Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 478/2025-T
Data da decisão: 2025-11-17  IRS  
Valor do pedido: € 9.943,90
Tema: IRS. Regime fiscal aplicável a ex-residentes/Programa Regressar. Art. 12.º-A do Código do IRS
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SUMÁRIO

I –. A perda de residência fiscal em Portugal, em qualquer um dos anos do regime estabelecido pelo art. 12.º-A do CIRS faz caducar esse regime no próprio ano em que a perda de residência ocorre e nos anos seguintes, até ao final – sem possibilidade de aproveitamento de um período sub-anual de benefício, que não está legalmente previsto.

II –. Caducado o benefício, a liquidação do IRS do ano em que o sujeito passivo sai do “Programa Regressar” tem de fazer-se pelo regime-regra que, a título excepcional, era afastado pelo benefício; e, como ocorreu caducidade, o mesmo sucederá em qualquer liquidação de IRS de anos posteriores até ao prazo inicialmente estabelecido para o programa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1. A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em ..., ..., na Suíça, apresentou, em 15.05.2025, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa nº ...2024... que teve por objecto a liquidação de IRS, n.º 2024..., com referência ao ano de 2023, no montante de 9.943,90.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19.05.2025.

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

5. Em 08.07.2025 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 28.07.2025.

7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

8. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação de IRS impugnado.

II – SANEAMENTO

 

9. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

11. O processo não enferma de excepções ou nulidades.

Cumpre decidir.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

A)        Factos provados

 

12.       Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para apreciação e decisão da causa, os seguintes factos:

a)    A Requerente é uma cidadã portuguesa que reside na Suíça.

b)    Nos anos de 2017, 2018 e 2019 teve o estatuto de não residente em Portugal.

c)    Em 2020, regressou a Portugal, onde permaneceu, para efeitos fiscais, até 14 de Agosto de 2023.

d)    Em 15 de Agosto de 2023, passou a residir na Suíça, passando aí a ter a sua residência fiscal, e a qualificar-se como não residente fiscal em Portugal, tendo comunicado à AT esse facto.

e)    Pelo que, em 2023, foi residente fiscal em Portugal apenas entre 1 de Janeiro e 14 de Agosto.

f)    A Requerente beneficiou do regime fiscal aplicável a ex-residentes (ou “Programa Regressar”, art. 12.º-A do CIRS) nos anos de 2020, 2021 e 2022, exercendo o direito correspondente nas declarações de IRS – Modelo 3 (docs. 4, 5 e 6, juntos com o pedido arbitral); e, nos referidos anos, efectivamente beneficiou da exclusão de tributação de 50% dos seus rendimentos de trabalho dependente (doc. 7 junto com o pedido arbitral).

g)    Em 2023, A Requerente auferiu rendimentos de trabalho dependente pela actividade profissional exercida em território português, durante o seu pedido de residência fiscal em Portugal e tentou declará-los no Quadro 4-E do Anexo A, da declaração Modelo 3, referente a rendimentos da categoria A/H.

h)    No momento da entrega da declaração de IRS referente a 2023, no portal da Autoridade Tributária, a Requerente foi impedida de o fazer e foi confrontada com o alerta de que: “O titular com o NIF ... não se encontra registado em cadastro como residente em território nacional no final do ano de 2023” (doc. 8 junto com o pedido arbitral).

i)    Solicitou esclarecimentos através dos pedidos nºs ... e ... submetidos na plataforma E-balcão da sua área pessoal do Portal das Finanças, mas as respostas obtidas não permitiram dirimir a questão por si apresentada (docs. 9 e 10, juntos com o pedido arbitral).

j)    A Requerente acabou por proceder à submissão da referida declaração sem a opção pela aplicação do regime fiscal aplicável a ex-residentes, em 28.06.2024 (doc. 11 junto com o pedido arbitral).

