Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 521/2014-T
Data da decisão: 2015-03-12  Selo  
Valor do pedido: € 1.317,93
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

1.                  Relatório

 

1.1       A..., casado NIF …, sua mulher B..., NIF … e C..., solteira, maior, doravante também designados por “Requerentes”, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a “Requerida”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

Os Requerentes pretendem a declaração da ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo (IS) relativa ao exercício de 2013, com referência ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., sito na Rua ..., entre os n.ºs ... e ..., em ..., Lisboa, com valor patrimonial tributários de € 1.054.316,31

 

A Requerente pretende ainda a condenação da AT no reembolso às Requerente, B... e C..., das quantias indevidamente pagas, no valor de € 292,88, cada um, perfazendo o total de €585,76.

 

1.2       Como fundamento do seu pedido, os Requerentes alegam em síntese que:

(a)    São comproprietários de um terreno para construção, sito na Rua ..., entre os n.ºs ... e ..., em ..., Lisboa, com valor patrimonial tributários de € 1.054.316,31, com artigo matricial U-...;

 

(b)   A AT liquidou Imposto do Selo, com referência ao exercício de 2013, nos termos do artigo 4.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

(c)    Os documentos de cobrança que consubstanciam a liquidação da 1.ª prestação do IS relativo ao imóvel identificado (juntos como documentos 2, 3 e 4 aos autos), determinaram os seguintes valores a pagar:

                                i.            Para A..., o valor de € 732,17;

                              ii.            Para B…, o valor de € 292,88; e

                            iii.            Para C..., o valor de € 292,88.

(d)   Um terreno para construção não pode ter afectação habitacional.

(e)    O terreno objecto da liquidação não tem qualquer projecto de construção aprovado ou sequer em vias de aprovação.

(f)    A expressão constante da Verba 28.1 da TGIS refere-se a prédios onde efectivamente se habite, ou quando muito se possa habitar, no momento presente, sendo evidente que no terreno objecto da liquidação de Imposto do Selo em apreço não se pode habitar.

(g)   Concluindo pelo pedido de declaração da ilegalidade e anulação das liquidações de Imposto de Selo emitidas e consequente reembolso das quantias liquidadas pelas Requerentes ... e B…, no valor de € 292,88, cada uma.

 

1.3       A Autoridade Tributária e Aduaneira contestou alegando em síntese que:

(a)    O prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada, tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto da presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.

(b)   A AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

(c)    O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional” - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI.

(d)   A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art.45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.

(e)    Muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.

(f)    Concluindo pela improcedência da declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas.

 

1.4       O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostraram-se legítimas, a Requerente está regularmente representadas por Advogado e não foram deduzidas excepções,  cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

2.         Matéria de Facto

 

2.1.      Factos que se consideram provados

 

(a)    Os Requerente são comproprietários de um terreno para construção, sito na Rua ..., entre os n.ºs ... e ..., em ..., Lisboa, com valor patrimonial tributários de € 1.054.316,31, artigo matricial U-....

(b)   A AT emitiu liquidações de Imposto do Selo, com referência ao exercício de 2013, por aplicação da Verba 28.1, ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., ao Requerente A..., no valor de € 2.196,49; à Requerente B..., no valor de € 878,68: e à Requerente C..., no mesmo valor de € 878,68.

(c)    O Requerente A... foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 1.ª prestação da liquidação de IS relativa ao exercício de 2013, no valor de € 732,17, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril de 2014, identificação do documento 2014 ....

(d)     A Requerente B... foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 1.ª prestação da liquidação de IS relativa ao exercício de 2013, no valor de € 292,88, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril de 2014, identificação do documento 2014 0…, tendo efectuado o exigido pagamento.

(e)    A Requerente C... foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 1.ª prestação da liquidação de IS relativa ao exercício de 2013, no valor de € 292,88, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril de 2014, identificação do documento 2014 …, tendo efectuado o exigido pagamento.

