim, perante um contrato de mútuo, sendo os pagamentos feitos ao sócio-gerente entregas dos valores mutuados, realçando-se que as quantias foram devolvidas, em parte, no próprio exercício e o remanescente nos exercícios subsequentes.
As disponibilizações de montantes feitas no âmbito contrato de mútuo não configuram rendimentos do sócio-gerente, não estando por isso sujeitas a tributação, nem através de retenção na fonte, nem a final (art. 6º, n.º4 do CIRS).
Porquanto, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, concluindo-se pela ilegalidade da liquidação por vício de violação de lei.
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Gastos não documentados
A AT apurou no RI que foram considerados gastos no montante de €170.000,00, sem que exista qualquer documento de suporte. Entende a AT que este valor é rendimento de capitais (adiantamento por conta dos lucros) do sócio gerente –C... uma vez que o saldo da conta 622709 foi transferido para a conta 2781100007 (C...).
O registo de gastos não documentados tem os efeitos próprios, a nível de IRC, previstos nos 23ºA, n.º1, al. b) e 88º, n.º1 do CIRC. Não se afigura que exista que exista suporte legal para que sejam considerados rendimentos de capitais. Tal estatuição não resulta da Lei.
Perscrutando o RIT verificamos que não é invocada a presunção do artigo 6.º, nº 4 do CIRS e por isso não pode aqui ser invocada (Cf. Ac. do TCANorte de 14.11.2024, proc. n.º 00085/13.0BEVIS). Assim, cabia à AT (art. 74º, n.º1 da LGT) provar que houve um adiantamento por conta de lucros, o que não faz. Aliás a fundamentação desta correção é contraditória, pois a AT tanto diz que houve uma efetiva distribuição de lucros como diz que foi, antes, um adiantamento por conta dos lucros.
Não foi feita prova prova desse adiantamento, nem da efetiva distribuição de lucros. Para se preencher a estatuição legal do conceito de adiantamento por conta dos lucros previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS é necessário que fique demonstrado que as entregas feitas aos sócios ocorreram por conexão com os lucros obtidos pela sociedade (Ac. do TCANorte, de 15.05.2025, proc. n.º 00036/12.9BEAVR
Citando o Ac. do TCA Norte de 11.03.2021, proc. n.º 01619/10.7BEBRG
I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
II - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de fluxos financeiros como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei.
Mais, citando o Ac. do TCA Norte d e16.02.2023, proc. n.º 77/19.5 BEVIS
I. Não beneficiando a ATA no caso da presunção constante no (então) n.º 4 do art. 6.º do CIRS - porque a quantia em questão não foi registada numa conta de sócios – cabia-lhe provar que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo não se encontram organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, ou, e sendo esse o caso, lançar mão dos mecanismos legais ao seu dispor, designadamente, e caso considerasse que em causa estava uma construção artificial destinada à obtenção de uma vantagem fiscal indevida, ao regime consagrado no art. 38.º da LGT.
II. Não correspondendo o registo contabilístico efetuado pelo sujeito passivo a um adiantamento por conta de lucros nos termos do SNC - que para tal deveria ter sido efetuado através da movimentação da conta 263 – não estava a ATA legitimada a fazer a correção oficiosa a título de retenções na fonte, sendo a mesma ilegal, por erro de direito nos respetivos pressupostos.
Deste modo, por falta de fundamento legal, deve esta correção ser anulada.
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Imposto de Selo
Neste plano, a AT alega que a contabilidade da Requerente evidencia a existência de uma conta corrente referente a empréstimos concedidos à sociedade K... e outra conta corrente a empréstimos obtidos da mesma entidade. A este respeito, a AT conclui que as alegadas operações e movimentos de financiamento em causa estão sujeitos a Imposto do Selo, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, artigo 4.º, n.º 1 e verba 17.1.4 do mesmo Código, porquanto o alegado crédito concedido é alegadamente utilizado sob a forma de conta corrente, em que o prazo de utilização não é determinado nem determinável.
Vejamos o enquadramento jurídico.
Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo «O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.»
Por seu turno, a verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) determina estarem sujeitas a tributação, em sede de Imposto do Selo, as operações financeiras, designadamente as utilizações de crédito nos seguintes termos:
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17
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Operações financeiras:
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17.1
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Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo: (Redação dada pela Lei nº 12-A/2010, de 30/06)
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17.1.1
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Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção
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0,04%
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17.1.2
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Crédito de prazo igual ou superior a um ano
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0,50%
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17.1.3
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Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos
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0,60%
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17.1.4
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Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30
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0,04%
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A contabilidade do sujeito passivo evidência a existência de uma conta referente a empréstimos concedidos à sociedade K... (278110001)2, e outra conta referente a empréstimos obtidos da mesma entidade (27821100039).
Nesta parte, face aos movimentos indicados no RIT e a própria qualificação efetuada na contabilidade da Requerente afigura-se que existe uma relação creditícia sob a forma de conta corrente entre as duas entidades, estando sujeita a IS.