k)    Notificado da demonstração de liquidação de IRS n.º 2024..., de 03.07.2024, referente ao ano de 2023, com o valor de imposto a pagar de € 9.943,90 (doc. 3), a Requerente procedeu ao pagamento desse montante (doc. 12 junto com o pedido arbitral).

l)    Por não concordar com aquela liquidação, a Requerente apresentou, em 1 de Novembro de 2024, reclamação graciosa, autuada com o n.º ...2024... (docs. 1 e 2, juntos com o pedido arbitral), peticionando a aplicação do regime fiscal aplicável a ex-residentes previsto no art. 12.º-A do CIRS, e consequente exclusão de tributação de 50% dos rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo exercício da sua actividade profissional em Portugal durante o ano de 2023.

m) A referida reclamação graciosa não mereceu qualquer resposta da AT, até à presente data.

n)    O presente pedido arbitral foi apresentado no dia 15.05.2025.

 

B) Matéria de facto não-provada

 

13.          Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.

 

C) Fundamentação da matéria de facto

14.       Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e no processo administrativo.

15.    Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).

16. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

17. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

18. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. 2. Matéria de Direito

 

A) Posição da Requerente 

 

19.          A Requerente começa por caracterizar o regime fiscal aplicável a ex-residentes como uma medida de carácter automático, cujos efeitos resultam imediatamente da lei (do preenchimento das condições previstas nas alíneas a), b) e c) do art. 12.º-A do CIRS) e apenas depende da declaração do sujeito passivo, na declaração modelo 3 de IRS, no sentido de pretender beneficiar do regime.

20.          No entendimento da Requerente, o regime fiscal aplicável a ex-residentes está dependente da verificação de 5 condições, e todas elas estavam preenchidas em 2023:

i)    Tornar-se residente em Portugal em 2019, 2020, 2021, 2022 ou 2023, nos termos do art. 16º, nºs 1 e 2, do CIRS: em 18 de Agosto de 2019, deslocou-se para Portugal, onde permaneceu, para efeitos fiscais, até 27 de Outubro de 2023;

ii)  Ter sido residente em território português antes de 31-12-2015, o que se verificou;

iii) Não ter sido considerada residente em território português em qualquer um dos três anos anteriores: a Requerente qualificou-se como não residente fiscal em Portugal em 2017, 2018 e 2019;

iv) Não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual: a Requerente não solicitou a sua inscrição como residente não habitual;

v)   Ter a sua situação tributária regularizada em cada um dos anos em que seja aplicável o regime de benefício fiscal: a Requerente tem a sua situação tributária regularizada em cada um dos anos em que é elegível para beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes.

21.          Em suma, no ano de 2023 estavam objectivamente preenchidos todos os requisitos de que depende a aplicação, à Requerente, do regime fiscal aplicável a ex-residentes, permitindo-lhe beneficiar da exclusão de tributação de 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais auferidos naquele ano.

22.          A Requerente não percebe que possa falar-se de uma condição resolutiva que permita determinar a não-aplicação do benefício fiscal no ano de saída dos sujeitos passivos.

23.          Questiona o sentido ou o propósito de limitar a aplicação do regime previsto no art. 12.º-A do CIRS apenas aos sujeitos passivos que se qualifiquem como residentes fiscais a 31 de Dezembro do ano em causa.

24.          Ora, mantendo todos os requisitos  no período correspondente à residência fiscal em 2023 – ainda que parcial – e assinalando na declaração Modelo 3 de IRS, entende a  Requerente que tem direito a beneficiar do regime especial para os rendimentos de trabalho dependente que auferiu durante o seu período de residência naquele ano.

25.          Invoca ainda em sua defesa o art. 103º, nº 3 da CRP e o princípio da legalidade, tal como resulta do art. 266º da CRP e 3º, nº 1 do CPA, e que impede a AT de actuar em desconformidade com as normas legais.

26.          Conclui a Requerente, por isso, que a liquidação de IRS n.º 2024... é ilegal, devendo ser anulada parcialmente assim  o indeferimento tácito da reclamação graciosa por si apresentada em relação àquela liquidação.