 

2.2       Factos que não se consideram provados e respectiva fundamentação

Não há factos relevantes para a decisão que se consideram não provados.

 

2.3       Fundamentação da matéria de facto provada

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e correspondência não foram questionadas.

 

3. Matéria de Direito

 

A questão controvertida resume-se ao enquadramento, ou não, dos terrenos para construção, no conceito de prédio com afectação habitacional, tal como enunciado na Verba n.º 28.1 da TGIS.

 

A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”.

 

Trata-se de um conceito inovador na legislação tributária que carece de concretização no Código do Imposto Selo (CIS).

 

Contudo, observando o que dispõe o art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

 

Assim, existindo dúvida quanto ao alcance do referido conceito, justifica-se observar o que diz o código do IMI.

 

Da leitura atenta das normas do código do IMI (cfr. artigos 2.º, 4.º e 6.º), não se vislumbra, na classificação dos “prédios”, o conceito de “prédio com afectação habitacional”.

 

Na falta de correspondência terminológica exacta deste conceito, não resta, portanto, outra alternativa que não seja aventar-se hipóteses interpretativas, à luz do disposto no art. 9.º, n.º 1, do Código Civil.

 

Quanto a esta matéria – conceito de prédio com afectação habitacional - são diversos os Acórdão proferidos pelo CAAD e pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), cujo entendimento acompanho.

 

A título de exemplo, por todos, faz-se referência à decisão arbitral n.º 53/2013-T, de 2/10/2013, que acompanho na íntegra, a qual referindo-se ao conceito de prédio com afectação habitacional como reportando-se aos prédios habitacionais refere que “O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

 

A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

 

Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa

«prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção”.

 

Terá contudo também de se analisar o conceito de prédio com afectação habitacional como conceito distinto de prédios habitacionais, mas que conceito será este?

 

Também com referência a esta matéria, por todos, recorremos à decisão arbitral n.º 231/2013-T, de 03/02/2014, a qual acompanho na integra e refere que não existindo um sentido coerente na verba n.º 28.1, apenas resta a via da interpretação do texto legal, enquadrada pelo art. 9.º, n.º 3, do Cód. Civil.

 

E prossegue referindo que "à face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados, designadamente em alvará de loteamento. Para tal, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada. [...]. O texto da lei, ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na [...] «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação."

 

 E continua referindo que “"está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência. Por outro lado, como bem refere o Requerente [e a ora requerente, nos mesmos exactos termos], a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: «Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013». A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa. Por outro lado, não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção»”.

 

Para que não restem duvidas quanto a esta matéria, mais uma referência a jurisprudência do CAAD quanto à matéria aqui controvertida, fazendo-se, desta feita, referência à Decisão Arbitral n.º 49/2013-T, de 18/9/2013, a qual, igualmente, acompanho na íntegra ao referir que: "Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno."

 

Por fim, destaca-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) aderindo por completo à tese supra invocada, referindo-se a título de exemplo os Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 1870/13, de 9 de Abril de 2014, n.º 48/14 também de 9 de Abril de 2014, n.º 272/14 de 23 de Abril de 2014, n.º 317/2014 de 14 de Maio de 2014 e n.º 467/14 de 2 de Julho de 2014.

 

Por isso, as liquidações de IS, relativas ao exercício de 2013, com referência à aplicação da Verba 28.1 da TGIS ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., com valor patrimonial de €1.054.316,31, cuja declaração de ilegalidade é pedida, enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

4.         Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

(a)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, relativas à aplicação da Verba 28.1 da TGIS ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., com valor patrimonial de €1.054.316,31, com referência ao exercício de 2013.

(b)   Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso da quantia de € 292,88 à Requerente B..., com NIF … e da quantia de € 292,88 à Requerente C....

 

5.         Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.317,93.

 

6.         Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 12 de Março de 2015

 

O Arbitro,

 

André Gonçalves