Alega a Requerente que não celebrou qualquer contrato de crédito que seja utilizado sob a forma de contrato de conta corrente. Sucede que, o facto tributário é a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, quer haja um contrato, quer não haja. Citando o Acórdão do TCAN de 23.11.2023, processo 00378/13.6BEAVR: «o conceito de “forma de conta corrente” que é prevista na verba 17.1 da TGIS, se afasta do conceito de “contrato de conta corrente” a que se reporta o artigo 344º do Código Comercial, assumindo aqui para o que nos importa a forma técnica contabilística de exprimir numericamente o movimento e resultado de qualquer operação ou transação, que por sua vez se traduz num saldo credor ou devedor».
No mesmo sentido o acórdão do TCAS de 03-1-2015, processo 06974/13: « Não exige a verba 17.1.4, da T.G.I.S., cuja exegese supra se realizou, a prova da existência de um contrato de conta-corrente, como pressuposto da incidência do tributo».
Face ao exposto, improcede o vício invocado pela Requerente, devendo a liquidação de imposto de selo ser mantida.
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Garantia
A Requerente pede, por fim, a condenação da AT no pagamento de indemnização pelos gastos despendidos na hipoteca constituída com vista à suspensão da cobrança coerciva.
Aqui, a questão resume-se em saber se, para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.ºda L.G.T., é de considerar a hipoteca voluntária entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.
Resulta dos nºs 1 e 2 do art. 53.º da L.G.T. que se faz depender a indemnização prevista no n.º 3 de, entre outros requisitos, ter sido oferecida “garantia bancária ou equivalente” para suspender a execução.
Trata-se de um direito indemnizatório, que a lei tributária prevê e atribui um procedimento muito simplificado, e que embora tenha a sua raiz na responsabilidade civil da administração tributária por danos decorrentes de uma atuação ilegal, parte de uma presunção de existência desses prejuízos nas situações em que o contribuinte se viu obrigado a prestar “garantia bancária ou equivalente” para suspender a cobrança de obrigação tributária que veio a revelar-se ilegal, dispensando-o de provar não só o nexo de imputação à atuação ilegal como, também, a existência de prejuízos, embora estabeleça um montante máximo para esta indemnização (art. 53º, n.º3 da LGT).
Sucede que, nos termos do art.º 53º da LGT e do art.º 171º do CPPT, para os efeitos indemnizatórios aí previstos apenas são consideradas as “garantias bancárias ou equivalentes”.
O que se compreende, na medida em que nas garantias bancárias e equivalentes (como é o seguro-caução) o contribuinte suporta forçosamente uma despesa, cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual é mantida,
Como refere António Lima Guerreiro[3], "”O presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (como o seguro caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa correr, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais”.
No mesmo sentido, Jorge Lopes da Sousa[4], membro deste coletivo, refere que equivalente à garantia bancária “(…)serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”. O mesmo autor refere[5] que a restrição do dever de indemnização a estes casos de prestação de garantia bancária e garantias equivalentes, como o seguro-caução, vale, tão somente, quanto esta indemnização automática, derivada da mera verificação dos pressupostos previstos no artigo 53º nºs 1 e 2 da LGT, independentemente da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, regulada pela Lei nº 67/2007. E daí que a garantia prestada sob forma de hipoteca não se encontre abrangida por estes preceitos legais que atribuem e fixam um direito indemnizatório de forma praticamente automática num procedimento simplificado.
O que não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação desta garantia, não possa exigir reparação dos prejuízos que efetivamente sofreu, por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art.º 22º da Constituição como pelo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei nº 67/2007, de 31.12).
Neste sentido Cf. Ac. do STA de 24/10/2012, processo n.º 0528/12 e Ac. do STA de 04/11/2020, proc. n.º 18/20.7 BALSB.
Destarte, aqui, improcede o pedido de condenação da Requerida pelas despesas relativas à constituição de uma hipoteca voluntária.
VI - DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2024 ... e de juros compensatórios;
b) Julgar procedente o pedido de declaração de anulação das liquidações de retenções na fonte de IRS n.º 2024 ... e de juros compensatórios;
c) Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações de retenções na fonte de Imposto do Selo n.º 2024 ... e de juros compensatórios;
d) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida a uma indemnização pela prestação de uma garantia;
e) Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo, na proporção de 33,24% e 66,76%, respetivamente, face ao decaimento.
Fixa-se o valor do processo em € 674.874,76, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 9.792,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente €3.254,86 (33,24%) e pela Requerida €6.537,14 (66,76%) nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de novembro de 2025
Os Árbitros
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(Árbitro Presidente – Jorge Lopes de Sousa)
_______________________
(Árbitro Adjunto - António A. Franco)
____________________
(Árbitro Adjunto Relator - André Festas da Silva)
[1] O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, Vieira de Andrade, Almedina, 1990, pp. 53 e ss
[2] Cf. Ac. do TCA Sul, 11/01/2011, proc.4357/10; Ac.do TCA Sul, 05/02/2015, proc.8216/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.337 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 3ª. edição, Almedina, 2014, pág.102.
[3] In LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, pág. 245
[4] In Sobre Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, 2010, pág. 163
[5] Cf. CPPT Anotado, Vol. III, Áreas Editora, 6º Ed. ,2011,, pág. 346