27.          Entende ainda que a AT deve ser condenada a reembolsar a Requerente do imposto indevidamente pado e ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, 1 da LGT, por erro imputável aos serviços. 

B)            Posição da Requerida

28.  Na sua resposta, a Requerida começa por analisar o regime, e pressupostos, do “Programa Regressar”, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 60/2019, de 28 de Março – sendo que o apoio fiscal consubstanciou uma das áreas de intervenção do Programa Regressar, consistindo na exclusão de tributação de rendimentos dos sujeitos passivos que se tornassem fiscalmente residentes em Portugal.

29.  E sublinha que o regime do novo art. 12.º-A do CIRS, aditado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019), refere que o regime dura por um período de cinco anos, e que o art. 259.º, 1 da mesma Lei n.º 71/2018 exige que o sujeito passivo reúna os requisitos previstos no seu n.º 1 no primeiro ano e nos quatro anos seguintes.

30.  Segundo a Requerida, resulta, pois, da letra das normas aplicáveis que é necessário que, em todos os anos em que seja elegível para o regime em causa (primeiro ano e quatro anos seguintes), o sujeito passivo continue a reunir os pressupostos de aplicação desse regime, entre eles a residência no país. Sendo que é a lei que o exige, sendo a letra da lei clara quando refere “primeiro ano” e “quatro anos seguintes”, não prevendo períodos de benefício fiscal inferiores a um ano.

31.  Sendo um benefício fiscal temporário e condicionado, o sujeito passivo adquire o direito ao benefício no ano em que se verificam os respetivos pressupostos, e nos quatro anos seguintes, desde que continuem reunidos os requisitos.

32.  E o benefício fiscal só se concretiza anualmente desde que o contribuinte resida em Portugal nos cinco anos de aplicação do benefício, pois a residência em Portugal é condição e fundamento de aplicação do regime, de acordo com a ratio legis da norma – atendendo aos objectivos da criação do “Programa Regressar”.

33.  E isto porque o que o “Programa Regressar” visa é apoiar o retorno à residência em Portugal de cidadãos que, tendo já residido em Portugal, queiram tornar-se residentes – não fazendo sentido que se continue a apoiar quem, a partir de certo momento, pretenda emigrar de novo, e tornar-se ex-residente.

34.  Nos termos do art. 14.º do EBF, a cessação do benefício, e a reposição automática da tributação-regra (de que o benefício é excepção), opera, tanto pelo decurso do prazo, como pela inobservância das condições impostas ao beneficiário.

35.  Lembrando que, para efeitos de IRS (logo, também para efeitos do regime do art. 12.º-A do CIRS), a condição de residente, nos termos do art. 13.º, 8 do CIRS, “é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite”.

36.  Logo, o benefício fiscal do art. 12°-A do CIRS, concedido por determinado período, extingue-se com a alteração da residência fiscal do beneficiário, de Portugal para o estrangeiro, pois cessa o pressuposto e fundamento da atribuição do mesmo.

37.  Tendo a Requerente deixado de ser residente em território nacional a partir de 15 de Agosto de 2023, passando desde essa data a ser residente na Suíça, conclui a Requerida que em 31 de Dezembro de 2023 não era residente em território nacional, não lhe sendo aplicável o benefício nesse ano – que se extingue em virtude da perda da qualidade de residente fiscal em Portugal.

38.  Conclui a Requerida que não ocorrendo qualquer ilegalidade na liquidação, ela deve ser mantida, e julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral por não provado devendo ser absolvida de todos os pedidos. 

C) Fundamentação da decisão

 

39. A questão jurídico-tributária que o Tribunal é chamado a apreciar consiste em saber se é possível a aplicação parcial do regime do art. 12.º-A do CIRC; ou seja, se esse regime pode beneficiar, num determinado ano do seu prazo, alguém que tenha sido residente em parte desse ano, e tenha deixado de o ser noutra parte. Acompanhamos aqui, com as devidas adaptações, o que já se decidiu no proc. 35/2025-T do CAAD:

«Na redacção em vigor à data dos factos, estabelecia o art. 12.º-A do CIRS:

1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;

c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

Por sua vez, o art. 259.º, 1 da Lei n.º 71/2018, de 31 Dezembro, estabeleceu o seguinte:

1 - O artigo 12.º- A do Código do IRS, aditado pela presente lei, aplica-se aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna os requisitos previstos no seu n.º 1 e nos quatro anos seguintes, cessando a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação aos sujeitos passivos que apenas venham a preencher tais requisitos em 2020.” (destaque nosso)

E reiterou-o o art. 280.º, 1 da Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho:

1 - O artigo 12.º-A do Código do IRS, na redação dada presente lei, aplica-se aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna os requisitos previstos no seu n.º 1 e nos quatro anos seguintes, cessando a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação aos sujeitos passivos que apenas venham a preencher tais requisitos em 2023.” (destaque nosso)

No caso d[a] Requerente, não se tendo verificado nenhuma das situações elencadas nos n.os 14 ou 16 do art. 16.º do CIRS, el[a] perdeu a sua qualidade de residente a partir do último dia de permanência em território português (art. 16.º, 4 do CIRS), ou seja, a partir de [14 de Agosto] de 2023. No final do ano, e para efeitos do art. 13.º, 8 do CIRS, [a] Requerente não era residente em Portugal.

Por outro lado, [a] Requerente não ingressou numa situação de residência parcial, como aquela a que se referem os arts. 15.º, 3 e 16.º, 3 e 4 do CIRS – seja porque não invocou esse estatuto, e, pelo contrário, assumiu que passara a residir exclusivamente na Suíça, seja porque não há menção à entrega de uma segunda declaração de Modelo 3 relativa ao período de tributação em que deteve o estatuto de não-residente em Portugal, seja ainda porque não há menção à necessidade de aplicação de regras de desempate (tie-breaker rules) do ADT Portugal-Suíça.

Dado que a medida de carácter excepcional prevista no art. 12.º-A do CIRS deixou de se lhe aplicar, porque é evidente que ela só se aplica a residentes, já que é o “regresso a Portugal” que ela visa incentivar (mais precisamente, o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019, p. 42) – perdendo sentido continuar a incentivar quem “regresse ao estrangeiro” – a questão que se coloca é a de saber se o benefício caduca para a totalidade do ano de “regresso ao estrangeiro”, ou se se mantém relativamente à parcela do ano em que houve permanência em Portugal – se, por outro prisma, o regime excepcional caduca e a totalidade dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais desse ano é tributado pelo regime-regra, ou se, pelo contrário, o regime excepcional se mantém até ao momento do “regresso ao estrangeiro”, beneficiando até a esse momento de uma exclusão de tributação de 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do art. 12.º-A do CIRS.

Não percamos de vista que se trata de uma medida excepcional, um benefício fiscal, na medida em que preenche os pressupostos estabelecidos no artigo 2.º, 1 do EBF – uma medida com fundamentos extrafiscais superiores aos interesses gerais de arrecadação de receita, que excepcionalmente cedem perante aqueles – no caso, o objectivo de incentivar o regresso ao território português de pessoas que pretendam exercer uma actividade das Categorias A e B previstas no CIRS, pessoas que, sem esse incentivo, poderiam não voltar para residir e trabalhar em território português.

E não percamos igualmente de vista que se trata de um benefício de carácter automático, pois os seus efeitos resultam directa e imediatamente da lei pela simples verificação dos respectivos pressupostos e condições, como o sublinhou, a propósito do art. 12.º-A do CIRS, a própria AT, no seu Ofício-Circulado n.º 20206, de 28 de Fevereiro de 2019 – pelo que daí decorrerá que a sua perda seja igualmente automática, resultando da falta de condições, da ausência superveniente de verificação de pressupostos de aplicação do regime e do benefício.

Dada a anualidade da tributação em IRS, tributo que incide essencialmente sobre rendimentos de um ano fiscal que coincide com o ano civil (art. 143.º do CIRS), compreende-se que a perda do benefício, no 2.º ano ou seguintes dos cinco de duração-regra do respectivo regime, não coloque em causa o benefício já atribuído em anos anteriores – ou seja, que a perda do benefício, a meio da sua duração, não coloque em causa a totalidade do benefício atribuído, ex tunc.

Coisa diversa, e que é aquela que está aqui em causa, é a relativa aos efeitos da perda de benefício sobre a tributação do ano em que o benefício se perde. E a resposta dependerá da admissão, ou não, da possibilidade de se fraccionar o período anual do benefício em períodos sub-anuais.

Cremos que o quadro normativo aplicável não consente, para o benefício em causa, esse fraccionamento em períodos sub-anuais. Quando o legislador, no art. 259.º, 1 da Lei n.º 71/2018, de 31 Dezembro, e novamente no art. 280.º, 1 da Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho, estabelece que o art. 12.º- A do CIRS se aplica-se aos rendimentos auferidos “no primeiro ano (…) e nos quatro anos seguintes”, ele está a referir-se a anos fiscais, ou seja, a anos civis, até porque se trata de – como referimos – estabelecer um benefício relativamente a um tributo de base anual, o IRS.

Se assim não fosse, o legislador poderia ter-se referido a períodos sub-anuais, como meses (a exemplo do que acontece nos arts. 10.º, 5, b) e 16.º, 1, a) do CIRS) ou dias (como o faz no arts. 16.º, 1, a) e 18.º, 1, q) do CIRS).

Não, a menção é a anos – fiscais, civis (art. 143.º do CIRS).

Como judiciosamente se observou na fundamentação do acórdão arbitral do Proc. n.º 220/2024-T, “[o] termo “ano”, quando é antecedido da preposição “de” ou “em” refere-se a um ano concreto, que corresponde a um ano civil”.

Não fazendo o legislador qualquer referência expressa à residência total ou parcial nos anos de vigência do regime, nem a períodos sub-anuais de verificação dos pressupostos de atribuição do benefício, e presumindo-se que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, aplicável ex vi art. 2.º, d) da LGT), não se pode senão concluir que a residência fiscal em território português prevista no artigo é completa, ou seja, não é admissível a perda de residência fiscal em Portugal em qualquer um desses anos.

Até porque, insistamos, a perda da condição de residente em plena vigência do “Programa Regressar” frustra inteiramente os objectivos desse programa; e, portanto, também a ratio legis das normas aplicáveis, que são execução desse programa.

Tem de se concluir igualmente que a perda de residência fiscal em Portugal, em qualquer um desses anos, faz perder, por caducidade, o benefício – logo nesse ano, e nos anos seguintes, até ao final – sem possibilidade de aproveitamento de um período sub-anual de benefício, que não está legalmente previsto.

Por outras palavras, porventura mais sugestivas do que está em causa, a liquidação do IRS do ano em que o sujeito passivo “regressa ao estrangeiro”, e perde o benefício, tem de fazer-se globalmente, pelo regime-regra que, a título excepcional, era afastado pelo benefício; e, como ocorreu caducidade, o mesmo sucederá em qualquer liquidação de IRS de anos posteriores, mesmo que o contribuinte volte a regressar, antes de transcorridos os 5 anos, a Portugal.»

40. Pelo exposto, não podemos deixar de concluir que a liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2023, não padece de qualquer ilegalidade, o mesmo sucedendo com o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa (autuada com o n.º ...2024...) apresentada contra aquela liquidação.

 

C) Questões prejudicadas

 

41. Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, como a matéria relativa a juros indemnizatórios – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

 

IV. DECISÃO 

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral: 

 

a)    Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e os actos a que ela se refere;

b)    Absolver do pedido a Requerida;

c)    Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 9.943,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. 

 

Lisboa, 17.11.2025

 

O Árbitro,

 

 

(Cristina Aragão Seia)